Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ALCIDES RODRIGUES | ||
Descritores: | CONTRATO PROMESSA INCUMPRIMENTO DEFINITIVO MORA INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA DIREITO RESOLUTIVO LEGAL DIREITO RESOLUTIVO CONTRATUAL | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 10/13/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I - Além da resolução fundada na lei, o art. 432.º, n.º 1, do Código Civil estabelece a resolução fundada em convenção; através desta admite que as partes, por convenção, de acordo com o princípio da autonomia privada, concedam a si próprias a faculdade de resolver o contrato quando ocorra certo e determinado facto (v. g., o não cumprimento duma concreta obrigação). II - A tal convenção/estipulação contratual dá-se o nome de cláusula resolutiva expressa. III - Num contexto em que, apesar da verificação da cláusula resolutiva, os promitentes compradores providenciaram para que o promitente vendedor lograsse reunir as condições necessárias para a outorga do contrato definitivo; com o passar do tempo, sem que aquele respondesse às suas inúmeras solicitações, interpelaram-no formalmente a fim de prestar os elementos/informações necessários à marcação da escritura; e só na decorrência da omissão de qualquer resposta a esta solicitação é que enveredaram pela resolução do contrato, o exercício deste direito resolutivo convencional não pode ser postergado em função do tempo entretanto decorrido, pois jamais manifestaram, expressa ou tacitamente, que abdicariam ou renunciariam à invocação daquele direito, sendo que a sua atuação não é contrária ao exercício daquele direito extintivo. IV - Tendo os promitentes compradores, a seu favor, duas cláusulas resolutivas expressas, podiam resolver o contrato, imediatamente, através da declaração escrita dirigida à outra parte (art. 436.º, n.º 1 do CC), sem ter de recorrer e percorrer, para obter tal desiderato, o caminho do art. 808.º, n.º 1, do CC. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório F. A. e A. P. intentaram contra G. C., no Juízo Local Cível de Guimarães - Juiz 3 - do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, a presente acção declarativa, sob a forma comum de processo, peticionando a declaração de resolução do contrato-promessa celebrado entre demandantes e demandado, com consequente condenação do R. no pagamento da quantia de €40.000, correspondente ao dobro do sinal prestado, acrescida de juros moratórios contados desde 12.01.2018 até efectivo e integral pagamento (que quantificam, à data da entrada da p.i. em juízo, em € 4.804); subsidiariamente, peticionam seja declarada verificada a condição resolutiva prevista na cláusula 6.ª desse mesmo contrato-promessa, declarando-se tal contrato resolvido e, em consequência, a condenação do R. a restituir-lhes €20.000, acrescidos de juros moratórios contados desde 12.01.2018 até efectivo e integral pagamento (que quantificam, à data da entrada da p.i. em juízo, em €2.402). Para qualquer dos casos, reclamam ainda a fixação de uma sanção pecuniária compulsória no montante de €50, por cada dia de atraso do R. no cumprimento da obrigação de pagamento. Para tanto, e em resumo, alegam que, por documento escrito outorgado em 12.01.2018, eles, AA., prometeram comprar ao R., que lhes prometeu vender, um determinado prédio, que identificam, tendo-lhe eles, demandantes, entregado a título de sinal e princípio de pagamento a quantia de €20.000. Era sua intenção construir uma vivenda no prédio prometido comprar para lá passarem a habitar impreterivelmente no ano de 2020, facto de que deram conhecimento ao R.. Ficou contratualmente prevista a possibilidade de os demandantes resolverem o contrato celebrado quer caso até 31.12.2018 não fosse emitido o alvará de loteamento onde se integrava o prédio prometido comprar, neste caso com a restituição, pelo R., dos €20.000 pagos, quer caso até 31.12.2018 não fosse distratada uma hipoteca que incidia sobre o referido imóvel, neste caso assumindo o demandado a obrigação de restituir o sinal em dobro. Na data de 31.12.2018 nem o alvará de loteamento estava emitido nem a hipoteca distratada, e que nunca o R. lhes foi dando conhecimento das diligências encetadas com vista ao cumprimento das referidas condições, não obstante as suas insistências nesse sentido, em 23.09.2020 notificaram o demandado solicitando informação sobre a emissão do referido alvará bem como sobre os elementos necessários ao agendamento do contrato definitivo, sem que do R. tivessem obtido qualquer resposta, pelo que em 24.10.2020 procederam à resolução do referido contrato-promessa através de carta registada com aviso de recepção. Apenas em 06.11.2020, e após a recepção da carta resolutiva informou o R. que o alvará de loteamento fora emitido em 23.09.2020. Quanto ao distrate da hipoteca, afirmam que o mesmo só foi efectuado em 06.10.2020. * Citado, contestou o R., pugnando pela total improcedência da ação. Em abono da sua defesa, reconhecendo a celebração do contrato-promessa bem como a consagração das duas cláusulas resolutivas invocadas na p.i. mas negando que nunca tenha dado informações aos AA. sobre o estado das diligências que levava a cabo com vista ao cumprimento das obrigações assumidas, acrescentando que nunca foi interpelado pelos AA. para cumprir o contrato-promessa em causa, bem como que estes é que foram sempre atrasando a celebração do contrato prometido. * Realizada a audiência prévia foi proferido despacho saneador, onde se afirmou a validade e regularidade da instância; foi fixado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova, bem como foram admitidos os meios de prova.* Realizou-se a audiência de julgamento.* Posteriormente, a Mm.ª Julgadora “a quo” proferiu sentença, nos termos da qual decidiu julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência:- Reconheceu a resolução do contrato-promessa de compra e venda celebrado em 12.01.2018 entre AA. e R.; - Condenou o R. no pagamento aos AA. da quantia de € 40.000, acrescida de juros moratórios contados desde 30.10.2020 até efectivo e integral pagamento, absolvendo-o do mais peticionado. * Inconformado, o Réu F. L. interpôs recurso da sentença e, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):«Face ao exposto impõe-se que a sentença recorrida seja revogada e substituída, pois: A. Vem o presente recurso de apelação interposto da douta sentença que julgou procedente a acção, isto porque não pode o Recorrente conformar-se com o teor do mesmo. B. Os Autores intentaram contra o Réu, ora Recorrente, a presente acção declarativa, sob a forma comum de processo, peticionando, pela sua procedência, a declaração de resolução do contrato-promessa celebrado entre demandantes e demandado, com consequente condenação do R. no pagamento da quantia de €40.000, correspondente ao dobro do sinal prestado, acrescida de juros moratórios contados desde 12.01.2018 até efectivo e integral pagamento (que quantificam, à data da entrada da p.i. em juízo, em € 4.804); subsidiariamente, peticionam seja declarada verificada a condição resolutiva prevista na cláusula 6.ª desse mesmo contrato-promessa, declarando-se tal contrato resolvido e, em consequência, a condenação do R. a restituir-lhes €20.000, acrescidos de juros moratórios contados desde 12.01.2018 até efectivo e integral pagamento (que quantificam, à data da entrada da p.i. em juízo, em €2.402). C. Foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e, consequentemente: - Reconheceu a resolução do contrato-promessa de compra e venda celebrado em 12.01.2018 entre AA. e R.; e - Condenou o R. no pagamento aos AA. da quantia de €40.000 (quarenta mil euros), acrescida de juros moratórios contados desde 30.10.2020 até efectivo e integral pagamento, absolvendo-o do mais peticionado. D. Entende o Recorrente, todavia, que se impunha uma decisão diversa da recorrida, mais concretamente que a acção fosse julgada totalmente improcedente, na medida que não houve qualquer incumprimento contratual da sua parte. DOS FUNDAMENTOS DO RECURSO E. Nestas alegações, seguiremos a nossa linha de argumentação bebendo inspiração, sobretudo, no recente e mui douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15.10.2020, em que é relator ALCIDES RODRIGUES. F. O contrato promessa assume-se, pois, como um contrato preliminar ou preparatório do negócio definitivo, um contrato de segurança ou de garantia do negócio prometido. G. O contrato deve ser pontualmente cumprido e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei (art. 406.º, n.º 1 do CC), designadamente, mediante a sua resolução fundada na lei ou em convenção (art. 432°, n.º 1, do CC). H. A simples mora não confere ao contraente fiel o direito (potestativo) de pedir a resolução do contrato, mas tão só o direito de pedir a reparação dos prejuízos que o retardamento causou ao credor – cfr. art. 804.º, n.º 1 do CC. I. Assim, o direito de resolução está sempre condicionado a uma situação de inadimplência (no caso de impossibilidade culposa – art. 801º) e, à semelhança do que sucede com a generalidade dos contratos, também a resolução legal do contrato-promessa pressupõe uma situação de incumprimento definitivo que resultará normalmente da conversão de uma situação de mora através de uma das vias previstas no art.º 808° do CC (seja pela interpelação admonitória, seja pela perda, objetivamente considerada, do interesse do credor). J. O regime geral dos contratos – designadamente as regras atinentes à falta de cumprimento e mora imputáveis ao devedor, entre elas as dos arts. 798º, 801º, 804º e 808º do CC – é aplicável ao contrato-promessa de compra e venda, tal como resulta do disposto genericamente no art. 410º, n.º 1, do CC, tendo este, no entanto, um regime específico (constante dos arts. 442º e 830º do CC) ao nível das sanções aplicáveis ao não cumprimento do contrato, quando tenha havido lugar à constituição de sinal (convencionado ou presumido – arts. 440º e 441º do CC). K. De acordo com o entendimento generalizado, na doutrina (cfr., neste sentido, entre outros, Calvão da Silva, Sinal e Contrato-Promessa, (…), p. 98/103 e Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1987, p. 297; Antunes Varela, Sobre o Contrato-Promessa, p. 70, nota 1; Antunes Varela, RLJ, ano 119, p. 216, Almeida Costa, Contrato-Promessa, Uma síntese do Regime Actual, separata da ROA, ano 50, I, p. 54) e na jurisprudência (cfr., neste sentido, entre outros, os acórdãos do STJ de 22/06/2010 (relator Fonseca Ramos), de 11/02/2015 (relator Gabriel Catarino), de 19/05/2016 (relator Lopes do Rego), de 16/06/2016 (relator Pires da Rosa), de 13/10/2016 (relatora Maria da Graça Trigo), 2/02/2017 (relatora Maria da Graça Trigo) e de 30/11/2017 (relatora Fernanda Isabel Pereira), todos disponíveis in www.dgsi.pt.), salvo se da interpretação da vontade negocial resultar diversamente, o regime legal do sinal é inaplicável em caso de simples atraso no cumprimento. De facto, só o incumprimento definitivo e culposo do contrato-promessa (e o consequente pedido resolutivo) dá lugar às cominações previstas no art. 442°, n. ° 2, do CC, não bastando, para o efeito, a simples mora [que é necessário transformar em incumprimento definitivo, nos termos gerais do art. 808° do CC], porquanto nada justifica que se excecione o contrato-promessa do regime geral aplicável à generalidade dos contratos. L. A simples mora apenas constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor (n.º 1 do art. 804º do CC) e não lhe confere, em princípio, o direito à resolução do contrato. M. No caso de incumprimento do contrato promessa de compra e venda, a nossa lei abre dois caminhos ao contraente não faltoso: a)-a execução específica regulada no art. 830.º do C.C., havendo simples mora; b) - a resolução do contrato, havendo incumprimento definitivo, sendo que apenas este dá origem ao direito previsto no art. 442º, n.º 2 do C.Civil. N. O incumprimento definitivo, na previsão do art. 808º do C.Civil, verifica-se quando o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considerando-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação. O. A mora apenas legitima a resolução quando convertida em incumprimento definitivo (arts. 801º, n.º 2 e 802º, n.º 2 “ex vi” do art. 808º, todos do CC), quer pela perda objetiva de interesse do credor ou, então, pelo recurso à interpelação admonitória, com a fixação de prazo razoável, apenas dispensável se houver uma recusa antecipada do devedor em cumprir. P. Voltando ao caso concreto, constata-se que, na sentença recorrida, face à materialidade fáctica apurada, considerou a Meritíssima Juíza a quo que houve conversão da mora em incumprimento definitivo, por parte do Réu, daí que tenha julgado a acção (parcialmente) procedente. Q. O Recorrente, contudo, discorda desse entendimento, uma vez que, considerando a facticidade apurada supra enunciada, esta não é suficiente para dar como preenchido o referido fundamento legal. Vejamos, DA (VERIFICAÇÃO DA) TRANSFORMAÇÃO DA MORA EM INCUMPRIMENTO DEFINITIVO POR VIA DA INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA R. Na esteira dos doutos Acórdãos do STJ de 10.12.2019 (Raimundo Queirós), do STJ de 10.07.2008 (Alberto Sobrinho), do STJ de 02.02.2017 (Graça Trigo), de 19.12.2018 (Olindo Geraldes), do TRG de 15.10.2020 (Alcides Rodrigues) e do TRG de 04.06.2009 (ROSA TCHING), in www.dgsi.pt., entre muitos outros, a interpelação admonitória deve obedecer a três requisitos cumulativos, quais sejam: i) a intimação para o cumprimento; ii) a fixação de um termo perentório para o cumprimento (que, no caso, foi proposto pela própria ré na sequência do prazo mais curto indicado pelo autor, acabando aquele por ser ratificado pelo contraente não faltoso); e iii) a declaração admonitória ou cominatória de que a mora seria convertida em incumprimento definitivo e o promitente comprador deixava, definitivamente, de ter interesse no negócio, com a consequente devolução do sinal recebido, em dobro, se não se verificasse o cumprimento dentro daquele fixado. S. Desde logo, entendemos que, perante a factualidade dada como provada, nenhum dos três aludidos requisitos se encontra preenchido. T. Com efeito, relativamente ao primeiro requisito, dos factos dados como provados não resulta que aquela comunicação escrita constitua ou consubstancie qualquer intimação para cumprimento, mas antes um pedido de informação (“solicitamos que (…) nos informe (…)”) – cfr. alínea i) dos factos provados. U. Já quanto ao segundo requisito (fixação de um prazo/ termo) a carta enviada pelos Autores ao Réu, em 23.09.2020, não constitui uma verdadeira notificação admonitória, designadamente, para os efeitos previstos no citado art. 808º, nº. 1. É que, nas circunstâncias dos autos e tomando-se por referência uma pessoa normal e de diligência mediana, o prazo fixado de 15 dias, por ser demasiado curto, não pode ser tido como razoável. Acresce ainda que, conforme resulta da factualidade dada como provada, nunca antes os Autores haviam interpelado, verbalmente ou por escrito, o Réu para o cumprimento do aludido contrato. Daí que, na falta de alegação e demonstração da pertinência daquele prazo, seja de concluir negativamente pela razoabilidade do prazo suplementar fixado pelos Autores para a conversão da mora do Réu em não cumprimento definitivo da obrigação. V. Finalmente, relativamente ao terceiro requisito (a admonição ou cominação de que a mora seria convertida em incumprimento definitivo e o promitente comprador deixava, definitivamente, de ter interesse no negócio, com a consequente devolução do sinal recebido, em dobro, se não se verificasse o cumprimento dentro daquele fixado) não houve qualquer admonição ou cominação, mas antes um mero e simples pedido de informação (“solicitamos que (…) nos informe (…)”). Nessa comunicação, em momento, algum é referido que a ausência de resposta, por parte do Réu, seria considerada como um incumprimento definitivo por parte deste. W. E, salvo o devido respeito, que é muito, não pode colher o argumento aduzido pela Meritíssima Juíza a quo quando afirma que “foi fixado um efeito cominatório de inadimplemento definitivo, cominação resulta da expressão “e para evitar o recurso às vias judiciais competentes.”. Efectivamente, não se afigura necessária a utilização da expressão “com a cominação de se ter por definitivamente incumprida a obrigação.” para que tal efeito cominatório se tenha por comunicado. Aliás, para um não jurista afigura-se bem claro que a advertência de que se recorrerá a Tribunal caso não seja satisfeita a interpelação é sinal evidente de que se entende que o comportamento omissivo corresponde a vontade da contra-parte em não cumprir.” – cfr. pág. 13 da sentença recorrida. X. Desde logo, discordamos frontalmente deste entendimento, na medida em que da expressão “para evitar o recurso às vias judiciais” não resulta qualquer admonição ou cominação de que a obrigação se teria por definitivamente não cumprida por parte do Réu. E porque o “recurso às vias judiciais” poderia ser, quer para obter a declaração de resolução do contrato, quer para efeitos de interposição de uma acção de execução específica, para que o contrato fosse cumprido, independentemente da vontade do Réu, conforme previsto nos artigos 442.º, n.º 3 e 830.º do C.C.. E não se pode exigir do Réu que este tenha dotes de vidente… e que soubesse quais as reais e verdadeiras intenções e pretensões dos Autores. Y. Consequentemente, nenhum relevo assume, para efeitos de interpelação admonitória e consequente transformação da mora em incumprimento definitivo, a referida carta de 23.09.2020, enviada pelos Autores ao Réu, na medida em que não se encontra preenchido nenhum dos três requisitos cumulativos para converter a mora do Réu em incumprimento definitivo. Z. Daí que a acção, salvo melhor opinião, deva ser julgada totalmente improcedente. AA. A sentença recorrida violou, assim, os artigos 410.º, 437.º, 442.º, 790.º e ss. e 801.º, 804.º, 808.º e 830.º do Código Civil. Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. no que o patrocínio se revelar insuficiente, deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência, ser revogada a sentença que julgou procedente a acção, devendo a mesma ser substituída por acórdão que julgue a acção totalmente improcedente, só assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!». * Contra-alegaram os autores, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da sentença recorrida.* O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo da decisão.* Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.* II. Delimitação do objeto do recurso O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado [cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho]. No caso, apresentam-se as seguintes questões a decidir: i) - Da (in)verificação da transformação da mora em incumprimento definitivo, por via da interpelação admonitória; ii) - Da verificação das cláusulas resolutivas expressas. * III. FundamentosIV. Fundamentação de facto. - A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos: a) Por escrito particular datado de 12.01.2018 o R. prometeu vender aos AA., que prometeram comprar àquele, livre de quaisquer ónus ou encargos, e pelo preço de €54.000, uma parcela de terreno do prédio rústico situado no Lugar ..., da União das Freguesias de ... e ..., concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º … de ... e inscrito na matriz sob o art. ...º, com a área de 35.333 m2, correspondente ao Lote .. do Proc. de loteamento n.º …, com o Reg. n.º 230/18, de 10.01.2018, apresentado na Câmara Municipal de …, com a área de 836 m2, a confrontar do Norte com o Lote 8 do mesmo processo de loteamento, do Sul e Nascente com arruamento do loteamento do proc. n.º 21/18 e do Poente com o R.; b) O preço referido em a) seria pago: - €20.000 através de transferência bancária, no prazo máximo de 4 dias úteis a contar da assinatura do contrato, a título de sinal e princípio de pagamento; - €34.000 no acto da escritura de compra e venda; c) A escritura da compra e venda seria celebrada no prazo máximo de oito dias após a emissão do Alvará de loteamento do Proc. de Loteamento n.º 21/18, com o Reg. n.º 230/18, de 10.01.2018, apresentado na Câmara Municipal de ...; d) A escritura de compra e venda seria marcada pelos AA. em dia e hora a designar, avisando o promitente vendedor, ora R., por via postal registada, expedida com a antecedência mínima de oito dias, ou por qualquer outro meio mais expedito, devendo para tal o R. avisar os AA. da emissão pela Câmara Municipal do alvará de Loteamento referido em c) bem como fornecer todos os elementos necessários para o efeito; e) Lê-se na cláusula 6.ª do documento referido em a) que “se o Alvará de loteamento a emitir pela Câmara Municipal de ... do proc. de loteamento n.º 21/18, referido na cláusula 5.ª, não for emitido até 31 de Dezembro de 2018, os representados da 3.ª Outorgante [aqui AA.]. poderão rescindir o presente contrato promessa de compra e venda e no caso de rescisão receberão a quantia entregue como sinal e princípio de pagamento, ou seja, € 20.000,00 (vinte mil euros), acrescida dos respectivos juros”; f) Lê-se na cláusula 7.ª do documento referido em a) que “Uma vez que incide sobre o prédio rústico identificado na cláusula 1ª uma hipoteca voluntária a favor da Câmara Municipal de ..., com o fundamento de “Garantia das obras de infra-estruturas impostas pelo loteamento n.º 5/17, de 7 de março, emitido pela Câmara Municipal de ...”, se até 31 de Dezembro de 2018, não houver distrate de hipoteca voluntária referente ao lote 7, referido na cláusula 2.ª, os AA. poderão rescindir o presente contrato promessa de compra e venda e no caso de rescisão receberão em dobro a quantia entregue como sinal e princípio de pagamento, ou seja, € 40.000,00 (quarenta mil euros), acrescida dos respectivos juros.”; g) Os AA. no dia 16.01.2018, efectuaram a transferência da quantia de € 20.000; h) O R. nunca informou os AA., nem por si, nem por intermédia pessoa, nomeadamente, através do Sr. L. G., indicado pelo R. como seu representante, das diligências que iam sendo encetadas para a emissão pela Câmara Municipal do Alvará de Loteamento mencionado em c), nem sobre qualquer outro assunto relacionado com o dito contrato promessa de compra e venda, apesar das inúmeras insistências dos AA., limitando-se o referido representante do R., o Sr. L. G., sempre que interpelado pelos AA., a dizer-lhes para não se preocuparem, que o processo de loteamento referente ao contrato promessa referido em a) estava a atrasar na Câmara Municipal de ... porque o Engenheiro da referida Câmara Municipal responsável pelo assunto não gostava dele; i) Ante o referido em h), por carta registada datada de 23.09.2020 e nesse dia remetida e recepcionada pelo R. os AA. notificaram-no para no prazo máximo de 15 dias, a contar da recepção da carta e para evitar o recurso às vias judiciais, os informar quando fora emitido pela Câmara Municipal de ... o alvará de loteamento mencionado em c), bem como lhes fornecer todos os elementos necessários para marcarem a escritura de compra e venda; j) Por carta registada datada de 24.10.2020 e recepcionada pelo R. em 30.10.2020 os AA. comunicaram-lhe, entre o mais, que “No dia 20 de Setembro, por carta registada, solicitamos que, no prazo máximo de 15 dias, nos informasse quando foi emitido pela Câmara Municipal de ... o alvará de Loteamento bem como nos fornecesse todos os elementos necessários para a marcação da escritura definitiva, sendo que até à presente data não obtivemos resposta. Assim, uma vez que até 31 de Dezembro de 2018 não foi emitido o alvará de loteamento do Processo de loteamento n.º 21/18 com o Reg. n.º 230/18, de 10.01.2018, pela Câmara Municipal de ... ao abrigo do estipulado na cláusula 6.ª do contrato promessa de compra e venda, e assim como também até 31 de Dezembro não houve distrate da hipoteca voluntária a favor da Câmara Municipal de ... sobre o prédio rústico identificado na cláusula 1.ª do mencionado contrato promessa de compra e venda , nomeadamente referente ao lote 7, ao abrigo do estipulado na cláusula 7.ª do mesmo contrato, vimos por este meio rescindir o referido contrato promessa de compra e venda entre nós celebrado e solicitar o pagamento em dobro da quantia entregue como sinal e princípio de pagamento, ou seja, €40.000, acrescida dos respectivos juros , no prazo máximo de 8 dias para o seguinte IBAN (...)”.; k) O R. respondeu à carta referida em i) por cartas remetidas aos AA. em 06.11.2020, comunicando-lhes que “Acuso a recepção da V/ carta, datada de 23.09.2020, cujo teor mereceu a minha melhor atenção. Em resposta à mesma, informo que já foi emitido o alvará de loteamento com o n.º 18/20. Este alvará foi emitido no passado dia 23.09.2020. Assim sendo, e estando agora reunidas as condições para a marcação da escritura de compra e venda, vou comunicar à empresa para que proceda à marcação da mesma, conforme o estipulado na cláusula 8.ª do contrato promessa celebrado.”; l) O alvará de loteamento mencionado em c) foi emitido em 23.09.2020; m) O distrate da hipoteca mencionado em f) foi efectuado em 06.10.2020. * - E deu como não provados os seguintes factos:«Com relevo para a decisão a proferir não se provaram quaisquer outros factos que não os enumerados em 1.1., designadamente: a) Que fosse imprescindível, para os AA. estarem a residir em 2020 em moradia construída no lote identificado em 1.1.a); b) Que o R. conhecesse essa imprescindibilidade; c) Que os AA., em finais de Setembro de 2020, tenham verificado que até àquela data ainda não tinha havido distrate da hipoteca voluntária mencionada em 1.1.f); d) Que a remessa da carta mencionada em 1.1.j) tenha sido motivada pela constatação referida em 1.2.c); e) Que em finais de Setembro de 2020 o R., ou alguém a seu mando, tenha comunicado verbalmente aos AA. que o alvará de loteamento havia sido emitido e a hipoteca distratada». * V. Fundamentação de direito..1. Nota prévia. Ressalvando sempre o devido respeito por opinião contrária, afigura-se-nos que tanto a sentença recorrida, como a apelação deduzida carecem duma petição de princípio, qual seja a de se alicerçarem nos pressupostos da resolução legal, quando – por referência à causa de pedir delineada na petição inicial e aos concretos fundamentos invocados na carta de resolução do contrato – se depreende estar antes em causa o instituto da resolução fundada em convenção. Como adiante melhor explicitaremos, na sentença recorrida a Mmª Juíza “a quo” discorreu sobre a diferença entre a mora e o incumprimento definitivo, sobre o modo como a primeira se converte (designadamente, com a interpelação admonitória) em incumprimento definitivo e sobre os requisitos da resolução contratual fundada na lei. Foi essencialmente a esta luz e nesta perspectiva – da resolução legal – que a sentença recorrida apreciou e verificou os pressupostos resolutivos. Não deixou, contudo, de tecer breves considerações sobre as cláusulas resolutivas estipuladas no contrato objeto dos autos, da sua verificação e de que o incumprimento do promitente vendedor seria sempre tido como definitivo a partir de 1/01/2019. Feita esta breve nota preliminar, não deixaremos de nos debruçar sobre as duas hipóteses em apreço – direito resolutivo legal/direito resolutivo convencional –, tendo presente que, nos termos prescritos no art. 5º, n.º 3 do CPC, o tribunal «não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito». Incumbe, por isso, ao tribunal proceder a qualificação jurídica que julgue adequada, contanto que se mantenha dentro da fronteira da factualidade alegada e provada e nos limites do efeito prático-jurídico pretendido (1). * 2. – Da (in)verificação da transformação da mora em incumprimento definitivo, por via da interpelação admonitória.2.1. Considerações gerais. Não vem posto em causa, como decidido, que os autores e o réu celebraram entre si, validamente, um contrato-promessa bilateral de compra e venda de um imóvel, com eficácia obrigacional (arts. 410º e 413º do CC). Com efeito, provou-se que, por escrito particular datado de 12.01.2018, o R. prometeu vender aos AA., que prometeram comprar àquele, livre de quaisquer ónus ou encargos, e pelo preço de €54.000, uma parcela de terreno do prédio rústico situado no Lugar ..., da União das Freguesias de ... e ..., concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º … de ... e inscrito na matriz sob o art. ...º, com a área de 35.333 m2, correspondente ao Lote 7 do Proc. de loteamento n.º 21/18, com o Reg. n.º 230/18, de 10.01.2018, apresentado na Câmara Municipal de ..., com a área de 836 m2, a confrontar do Norte com o Lote 8 do mesmo processo de loteamento, do Sul e Nascente com arruamento do loteamento do proc. n.º 21/18 e do Poente com o R.; Dispõe o art. 410º, n.º 1 do Código Civil (doravante, abreviadamente, CC) que o contrato promessa consiste na “convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato”, sendo-lhe aplicáveis as disposições legais que regulam o contrato prometido, excetuadas as que, pela sua própria razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato promessa. O contrato promessa, como ensina o Prof. Antunes Varela (2), é “a convenção pela qual ambas as partes, ou apenas umas delas, se obrigam, dentro de certo prazo ou verificados certos pressupostos, a celebrar determinado contrato” (v.g., compra e venda, locação, mandato, etc.), isto é, o chamado contrato prometido. O contrato promessa tem como objeto um negócio jurídico (unilateral ou bilateral e de eficácia obrigacional ou real) e gera, necessariamente, uma ou duas obrigações de contratar, ou, por outras palavras, uma ou duas obrigações de emitir a declaração de vontade correspondente ao negócio prometido (3). O objeto destas obrigações é uma prestação de facto jurídico positivo (uma prestação de facere jurídico), que consiste na "emissão de uma declaração negocial destinada a celebrar o contrato prometido” (4), a que corresponde o direito de crédito da contraparte de exigir o seu cumprimento. Assim, na promessa bilateral de compra e venda, a obrigação a que os contraentes se obrigam é a de outorgarem, respetivamente, como comprador e como vendedor, num futuro contrato de compra e venda (contrato prometido ou definitivo). É em si uma convenção completa, que se distingue do contrato subsequente. O contrato promessa assume-se, pois, como um “contrato preliminar ou preparatório do negócio definitivo, um contrato de segurança ou de garantia do negócio prometido” (5). Feito o antecedente enquadramento e tendo em conta as pretensões do réu/apelante cumpre, sim, indagar se (contrariamente ao decidido na sentença recorrida) a resolução do contrato-promessa operada pelos autores é infundada. * 2.2. O contrato deve ser pontualmente cumprido e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei (art. 406º, n.º 1, do CC), designadamente, mediante a sua resolução fundada na lei ou em convenção (art. 432°, n.º 1, do CC). Trata-se, no fundo, da consagração do velho princípio “pacta sunt servanda”, o qual deve ser entendido como significando que o contrato deve ser cumprido não apenas no aspecto temporal, mas em toda a linha, em todos os sentidos, “ponto por ponto” (6). O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado (art. 762º, n.º 1, do CC). “No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé” – n.º 2 do mesmo artigo. Salvo convenção, disposição legal ou uso em contrário, a prestação deverá ser efetuada integralmente e não por partes (art. 763º do CC). Assim sendo, sempre que o devedor não cumpra a prestação a que está vinculado ou a tenha realizado em desrespeito de qualquer dos princípios referidos, estar-se-á perante uma situação de não cumprimento do dever obrigacional. O devedor que falte culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que cause ao credor (art. 798º do CC). Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua (art. 799º, n.º 1, do CC). A culpa do devedor é apreciada em termos abstratos, pela diligência de um bom pai de família, mercê da remissão para o art. 487º, n.º 2, do CC feita pelo art. 799º, n.º 2, do mesmo diploma legal. * 2.3. O conceito de não cumprimento abrange várias modalidades de não realização da prestação enquanto devida.O incumprimento é uma figura heterogénea e vasta onde cabem (7): a) O incumprimento definitivo, propriamente dito (arts. 798º e 799º do CC); b) A impossibilidade de cumprimento (arts. 790º a 795 e 801º a 803º do CC); c) A conversão da mora em incumprimento definitivo (art. 808º, n.º 1, do CC); d) A declaração antecipada de não cumprimento e a recusa categórica de cumprimento, antecipada ou não; e) E, talvez ainda, o cumprimento defeituoso (art. 799º do CC). Adotando o critério proposto por Menezes Leitão (8), definiríamos “o não cumprimento como a não realização da prestação devida, por causa imputável ao devedor, sem que se verifique qualquer causa de extinção da obrigação”. Ficam, assim, excluídas as causas de incumprimento que não são imputáveis a conduta do devedor, v.g. impossibilidade objetiva da prestação que constitui causa de extinção – art. 790º, n.º 1, do CC. A violação do dever de prestar, por causa imputável ao devedor, pode revestir uma dupla forma (consoante a prestação se torna definitivamente impossível ou se atrasa): o não cumprimento definitivo ou falta de cumprimento (inadimplemento ou inadimplência) e a mora (9). Esta segunda hipótese – mora do devedor (que é um simples incumprimento temporário) – verifica-se quando, por causa que lhe seja imputável (i. é, que provenha de culpa sua), a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido (art. 804º, n.º 2, do CC). O devedor não executou a obrigação quando ela se vence, mas poderá vir a executá-la mais tarde, dado que a prestação na sua forma originária continua a ser materialmente possível e o credor continua a ter interesse nela. Dá-se, então, um simples retardamento, demora ou dilação no cumprimento da obrigação, e não uma falta definitiva de realização da prestação debitória. A simples mora apenas constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor (n.º 1 do art. 804º do CC) e não lhe confere, em princípio, o direito à resolução do contrato. Na referida primeira hipótese, a prestação impossibilita-se e de vez, torna-se em definitivo irrealizável – aqui ocorre a não realização definitiva da prestação debitória. O incumprimento (definitivo) a originar a resolução do contrato, nos termos do art. 432.º do CC, supõe que, a montante, se verifique uma situação de não cumprimento transitório que venha a converter-se naquele, através da ocorrência de uma situação de facto unívoca. Para o efeito o incumprimento definitivo restringe-se, nuclearmente, às seguintes situações (10): 1 - Recusa de cumprimento; 2 - Termo essencial (prazo fatal); 3 - Cláusula resolutiva expressa (impositiva de irretratabilidade); 4 - Interpelação admonitória; 5 - Perda de interesse do credor apreciada objetivamente. No caso de incumprimento do contrato promessa de compra e venda, a nossa lei abre dois caminhos ao contraente não faltoso (11): a) - a execução específica regulada no art. 830.º do CC, havendo simples mora; b) - a resolução do contrato, havendo incumprimento definitivo, sendo que apenas este dá origem ao direito previsto no art. 442º, n.º 2 do CC. O incumprimento definitivo, na previsão do art. 808º do CC, verifica-se quando o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considerando-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação. A mora apenas legitima a resolução quando convertida em incumprimento definitivo (arts. 801º, n.º 2 e 802º, n.º 2 “ex vi” do art. 808º, todos do CC), quer pela perda objetiva de interesse do credor ou, então, pelo recurso à interpelação admonitória, com a fixação de prazo razoável, apenas dispensável se houver uma recusa antecipada do devedor em cumprir. O n.º 1 do art. 808º do CC enuncia claramente duas possibilidades de a mora se converter em incumprimento definitivo: a) em consequência da perda objetiva de interesse do credor na prestação; b) em consequência da ultrapassagem do novo prazo razoável fixado pelo credor para o devedor cumprir finalmente a prestação em falta. Não se trata, porém, de situações cumulativas ou que devam funcionar em conjunto. Pelo contrário, estes dois modos de conversão da mora em incumprimento definitivo são alternativos e independentes entre si, ainda que possam ocorrer em simultâneo, tendo um pressuposto comum necessário (12): que o devedor esteja em mora, que a sua obrigação esteja vencida. Para além dos casos em que a mora, em conjugação ou não com outras causas, fez desaparecer o interesse do credor na prestação, há que ter em conta todos os outros em que tal não acontece (13), mas nos quais não seria legítimo obrigar o credor a esperar indefinidamente pelo cumprimento por parte do devedor, continuando aquele adstrito ao cumprimento da sua contraprestação e à aceitação da realização extemporânea da obrigação omitida. Com efeito, o credor tem legítimo interesse em libertar-se do vínculo contratual que se encontra na base da obrigação omitida pelo vendedor, e, tendo em conta que apenas o incumprimento definitivo legitima a resolução, as consequências decorrentes da mora mostram-se redutoras para, em determinados casos, acautelar convenientemente o seu interesse, porquanto limitadas ao ressarcimento dos danos moratórios (14). Por isso, a lei prevê a possibilidade de o credor (parte não inadimplente), uma vez incurso em mora o devedor, fixar a este um prazo suplementar razoável – mas perentório – dentro do qual se deverá verificar o cumprimento, sob pena de resolução automática do negócio, que pode conduzir às consequências do art. 801º do CC, se a obrigação não for cumprida dentro desse prazo fixado na mesma interpelação ou intimação. A situação está prevista na 2ª parte do n.º 1 do art.º 808º do CC, na parte em que se prescreve que, se a prestação “não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação”. Nas elucidativas palavras de Antunes Varela (15), a interpelação admonitória consagrada no art. 808.º constitui «uma ponte essencial de passagem do atravessadouro (lamacento e escorregadio) da mora para o terreno (seco e limpo) do não cumprimento definitivo da obrigação». Trata-se de uma intimação formal dirigida ao devedor moroso para que cumpra a sua obrigação dentro de certo prazo, sob pena de se considerar o seu não cumprimento como definitivo – através da fixação de um prazo perentório, obtém-se uma clarificação definitiva de posições. Trata-se, na generalidade dos casos, de um ónus imposto ao credor que pretenda converter a mora em não cumprimento definitivo (16) (17). Essa interpelação admonitória – que pressupõe que o credor tenha ainda qualquer interesse no cumprimento – deve conter três elementos: a) a intimação para o cumprimento; b) a fixação de um termo perentório, e preciso, para o cumprimento; c) a admonição ou a cominação (declaração admonitória) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida, caso não seja cumprida dentro daquele prazo suplementar (18). Diz a lei que o prazo fixado pelo credor deve ser um prazo razoável, atenta a natureza da prestação – o prazo razoável será aquele que o for para o aprestamento da prestação, embora também não deva ser tal que prejudique ou faça desaparecer o interesse do credor. Tem-se entendido que o prazo razoável fixado pelo credor para a dita conversão, se o devedor não cumprir, tanto se aplica às obrigações sem prazo (inicial) estabelecido, como às obrigações com prazo inicialmente fixado (19). Para que possa validar-se a interpelação admonitória impõe-se que o prazo fixado “ab initio” não tenha sido clausulado, expressa e inequivocamente, como prazo fatal e que tenha havido um retardamento da prestação. Todavia, enquanto o interesse do credor na prestação se mantiver e se quiser que a mora do devedor se converta em verdadeira falta de cumprimento, com as consequências jurídicas que o inadimplemento liberta, terá ele que dar nova oportunidade ao devedor em mora para que cumpra a sua obrigação. A interpelação admonitória do devedor em mora prevista no n.º 1 do art. 808.º do CC, como explicita Antunes Varela (20), é efetuada sob a simples advertência de, não sendo ela acatada por parte do interpelado, a obrigação se considerar, para todos os efeitos, como não cumprida. A vantagem prática dessa formulação provém do facto de a interpelação admonitória fracassada ou frustrada não fechar ao credor insatisfatório a possibilidade de recurso à realização coactiva da prestação em dívida e à correspondente manutenção do contrato. A interpelação admonitória não surge como um simples pressuposto da resolução do contrato, mas antes como uma ponte obrigatória de passagem de tal ocorrência transitória da mora para o cumprimento da obrigação ou para a situação do não cumprimento (definitivo) da obrigação. E a dita interpelação admonitória do devedor não constitui apenas um poder (ou faculdade) conferido ao credor, porque representa ao mesmo tempo um verdadeiro ónus que a lei lhe impõe (porque, querendo converter a mora do devedor em não cumprimento definitivo da obrigação, o credor tem necessidade de recorrer a ela, concedendo ao devedor nova chance de cumprir). E, para o devedor interpelado, ela representa, não só uma notificação (que o constitui no dever de prestar dentro do prazo fixado pelo interpelante, sob pena de ficar sujeito às sanções próprias da inadimplência da obrigação), mas também uma excepção (através da qual ele pode afastar, invocando a falta da interpelação prévia, a aplicação de qualquer das sanções correspondentes ao não cumprimento definitivo, apesar de inequivocamente ter faltado ao cumprimento da obrigação, quando incorreu em mora) (21). Como adverte o citado autor (22), não é necessário, porém, que a advertência do credor interpelante vá até ao ponto de ameaçar o devedor em mora com a resolução imediata do contrato (23) (24) (25). Primeiro, porque pode suceder que, com a interpelação admonitória, o credor pretenda apenas tornar mais clara e segura a possibilidade de realização coactiva da prestação, com a indemnização correspondente. Segundo, porque mesmo quando a intenção do credor interpelante seja a de promover a resolução do contrato, se o devedor não cumprir dentro do prazo fixado, nada impede que, frustrada a interpelação, o credor decida optar pelo recurso à realização coactiva da prestação (nomeadamente a execução específica do contrato-promessa, a que se refere o art. 830º do CC), visto nenhum interesse do devedor digno de tutela se opor a essa mudança de agulha na vontade do credor. Considerando exclusivamente o caso do contrato promessa, Antunes Varela (26) refere que, ao efetuar a interpelação admonitória, concedendo ao notificado prazo para cumprir, o promitente comprador não quer necessariamente significar que, no caso de o interpelado voltar a não cumprir, ele se desinteressa definitivamente do contrato e dá este por resolvido, com as sanções adequadas. Ele pode simplesmente querer dizer, com a referida interpelação, que pretende dar ao contraente faltoso a derradeira possibilidade de cumprir voluntariamente, sem a aplicação de qualquer sanção (excetuando o dano moratório, se este porventura tiver existido). Nos termos da denominada interpelação admonitória – qualificada por Pinto Oliveira (27) como princípio das duas oportunidades ou da segunda oportunidade –, o devedor que não cumpre à primeira (a tempo) deve ter a oportunidade de cumprir à segunda – dentro de um prazo razoável depois do tempo (devido). Ou bem que aproveita, cumprindo – e indemnizando o credor pelos danos ou prejuízos causados pelo seu atraso –, ou bem que não a aproveita, não cumprindo. O direito potestativo previsto, por ex., nos arts. 801º, n.º 2, e 802º do CC, só pode em princípio ser exercido desde que o devedor desaproveite duas oportunidades para cumprir e desde que se passe o segundo degrau. Sendo certo que pode acontecer que a simples mora inviabilize logo a realização do contrato, como genericamente o admite o art. 808º do CC, no seu n.º 1, ao preconizar que a obrigação se tem como não cumprida quando a mora faça desaparecer o interesse do credor na prestação. Nestes casos já não haverá necessidade da interpelação admonitória para resolução do contrato, embora essa perda de interesse tenha de ser apreciada objetivamente, tal como se dispõe no n.º 2 do art.º 808.º do CC, isto é, que se revele através de dados factuais, de comportamentos, ações ou omissões, que indubitavelmente demonstrem que a perda de interesse se equipara ao não cumprimento definitivo da obrigação. * 2.4. Em caso de incumprimento definitivo, o credor pode ter direito a exigir um de quatro meios jurídicos (eventualmente cumulando) (28):- resolução do contrato; - indemnização de danos; - redução da sua contraprestação; - commodum de representação (art. 803º, n.º 1, do CC). A resolução do contrato é, como se disse, um dos casos admitidos na lei para a modificação ou extinção do direito (arts. 432º e 437º do CC). A resolução é a destruição da relação contratual, validamente constituída, por um dos contraentes, com base em facto posterior à celebração do contrato (29). Como estrutura negocial, a resolução surge como uma faculdade, integrando, normalmente, uma declaração extrajudicial não sujeita a qualquer formalidade (arts. 436.º e 224.º do CC). A resolução de um vínculo contratual pode ocorrer por convenção ou vontade das partes e/ou fundada na lei – cfr. art. 432.º, n.º 1 do CC. Para além das diversas situações em que a lei consagrou especialmente a possibilidade de uma das partes resolver o contrato – a título de exemplo, os arts. 437.º; 891.º; 966.º; 1140.º; 1150.º; 2248.º –, a resolução pode ser acionada quando um contraente deixe, definitiva e culposamente, de cumprir a prestação a que estava adstrito. É o que resulta dos arts. 798.º e 801.º, n.º 2 do CC: o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação toma-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor, sendo certo que (tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral) o credor, face à impossibilidade do cumprimento pode, independentemente do direito à indemnização, resolver o contrato (30). O direito de resolução (por incumprimento da obrigação) é um direito potestativo extintivo e depende de um fundamento – o que significa que precisa de se verificar um facto que crie esse direito, ou melhor, um facto ou situação a que a lei liga como consequência a constituição (o surgimento) desse direito potestativo. Tal facto ou fundamento é, no que aqui releva, o facto de incumprimento ou situação de inadimplência (31). A simples mora não confere ao contraente fiel o direito (potestativo) de pedir a resolução do contrato, mas tão só o direito de pedir a reparação dos prejuízos que o retardamento causou ao credor – cfr. art. 804.º, n.º 1 do CC (32). Assim, o direito de resolução está sempre condicionado a uma situação de inadimplência (no caso de impossibilidade culposa – art. 801º) e, à semelhança do que sucede com a generalidade dos contratos, também a resolução legal do contrato-promessa pressupõe uma situação de incumprimento definitivo que resultará normalmente da conversão de uma situação de mora através de uma das vias previstas no art. 808° do CC (seja pela interpelação admonitória, seja pela perda, objetivamente considerada, do interesse do credor) (33). * 2.5. Na sentença recorrida, face à materialidade fáctica apurada, a Mmª Juíza “a quo” considerou que a comunicação datada de 23/09/2020, enviada pelos Autores ao Réu, reunia todos os requisitos legais de uma interpelação admonitória, pelo que, não tendo sido a mesma objeto de resposta atempada, julgou demonstrada a conversão da mora (do R.) em incumprimento definitivo e, nessa conformidade, considerou validamente resolvido o contrato-promessa de compra e venda em 30.10.2020, data em que o R. foi notificado dessa resolução.Consequentemente, condenou o promitente-vendedor no pagamento do dobro do sinal. O recorrente discorda desse entendimento, na medida em que considera que a facticidade apurada não é suficiente para dar como preenchido nenhum dos três requisitos da interpelação admonitória, questionando, pois, os elementos dessa interpelação. Como se disse, no que respeita ao conteúdo da interpelação admonitória que a cominação prevista no art. 808º deve respeitar, desdobra-se a mesma em três elementos: a) a intimação para o cumprimento; b) a fixação de um terminus ad quem peremptório para esse cumprimento; c) a cominação – declaração admonitória – de que a obrigação se considera definitivamente não cumprida se a realização da prestação devida se não verificar dentro do prazo suplementar fixado (34). Na sentença recorrida, a Mmª Juíza “a quo” aduziu a seguinte argumentação: i) ficou provado que era sobre os AA. que recaía a obrigação de agendar a outorga do contrato prometido, mas que apenas o poderiam fazer após a comunicação do R. de que fora emitido pela Câmara Municipal o alvará de Loteamento referido em 1.1.c), bem como após o fornecimento de todos os elementos necessários para o efeito; ii) Mais se provou que, por carta registada datada de 23.09.2020 e nesse dia remetida e que foi recepcionada pelo R., os AA. notificaram-no para, no prazo máximo de 15 dias, a contar da recepção da carta e para evitar o recurso às vias judiciais, os informar quando fora emitido pela Câmara Municipal de ... o alvará de loteamento mencionado em c), bem como lhes fornecer todos os elementos necessários para marcarem a escritura de compra e venda; iii) «Esta comunicação reúne todos os requisitos de uma interpelação admonitória: o R. foi notificado para informar os AA. quando fora emitido pela Câmara Municipal de ... o alvará de loteamento mencionado em 1.1.c), por forma a permitir-lhes o agendamento da escritura de compra e venda, talqualmente acordado entre as partes; foi fixado um prazo peremptório para esse efeito (15 dias); e foi fixado um efeito cominatório de inadimplemento defnitivo, cominação resulta da expressão “e para evitar o recurso às vias judiciais competentes.”. Efectivamente, não se afigura necessária a utilização da expressão “com a cominação de se ter por definitivamente incumprida a obrigação.” para que tal efeito cominatório se tenha por comunicado. Aliás, para um não jurista afigura-se bem claro que a advertência de que se recorrerá a Tribunal caso não seja satisfeita a interpelação é sinal evidente de que se entende que o comportamento omissivo corresponde a vontade da contra-parte em não cumprir». Com o devido respeito por tal posição, não concordamos que a carta datada de 23/09/2020 preencha os requisitos necessários da interpelação admonitória tendentes à conversão da situação de mora do promitente vendedor em incumprimento definitivo do contrato. Relativamente ao primeiro requisito – intimação formal, ao credor oneroso, para o cumprimento da obrigação –, não decorre da comunicação escrita datada de 23.09.2020 qualquer intimação para o cumprimento, mas tão só um pedido de informação da data da emissão, pela Câmara Municipal de ..., do alvará de loteamento mencionado em c), bem como o pedido de fornecimento de todos os elementos necessários para os AA./recorrentes poderem marcar a escritura de compra e venda. O que significa que a referida missiva versa sobre o cumprimento duma obrigação acessória a cargo do promitente vendedor, tida como pressuposto para habilitar os promitentes compradores a providenciarem pela marcação da dita escritura relativa ao negócio prometido. Sendo certo que o objecto imediato do contrato-promessa se traduz no contrato prometido, tem sido entendido que a interpelação admonitória tem de se referir ao cumprimento dessa obrigação principal, que não ao de qualquer outra obrigação acessória, ainda que indispensável à cabal realização daquela (35). Assim, não existirá o direito de resolução se a obrigação contratual incumprida for uma obrigação secundária ou acessória (salvo, quanto a esta, se o seu incumprimento se projetar no inadimplemento da obrigação principal), desvinculada da obrigação da contraparte (36). No circunstancialismo fáctico apurado, não obstante a prestação de tais informações/elementos pelo R. ser pressuposto ou condicionante à instrução e marcação da escritura definitiva, a referida interpelação por si só não tem a virtualidade de valer como intimação com vista à cessação da mora do promitente vendedor. No tocante ao segundo requisito – fixação de um termo perentório para o cumprimento –, entende-se que o mesmo se mostra verificado, posto que foi estabelecido um prazo adicional e perentório para a prestação de tais informações e elementos (prazo máximo de 15 dias, a contar da recepção da carta). Quanto à alegação (do recorrente no sentido) de o aludido prazo ser demasiado curto e não poder ser tido como razoável, dever-se-á ter presente, em primeiro lugar, que o R. nunca informou os AA., nem por si, nem por intermédia pessoa, nomeadamente, através do Sr. L. G., indicado pelo R. como seu representante, das diligências que iam sendo encetadas para a emissão pela Câmara Municipal do Alvará de Loteamento mencionado em c), nem sobre qualquer outro assunto relacionado com o dito contrato promessa de compra e venda, apesar das inúmeras insistências dos AA., limitando-se o referido representante do R., o Sr. L. G., sempre que interpelado pelos AA., a dizer-lhes para não se preocuparem, que o processo de loteamento referente ao contrato promessa referido em a) estava a atrasar na Câmara Municipal de ... porque o Engenheiro da referida Câmara Municipal responsável pelo assunto não gostava dele. E, em segundo lugar, resultou provado que o alvará de loteamento foi emitido em 23.09.2020 e o distrate da hipoteca foi efectuado em 06.10.2020, ou seja, dentro do período temporal dos 15 dias fixados pelos promitentes compradores, sem que se mostre provado nos autos que, em finais de setembro de 2020, o R., ou alguém a seu mando, tenha comunicado verbalmente aos AA., quer a emissão do alvará de loteamento, quer o distrate da hipoteca [al. e) dos factos não provados)]. Não se desconhecendo que a resposta de não provado a um determinado facto equivale tão só à não alegação dessa facticidade, e não à prova do facto contrário, certo é que o R./recorrente não logrou provar, como lhe competia, que naquele prazo prestou tais informações ou elementos aos AA., os quais eram indispensáveis ao agendamento da escritura pública. Mas no que aqui releva, limitar-nos-emos a concluir pela pertinência do prazo suplementar fixado na dita missiva, bem como da sua razoabilidade, posto que os autos evidenciam que nesse hiato temporal foram efetivamente verificadas as duas condições que alegadamente estariam a obstar à concretização da outorga do contrato definitivo e cujo conhecimento era almejado pelos AA. Todavia, quanto ao terceiro requisito – declaração admonitória ou cominatória de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro do prazo suplementar fixado –, entendemos que o mesmo (também) não se mostra verificado. De facto, a solicitação de tais informações e elementos, no prazo máximo de 15 dias, “e para evitar o recurso às vias judiciais competentes”, não consubstancia, a nosso ver, qualquer declaração admonitória ou cominatória. Da cominação aí anunciada não se extrai que a falta de resposta no prazo suplementar fixado determinaria o incumprimento definitivo do contrato, por parte do promitente vendedor. A utilizada expressão “e para evitar o recurso às vias judiciais competentes” é equivoca e geradora de diversas interpretações, dela não resultando, mesmo para um não jurista – e ao contrário do aduzido na sentença recorrida –, que “o comportamento omissivo corresponde à vontade da contraparte em não cumprir”. Da referida expressão não decorre qualquer admonição ou cominação de que a obrigação se consideraria definitivamente não cumprida por parte do Réu, posto que o “recurso às vias judiciais”, atento o seu sentido polissémico, poderia reportar-se quer à conversão da mora em incumprimento definitivo do contrato, quer ao ressarcimento dos prejuízos causados pelo atraso (mora) do promitente vendedor, quer – como salienta o recorrente – à obtenção da declaração de resolução do contrato por incumprimento definitivo, ou mesmo da realização coactiva da prestação (execução específica), para que o contrato fosse cumprido, independentemente da vontade do Réu, conforme previsto nos arts. 442.º, n.º 3 e 830.º do CC. O referido segmento da comunicação admonitória padece de equivocidade, deixando o devedor na dúvida se a falta de acatamento do solicitado (no caso, o cumprimento da obrigação acessória) será gerador do termo do contrato. A dita interpelação não contém – clara e inequivocamente – a determinação de celebrar contrato prometido com a cominação de incumprimento definitivo. Com efeito, através da fixação de um prazo perentório, visa-se uma clarificação definitiva de posições (37). Deste modo, a notificação feita pelos Autores na referida carta não pode ser interpretada como a fixação de um prazo cominatório para realização da respectiva escritura. Consequentemente, a mencionada declaração não é eficaz nem operante como interpelação admonitória. O mesmo é dizer que a carta datada de 23.09.2020, enviada pelos Autores ao Réu, não preenche os requisitos da interpelação admonitória prevista no art. 808º, n.º 1, 2ª parte, do CC, pelo que – com base nesse fundamento – não houve incumprimento definitivo por parte do Réu. Contudo, como logo de início se assinalou, diversamente do aduzido na sentença recorrida e do propugnado pelo Réu/recorrente (quer na contestação, quer na apelação), os AA. não estruturaram a presente acção com base na resolução legal, nem invocaram que a referida missiva datada de 23.09.2020 corporizava uma interpelação admonitória; Configuraram, isso sim, a resolução do contrato fundada em convenção ou nas cláusulas convencionais resolutivas (38), quais sejam: i) a não emissão do Alvará de loteamento pela Câmara Municipal de ... até 31 de Dezembro de 2018, e a não existência de distrate de hipoteca voluntária referente ao lote 7, referido na cláusula 2.ª do contrato promessa até 31 de Dezembro de 2028, o que lhes conferia (aos promitentes compradores) a possibilidade de “rescindir” o contrato (als. e) e f) dos factos provados). É este concreto fundamento que nos propomos analisar de seguida. * 3. - Da verificação das cláusulas resolutivas expressas.A propósito das cláusulas resolutivas, e pronunciando-se sobre a possibilidade de os AA. resolverem livremente o contrato-promessa de compra e venda que haviam celebrado com o R. por o alvará de loteamento não ter sido emitido até 31.12.2018, explicitou-se na sentença recorrida que, do «facto de essa resolução não ter acontecido durante o ano de 2019 e de os demandantes continuarem a interpelar o gestor de negócios do R. sobre o estado da emissão do alvará, retira-se que os AA. não perderam interesse na celebração do contrato prometido, não obstante ter decorrido o prazo previsto no contrato-promessa - sinal inequívoco de que o prazo fixado não era essencial e que eventualmente estaríamos perante uma simples situação de mora (ainda que se afigure que a forma como a cláusula 6.ª está redigida é de molde a legitimar a interpretação de os AA. poderem a qualquer altura resolver o contrato a partir do dia 01.01.2019, pelo que o incumprimento do R. seria sempre tido como definitivo a partir dessa data)». Como já anteriormente salientámos, o direito de resolução pode fundar-se na lei (resolução legal) ou no contrato (resolução convencional). – art. 432º do CC. Isto é, admite-se que as partes, por convenção, de acordo com o princípio da autonomia privada, concedam a si próprias a faculdade de resolver o contrato quando ocorra certo e determinado facto (v. g., o não cumprimento duma concreta obrigação) (39). A tal convenção/estipulação contratual dá-se o nome de cláusula resolutiva expressa (40). Dessas cláusulas podem resultar acordos de resolução com distintos conteúdos, nomeadamente no que diz respeito a pressupostos, meios de efectivação do direito e consequências da actuação lícita ou ilícita das partes. Por via de regra, da cláusula de resolução deriva que uma das partes pode resolver o contrato sem discutir a gravidade do incumprimentos, nem a culpa do faltoso, constituindo uma ameaça para o potencial infractor, que assim será compelido a cumprir pontualmente a prestação a que se encontra adstrito (41). A estipulação e o conteúdo das cláusulas resolutivas são livres. Os limites gerais são: 1º - que o direito de resolução não implique a renúncia antecipada a outros direitos (art. 809º do CC); 2º - que a resolução não seja abusiva, seja pela aplicação do regime geral do abuso de direito, seja pelo regime próprio dos contratos de adesão (42). Nas palavras de João Batista Machado (43), à «primeira vista poderia estranhar-se que alguém, ao constituir uma relação obrigacional, desde logo se reserve o direito de lhe pôr termo. Todavia o interesse de cláusulas deste género logo se compreende se nos lembrarmos de que, em certos contratos cuja execução pode demorar muito tempo depois da sua conclusão, qualquer das partes tenha receio de que a modificação das circunstâncias da sua vida, ou quaisquer outras modificações, incluindo perturbações no desenvolvimento do programa negocial ou na execução do contrato, possam tornar inconveniente ou até prejudicial o vínculo contraído. A parte hesitante ou preocupada quanto a tais eventualidades poderá então inserir no contrato uma condição resolutiva ou uma cláusula resolutiva. Se utiliza a primeira, o contrato torna-se automaticamente ineficaz com a verificação do evento futuro e incerto previsto na cláusula. Se utiliza a segunda, reserva-se o direito de, uma vez verificado o evento futuro e incerto nela previsto, resolver a relação contratual mediante declaração unilateral receptícia. Por outras palavras: se as partes fixam uma condição resolutiva, a verificação do evento condicionante opera automaticamente a resolução do contrato; ao passo que, se estipulam uma cláusula resolutiva, a verificação do evento previsto é apenas um pressuposto da constituição do direito potestativo de, mediante declaração unilateral, operar a resolução do contrato (da relação contratual)». Acrescenta o citado autor (44) que a “cláusula resolutiva pode ter e tem frequentemente em vista apenas estabelecer que um determinado incumprimento será considerado grave e constituirá fundamento de resolução, eliminando assim de antemão qualquer dúvida ou incerteza quanto à importância de tal inadimplemento e subtraindo esse ponto a uma eventual apreciação do juiz. A função normal da cláusula resolutiva é justamente a de organizar ou regular o regime do incumprimento mediante a definição da importância de qualquer modalidade deste para fins de resolução. Deve no entanto dizer-se que esta liberdade das partes no que respeita à definição da importância do inadimplemento para efeitos de resolução não pode ser absoluta – isto é, não pode ir ao ponto de permitir estipular que até um inadimplemento levíssimo, de todo insignificante na economia do contrato, possa dar lugar à resolução. Pois que a cláusula resolutiva não pode ser tal que, pela sua exorbitância, entre em conflito com o princípio da boa fé contratual – nem tal que se traduza numa fraude ao princípio do art. 809.º”. No caso em apreço, os factos que servem de fundamento às duas cláusulas resolutivas mostram-se efetivamente reconhecidos [als. L) e m) dos factos provados]. Todavia, não obstante beneficiarem das referidas cláusulas resolutivas e do decurso do prazo nelas estabelecido, os AA. não decidiram accionar de imediato o seu direito de rescisão convencional, revelando antes manter interesse na concretização do negócio e tendo inclusivamente intimado formalmente a contraparte a fornecer-lhe os elementos/informações necessários à instrução da outorga do contrato prometido. Essa atuação nada tem de censurável, visto que, na hipótese de cláusula resolutiva, se o incumprimento for imputável a culpa do devedor, o credor pode ainda intimá-lo para cumprir dentro de certo prazo perentório, nos termos do art. 808º, n.º 1 do CC, na medida em que o facto de existir cláusula resolutiva não retira ao credor a faculdade que o referido normativo lhe confere. Se o incumprimento não for imputável ao devedor, o credor só pode optar entre declarar a resolução ou exigir o cumprimento (tardio). Em qualquer hipótese, o facto de o credor ter optado por exigir o cumprimento só por si não faz caducar o direito de vir depois a declarar a resolução (45). Na situação versada nos autos, e como bem se explicitou na sentença recorrida, comprovado que está que o alvará de loteamento não foi emitido até 31.12.2018, o mesmo se diga quanto ao não distrate da hipoteca por referência à mesma data, assistindo, portanto, aos AA. o direito potestativo de accionar o direito de resolução do contrato, a conduta por estes assumida no sentido de no período subsequente continuarem a interpelar o R. e o seu representante sobre o estado da emissão do alvará pela Câmara Municipal é reveladora de que o referido prazo contratualmente estabelecido para o efeito não revestia a natureza de prazo fixo, essencial (quer em termos objetivos e subjetivos) e absoluto (mas antes relativo). A própria formulação das cláusulas resolutivas não inculca que a resolução do contrato seria automática (como acontece com as condições resolutivas), pois ao utilizar a expressão “poderão rescindir o (…) contrato promessa de compra e venda” não deixa de salientar o cunho facultativo do direito potestativo de resolução do contrato por parte dos promitentes compradores, cujo exercício é indispensável para que se verifiquem as respetivas consequências. O que se mostra em consonância com o facto dos promitentes compradores terem querido reservar-se o direito de, uma vez verificado o evento futuro e incerto nela previsto, resolver a relação contratual mediante declaração unilateral receptícia, mas sem que tenham querido privar-se desde logo do direito de exigir o cumprimento tardio. Malgrado a resolução não esteja sujeita a prazo, tem-se entendido que a atitude do lesado pode funcionar como pressuposto negativo da resolução. Assim, se depois de ter tido conhecimento da causa do incumprimento a parte lesada continuar a actuar, dando a aparência de não querer invocar a resolução, e a contraparte legitimamente confia na manutenção do vinculo, o exercício do direito de resolver pode ser entendido como um venire contra factum proprium e, nessa medida, ilícito (46) (47). Pois bem, na situação ajuizada inexiste qualquer fundamento para não fazer operar a resolução convencional, além de que não resulta provado que o exercício desse direito de resolução por parte dos promitentes compradores consubstancie uma hipótese integradora de abuso de direito. São os seguintes os factos que estribam a conclusão antecedente: i) As partes acordaram a favor dos promitentes compradores o direito potestativo de resolução do contrato se o Alvará de loteamento não fosse emitido pela Câmara Municipal de ..., bem como no caso da não existência de distrate de hipoteca voluntária referente ao lote 7, até 31 de dezembro de 2028; ii) o referido alvará de loteamento foi apenas emitido em 23.09.2020 e o distrate da hipoteca mencionado só foi efectuado em 06.10.2020; iii) Não obstante o decurso do prazo referido em i), o R. nunca informou os AA., nem por si, nem por intermédia pessoa, nomeadamente, através do Sr. L. G., indicado pelo R. como seu representante, das diligências que iam sendo encetadas para a emissão pela Câmara Municipal do Alvará de Loteamento mencionado em c), nem sobre qualquer outro assunto relacionado com o dito contrato promessa de compra e venda, apesar das inúmeras insistências dos AA., limitando-se o referido representante do R., sempre que interpelado pelos AA., a dizer-lhes para não se preocuparem, que o processo de loteamento referente ao contrato promessa referido em a) estava a atrasar na Câmara Municipal de ... porque o Engenheiro da referida Câmara Municipal responsável pelo assunto não gostava dele; iv) Ante o referido em iii), por carta registada datada de 23.09.2020 e nesse dia remetida e recepcionada pelo R., os AA. notificaram-no para no prazo máximo de 15 dias, a contar da recepção da carta e para evitar o recurso às vias judiciais, os informar quando fora emitido pela Câmara Municipal de ... o alvará de loteamento mencionado em c), bem como lhes fornecer todos os elementos necessários para marcarem a escritura de compra e venda; v) Na sequência da falta de resposta à referida interpelação, por carta registada datada de 24.10.2020 e recepcionada pelo R. em 30.10.2020, os AA. comunicaram-lhe a resolução (rescisão) do contrato-promessa, ao abrigo das cláusulas resolutivas estipuladas nas cláusulas 6.ª e 7.ª do mesmo contrato. vi) O R. respondeu à referida carta por cartas remetidas aos AA. em 06.11.2020, comunicando-lhes ter sido emitido, no dia 23.09.2020, o alvará de loteamento com o n.º 18/20; vii) Não se provou que, em finais de setembro de 2020, o R., ou alguém a seu mando, tenha comunicado verbalmente aos AA. que o alvará de loteamento havia sido emitido e a hipoteca distratada [al e) dos factos não provados). Face ao quadro factual que antecede é de presumir a culpa do recorrente pela verificação das cláusulas resolutivas (art. 799º do CC), já que o mesmo não logrou provar que a falta de cumprimento da obrigação não procede de culpa sua. Apesar de expirado o prazo estipulado nas cláusulas resolutivas, os promitentes compradores, ao invés de imediatamente invocarem a resolução do contrato, patentearam interesse no cumprimento do contrato, o que se revela através das inúmeras insistências verbais realizadas junto do R. e do seu representante, com vista a serem informados do estado da emissão do Alvará de Loteamento pela Câmara Municipal e de assuntos relacionados com o dito contrato promessa de compra e venda, atitude essa de comprometimento na celebração do contrato definitivo e de boa fé não correspondida pelo R., que nunca os informou sobre tais assuntos. Acresce que, apesar de expressamente interpelado, por carta registada datada de 23.09.2020, para prestar informações, no prazo máximo de 15 dias, sobre a emissão do alvará de loteamento, bem como lhes fornecer todos os elementos necessários para marcarem a escritura de compra e venda, não consta que o Réu tenha prestado tais informações naquele prazo. E mal se compreende que não o tenha feito, posto que nesse período temporal já havia sido emitido o alvará de loteamento em falta e distratada a hipoteca, que, por sinal, estariam a impedir a concretização da formalização do contrato definitivo. Tendo sido expressamente advertido de que a solicitação de tais elementos/informações visava obviar o recurso às vias judiciais, não podia o promitente vendedor deixar de antecipar que os promitentes compradores poderiam eventualmente rescindir o contrato-promessa dada a conduta relapsa e omissiva por si assumida. Inexiste, pois, qualquer confiança por parte do R. na manutenção ou prossecução do vínculo contratual que mereça ser tutelada. Evidenciando-se que os AA. procederam de boa fé de modo a permitir ao promitente vendedor providenciar pelas condições necessárias com vista ao cumprimento do contrato prometido, o seu direito à resolução convencional não pode ser postergado em função do tempo entretanto decorrido (48), pois jamais manifestaram, expressa ou tacitamente, que abdicariam ou renunciariam à invocação daquele direito resolutivo, sendo certo que a sua atuação não é contrária ao exercício desse direito extintivo. Relembre-se que o direito de resolução não está sujeito a prazo, nomeadamente não tem, em regra, de ser exercido num prazo curto. O princípio geral aponta no sentido de a resolução, como consequência de incumprimento contratual, poder ser feita valer no prazo norma de prescrição (49). E situando-nos no âmbito da resolução convencionada, o credor não está obrigado a referir ao devedor que a falta de cumprimento até à data indicada equivalerá a um incumprimento definitivo, nem que a interpelação é realizada sob pena de imediata resolução e daí não se deverá extrair, sem mais, qualquer preclusão do exercício do direito (50). No contexto fáctico apurado, é de concluir que o exercício pelos autores do direito resolutivo convencional atentas as circunstâncias do caso concreto, não envolve a violação da boa fé, dos bons costumes ou do fim social ou económico do direito em causa. Não deixa de se assinalar que os autores em momento algum agiram de modo não condizente com a conduta que anteriormente assumiram, atuando, sim, de acordo com os ditames da boa fé, posto que providenciaram para que o promitente vendedor lograsse reunir as condições para a outorga do contrato definitivo; com o passar do tempo, sem que aquele respondesse às suas inúmeras solicitações, interpelaram-no formalmente a fim de prestar os elementos/informações necessários à marcação da escritura; e só na decorrência da omissão de qualquer resposta a esta solicitação – esgotadas, pois, as vias de uma postura dialogante - é que enveredaram pela resolução do contrato. Concluindo: tendo os AA/apelados, a seu favor, duas cláusulas resolutivas expressas, podiam resolver o contrato, imediatamente, através da declaração dirigida à outra parte formalizada na carta datada de 24.10.2020 (art. 436.º, n.º 1 do CC), sem ter de recorrer e percorrer, para obter tal desiderato, o caminho do art. 808.º, n.º 1, do CC. Mostram-se, por conseguinte, verificados os pressupostos da resolução convencional. Nesta conformidade, ainda que com fundamentação não inteiramente coincidente com a sentença recorrida, é de julgar improcedente a apelação. * As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade do recorrente, atento o seu integral decaimento (art. 527º do CPC).* Síntese conclusiva:I - Além da resolução fundada na lei, o art. 432.º, n.º 1, do Código Civil estabelece a resolução fundada em convenção; através desta admite que as partes, por convenção, de acordo com o princípio da autonomia privada, concedam a si próprias a faculdade de resolver o contrato quando ocorra certo e determinado facto (v. g., o não cumprimento duma concreta obrigação). II - A tal convenção/estipulação contratual dá-se o nome de cláusula resolutiva expressa. III - Num contexto em que, apesar da verificação da cláusula resolutiva, os promitentes compradores providenciaram para que o promitente vendedor lograsse reunir as condições necessárias para a outorga do contrato definitivo; com o passar do tempo, sem que aquele respondesse às suas inúmeras solicitações, interpelaram-no formalmente a fim de prestar os elementos/informações necessários à marcação da escritura; e só na decorrência da omissão de qualquer resposta a esta solicitação é que enveredaram pela resolução do contrato, o exercício deste direito resolutivo convencional não pode ser postergado em função do tempo entretanto decorrido, pois jamais manifestaram, expressa ou tacitamente, que abdicariam ou renunciariam à invocação daquele direito, sendo que a sua atuação não é contrária ao exercício daquele direito extintivo. IV - Tendo os promitentes compradores, a seu favor, duas cláusulas resolutivas expressas, podiam resolver o contrato, imediatamente, através da declaração escrita dirigida à outra parte (art. 436.º, n.º 1 do CC), sem ter de recorrer e percorrer, para obter tal desiderato, o caminho do art. 808.º, n.º 1, do CC. * VI. DecisãoPerante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando, embora com fundamentação distinta, a sentença recorrida. Custas da apelação a cargo do apelante/réu (art. 527.º do CPC). * Guimarães, 13 de outubro de 2022 Alcides Rodrigues (relator) Joaquim Boavida (1º adjunto) Paulo Reis (2º adjunto) 1. Cfr. Ac. do STJ de 19/01/2017 (relator Tomé Gomes), in www.dgsi.pt. 2. Cfr. Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª ed., Almedina, p. 308. 3. Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, (…), p. 309, Ana Prata, O Contrato-Promessa e o seu Regime Civil, Almedina, 2001, 1993, p. 573 e Calvão da Silva, Sinal e Contrato-Promessa, 14ª ed./2017, Almedina, p. 13. 4. Cfr. Almeida Costa, Contrato Promessa, Uma síntese do Regime Actual, separata da Revista da Ordem dos Advogados, Ano 50, I, 1990, pág. 41. 5. Cfr. Calvão da Silva, obra citada, p. 15. 6. Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed. Coimbra Editora, p. 373. 7. Cfr. Baptista Machado, “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, in Estudos em Homenagem ao Prof. J.J. Teixeira Ribeiro – II Jurídica - Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, pp. 348/349. 8. Cfr. Direito das Obrigações, vol. II, Almedina, 2002, p. 223 e segs.. 9. Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 4ª ed., Almedina, 1990, p. 87. 10. Cfr., entre outros, Acs. do STJ de 28/06/2011 (relator Sebastião Póvoas), 29/01/2014 (relator Mário Mendes) e de 17/11/2015 (relatora Maria Clara Sottomayor) e Ac. da RG de 4/06/2009 (relatora Rosa Ching), todos disponíveis in www.dgsi.pt. 11. Cfr. Ac. do STJ de 10/12/1007, CJSTJ, Ano V, T. III-1997, p. 164, Ac. da RG de 11/07/2013 (relatora Purificação Carvalho) e Ac. RP de 28/04/2014 (relator Manuel Domingos Fernandes), ambos consultáveis in www.dgsi.pt. 12. Cfr. Ac. do STJ de 6/02/2007 (relator Sebastião Póvoas), in www.dgsi.pt. 13. Dá-se como exemplo os casos em que não tenha sido estipulada uma cláusula resolutiva ou um termo essencial absoluto, nem o credor possa alegar, de modo objetivamente fundado, perda do interesse na prestação por efeito da mora - cfr. João Baptista Machado, Pressupostos da resolução por incumprimento (…), p. 164/165 e Ac. STJ de 10/07/2008 (relator Alberto Sobrinho), in www.dgsi.pt. 14. Cfr. anotação de Maria da Graça Trigo/Mariana Nunes Martins ao art 808º do Código Civil, Comentário ao Código Civil - Direito das Obrigações – Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, p. 1143. 15. Cfr. RLJ, ano 128.º, p. 119. 16. Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações (…), Vol. II., p. 120. 17. Na formulação do Ac. do STJ de 31/03/2004 (relator Ferreira Girão), in www.dgsi.pt., a interpelação admonitória foi caraterizada como uma “intimação formal, do credor ao devedor moroso, para que cumpra a obrigação dentro de prazo determinado, com a expressa advertência de se considerar a obrigação como definitivamente incumprida”. 18. Cfr. Baptista Machado, Pressupostos da Resolução (…), p. 164; Brandão Proença, A resolução do contrato no direito civil. Do enquadramento e do regime, Coimbra Editora, 1996, pp. 119/121; na jurisprudência, Acs. do STJ de 10/07/2008 (relator Alberto Sobrinho), de 19/12/2018 (relator Olindo Geraldes) e de 10/12/2019 (relator Raimundo Queirós) e Ac. da RC de 06/12/2011 (relator Henrique Antunes), in www.dgsi.pt. 19. Cfr. Antunes Varela, RLJ, ano 128, p. 136. 20. Cfr. Antunes Varela, RLJ, ano 128, pp. 138/139 e Das Obrigações em Geral, vol. I, (…), p. 346 e Das Obrigações em Geral, vol. II, (…), pp. 119 e 120. 21. Cfr. Antunes Varela, RLJ, ano 128, pp. 138/139 e Das Obrigações em Geral, vol. I, (…), p. 346 e Das Obrigações em Geral, vol. II, (…), pp. 119 e 120. 22. Cfr. Antunes Varela, RLJ, ano 128, p. 138 (nota 1). 23. Na verdade, o efeito que a lei expressamente retira da contumácia do devedor em mora interpelado, é o de se considerar a obrigação como não cumprida para todos os efeitos. E essa é a única arma que o credor necessita de brandir sobre a cabeça do devedor faltoso para que, desacatando o notificado a intimação recebida, o interpelante possa retirar da desobediência dele o efeito previsto e prescrito na lei (cfr. Antunes Varela, RLJ, ano 128, p. 119 (nota 1). 24. No mesmo sentido, José Carlos Brandão Proença, o qual, alterando a anterior posição sustentada em “A resolução do contrato no direito civil. (…)” (p. 120), entende que “o credor poderá, transcorrido o prazo concedido ao devedor, exercer o direito mais conveniente, incluindo o de exigir judicialmente o cumprimento da obrigação” (cfr. Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações, pp. 414/415). 25. Segundo Pedro Romano Martinez, na interpelação de prazo admonitório, para além da consequência de se considerar a prestação devidamente incumprida, por economia de meios, pode incluir-se a declaração condicional de resolução do contrato; caso em que, transformando-se a mora em incumprimento definitivo pelo decurso do prazo suplementar, preenche-se a condição suspensiva e o contrato resolve-se [cfr. Da cessação do contrato, 3ª ed./2017, Almedina, p. 137]. 26. Cfr. Das Obrigações em Geral, vol. I, (…), p. 356. 27. Cfr. Princípios de Direito dos Contratos, 2011, Coimbra Editora, p. 807 e segs. 28. Cfr. Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações / Programa 2017/2018 (…), p. 258. 29. Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, (…), p. 265. 30. Cfr. Acs. do STJ de 11/02/2015 (relator Gabriel Catarino) e de 22/03/2011 (relator Moreira Alves), disponíveis in www.dgsi.pt. 31. Cfr. João Baptista Machado, “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, (…), p. 130 e ss.. 32. Cfr. Acs. do STJ de 12/01/2010 (relator Paulo Sá) e de 11/02/2015 (relator Gabriel Catarino), disponíveis in www.dgsi.pt. 33. Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 22/06/2010 (relator Fonseca Ramos) e Ac. da RC de 21/09/2010 (relator Fonte Ramos), in www.dgsi.pt. 34. Cfr. Ac. da RC de 06/12/2011 (relator Henrique Antunes), in www.dgsi.pt.. 35. Cfr. Sobre o tema, entre outros, o Ac. do STJ de 31/03/2004 (relator Ferreira Girão), in www.dgsi.pt., e os acórdãos do STJ de 16/12/1993, de 27/9/2001 e de 3/6/2003, CJSTJ, Ano I, T. III, p. 185, Ano IX, T. III, p. 47 e Ano XI T. II, p. 93. Como refere João Baptista Machado, “[e]m regra, a obrigação cuja violação fundamenta ao direito de resolução refere-se a uma prestação principal. Mas pode bem tratar-se da violação de uma obrigação acessória” (cfr. Pressupostos da Resolução por Incumprimento, (…), p. 135). 36. Cfr. Ana Prata, O contrato-promessa e o seu regime civil, p. 797. 37. João Batista Machado adverte não valer para o efeito a interpelação em que o credor se limite a ameaçar o devedor com uma compra de cobertura ou o convide a declarar-se pronto a cumprir dentro do prazo fixado. Também não é suficiente para o efeito em causa a declaração pela qual o credor se reserve o direito de resolver o contrato, na hipótese de ele não ser cumprido dentro do novo prazo (cfr. “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, (…), p. 165). 38. Se bem que, nas contra-alegações, pugnando pelo acerto e confirmação da sentença recorrida, os AA./recorridos referem que nesta se decidiu bem ao julgar verificados os requisitos da interpelação admonitória e da transformação da mora em incumprimento definitivo, legitimador da resolução do contrato. 39. Cfr. Ac. da RC de 02/03/2011 (relator Barateiro Martins), in www.dgsi.pt. 40. A cláusula resolutiva distingue-se da condição resolutiva: a primeira constitui um fundamento para o exercício do direito de resolução, continuando o seu titular a poder decidir se o exerce ou não; a segunda é de verificação automática, implicando, quando verificada, a imediata ineficácia do contrato. 41. Cfr. Pedro Romano Martinez, Da cessação do contrato, (…), p. 163. 42. Cfr. Carlos Ferreira de Almeida, Contratos VI - Ineficácia, Almedina, 2019, p. 65. 43. Cfr. Pressupostos da Resolução por Incumprimento, (…), pp. 184/185. 44. Cfr. Pressupostos da Resolução por Incumprimento, (…), p. 186. 45. Cfr. João Batista Machado, Pressupostos da Resolução por Incumprimento, (…), p. 193. 46. Cfr. Pedro Romano Martinez, Da cessação do contrato, (…), p. 123. 47. Dispõe o art. 334º do Cód. Civil que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”. A manifestação mais clara do abuso do direito é a chamada conduta contraditória (“venire contra factum proprium”) em combinação com o princípio da tutela da confiança - exercício dum direito em contradição com uma conduta anterior em que a outra parte tenha confiado, vindo esta com base na confiança gerada e de boa fé a programar a sua vida e a tomar decisões (cfr. Vaz Serra, RLJ, 111º, p. 296). Sobre a caracterização da proibição do comportamento contraditório, nos seus elementos fundamentais, veja-se o Ac. do STJ de 12/11/13 (relator Nuno Cameira), in www.dgsi.pt. 48. Desde o vencimento das cláusulas resolutivas, ocorrido a 31/12 /2018, e a propositura da ação (13/01/2021). 49. Cfr. Pedro Romano Martinez, Da cessação do contrato, (…), p. 123. 50. Cfr. Catarina Monteiro Pires, Contratos, Perturbações na Execução, Almedina, p. 91. |