Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | HELENA MELO | ||
| Descritores: | INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA TEMPESTIVIDADE | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 12/15/2016 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | O artº 261º do CPC deve ser interpretado no sentido de possibilitar o chamamento após a fase dos articulados e antes ainda da decisão quanto à legitimidade, quando o incidente é deduzido pelo autor ou pelo reconvinte, pois que a ressalva, na parte final do artº 318º, nº 1º, a) do CPC permite esta interpretação que o princípio de economia processual pressupõe. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães: I - Relatório B., habilitada nos presentes autos em substituição do primitivo autor, entretanto falecido, veio interpor recurso do despacho da Mma. Juiza a quo que indeferiu o incidente de intervenção principal provocada de C., por extemporâneo. . Apresentou as seguintes conclusões: 1.C. intentou uma acção com processo comum e forma sumária contra D., E. e Fundo de Garantia Automóvel, com o fim de efetivar a responsabilidade civil decorrente de acidente de viação e, por este meio obter a condenação dos Réus à restituição dos danos por si sofridos como consequência do mesmo. 2.A propriedade do veículo causador do sinistro encontrava-se, à data dos factos, registado a favor de D., sendo o respectivo condutor E.. 3.Todavia, em contestação D. veio dizer que à data dos factos já não era proprietário do veículo automóvel que deu origem ao sinistro por o ter alienado a C., que à data do sinistro ainda se encontrava em prazo para promover o respetivo registo de propriedade, nos termos da cópia da declaração de venda que juntou ao respetivo articulado. 4.O veículo automóvel em apreço não possuía à data do sinistro seguro de responsabilidade civil automóvel. 5.Por registo via citius datado 09.09.2015 o autor foi notificado do seguinte despacho: “Estando em causa acção a correr termos sob a forma de processo declarativo sumário, impõe-se, antes do mais, harmonizar e adequar tal processado às regras do novo processo civil. Desta feita, concede-se o prazo de 10 dias às partes para, querendo, indicarem os seus elementos de prova (artº. 5.º, n.º 4, da lei 41/2013).” 6.Em 24 de Setembro de 2015 o mandatário forense do autor vem informar os autos que o autor faleceu no dia 11 de Agosto de 2013. 7.Em 22 de Janeiro de 2016 B., ora recorrente e filha do autor falecido, veio aos autos requerer a respetiva habilitação de Herdeiros. 8.Por decisão datada de 10 de Março de 2016, transitada em julgado, a ora recorrente foi admitida a intervir nos autos e na qualidade de sucessora do primitivo autor. 9.A habilitada, ora recorrente, requereu em 22 de Abril de 2016 a intervenção provocada de G., a intervir na ação como Réu, de modo a assegurar definitivamente a legitimidade passiva para a efectivação da responsabilidade civil decorrente do acidente de viação em causa nos presentes autos. 10.Foi proferido o seguinte despacho de não admissão: Findo os articulados, entrou-se na fase do saneamento dos autos onde foi proferido despacho a 07.09.2015 de harmonização dos termos processuais dos autos ao novo processo civil introduzido pela Lei 41/2013, permitindo às partes apresentação de (outros) meios de prova que não haviam sido apresentados com os articulados. As partes usaram de tal faculdade, incluindo o autor. II. Dispõe o art.º 316 n.º 2 do CPC e o art.º 318.º n.º 1 al. b) que, querendo dirigir pedido nos termos do art.º 39.º do CPC, o autor pode provocar a intervenção de terceiro, desde que o faça até ao termo da fase dos articulados. Ora, in casu, tendo em conta que, pelo menos, desde 07.09.2015 estão os autos na fase do seu saneamento e que o pedido de intervenção provocada foi efectuado a 22.04.2016, tem de se concluir pela sua manifesta inoportunidade (extemporaneidade). Acresce que o incidente, ainda que autónomo, não poderia correr termos por apenso, antes sim nos próprios autos. III. Destarte, por extemporânea, indefere-se liminarmente a requerida intervenção principal provocada. (…) 11.Salvo melhor entendimento, no caso dos autos estão reunidos todos os pressupostos de facto e de direito exigidos para que o tribunal a quo deferisse o requerimento de intervenção principal provocada requerida pela apelante. 12.Reportando-nos desde logo quanto ao prazo para suscitar a intervenção principal provocada, divergindo do entendimento seguido na decisão sob recurso, não se nos configura que aquando da dedução do incidente de intervenção provocada de G. pela Recorrente tivesse sido já sido elaborado despacho saneador, não se mostra que fosse manifestamente extemporânea, sendo certo que o terceiro chamado sempre poderia se defender em articulado próprio. 13.Dispõe o artigo 316.º do CPC (introduzido pela Lei 41/2013): 1 - Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária. 2 - Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º. 3 - O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este: a) Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida; b) Pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor. 14.Nos termos plasmados no artigo 39.º do CPC: É admitida a dedução subsidiária do mesmo pedido, ou a dedução de pedido subsidiário, por autor ou contra réu diverso do que demanda ou é demandado a título principal, no caso de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida. 15.Quanto à oportunidade para a dedução do incidente dispõe o artigo 318.º do CPC: 1 - O chamamento para intervenção só pode ser requerido: a) No caso de ocorrer preterição do litisconsórcio necessário, até ao termo da fase dos articulados, sem prejuízo do disposto no artigo 261.º; b) Nas situações previstas no n.º 2 do artigo 316.º, até ao termo da fase dos articulados; c) Nos casos previstos no n.º 3 do artigo 316.º e no artigo anterior, na contestação ou, não pretendendo o réu contestar, em requerimento apresentado no prazo de que dispõe para o efeito. 2 - Ouvida a parte contrária, decide-se da admissibilidade do chamamento. 16.Entende o tribunal a quo que o despacho proferido em 07.09.2015 de harmonização dos termos processuais dos autos ao novo processo civil introduzido pela Lei 41/2013 se insere a fase do saneamento dos autos. 17.Salvo melhor entendimento, nos presentes autos não houve ainda despacho pré-saneador, saneador e audiência prévia aquando do pedido de intervenção provocada não estavam os autos na fase do saneamento. 18.Aquelas fases processuais são as que, de acordo com o NCPC, as fases posteriores aos articulados. 19.Logo, estaríamos ainda na fase dos articulados uma vez que enquanto não se entrar efectivamente noutra fase, estaremos ainda em fase anterior. 20.No caso em apreço, no exercício do contraditório, veio o Réu D. dizer que à data dos factos, 08 de Janeiro de 2010, já não era proprietário do veículo automóvel marca Fiat, modelo Uno com a matrícula ..-..-AL, que deu origem ao sinistro. Mais diz na sua contestação que procedeu à alienação do referido veículo a G. e, para tanto, apresentou cópia da declaração de venda. 21.A Recorrente foi totalmente surpreendida com a posição do co-Réu D. em relação à factualidade por si alegada nos presentes autos, sendo essa factualidade trazida validado a causa e a oportunidade do chamamento. 22.Os presentes autos de processo sumário, agora comum, não admitem outros articulados. 23.Para o pedido de intervenção principal provocada de G. indicou-se a matéria articulada pelo co-réu D. na sua contestação. 24.Aquando do chamamento não importa averiguar do mérito no concerne à responsabilidade do chamado, mas tão só se foi alegada uma causa que baste para esse chamamento. 25.O pedido de intervenção vem na sequência da posição do co-réu relativamente aos factos alegados pelo A. e ao pedido formulado. 26.Por outro lado, o despacho saneador destina-se, além do mais, a conhecer das exceções dilatórias que hajam sido suscitadas pelas partes ou que perante os elementos constantes dos autos deva apreciar oficiosamente. Dispõe o artigo 595.º nº 1 al. a): 1 - O despacho saneador destina-se a: b) Conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente;” 27.Por conseguinte, trata-se de uma exceção dilatória que deve ser apreciada oficiosamente, devendo o tribunal a quo chamar G. a intervir nos autos a título principal. 28.O NCPC é informado pelo principio de prevalência da substancia sobre a forma no sentido de que, a ser instado, o Tribunal deve através de mecanismos de adequação processual fazer o que estiver ao seu alcance para ditar uma sentença de mérito e evitar as de forma. 29.A recorrente quer evitar, o mais possível, uma sentença que não conheça do mérito da causa. 30.E o efeito útil da ação só pode ser conseguido se estiverem ou forem chamados todos os possíveis responsáveis de modo a assegurar e a cumprir o conceito de legitimidade passiva que a lei sobre a responsabilidade civil automóvel exige. 31.Pelo exposto, o douto despacho recorrido violou/fez errada interpretação do disposto nos artigos 39.º, 316.º, 318.º e 595 n.º 1 al. a) do CPC. II – Objecto do recurso Considerando que: . o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e, . os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, a questão a decidir é a seguinte: se o incidente de intervenção principal foi deduzido tempestivamente. III – Fundamentação É a seguinte a factualidade a considerar com base na documentação junta aos presentes autos de recurso em separado: .1. H. veio instaurar acção sob a forma de processo sumário contra D., E. e Fundo de Garantia Automóvel, alegando que no dia 8 de Janeiro, o veículo de sua propriedade de matrícula …-..-GN se encontrava estacionado na Rua…, em Guimarães e foi destruído em virtude do incêndio que deflagrou no veículo estacionado à sua direita, paralelamente, de matrícula ..-..-AL, propriedade do 1º R. e conduzido habitualmente pelo 2º R. .2. Na contestação que deduziu o 1º R. invocou que à data do sinistro já tinha vendido o veículo a G. que ainda não o tinha registado, juntando cópia da declaração de venda. .3. Por decisão datada de 10 de Março de 2016, transitada em julgado, a ora recorrente foi admitida a intervir nos autos, na qualidade de sucessora do primitivo autor. .4. Em 07.09.2015 foi proferido despacho de harmonização dos termos processuais dos autos ao novo processo civil introduzido pela Lei 41/2013, tendo as partes sido notificadas para a apresentação de (outros) meios de prova que não tivessem apresentado com os articulados. .5. As partes usaram de tal faculdade, incluindo o autor. .6. A A. veio deduzir o incidente de intervenção principal do G. em 22.04.2016. Nos termos do artº 62º nº 1 do DL 291/2007, de 21 de Agosto, as acções destinadas à efectivação de responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quando o responsável seja conhecido e não beneficie de seguro válido e eficaz são propostas contra o Fundo de Garantia Automóvel e o responsável civil, sob pena de ilegitimidade. É pois um caso e litisconsórcio necessário passivo, cuja preterição acarreta a ilegitimidade e a absolvição da instância. A intervenção principal implica, quando admitida, a modificação subjectiva da instância (artº 262º, al. b) do CPC), mediante a constituição de novo sujeito processual na posição de autor ou réu, em litisconsórcio ou coligação com os autores ou réus primitivos. Dispõem o art.º 316.º n.º1 e o art.º 318.º n.º1 al. a), ambos do CPC, que qualquer das partes pode provocar a intervenção de terceiro, desde que o faça até ao termo da fase dos articulados, no caso de ocorrer preterição de litisconsórcio necessário, sem prejuízo do disposto no artigo 261º. Entende a apelante que, como não tinha sido ainda proferido despacho saneador, estava em tempo para deduzir o incidente de intervenção, pois que não pode considerar-se finda a fase dos articulados. Com a entrada em vigor do CPC aprovado pela L 41/2013, de 26/06 foi suprimida a forma de processo sumário. O artº 5º, nº 1 do diploma que aprovou o CPC estabeleceu a aplicação imediata do novo Código às acções declarativas pendentes e nos termos do nº 4 do artº 5º, estatuiu-se que, nas acções que, na data da entrada em vigor da lei se encontrassem na fase dos articulados, deveriam as partes terminada esta fase, ser notificadas para, em 15 dias, apresentarem os requerimentos probatórios ou alterarem os que hajam apresentado, o que foi determinado por despacho de 07.09.2015. Ora, por termo da fase dos articulados tem que se entender o momento em que deixa de ser possível a apresentação do último articulado previsto na lei. Tem que estar definido um momento certo para esta apresentação, não podendo estar dependente da maior ou menor celeridade, em função do volume processual de cada juiz, na prolação do despacho saneador. Efectivamente, tal como refere a Mma Juíza, quando a A. vem suscitar o incidente já estava terminada a fase de articulados que no caso, tratando-se de processo sumário, previa apenas a possibilidade de contestação e de resposta à contestação. No entanto, o artº 318º, nº 1, a) parte final do CPC contém uma excepção à regra de que o incidente tem que ser deduzido até ao termo da fase dos articulados, permitindo ainda o chamamento nos casos previstos no artº 261º do CPC. E o artº 261º do CPC dispõe que até ao trânsito em julgado da decisão que julgue ilegítima alguma das partes por não estar em juízo determinada pessoa pode o autor ou o reconvinte chamar essa pessoa a intervir nos termos do artº 321º do CPC. Trata-se de uma faculdade permitida apenas ao autor e ao reconvinte, excluindo-se o réu não reconvinte e os terceiros já admitidos a intervir. Com a revisão de 1995-1996 o chamamento de terceiro para integração do litisconsórcio necessário passou a ser admitido em face de qualquer decisão que se pronuncie pela ilegitimidade de qualquer das partes por ele não estar em juízo. Ora, se é possível deduzir o incidente de intervenção principal provocada por preterição de litisconsórcio necessário, mesmo depois de ter sido proferido despacho saneador que julgue ilegítima alguma das partes por não estar em juízo determinada pessoa e mesmo depois do trânsito em julgado do despacho que julgue ilegítima alguma das partes e ponha termo ao processo (artº 325º nº 2 do CPC), este artigo tem de ser interpretado no sentido de possibilitar o chamamento após a fase dos articulados e antes ainda da decisão quanto à legitimidade, quando o incidente é deduzido pelo autor (como é o caso) ou pelo reconvinte. A ressalva, no artº 318º, nº 1º, a) do CPC permite esta interpretação que o princípio de economia processual pressupõe (conforme defendem José Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil anotado, 1º volume, Coimbra Editora, 1999, anotação ao artº 269º do CPC, na redacção do DL 180/96, de 25/09, que mantém plena actualidade, pois que o actual artº 261º do CPC reproduz o texto anterior com a mera actualização da remissão). Efectivamente, não faz qualquer sentido que, tendo terminado a fase dos articulados e não tendo ainda sido proferido despacho saneador, a A. tenha que ficar a aguardar que os RR. sejam declarados parte ilegítima, por preterição de litisconsórcio necessário passivo, para deduzir o incidente de intervenção principal provocada do actual dono do veículo (no mesmo sentido se entendeu no acórdão do STJ, de 05.12.2002, proferido no proc.02A2479, acessível em www.dgsi.pt, onde se discutia a possibilidade de dedução do incidente de intervenção principal provocada pela A., chamando à lide a mulher do R., já depois de ter sido proferido saneador, no qual o R. foi julgado parte legítima (desacompanhado da R. mulher) e onde se defendeu ser de admitir o incidente pois que “seria contraditório admitir-se a regularização mesmo depois de transitar em julgado a decisão e não se admitir a intervenção como modo de impedir a declaração de ilegitimidade” no caso, na sentença, por já ter sido proferido despacho saneador (entendeu-se que a declaração genérica de legitimidade no despacho saneador, não impedia que a legitimidade voltasse a ser apreciada). Assim, deve o presente incidente ser admitido, por ter sido deduzido tempestivamente, face ao que dispõe a parte final do art 261º nº 1 do CPC ex vi do artº 318º, nº 1, alínea a), parte final. Sumário: O artº 261º do CPC deve ser interpretado no sentido de possibilitar o chamamento após a fase dos articulados e antes ainda da decisão quanto à legitimidade, quando o incidente é deduzido pelo autor ou pelo reconvinte, pois que a ressalva, na parte final do artº 318º, nº 1º, a) do CPC permite esta interpretação que o princípio de economia processual pressupõe. IV – Decisão Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar procedente a apelação e revogam, em consequência o despacho recorrido, considerando tempestiva a dedução do incidente, devendo os autos prosseguir. Custas pelos apelados. Notifique. Guimarães, 15 de Dezembro de 2016 Helena Gomes de Melo Higina Orvalho Castelo João Peres Coelho |