Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
391/17.4T8VCT-D.G1
Relator: JORGE SANTOS
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
CAUSA PREJUDICIAL
SUSPENSÃO
MOTIVO JUSTIFICADO
PRAZOS PROCESSUAIS
PANDEMIA/COVID-19
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/17/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
- Não é de ser suspender a acção executiva com fundamento na pendência de causa prejudicial, porquanto na mesma não há lugar a decisão sobre o mérito da causa (pois o direito que se pretende efectivar já está declarado), não se verificando, por isso, a relação de dependência exigida no artigo 272.º, n.º 1, do CPCivil.
- A lei admite a suspensão da instância executiva com fundamento na 2ª parte do nº1 do art.272.º do CPC, ou seja, “por outro motivo justificado”, desde que não se trate do caso de ter havido oposição à execução ou embargos de terceiro, pois em princípio a execução só pode ser suspensa nos termos previstos nos art. 733º e 347º do CPCivil.
- Para se ordenar a suspensão de uma acção executiva com base em ocorrência de motivo justificado é necessário que o motivo invocado seja outro que não a pendência de uma qualquer outra causa autónoma, caso contrário estar-se-ia, na mesma a funcionar, no fundo, como uma verdadeira causa prejudicial, o que a lei não permite.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

A. F., residente na Rua … Viana do Castelo, veio deduzir Embargos de Terceiro contra a Caixa …, A. O., J. O. e H. C., pedindo que seja ordenada a suspensão da venda do prédio referido no art. 1º do seu articulado, bem como a suspensão da execução e o levantamento da penhora que recai sobre a fração autónoma em causa.

Foi proferida decisão a rejeitar os presentes embargos (art. 345º fine do CPC).

Dessa decisão houve recurso de apelação para a presente Relação, que decidiu, por acórdão de 10.09.2020, julgar improcedente o recurso apresentado e, em consequência, manter a decisão recorrida.

Por requerimento de 21.10.2021 [40190876], veio A. F. veio, em primeira linha, requerer a suspensão da presente instância executiva até que se verifique o trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida na acção com o nº 3689/18.0T8VCT, que corre termos neste mesmo Juízo Central Cível de Viana do Castelo, por si intentada contra A. O. e outros, onde peticiona que: seja declarada nula, por simulação relativa, a compra e venda titulada por escritura de compra e venda com hipoteca outorgada no dia 19/11/2007, no cartório notarial da Sr.ª Dr.ª A. D. e, por tal efeito, determinar-se o cancelamento da respetiva inscrição, efetuada sobre a fração , descrição nº ..., freguesia de ..., Viana do Castelo; seja reconhecido o direito de propriedade da então Autora sobre a predita fração autónoma; seja declarada nula, por simulação, a compra e venda titulada por escritura de compra e venda celebrada, em 14/03/2017,e, por tal efeito, determinar-se o cancelamento da inscrição AP. 3355 de 2017/03/14, sobre a fração.
Defende que aquela ação se encontra a correr os seus termos, estando registada desde 5/11/2018, sendo que a sua eventual procedência colidirá frontalmente com os presentes autos.
Subsidiariamente, veio ainda a ora Requerente que, ao abrigo do disposto no nº 11 do artigo 6.º-B da Lei nº 4-B/2021, se digne determinar a suspensão da diligência de entrega do imóvel em apreço, na medida em que a Requerente não dispõe de qualquer residência alternativa, sendo aquele, há longas décadas, a sua casa de morada de família da Requerente.
Quanto a este pedido, não foi junta qualquer prova.

Em resposta de 03.11.2021 [40343003], veio a Exequente, por um lado, defender que a pretendida suspensão da instância executiva até que se verifique o trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida na acção com o nº 3689/18.0T8VCT foi já objecto de apreciação, designadamente em sede de embargos de terceiro, com a consequente improcedência da mesma, por sentença confirmada e transitada em julgado. Por outro lado, e quanto à pretendida aplicação do disposto no nº 11 do artigo 6.º-B da Lei nº 4-B/2021, para além da falta de qualquer prova que ateste o alegado, sempre se dirá que a ora Requerente não é arrendatária da fracção em causa, pelo que tal regime se lhe não aplicará.

Foi proferido despacho que decidiu nos seguintes termos:

- “vai indeferida a pretendida suspensão da presente instância executiva até que se verifique o trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida na acção com o nº 3689/18.0T8VCT, que corre termos neste mesmo Juízo Central Cível de Viana do Castelo.---
Por outro lado, e quanto ao pedido subsidiário de suspensão da diligência de entrega do imóvel em apreço, ao abrigo do disposto no nº 11 do artigo 6.º-B da Lei nº 4-B/2021, não tendo, desde logo, sido sustentado em qualquer meio de prova, impor-se-á o seu indeferimento liminar, o que se decide.”

Inconformada com essa decisão dela veio recorrer a Requerente formulando as seguintes conclusões:

I. O Tribunal a quo proferiu o despacho, que se pronunciou pelo indeferimento do pedido de suspensão da presente instância e bem assim contra o pedido subsidiário de suspensão de entrega judicial no imóvel sito na Rua … Viana do Castelo.

II. O Recorrente não se conforma com a decisão proferida e a consequente improcedência do pedido suspensão da instância executiva, bem assim do pedido subsidiário.

III. Ao decidir nos termos em que decidiu o Tribunal a quo, salvo douto entendimento, violou o disposto no art.º 272º, n.º 1 do CPC.

IV. A decisão a proferir nos presentes não depende da decisão a proferir nos autos que correm termos Juízo Central Cível de Viana do Castelo sob o n.º 3689/18.0T8VCT.

V. Naquele discute-se a validade do contrato de compra e venda com hipoteca celebrado pela Recorrente em 19/11/2007 pugnando-se pela restituição do direito de propriedade e em consequência a declaração de nulidade por simulação do contrato de compra e venda celebrado em 14/03/2007 a favor do filho da Recorrente, aqui executado A. O..

VI. Nestes, pese embora se discuta a obrigação de os Executados liquidarem a quantia exequenda titulada por livrança.

VII. Nos autos de execução, releva que o imóvel referido foi alvo de penhora e venda judicial por alegadamente ser titulado pelo Executado A. O..

VIII. A racionalidade de ambos os pleitos redunda, inevitavelmente, na defesa do direito de propriedade da aqui Recorrente, pelo que a decisão a ser proferida na ação declarativa pendente de constitui questão prejudicial cujo merecimento poderá obstar à eficácia dos efeitos produzidos e a produzir pela decisão de execução.

IX. A solução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia.

X. Pelo que, em face de todo o exposto, deve ser revogada a douta Sentença proferida substituído por outro que determine a suspensão da presente instância e bem assim das diligências de entrega judicial do imóvel até que os autos com o n.º nº 3689/18.0T8VCT. obtenham decisão transitada em julgado.

XI. Por último frise-se que a questão que ora se traz à colação do Venerando Tribunal não foi antes objeto de qualquer juízo judicativo em sede de execução ou embargos de terceiro, em primeira instância ou recurso.

XII. Por último, pronuncia-se o douto despacho recorrido pelo indeferimento do pedido subsidiário da Recorrente formulado nos termos do disposto no nº 11 do artigo 6.º-B da Lei nº 4- B/2021, com fundamento em falta de prova do alegado, do qual se discorda.

XIII. Nos termos das disposições conjugadas do art.º 19.º da Lei Geral Tributária que nos fornece o conceito de domicílio fiscal e dos ns 12 a 15 do art.º 13.º do Código de IRS que estabelece a presunção de habitação própria e permanente no domicílio fiscal se conclui está ultrapassada a questão da prova da casa e morada de família da Recorrente nos autos.

XIV. Mesmo que assim não se entendesse, deveria ter sido facultada à Recorrente pelo douto Tribunal a quo, no âmbito dos poderes de direção oportunidade de apresentar tal prova antes de ser proferida decisão definitiva ou subsidiariamente, verificada tal omissão, poderia e deveria o Tribunal a quo ter oficiado os Serviços de Autoridade Tributária para fornecimento dos elementos probatórios em questão.

XV. Ao agir como agiu, s.m.e violou o Tribunal a quo, o direito à prova, bem assim, o princípio da Justiça e da verdade material – arts. 6º e 411º do Código do Processo Civil.

XVI. O despacho sob recurso violou e não fez a devida interpretação, entre outros, dos arts. 5.º, 6.º, 7.º, 410.º, 411.º e 423.º do CPC e 20.º da Constituição da República Portuguesa.

TERMOS EM QUE, e nos que Vossas Excelências superiormente suprirão, deve revogar-se o douto despacho e substituído por outro em que seja ordenada a suspensão dos presentes autos e a suspensão da entrega do imóvel sito tudo com as legais consequências.
Assim, se fazendo sã, inteira, serena e objetiva JUSTIÇA!

Houve contra-alegações por para da exequente, nelas se pugnando pela total improcedência da apelação.

O recurso foi admitido em conformidade com o decidido pelo tribunal a quo.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II- OBJECTO DO RECURSO

A - Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente, bem como das que forem do conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando notar que, em todo o caso, o tribunal não está vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, atenta a liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.
B - Deste modo, considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, cumpre apreciar:
- Se deve ser revogada a decisão recorrida, determinando-se a suspensão da instância ou, subsidiariamente, a suspensão da entrega do imóvel identificado.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para o presente recurso há a considerar os factos constantes do relatório supra.

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Da suspensão da instância por causa prejudicial

Pretende a Recorrente que seja revogada a decisão recorrida que indeferiu a requerida suspensão da instância.
Para tanto, em síntese, alega que nos autos que correm termos Juízo Central Cível de Viana do Castelo sob o n.º 3689/18.0T8VCT, discute-se a validade do contrato de compra e venda com hipoteca celebrado pela Recorrente em 19/11/2007 pugnando-se pela restituição do direito de propriedade e em consequência a declaração de nulidade por simulação do contrato de compra e venda celebrado em 14/03/2007 a favor do filho da Recorrente, aqui executado A. O.; que, nos presentes autos, pese embora se discuta a obrigação de os Executados liquidarem a quantia exequenda titulada por livrança, releva que o imóvel referido foi alvo de penhora e venda judicial por alegadamente ser titulado pelo Executado A. O.; e que a racionalidade de ambos os pleitos redunda, inevitavelmente, na defesa do direito de propriedade da aqui Recorrente, pelo que a decisão a ser proferida na ação declarativa pendente de constitui questão prejudicial cujo merecimento poderá obstar à eficácia dos efeitos produzidos e a produzir pela decisão de execução.
Vejamos.
De harmonia com o disposto no art. 272º do Cód. Proc. Civil, a instância suspende-se quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento da outra já proposta ou quando ocorre motivo justificado.
A suspensão por existência de causa prejudicial liga-se ao mérito da acção, pois com ela pretende evitar-se que a acção seja decidida sem que noutra acção esteja decidida uma questão essencial que tem influência na decisão a proferir na ação suspensa.
Uma ação é prejudicial doutra sempre que naquela se ataca um acto ou facto jurídico que é pressuposto necessário desta. A relação de dependência entre uma ação e outra, como causa de suspensão da instância, assenta no facto de numa ação se discutir, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da outra, em termos de a decisão proferida numa ser susceptível de inutilizar os efeitos pretendidos na outra, por a resolução da primeira - a prejudicial -, por si, só poder modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para a decisão da segunda - a dependente.
Uma causa é prejudicial à outra quando a decisão daquela possa prejudicar a decisão desta, isto é, quando a procedência da primeira tirar a razão de ser à existência da segunda - cfr. neste sentido, Prof. A. Reis, Comentários ao Código Processo Civil - 3º - 206.
A razão de ser da suspensão por pendência de causa prejudicial é a economia e coerência dos julgamentos" (Alberto dos Reis, ob. cit. pág. 272).
Segundo a Lição do mesmo autor, “uma causa é prejudicial a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda” – “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, Coimbra, 1946, pág. 268.
O Prof. Manuel de Andrade (Lições de Processo Civil, págs. 491 e 492) ensina que só existe verdadeira prejudicialidade e dependência quando na primeira causa se discute, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta em via incidental.
E o mesmo autor sustenta que nada impede que se alargue a noção de prejudicialidade, de maneira a abranger outros casos, podendo considerar-se prejudicial, em relação a outro em que se discute a título incidental uma dada questão, o processo em que a mesma questão é discutida a título principal.
Cumpre ainda salientar que, nos termos do nº 2 do citado artigo 272º, na decisão que ordene a suspensão da instância dever-se-á averiguar se tal não irá acarretar desvantagens, ou que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.
No caso vertente, a Recorrente pede a suspensão da acção executiva devido a ter instaurado uma acção declarativa contra A. O., e esposa M. I., contra J. B., Limitada e contra I. D. – Unipessoal, Lda, onde peticiona que:
- Seja declarada nula, por simulação relativa, a compra e venda titulada por escritura de compra e venda com hipoteca outorgada no dia 19/11/2007, no cartório notarial da Sr.ª Dr.ª A. D. e, por tal efeito, determinar-se o cancelamento da respetiva inscrição, efetuada sobre a fração autónoma “Y”, descrição nº ..., freguesia de ..., Viana do Castelo;
- Seja reconhecido o direito de propriedade da aqui Embargante sobre a fração autónoma designada pela letra Y, primeiro andar direito, no bloco nascente, destinado a habitação, com garagem na sub cave, identificada na respetiva planta pela letra Y, inscrita na matriz sob o artigo …-Y, descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o nº ...;
- Seja declarada nula, por simulação, a compra e venda titulada por escritura de compra e venda celebrada, em 14/03/2017,e, por tal efeito, determinar-se o cancelamento da seguinte inscrição: AP. 3355 de 2017/03/14, sobre a fração autónoma “Y”, descrição nº ..., freguesia de ..., Viana do Castelo.
Esta acção corre termos no presente Juiz 2 deste Juízo Central Cível de Viana do Castelo, tendo-lhe sido atribuída o processo nº 3689/18.0T8VCT.
Em tal acção discute-se a validade do contrato de compra e venda com hipoteca celebrado pela Recorrente em 19/11/2007, pugnando-se pela restituição do direito de propriedade e em consequência a declaração de nulidade por simulação do contrato de compra e venda celebrado em 14/03/2007 a favor do filho da Recorrente, aqui executado A. O..
Sobre a temática relativa à peticionada suspensão da instância, seguiremos de perto o Ac. do TRC, de 19.05.2020, no proc. 1075/09.2TBCTB-E.C1, que num caso semelhante aos destes autos, citando também vária doutrina e jurisprudência, pronunciou-se nos seguintes termos:
- (…) “Todavia, actualmente quer a doutrina quer a jurisprudência, entendem que a 1ª parte do n.º 1 do art.º 272.º do CPC não é aplicável à acção executiva, mantendo-se em vigor a doutrina do Assento de 24/05/60 (BMJ nº 97, pág.163), agora transformado em acórdão uniformizador de jurisprudência (art.17 nº2 do DL nº 329-A/95 de 12/12), ao fixar a seguinte jurisprudência – “A execução propriamente dita não pode ser suspensa pelo primeiro fundamento do art. 284.º do Código de Processo Civil “.
Igualmente, conforme se refere no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 14/10/2004 o entendimento da jurisprudência é praticamente uniforme no sentido de que a norma do referido artigo 272.º, nº 1 (antigo 279.º, nº 1), não é aplicável às acções executivas.
Não é assim possível suspender os termos de uma acção executiva com o fundamento na prejudicialidade de uma outra causa que se encontra pendente, pois a uma acção executiva não é propriamente uma causa a decidir, mas antes, contem em si um direito já efectivamente declarado ou reconhecido, não havendo, por isso, e em princípio, qualquer nexo ou razão de prejudicialidade.
Neste sentido, vide Aberto dos Reis (Comentário ao Código de Processo Civil , vol.3º, pág.274) que considerava que a 1ª parte do art.284º (actual 272.º nº1, 1ª parte) não pode aplicar-se ao processo de execução, porque o fim deste processo não é decidir uma causa, mas dar satisfação efectiva a um direito já declarado por sentença ou constante de título com força executiva. Não se verifica assim o requisito de estar a decisão da causa dependente do julgamento de outra já proposta.
Neste sentido, vide o Ac RC 538-E/1999.C1, Relator: JORGE ARCANJO, 15-03-2011 (disponível na base de dados da DGSI, local de origem de toda a jurisprudência citada sem menção de proveniência):«….IV – A 1ª parte do nº 1 do artº 279º do CPC (causa prejudicial) não é aplicável à acção executiva.
V – Muito embora a norma do artº 279º do CPC seja de carácter geral, não distinguindo entre acções declarativas e acções executivas, a verdade é que a suspensão com fundamento em causa prejudicial não se aplica à execução, pois nesta não há que proferir decisão sobre o fundo da causa, visto que o direito que se pretende efectivar já está declarado.
VI – Admite-se a suspensão da instância executiva com fundamento na 2ª parte do nº 1 do artº 279º do CPC (por outro motivo justificado), desde que não se trate do caso de ter havido oposição à execução, pois a execução só pode ser suspensa mediante prestação de caução.
VII – Porém, a 2ª parte do nº 1 do artº 279º tem âmbito de previsão diferente da sua 1ª parte (…) não podendo nela fundar-se a suspensão da acção executiva por pendência de acção autónoma.».
Por outro lado, também não se está perante a previsão de ocorrência de outro motivo justificado, constante da 2ª parte do nº 1 do referido artigo 272.º em análise.
O motivo justificado, susceptível de determinar a suspensão de uma execução, é o que é inerente ao próprio processo executivo, e não abrange a pendência de uma causa.
Neste sentido, vide Lebre de Freitas (in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2ª edição, pág. 546), “a 2ª parte do nº 1 (do citado artigo 279º) tem âmbito de previsão diferente da sua 1ª parte (…) não podendo nela fundar-se a suspensão da acção executiva por pendência de acção autónoma”.
Igualmente, conforme refere o Ac da RC Processo: 2000/04, Relator: ISAÍAS PÁDUA, 7-7-2004:«Sumário:
I- Uma causa é prejudicial em relação a outra quando o julgamento ou decisão da questão a apreciar na primeira possa influir ou afectar o julgamento ou a decisão da segunda, nomeadamente em termos de modificar ou inutilizar os seus efeitos ou mesmo de tirar razão de ser à segunda.
II- Na actual Reforma do CPC /95 continua a não ser possível suspender os termos de uma acção executiva com o fundamento na 1ª parte do nº 1 do artº 279, ou seja, com base na prejudicialidade de uma outra causa que se encontre pendente.
III- É que uma acção executiva não constitui, propriamente, uma causa a decidir, por conter em si, como regra, um direito efectivamente declarado ou reconhecido, não havendo, assim, e em princípio, qualquer nexo ou razão de prejudicialidade.
IV- Porém, já é possível suspender a instância executiva à luz da 2ª parte do nº 1 do citado artº 279, ou seja, por ocorrência de outro motivo justificado.
V- Não tendo, todavia, o legislador definido o conceito de “motivo justificado”, será perante cada caso concreto que se terá de indagar se ocorre ou não motivo que justifique a suspensão da instância, em com base em tal fundamento, sendo que, contudo, que o mesmo não poderá ter nada a ver com a pendência de outra acção.»
E, no caso em apreço, o motivo invocado pelo executado recorrente está directamente relacionado com a pendência da referida acção declarativa, pelo que também e, de qualquer modo, não lhe podia ser aqui aplicável a 2ª parte do nº 1 do artigo 272.º.
Neste sentido, vide o Ac do STJ Processo: 09B0674, Relator: ÁLVARO RODRIGUES 16-04-2009:«Sumário: O «outro motivo justificado» susceptível de determinar a suspensão de uma execução, nos termos do nº1 in fine do artº 279º do CPC, é o que inerente ao próprio processo executivo, como, v.g., a arguição de nulidade de um título executivo, um problema que surja em matéria de liquidação da quantia exequenda ou mesmo a pendência de uma acção de simulação do título executivo.
A entender-se que constitui motivo justificado para a suspensão de um processo de execução, a simples instauração, ainda para mais por um terceiro estranho à instância executiva, de uma acção cujo objecto seja o bem executado, acção essa (como quase todas) de resultado necessariamente aleatório, autorizada estaria uma forma de protelamento da execução que mais não visa do que dar realização prática a uma situação jurídica definida pela sentença passada em julgado ou documentada por título executivo legalmente válido, em manifesto prejuízo dos direitos reconhecidos dos exequentes.».

No caso em apreço, a Recorrente não é exequente, nem executada na presente acção executiva, tendo deduzido embargos de terceiro, que foram rejeitados, por decisão transitada em julgado. E o motivo invocado pela Recorrente para fundamentar a suspensão da instância é precisamente o da pendência de uma acção declarativa em que a mesma é autora.
Decorre, assim, que o motivo invocado para ordenar a suspensão não se enquadra nos legalmente previstos, sendo certo que in casu a execução apenas suspenderia nas condições previstas no art. 347º do CPC, caso os embargos de terceiro tivessem sido recebidos, o que manifestamente não ocorreu.
Pelo exposto, inexistindo fundamento legal para a requerida suspensão da instância, improcede nesta parte a apelação.
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Da suspensão da entrega do imóvel

O douto despacho recorrido pronunciou-se pelo indeferimento do pedido subsidiário da Recorrente formulado nos termos do disposto no nº 11 do artigo 6.º-B da Lei nº 4- B/2021, com fundamento em falta de prova do alegado.
A Recorrente discorda do assim decidido, alegando, para tanto, que nos termos das disposições conjugadas do art.º 19.º da Lei Geral Tributária que nos fornece o conceito de domicílio fiscal e dos ns 12 a 15 do art.º 13.º do Código de IRS que estabelece a presunção de habitação própria e permanente no domicílio fiscal se conclui está ultrapassada a questão da prova da casa e morada de família da Recorrente nos autos. Mais alega que mesmo que assim não se entendesse, deveria ter sido facultada à Recorrente pelo douto Tribunal a quo, no âmbito dos poderes de direção oportunidade de apresentar tal prova antes de ser proferida decisão definitiva ou subsidiariamente, verificada tal omissão, poderia e deveria o Tribunal a quo ter oficiado os Serviços de Autoridade Tributária para fornecimento dos elementos probatórios em questão. Conclui a Recorrente que ao agir como agiu, violou o Tribunal a quo, o direito à prova, bem assim, o princípio da Justiça e da verdade material – arts. 6º e 411º, bem como os art. 5º, 7º, 410º, 423º do Código do Processo Civil e 20º da Constituição da República Portuguesa.
Afigura-se-nos que a Recorrente não tem razão.
A lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, veio estabelecer um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adoptadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19, alterando a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março.
Estabeleceu ainda um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adoptadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19, alterando a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março.
Tal diploma legal entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação (cfr. artigo 5.º).

Nos termos do seu art. 2º, procedeu-se ao aditamento à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, entre outros, do artigo 6.º-B, o qual, sob a epígrafe prazos e diligências, prevê no seu nº 11 o seguinte:
- “11 - São igualmente suspensos os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família ou de entrega do locado, designadamente, no âmbito das ações de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando, por requerimento do arrendatário ou do ex-arrendatário e ouvida a contraparte, venha a ser proferida decisão que confirme que tais atos o colocam em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa” (sublinhado nosso).
Posteriormente, a Lei n.º 13-B/2021 de 5 de abril veio cessar o regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais adoptado no âmbito da pandemia da doença COVID-19, alterando a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março.
Nos termos do seu artigo 1º, esta Lei tem por objecto, proceder à décima alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, alterada pelas Leis n.os 4-A/2020, de 6 de abril, 4-B/2020, de 6 de abril, 14/2020, de 9 de maio, 16/2020, de 29 de maio, 28/2020, de 28 de julho, 58-A/2020, de 30 de setembro, 75-A/2020, de 30 de dezembro, 1-A/2021, de 13 de janeiro, e 4-B/2021, de 1 de fevereiro, que estabelece medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19.
Assim, o artigo 6.º dessa Lei prevê que são revogados os artigos 6.º-B e 6.º-C da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na sua redação atual.
Dispõe ainda que a presente lei entra em vigor no dia 6 de abril de 2021 (cfr. artigo 7º).
Do exposto decorre que o disposto no referido nº 11 do art. 6º-B só é aplicável a quem, desde logo, tenha a qualidade de arrendatário ou de ex-arrendatário.
Ora, no caso dos autos, a Recorrente/Requerente não tem a qualidade de arrendatária ou ex-arrendatária, nem essa qualidade foi sequer invocada no seu requerimento de 21.10.2021 (que deu origem à decisão recorrida).
Daí que a Recorrente não poderia beneficiar da previsão dessa norma, por não lhe ser aplicável.
Em qualquer caso, tal norma do art. 6-B foi revogada pela Lei n.º 13-B/2021 de 5 de abril, que entrou em vigor no dia 6 de Abril de 2021 (cfr. art. 6º e 7º).
Vale isto por dizer que o requerimento da Recorrente a pedir a suspensão da entrega do imóvel em causa nos autos não tem fundamento legal que o sustente, posto que o que foi alegado pela Recorrente, como vimos, não é aplicável.
Por essa razão, fica prejudicada a apreciação da matéria das conclusões XIII a XVI da apelante (art. 608º, nº 2, do CPC).
Assim sendo, tem de improceder também esta pretensão da apelante.
Em suma, muito embora por diferente fundamento, deverá manter-se a decisão recorrida, improcedendo totalmente a apelação.
*
DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
TRG, 17.02.2022

Relator: Jorge Santos
Adjuntos: Margarida Gomes
Conceição Bucho