Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | FERNANDA PROENÇA FERNANDES | ||
Descritores: | ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS REPERCUSSÃO JURÍDICA DA COVID-19 RISCO CONTRATUAL | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 10/07/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 3.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I. A Covid-19 constitui um exemplo claro de alteração de circunstâncias geral e totalmente alheia a condutas das partes, e a cujo domínio e controlo escapam completamente. II. A repercussão jurídica da Covid-19 deve ser repartida por igual (igualdade não no sentido formal – no sentido de matematicamente igual -, mas antes material, ou seja, de forma equitativa) de forma a que não se criem desequilíbrios na distribuição do risco contratual. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório. Monte X – Actividades Turísticas, Lda. com sede na Rua …, Lisboa, apresentou requerimento de injunção contra X – Hotelaria e Turismo, S.A., pendente agora no Juízo Local Cível de Peso da Régua, Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de € 8.302,50, acrescida de juros de mora vencidos de € 59,44 e vincendos. Para o efeito alegou ter celebrado com a ré um contrato de cedência da exploração de estabelecimento comercial, e que a ré não pagou as quantias estipuladas referentes aos meses de Abril, Maio e Junho de 2020. Embora reconhecendo a celebração do contrato e o não pagamento das quantias em causa, na oposição apresentada, a ré alega que a pandemia provocou uma diminuição acentuada dos seus rendimentos e sustenta ter o direito a uma modificação do contrato, pedindo a sua absolvição do pedido por não ser exigível o pagamento das quantias em causa. Realizado o julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: “IV - Decisão Em face do exposto, decido julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência: a) Condeno a ré no pagamento das prestações respeitantes aos meses de Abril, Maio e Junho de 2020, no valor de € 2.767,50 (dois mil, setecentos e sessenta e sete euros e cinquenta cêntimos) cada, o que perfaz o montante total de € 8.302,50 (oito mil, trezentos e dois mil e cinquenta cêntimos). b) Condeno a ré no pagamento dos juros de mora comerciais à taxa em cada momento em vigor, contados: a. Quanto à prestação de Abril de 2020, desde 1 de Setembro de 2020; b. Quanto à prestação de Maio de 2020, desde 1 de Outubro de 2020; c. Quanto à prestação de Junho de 2020, desde 1 de Novembro de 2020. c) Condeno a requerente e a requerida no pagamento das custas processuais na medida dos respectivos decaimentos, em conformidade com o disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil. Fixo à causa o valor de € 8.361,94, em conformidade com o disposto nos artigos 296.º e 297.º do Código de Processo Civil. Registe e notifique.”. * Inconformada com esta decisão, a ré dela interpôs recurso e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem): “Conclusões: 1-A douta decisão recorrida considerou equitativa a condenação da R. no pagamento integral das prestações respeitantes aos meses de Abril, Maio e Junho de 2020, no valor de € 2.767,50 (dois mil, setecentos e sessenta e sete euros e cinquenta cêntimos) cada, o que perfaz o montante total de € 8.302,50 (oito mil, trezentos e dois mil e cinquenta cêntimos); no pagamento dos juros de mora comerciais à taxa em cada momento em vigor, contados: Quanto à prestação de Abril de 2020, desde 1 de Setembro de 2020; Quanto à prestação de Maio de 2020, desde 1 de Outubro de 2020; Quanto à prestação de Junho de 2020, desde 1 de Novembro de 2020. 2- A discordância da Recorrente contra a decisão Recorrida insurge-se, apenas, quanto ao critério seguido pelo Tribunal a quo, no juízo de equidade a que se socorreu no caso dos autos, tendo em consideração a matéria de fato provada e o enquadramento jurídico feito, nomeadamente perante a circunstância de, aquando da celebração do contrato de cessão de exploração a 01 de Fevereiro de 2019, as partes não previam, nem podiam ter previsto, a Pandemia Covid 19 e os seus efeitos, a partir de Março de 2020, a que inevitavelmente ficaram sujeitos. 3- Desde logo, o Tribunal Recorrido deu dado por provado que a emergência de saúde pública ocasionada pelo Coronavírus (covid-19), foi qualificada pela OMS, em Março de 2020, como uma pandemia internacional, constituindo calamidade pública fundamentadora da declaração de Estado de Emergência em Portugal e que esta circunstância, posterior à celebração do contrato, perturbou o equilíbrio desejado por A. e R. aquando do momento da contratação. 4- O que forçou a R. a suspender o pagamento das rendas devidas pela cessão de exploração e a tentar renegociar com a A. as condições contratuais, o que fez em Março de 2020, numa altura em que as rendas estavam em dia, nunca tendo ocorrido qualquer atraso no respetivo pagamento. 5- No caso dos autos esta impossibilidade temporária de cumprimento foi consequência direta da pandemia Covid-19 (causa de força maior), tendo o gerente da ré dado conta de que nos meses de Abril, Maio e Junho de 2020, embora o “Monte X” tenha continuado de portas abertas, teve uma taxa de ocupação muito baixa, apesar de não havido uma quebra total da faturação 6- Por outro lado, os gerentes da autora apenas manifestaram estar disponíveis para admitir um diferimento nos pagamentos, não estando dispostos, contudo, a aceitar uma redução do preço. 7-Considerou o Tribunal Recorrido que, de acordo com a informação contabilística junta pela R, a quebra de faturação acumulada nos meses de Abril a Junho de 2020 foi de 230,97% e nos meses de Julho e de Agosto de 2020, ainda se registou uma quebra da facturação acumulada na ordem dos 25,06%, mas que esse aumento da faturação registado nestes últimos dois meses, não foi suficiente para recuperar as perdas anteriores. 8- O certo é que, desde essa data, até hoje, ou seja, decorridos que foram mais de 13 meses, a R. apenas logrou manter a atividade no aludido estabelecimento, ainda que de forma reduzida a uma capacidade máxima de 60%, durante cerca de 3 meses. 9- Tendo-se encontrado temporariamente impedida de desenvolver a sua atividade durante mais de 10 meses, por causa que não lhe é imputável. 10- Mostrou-se inequívoco para o Tribunal Recorrido que a pandemia provocada pelo Covid 19, produziu um estado de coisas que, a existir no momento da celebração do contrato, teria determinado que a R. não celebrasse o contrato ou que o tivesse feito em termos diversos. 11- Daí que, tenha decidido por uma modificação do contrato, no que respeita às prestações dos meses de Abril, Maio e Junho de 2020, a qual deverá pautar-se por um critério de equidade, em conformidade com o disposto nos artigo 4.º, alínea a), e 437.º, n.º 1, do Código Civil. 12- Porém, o resultado a que o Tribunal Recorrido chegou para contemplar um equilíbrio financeiro, uma justa repartição dos riscos e responsabilidades, uma solução de razoabilidade, sem defraudar as expectativas dos contraentes, passou por fixar o diferimento do pagamento das prestações de Abril, Maio e Junho de 2020 para o período posterior a Agosto de 2020. 13- Entendimento com o qual a R./Recorrente não se conforma, porquanto, no seu discernir, podia e devia o Tribunal Recorrido, como solução mais razoável, considerar lícita e eficaz a suspensão do pagamento das rendas pela R. e na modificação do contrato, decidir equitativamente pela redução das rendas relativas aos meses de Abril, Maio e Junho, para o valor de metade e diferir o seu pagamento no tempo, nomeadamente, em duodécimos ao longo dos 12 meses subsequentes, à semelhança da solução criada no regime do arrendamento urbano. 14- Assim não tendo decidido a sentença recorrida violou, entre outros normativos, nomeadamente os artigos 437º do C. Civil e o regime previsto na Lei n.º 4- C/2020, de 6 de Abril. Face ao exposto, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, devendo a decisão recorrida ser revogada e, em sua substituição, ser proferida outra que julgue lícita e fundada a suspensão do pagamento das rendas da cessão de exploração, relativa às rendas de Abril, Maio e Junho, devendo o contrato ser modificado de acordo com juízos de equidade, através da redução das referidas rendas para metade do seu valor e diferido o seu pagamento em duodécimos ao longo dos 12 meses subsequentes, ou outra solução que se venha a entender mais compatível e adequada ao caso dos autos, assim se fazendo a acostumada Justiça.”. * A autora apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão apelada, e em consequência, pela improcedência do recurso.* O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.* Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.* II. Questões a decidir.Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), - ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a única questão que se coloca à apreciação deste Tribunal consiste em saber se deve o contrato celebrado pelas partes, em virtude da pandemia que assolou o país (e o mundo), ser modificado nos termos preconizados pela apelante. * III. Fundamentação de facto.Os factos que foram dados como provados na sentença sob recurso são os seguintes: “A - Factos provados 1. Por contrato datado de 1 de Fevereiro de 2019, a requerente cedeu a exploração à requerida do estabelecimento comercial de actividade turística e espaço rural Monte X, situado no concelho de Viana do Alentejo e Freguesia de …. 2. A cessão de exploração foi acordada até 31 de Janeiro de 2022 e teve o seu início no dia 1 de Fevereiro de 2019. 3. O preço da cessão de exploração foi estipulado nos seguintes termos: a. Durante o primeiro ano (2019), € 2.000,00 por mês, quantia acrescida do IVA à taxa legal devida; b. Durante o segundo ano (2020), € 2.250,00 por mês, quantia acrescida do IVA à taxa legal devida; c. Durante o terceiro ano (2021), € 2.500,00 por mês, quantia acrescida do IVA à taxa legal devida. 4. A requerente emitiu as seguintes facturas, cada uma no valor de € 2.767,50 e vencimento imediato: a. Factura n.º 4/2020, de 1/4/2020; b. Factura n.º 5/2020, de 3/6/2020; c. Factura n.º 6/2020, de 8/6/2020. 5. A requerida não pagou as prestações referentes às facturas descritas em 4. 6. Em 11 de Março de 2020, a Organização Mundial de Saúde declarou a existência de uma pandemia de Covid-19. 7. Em 18 de Março de 2020 foi decretado estado de emergência nacional. 8. No mês de Março de 2020, foram canceladas reservas no Monte X e a procura dos respectivos serviços diminuiu em virtude do receio dos efeitos do surto epidemiológico. 9. Em 16 de Março de 2020, a requerida, tanto por si como através do seu mandatário, comunicou à requerente a situação descrita em 7 e o receio de não conseguir cumprir pontualmente o pagamento do preço mensal da cessão. 10. A requerida apelou à compreensão e à colaboração da requerente na resolução desta contingência contratual, suspendendo as prestações ou renegociando o contrato com vista a não ampliar os prejuízos. 11. Em 29 de Abril de 2020, a requerida informou a requerente de que deixara de auferir quaisquer rendimentos com a sua actividade na unidade turística do Monte X, de que recorrera ao lay off com a vista a manter os postos de trabalho dos colaboradores, de que manteve as portas abertas do espaço, de que continuou a divulgar o produto turístico ali prestado e de que asseguraram a sua manutenção e limpeza. 12. Mais informou a requerente de que suspendera o pagamento da renda no mês de Abril e de que a impossibilidade de pagamento continuaria, caso a situação pandémica se mantivesse. 13. Por fim, solicitou uma reunião com a requerente para negociar uma modificação do contrato. 14. A requerente apenas se manifestou disponível para aceitar propostas que passassem pelo diferimento parcial das rendas ou pelo pagamento progressivo do respectivo valor. 15. A requerida requereu em 24 de Setembro de 2020 a notificação judicial avulsa da requerente com a finalidade de lhe ser dado conhecimento do seguinte: a. De que é intenção da requerente obter a renegociação do contrato de cessão de exploração entre as partes celebrado; b. De que deve, querendo, no prazo máximo de 8 dias após a concretização da presente notificação, designar dia, hora e local da sua conveniência para a realização da pretendida reunião, com vista à renegociação do contrato. c. De que, caso assim não proceda, a requerente intentará em juízo competente acção judicial com o descrito fim. 16. A retoma da actividade turística da requerida nos meses de Julho e de Agosto de 2020 não foi suficiente para fazer face às despesas e aos prejuízos.”. * Foram dados como não provados os seguintes factos:“B – Factos não provados a. No mês de Março de 2020, todas as reservas no Monte X foram canceladas e a procura dos respectivos serviços quebrou totalmente em virtude do receio dos efeitos do surto epidemiológico.”. * IV. Do objecto do recurso. Entendeu o Tribunal a quo que a situação dos autos integra os pressupostos da resolução ou da modificação dos contratos por alteração das circunstâncias nos termos do art. 437.º nº 1 do Código Civil. Disso não discordam as partes. Também este Tribunal assim o entende. Com efeito, a Covid-19 trouxe uma grande alteração das circunstâncias, uma vez que a emergência sanitária surgida representa a modificação brusca de uma condicionante geral da coexistência social, com impacto generalizado e, em muitos casos, brutal, na possibilidade e forma da interacção e cooperação de um número indeterminado de sujeitos (Cfr. Manuel Carneiro da Frada, “Crise financeira e alteração das circunstâncias/Contratos de depósito vs. contratos de gestão de carteiras”, in Forjar o Direito, 2.ª edição, Coimbra, 2019, 78). A Covid-19 encontra-se muito para lá de tudo o que as partes podiam razoavelmente prever, o que leva a que não haja, nesse sentido, um critério “intracontratual” que, por si, o permita resolver. Com efeito, a anormalidade da alteração das circunstâncias em que as partes alicerçaram a decisão de contratar foi acompanhada de uma completa imprevisibilidade, constituindo assim a Covid-19 um exemplo manifesto de alteração de circunstâncias geral e totalmente alheia a condutas ou áreas de influência das partes, e a cujo domínio e controlo escapam absolutamente. De acordo com o n.º 1 do artigo 437.º do Código Civil, “se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato”. Contudo, o artigo 438.º veda à parte lesada o direito à resolução ou modificação do contrato se estava em mora no momento em que a alteração das circunstâncias se verificou. O cerne do art. 437.º nº1 do Código Civil é a locução “princípios da boa-fé”. Ora, nas circunstâncias em causa nos autos, a boa-fé impõe que a pandemia existente não deva ser aproveitada unilateralmente por um dos sujeitos em detrimento do outro, nem penalize arbitrariamente uma das partes (visto que a alteração das circunstâncias, como se disse já, é totalmente alheia a qualquer das partes, devendo ser vista como um risco a que ambos os contraentes estão sujeitos). Assim sendo, a repercussão jurídica da Covid-19 deve ser repartida por igual (igualdade não no sentido formal – no sentido de matematicamente igual -, mas antes material, ou seja, de forma equitativa) de forma a que não se criem desequilíbrios na distribuição do risco contratual. A pandemia por Covid-19 provocou uma quase paralisação da sociedade e da economia, tendo o sector do turismo (como muitos outros) sido vítima destas circunstâncias. Por tal razão, o legislador adoptou várias leis excepcionais e temporárias, entre as quais a Lei n.º 4-C/2020, de 6 de Abril, que estabeleceu um regime excepcional para as situações de mora no pagamento da renda devida nos termos de contratos de arrendamento urbano habitacional e não habitacional, no âmbito da pandemia COVID-19, prevendo o diferimento das rendas vencidas durante o estado de emergência. Tal regime estende a sua aplicação, com as necessárias adaptações, a outras formas contratuais de exploração de imóveis, como é o caso do contrato de cessão de exploração que acarrete a exploração de um imóvel, como sucede com o caso dos autos. Contudo, o regime em causa apenas se aplica aos estabelecimentos abertos ao público destinados a actividades de comércio a retalho e de prestação de serviços encerrados ou que tenham as respectivas actividades suspensas e aos estabelecimentos de restauração e similares, incluindo nos casos em que estes mantenham actividade para efeitos exclusivos de confecção destinada a consumo fora do estabelecimento ou entrega no domicílio. Assim sendo, como se concluiu na sentença apelada, o contrato objecto desta acção não é aqui enquadrável, estando vedada a respectiva aplicação por analogia, dado tratar-se de um regime jurídico de natureza excepcional (artigo 11.º do Código Civil). É no entanto aplicável o já referido regime previsto no art. 437º nº 1 do Código Civil. Como bem se refere na sentença apelada “Sabendo que nos meses a que respeita o não pagamento – Abril a Junho de 2020 -, a ré viu a facturação do estabelecimento comercial cedido pela autora enormemente diminuída, não existem dúvidas de que a pandemia produziu um estado de coisas que, a existir no momento da celebração do contrato, teria determinado que a ré não celebrasse o contrato ou que o tivesse feito em termos diversos. Assim, os efeitos da pandemia apresentam-se como muito relevantes, tendo afectado as circunstâncias determinantes da vontade da ré de contratar ao abrigo de certos termos. A pandemia, por outro lado, atingiu todo o ambiente económico, tornando, segundo cremos clamorosamente injusto exigir que a ré tivesse de pagar as quantias peticionadas no momento em que, nos termos do contrato, seriam exigíveis, pois se trata de um acontecimento que atingiu violentamente todos os sectores da economia, incluindo o sector do turismo, nacional e internacional, com enormes perdas, exorbitando esta situação de modo claro os riscos próprios do contrato, dado o seu carácter inteiramente imprevisível no momento da celebração do contrato e as intensas dificuldades económicas provocadas.”. Nesta medida, justifica-se uma modificação do contrato no que respeita às prestações dos meses de Abril, Maio e Junho de 2020, a qual deverá pautar-se por um critério de equidade. Da factualidade que se apurou resulta que a actividade da ré não ficou paralisada, mas grandemente diminuída, com um enorme impacto na respectiva facturação, no período entre Abril e Junho de 2020. Por outro lado os meses de Julho e Agosto de 2020 representaram para o Turismo e para a ré um novo arranque da actividade, o qual trouxe um significativo aumento da facturação. Contudo, o mesmo não foi suficiente para compensar as perdas anteriores e permitir o pagamento das dívidas contraídas no período de Abril a Junho de 2020. Considerando tal factualidade, e visto que noutros sectores de actividade com desafios similares, como sucede com os abrangidos pela já referida Lei n.º 4-C/2020, de 6 de Abril, se previu uma solução de diferimento de pagamento, entendemos que a solução (de diferimento de pagamento) adoptada pelo Tribunal a quo ainda assim é insuficiente e mais penalizadora para a aqui apelante do que para a apelada. Com efeito, pese embora entendamos que não se vislumbram razões que levem ao não pagamento integral das prestações em dívida (como preconizado pela apelante), o facto é que consideramos que a solução de diferimento de pagamento adoptada na decisão apelada é (ainda assim) muito penalizadora para a aqui apelante. É que, se durante os meses de Abril, Maio e Junho a actividade da apelante ficou grandemente diminuída, o aumento de facturação nos meses de Julho e Agosto de 2020 não foi suficiente para compensar as perdas anteriores e permitir o pagamento das dívidas contraídas no período de Abril a Junho de 2020. Se assim é, o diferimento do pagamento de tais prestações para o período imediatamente posterior a Agosto de 2020 (altura em que a aqui apelante ainda estava a tentar recuperar a sua actividade, de modo a poder compensar as perdas anteriores e proceder ao pagamento das dívidas contraídas de Abril a Junho de 2020) não nos parece suficiente para de forma equitativa não criar desequilíbrios na distribuição do risco contratual. De facto, entendendo que não se vislumbram razões que levem ao não pagamento integral das prestações em dívida (por tal provocar um desequilíbrio inaceitável a favor da aqui apelante na distribuição do risco contratual), deve considerar-se que, o diferimento do pagamento de tais prestações referentes aos meses de Abril a Junho de 2020, deve ser feito para os meses de Janeiro de 2021 (a prestação de Abril de 2020) - altura até à qual a aqui apelante se encontrou em normal actividade, com o lucro adveniente das épocas festivas -, e Junho e Julho de 2021 (as prestações de Maio e Junho de 2020), tendo em conta que em Janeiro de 2021 se entrou em novo estado de emergência, que voltou a abalar a economia em geral, e nomeadamente o sector turístico. Tal solução é, em nosso entender, a que melhor se coaduna à situação dos autos, e que permite à apelante aliviar as suas responsabilidades, num período inesperadamente difícil para as suas finanças, sem que tal prejudique, de forma excessiva, a aqui apelada. Em conclusão, julga este Tribunal da Relação equitativa a solução de, condenando embora a ré no pagamento integral das três prestações que não pagou nos momentos contratualmente previstos, condená-la apenas no pagamento dos juros moratórios contados desde 1 de Janeiro de 2021 quanto à prestação de Abril de 2020, desde 1 de Junho de 2021 quanto à prestação de Maio de 2020 e desde 1 de Julho de 2021 quanto à prestação de Junho de 2020. Nestes termos, procede parcialmente o recurso. * V. Decisão.Perante o exposto, acordam os Juízes desta 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente a apelação, em consequência do que se condena a ré no pagamento das prestações respeitantes aos meses de Abril, Maio e Junho de 2020, no valor de € 2.767,50 cada, o que perfaz o montante total de € 8.302,50. Mais se condena a ré no pagamento dos juros de mora comerciais à taxa em cada momento em vigor, contados: a. Quanto à prestação de Abril de 2020, desde 1 de Janeiro de 2021; b. Quanto à prestação de Maio de 2020, desde 1 de Junho de 2021; c. Quanto à prestação de Junho de 2020, desde 1 de Julho de 2021. Custas da acção e da apelação pelas partes, na proporção dos respectivos decaimentos. * Guimarães, 7 de Outubro de 2021 Assinado electronicamente por: Fernanda Proença Fernandes Anizabel Sousa Pereira Jorge Santos (O presente acórdão não segue na sua redacção as regras do novo acordo ortográfico, com excepção das “citações” efectuadas que o sigam) |