Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4830/20.9T8GMR-A.G2
Relator: ANIZABEL SOUSA PEREIRA
Descritores: INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO
OPOSIÇÃO
NOTIFICAÇÃO ADVOGADO
NULIDADE PROCESSUAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Tendo sido nomeado patrono oficioso aos RR no processo principal, e mantendo-se a nomeação para o apenso de incidente de liquidação de sentença, tendo sido notificados os requeridos pessoalmente para deduzirem oposição ao incidente, impunha-se que fosse efetuada a notificação ao respetivo mandatário ou patrono para a prática do ato de apresentação da contestação/oposição daquele incidente de liquidação.
II- A falta da notificação do Mandatário dos RR traduz uma nulidade processual por omissão de um ato previsto na lei que não obstante tratar-se de uma nulidade processual com influência decisiva no exame e decisão da causa, acarretando a nulidade dos termos subsequentes (artigo 195º nº 1 do Código de Processo Civil) inclusive da sentença proferida sobre o mérito da causa, se impunha que fosse arguida no prazo de 10 dias contados do dia em que, após a nulidade ter sido cometida, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, desde que, neste último caso, possa presumir-se que tomou conhecimento da nulidade ou podia dela conhecer desde que tivesse agido com a diligência devida.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
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I- RELATÓRIO:

EMP01... – Compra e Venda de Bens Imóveis, S.A.”, sociedade comercial com sede na Rua ..., ..., freguesia ..., ... ..., veio nos termos do n.º 2 do artigo 358.º e do n.º 2 do artigo 609.º do Código de Processo Civil, deduziu Incidente de Liquidação contra AA e mulher BB, residentes na Rua ...., freguesia ..., ... Guimarães e CC e mulher DD, residentes na Rua ..., ..., ... ..., Guimarães, pedindo a condenação solidaria dos RR a pagar-lhes a quantia de € 5.439,39 (IVA incluído à taxa em vigor), acrescida de juros de mora à taxa
legal em vigor desde a citação até integral e efetivo pagamento, a título de despesas que a A. teve de suportar com a reparação do arrendado.
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Alegou para tanto que por sentença proferida no processo à margem referenciado, além do mais foi decidido “Condenar os RR no pagamento à Autora do que se vier a liquidar a título de despesas de reparação das anomalias elencadas em 13 dos factos provados, com limite de €6.729,69 (já com IVA).”
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Em 28-09-2022, foi proferido o seguinte despacho liminar: “ Admite-se liminarmente o incidente de liquidação, após prolação de sentença, considerando- se, deste modo e nesta parte, a instância renovada.
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Citem-se os RR para os termos do presente incidente.
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Em 04-10-2022, e em cumprimento desse despacho, a secretaria procedeu à notificação ( para oposição à liquidação) dos requeridos nos seguintes termos:
Fica notificado, na qualidade de Requerido, relativamente ao processo supra identificado, para no prazo de 10 dias, deduzir oposição, querendo, ao incidente de liquidação, sob pena de, não o fazendo se considerarem confessados os factos articulados pelo Autor.”
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Após várias vicissitudes e cartas devolvidas dos RR AA e mulher BB, em 05-12-2022, vieram estes RR aos presentes autos apensos de liquidação juntar requerimento, nos termos do qual solicitaram a interrupção do prazo da contestação por terem pedido apoio judiciário junto da Segurança Social, conforme documento que juntaram e com data de 30-11-2022, pedindo, além do mais, a nomeação de patrono para “ contestar o incidente de liquidação e que seja nomeado o DR. EE nomeado nos autos principais”.
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Os RR CC e DD, vieram Deduzir Oposição ao Incidente de Liquidação, pugnando pela sua improcedência, por considerarem excessivos os valores peticionados.
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Os RR AA e mulher BB, não deduziram Oposição do Incidente.
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Foi proferido nos autos o seguinte despacho com a data de 19-04-2023:

Dos pedidos de proteção jurídica formulados à SS:
Compulsados os presentes autos bem como os autos principais, verificamos que: nos autos principais, os Réus AA e BB beneficiam de Proteção Jurídica (Dispensa de Taxa de Justiça e demais encargos e Nomeação e Pagamento de Compensação de Patrono); neste apenso de liquidação, os RR AA e BB formularam novo pedido de proteção jurídica junto da Segurança Social (ref.ª ...08 de 05/12/2022); nestes autos, a Segurança Social informou que indeferiu, por falta de resposta à audiência prévia, o pedido da Ré/Requerida BB; nestes autos, a Segurança Social informou que deferiu o pedido do Réu/Requerido AA, mas documentando o deferimento com data anterior à data do pedido que o Réu/Requerido fez para estes concretos autos.
Assim, porque o apoio judiciário abrange os autos principais e seus apensos, para que não haja duplicação de pedidos, informe-se a Segurança Social de tal circunstancialismo (…) Não se verificam questões incidentais que obstem ao prosseguimento do incidente (…). Para a produção de prova designa-se o próximo dia 19.05.2023, pelas 09h50m…”.
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Deste despacho foram notificados, em 19-04-2023, os advogados, e pela primeira vez o patrono nomeado aos RR AA e BB nos autos principais Dr. EE, bem como a segurança social.
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Em 09-05-2023, a segurança social juntou email nos termos do qual se lê que foram arquivados os pedidos entretanto formulados, por duplicação de processo e que “ De acordo com o disposto no n.º 4 do art.º 18.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, na redação atual, “o apoio judiciário mantém-se para efeitos de recurso e, é extensivo a todos os processos que sigam por apenso àquele em que essa concessão se verificar…”
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Com data de 19.5.2023, os requeridos AA e mulher BB, apresentaram um requerimento nos autos em que davam conta do seguinte:

1º - Por e-mail junto em 09-05-2023, o ISS.IP veio esclarecer os presentes autos que “O apoio judiciário APJ – ...18/2020 foi deferido em 25/02/2021 para o processo nº 4830/20..... De acordo com o disposto no n.º 4 do art.º 18.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, na redação atual, “o apoio judiciário mantém-se para efeitos de recurso e, é extensivo a todos os processos que sigam por apenso àquele em que essa concessão se verificar…”
2º - Tal significa que o patrono nomeado aos requeridos, subscritor do presente requerimento, se mantém para o presente apenso.
3º - Sucede que o patrono dos requeridos não foi notificado do articulado inicial da requerente, onde esta veio deduzir o presente incidente.
4º- Impossibilitando-o de deduzir oposição ao mesmo.
5º - Não lhe foi dada a possibilidade de requerer a produção de prova.
6º - Ora (…), tal omissão da notificação ao patrono dos requeridos constituí nulidade, nos termos do disposto nos artigos 195º a 200º CPC;
7º - De facto, parece-nos bom entendimento que, havendo patrono nomeado no processo, é a este que o conhecimento daquele articulado inicial deve ser dado.
8º - O que bem se compreende, na medida em que esse conhecimento só pode ser plenamente apreendido (designadamente nas suas consequências) por quem possua saber jurídico.
9º - É aliás para isso que se busca o patrocínio judiciário. E é também para isso que se impõe, em certos casos, o patrocínio judiciário.
10º - Acresce observar que, como nos diz o Ac da RP de 12.7.94 (Col Jur 1994, 4º, pág. 179), o ex- nº 1 do artº 201º do CPC basta-se, para que haja nulidade, com a mera possibilidade de prejuízo que dela resulta para a parte, não sendo necessária a
comprovação de um prejuízo efetivo.
11º - No caso, o patrono dos requeridos apenas foi “chamado” aos autos para o despacho saneador e data do julgamento, desconhecendo o pedido da requerente.
Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, deve a invocada nulidade ser julgada procedente, por provada, com as legais consequências, devendo o patrono dos requeridos ser notificado do articulado inicial que deu origem ao presente incidente, anulando-se os atos subsequentes…”.
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Na data designada (19.5.2023) foi produzida a prova do incidente, sem que sobre o requerimento apresentado pelos requeridos tivesse recaído qualquer despacho.
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A requerente veio pronunciar-se sobre a nulidade invocada pelos requeridos, pugnando pela sua improcedência.
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Foi então proferida decisão final, constando do seu Relatório que “Renovada a instância, os autos foram saneados, definido o objeto do litígio e os temas da prova, admitida a produção de prova e designada data para a realização da audiência final de julgamento.
Realizou-se audiência final de julgamento.
Mantem-se a validade e regularidade da instância, nomeadamente quanto à intervenção dos 1.ºs RR, uma vez que estes compareceram em juízo e participaram ativamente da audiência final de julgamento (contraditaram a prova produzida nos autos e ofereceram as suas alegações finais)”.
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Depois de proferida sentença final e na sequência do recurso interposto desta sentença, por decisão sumária do TRG de 5-12-2023 foi ordenada “ a remessa dos autos à primeira instância, para que seja apreciado o requerimento dos requeridos, datado de 19.5.2023”.
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Nesta sequência e após remessa dos autos à primeira instância, foi ali proferido o seguinte despacho ( ora recorrido):

Da arguida nulidade por falta de notificação do Ilustre Patrono dos requeridos AA e BB do articulado inicial que deu origem ao presente incidente de liquidação (referência citius 14593009)
Vieram os requeridos AA e BB invocar que a falta de notificação do seu Ilustre Patrono do requerimento inicial que deu origem ao presente incidente, configura uma nulidade, pelo que deverão ser anulados os actos subsequentes a essa apresentação.
Pronunciando-se quanto à nulidade arguida, veio a requerente pugnar pela sua intempestividade e improcedência.
Apreciando e decidindo.
Admitido liminarmente o incidente de liquidação de sentença, considerando-se renovada a instância extinta, nos termos do disposto no artigo 358.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Não obstante, afigura-se que a notificação a efectuar aos requeridos para contestar, nos termos do disposto nos artigos 292.º, 293.º, n.ºs 2 e 3, e 360.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil, deverá ser pessoal, ou seja, com as formalidades previstas para a citação, por entendermos aplicável in casu, o disposto no artigo 250.º do Código de Processo Civil (neste sentido vide Carlos Alberto Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Vol.  I, Almedina, 2004, pág. 338).
Entendemos, assim, que incumbia a este Tribunal chamar à instância destes autos, como fez, os requeridos, e não os seus Ilustres Mandatários/Patronos, sem prejuízo da possibilidade de intervenção posterior destes em representação daqueles, em concreto, o Ilustre Patrono dos requeridos AA e BB, em representação destes, por se estender o apoio judiciário de que beneficiavam nos autos principais, a estes autos.
Ora, no caso em apreço, importa notar, desde logo, que não arguem os requeridos AA e BB a sua falta de citação/notificação, mas antes e apenas, a falta de notificação do seu Ilustre Patrono do teor do requerimento inicial que deu origem a estes autos.
Sucede, porém, que pelos fundamentos vindos de aduzir supra, entendemos que não incumbia a este Tribunal notificar o Ilustre Patrono dos requeridos da propositura do vertente incidente, pelo que nenhuma formalidade se nos afigura ter sido omitida.
Sem prejuízo do exposto, ainda que assim não se entendesse (o que apenas por mera hipótese se concede), a verdade é que, sendo indiscutível que não foi arguida pelos requeridos nenhuma das nulidades tipificadas nos artigos 186.º a 194.º do Código de Processo Civil, apenas poderia o (alegado) acto/formalidade omitido(a) configurar uma nulidade, caso a lei o declarasse (o que não sucede) ou caso pudesse influir no exame ou decisão da causa, nos termos previstos no artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o que também não se nos afigura ocorrer.
Na verdade, os requeridos AA e BB, através de requerimento apresentado nos autos a 05.12.2022, vieram informar estes autos sobre a dedução de pedido de protecção jurídica junto da Segurança Social, para contestar o vertente incidente, solicitando, em consequência, a interrupção do prazo em curso para o efeito.
Assim e sendo certo que a apresentação do predito requerimento pelos requeridos, denota, ademais, de forma inequívoca, que tinham pleno conhecimento da propositura do vertente incidente, não se vislumbra de que forma a não notificação do seu Ilustre Patrono os possa ter de alguma forma impedido de contestar.
Ressalte-se que também apenas os demais requeridos (CC e DD) e não o seu Ilustre Mandatário, foram notificados/citados da propositura do vertente incidente, o que também não os impediu de deduzir oposição (com deduziram).
Assim, também por esta via entendemos não se verificar nos autos a nulidade arguida.
De todo o modo e sempre sem prejuízo da fundamentação vinda de aduzir, ainda que se entendesse consubstanciar a falta de notificação do Ilustre Patrono dos requeridos uma nulidade, nos termos previstos no citado artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a verdade é que, não se tratando de uma nulidade de que o Tribunal pudesse conhecer oficiosamente, a mesma careceria de ser arguida pela parte interessada, no prazo de dez dias contados da data em que, depois de cometida a (alegada) nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para algum termo dele, sendo que, neste último caso, só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência, em conformidade com as disposições conjugadas dos artigos 149.º, n.º 1, 196.º, 197.º, n.º 1, e 199.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil.
In casu, os próprios requeridos AA e BB intervieram nos autos através de requerimento apresentado a 05.12.2022, juntando comprovativo de pedido de apoio judiciário, inclusive, para nomeação de patrono e pedindo, além do mais, a interrupção do prazo em curso para contestar, pelo que nos parece lógico e inequívoco que não podiam ignorar, nessa data, a arguida falta de notificação do seu Ilustre Patrono anteriormente nomeado.
Acresce que também o Ilustre Patrono dos requeridos foi notificado a 19.04.2023 (presumindo-se a sua notificação efectuada a 24.04.2023), em representação destes, do teor do despacho saneador proferido nos autos, donde resulta indubitável que a essa data, em face da normal e lógica tramitação processual dos autos, tomou, não só, o Ilustre Patrono conhecimento da pendência destes autos, como também de que estaria já ultrapassado o prazo de que dispunham os requeridos para contestar o vertente incidente (sem que o tivessem feito).
Por conseguinte, tendo os requeridos, por intermédio do seu Ilustre Patrono, arguido a nulidade por falta de notificação do seu Patrono do articulado inicial através de requerimento que dirigiram aos autos apenas a 19.05.2023, resulta evidente que, a esta data, já há muito que se mostrava ultrapassado o prazo legal de que dispunham para o fazer.
Concluímos, assim, que sempre se revela legalmente inadmissível, por manifestamente extemporânea, a arguição da (invocada) nulidade da falta de notificação efectuada pelos requeridos, mostrando-se extinto, à data da apresentação do requerimento em apreço, o direito dos mesmos de arguir tal nulidade (cfr. artigo 139.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
Nos termos e por todos os fundamentos acima expostos, quer por se entender não verificada, quer por se revelar legalmente inadmissível, por extemporânea, a sua arguição, decide-se julgar improcedente a nulidade arguida pelos requeridos AA e BB.
Custas do incidente a cargo dos requeridos AA e BB, fixando-se a respectiva taxa de justiça no mínimo legal – cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil e artigo 7.º, n.º 4, do Regulamento das Custas Processuais e tabela II anexa ao mesmo Regulamento.
Notifique.
Após trânsito da presente decisão, conclua.”
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É desta decisão que vem interposto recurso pelos RR AA e mulher, e terminaram o seu recurso formulando as seguintes conclusões ( que se transcrevem):

“1º - No caso concreto, é inequívoco que apenas pelo e-mail junto em 09-05-2023, referencia ...54, é que o ISS.IP veio esclarecer que o patrono nomeado nos autos principais se mantinha para o presente apenso (incidente).
2º - Justificava-se, então, que o patrono tivesse sido notificado do requerimento inicial da Autora (referencia ...42 de 11-09-2022) para deduzir oposição ao incidente de liquidação e requerer prova, só assim se cumprindo e respeitando o direito de defesa dos réus.
3º - É inequívoco que o patrono dos réus não foi notificado para deduzir oposição ao incidente de liquidação, do qual resultou a condenação daqueles, impossibilitando-os de deduzir oposição ao mesmo. Consequentemente, não lhe foi dada a possibilidade de requerer a produção de prova.
4º - Daí entender-se que tal omissão da notificação ao patrono dos requeridos constituí nulidade, nos termos do disposto nos artigos 195º a 200º CPC.
5º - Como se alegou, parece-nos bom entendimento que, havendo patrono nomeado no processo, este deve ter conhecimento do requerimento inicial do incidente. O que bem se compreende, na medida em que esse conhecimento só pode ser plenamente apreendido (designadamente nas suas consequências) por quem possua saber jurídico.
6º - É aliás para isso que se busca o patrocínio judiciário. E é também para isso que se impõe, em certos casos, o patrocínio judiciário.
7ª - No presente incidente, o patrono dos réus apenas foi notificado para o despacho saneador e data do julgamento (referencia ...77 de 10-05-2023), desconhecendo o pedido da Autora. Aliás, o pedido da autora dá entrada em juízo em 11-09-2022 e o patrono só é notificado para o processo em 10-05-2023 e para a data do julgamento.
8º - É irrelevante o facto de os réus terem pedido no incidente novo apoio judiciário com nomeação de patrono. Aliás, tal demonstra que, por um lado, não sabiam que a anterior nomeação se mantinha para o apenso e, por outro lado, revela a vontade que tinham em se defenderem do mesmo.
9ª – Resulta pois que a falta de notificação ao Patrono dos réus do requerimento inicial do presente incidente, após o esclarecimento do ISS,IP de 09-05-2023 que reiterou a nomeação daquele, viola o art. 20.º, da CRP, pois não lhes foi assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, sendo que não pode a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos, numa clara concretização do princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei (consagrado no art. 13.º do mesmo diploma).
10º - Mais decorre que a notificação do Patrono dos réus para o despacho saneador e data de julgamento, sem previamente ter sido notificado do requerimento inicial do presente incidente, viola o principio do contraditório previsto no artigo 3º CPC, os princípios constitucionais (do acesso ao direito e aos tribunais, e da igualdade dos cidadãos perante a lei), e ainda o art. 1.º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho (Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais),
11º - na medida em que o «sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos»; e constitui uma natural «responsabilidade do Estado, a promover, designadamente, através de dispositivos de cooperação com as instituições representativas das profissões forenses» (art. 2.º, n.º 1, do mesmo diploma).
12º - Mas viola também o disposto no artigo 18º, nº 4 da Lei 34/2004 de 29 julho, pois o «apoio judiciário mantém-se para efeitos de recurso, qualquer que seja a decisão sobre a causa, e é extensivo a todos os processos que sigam por apenso àquele em que essa concessão se verificar, sendo-o também ao processo principal, quando concedido em qualquer apenso».
13º - Cremos poder invocar aqui a jurisprudência pacífica, segundo a qual tendo «sido formulado pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação da patrono, o prazo em curso interrompe-se, reiniciando-se a sua contagem a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação» (Ac. do STJ, de 06.06.2019, Catarina Serra, Processo n.º 2008/17.8T8BRG-B.G1.S2).
14º - Não tendo pois o dito Patrono nomeado sido notificado para deduzir oposição, ocorre manifesta violação do direito de defesa dos réus.
15º - Além do mais, radicando o juízo exposto ad quem na interpretação e aplicação da imperativa redação do art. 24.º, n.º4 e n.º 5, al. a), da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, ocorre violação do princípio da igualdade de armas entre as partes, do seu direito a uma decisão judicial em prazo razoável, e da sua expectativa de regularidade, igualdade e previsibilidade judicial que a lei processual visa univocamente assegurar.
16º - Por tudo o supra exposto, deve a invocada nulidade ser julgada procedente, revogando-se o despacho recorrido, devendo o patrono dos réus ser notificado do articulado inicial que deu origem ao presente incidente, anulando-se os atos subsequentes.”
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi recebido nesta Relação, considerando-se devidamente admitido, no efeito legalmente previsto.

Cumpre apreciar e decidir.
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II - Delimitação do objeto do recurso

A questão decidenda a apreciar, delimitada pelas conclusões do recurso, consiste em saber :
a) se se verifica alguma nulidade por falta de notificação ( para oposição à liquidação) do patrono nomeado neste autos apensos aos autos principais e se a arguição da mesma é extemporânea.
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III – Fundamentação

A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Como factualidade relevante interessa aqui ponderar apenas os trâmites processuais já atrás consignados no relatório do presente Acórdão e o teor da decisão proferida que já se transcreveu supra, na integralidade, e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.

B)- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Prima facie e antes de entramos na apreciação do objeto do recurso interposto do despacho recorrido e que apreciou a nulidade suscitada, importa salientar o seguinte.

Desde logo, o que ocorreu nos presentes autos foi o seguinte: por apenso aos autos principais, onde foi nomeado patrono ofícioso o Dr, EE aos RR AA e BB, foi instaurado incidente de liquidação ( da sentença) contra estes RR e outros e admitido o incidente liminarmente, por despacho, foi ordenada a “ citação dos RR”.
A secretaria cumprindo o despacho, procedeu apenas à notificação ( para oposição à liquidação) dos RR, por carta registada e não procedeu à notificação do articulado inicial ao patrono oficioso que havia sido nomeado nos autos principais.
Os recorrentes entendem que ocorreu uma nulidade por o despacho datado de 29.09.2022 ter apenas sido notificado aos requeridos e já não ao patrono nomeado, conforme estipula a lei nos termos do art. 247º do CPC.
Ou seja, entendem que não foi cumprida aquela notificação, pelo que tendo sido preterida aquela formalidade, ocorreu nulidade processual.
O despacho recorrido entendeu que a notificação em causa segue as regras da citação, pelo que o tribunal não tinha que notificar o mandatário/patrono, mas ainda que assim se não entendesse, sempre a sua arguição seria extemporânea por não ter sido arguido no prazo de 10 dias após a intervenção da parte e do patrono ter sido notificado, pois os RR intervieram no processo em 05-12-2022 e apenas pediram que fosse interrompido o prazo para contestar e o patrono oficioso foi notificado nos presentes autos pela primeira vez, em 19-04-2023, quando o tribunal o notifica do despacho saneador e faz consignar que os patronos nomeados nos autos principais se mantêm nestes autos e apenas em 19-05-2023, foi suscitada a nulidade ocorrida.

Vejamos.
Nas notificações há duas espécies fundamentais: as notificações relativas a processo pendente e as notificações avulsas.

Nas notificações dependentes deve-se distinguir:

1) as notificações às partes;
2) as notificações a pessoas que intervêm no processo acidentalmente ( testemunhas, peritos, etc).
A notificação às partes pode exercer:
a)uma função informativa ( dar conhecimento de um ato ou de um facto),
b) ou uma função convocatória ( chamar a parte a juízo para a prática de um ato).
Nesta segunda espécie podem ainda assinalar-se duas variantes:
a) conforme ato de que se trata é de caráter pessoal, isto é, só pode ser praticado pela parte ( por exemplo, depoimento de parte);
b) ou pode ser praticado por intermédio de mandatário.

Os artigos 247º a 250º do CPC regulam as formalidades das notificações às partes em processos pendentes.
A regra é esta: a notificação é feita, não diretamente à parte, mas ao seu mandatário.
E as notificações às partes - quer constituam, quer não constituam mandatário - em processo pendente, são, por via de regra, efetivadas via postal, ou seja, por carta registada –atuais arts. 249º e 250º do CPC ( artº 254º nº1 e 255º nº1 do CPC  na redação anterior ao DL 41/2013).
E só em casos excecionais a notificação é pessoal.
Na verdade, este tipo de notificação apenas é exigível nos casos em que ela se destina a chamar a parte ao tribunal para a prática de ato pessoal ou quando a lei expressamente a prevê - cfr. Alberto do Reis, Comentário, 2º, 727, com ensinamento que ainda hoje, perante a lei que temos, se mantém válido.
E apenas nos casos da parte não ter constituído mandatário.
Também por regra, se ela tiver constituído advogado, mesmo que a notificação se destine a chamá-la para a prática de ato pessoal, apenas é exigido – para além da notificação daquele - que a parte seja notificada mediante aviso registado – atual art.247, nº2 do CPC ( artº 253º nº2 do CPC ( na redação anterior ao DL 41/2013).
Presentemente e desde a reforma de 1995, os casos de exigência de notificação pessoal vêm previstos no art.250º do CPC.
O qual, sob a epígrafe de “Notificação pessoal às partes ou seus representantes”, estatui:“ Para além dos casos especialmente previsto, aplicam-se as disposições relativas à citação pessoal às notificações a que aludem os nº4 do artigo 18º, 3 do artigo 27º e 2 do art. 28º.”
Sendo que, nestes casos, a notificação deve efetivar-se, por via de regra, mediante carta registada com aviso de receção – artº 225º nº2 al.b) do CPC. ( antigo 253º, nº2, al. a)), sendo que se for entregue em pessoa diversa deverá ser cumprido o art. 233º ( antigo 241º).
Volvendo ao caso sub judicio, e quanto à questão de se saber se a notificação em causa ( para deduzir oposição à liquidação de sentença, admitido o incidente e considerada renovada a instância extinta ) é uma notificação pessoal que deverá seguir as regras da citação ou não e basta-se com o simples envio para o domicílio do requerido de carta registada, na sentença tomou-se posição sobre a questão e entendeu-se que segue as regras da citação e, nessa medida, concluiu não ter de ser notificado o mandatário/patrono que teve intervenção nos autos principais.
Sem embargo, não concordamos com este raciocínio.
Com efeito, independentemente de se considerar que a notificação à parte é pessoal ou não, na verdade o mandatário ou patrono da parte respetiva terá sempre de ser notificado, conforme expressamente prevê o nº2 do art. 247º do CPC.
Saliente-se que não foi aqui, no carácter potencialmente dúbio da notificação em causa (não deles próprios) que os RR radicaram o seu recurso, e sim na necessidade de serem também notificados na pessoa do seu Mandatário Judicial ou patrono oficioso.
Ora, e conforme já se verificou antes, não era esse o caso: apenas os RR tinham sido notificados por carta registada e após várias vicissitudes e de as cartas terem sido devolvidas, juntaram requerimento aos autos em 05-12-2022 a pedir a interrupção do prazo para contestarem o incidente, por terem formulado outro pedido de apoio judiciário nas modalidades de dispensa pagamento taxa de justiça e nomeação de patrono.
Ora, dispõe o nº2 do art. 247º do CPC que “ quando a notificação se destina a chamar a parte para a prática de ato pessoal, além de ser notificado o mandatário, é também notificada  a parte pela via prevista no nº5 do art. 219…”.
Ou seja, havendo mandatário judicial ( ou patrono), as partes são notificadas na pessoa do seu mandatário ou patrono: é esta a regra consignada na lei do processo ( nº1 do art. 247º do CPC).
E ainda que se considerasse que a notificação em causa era pessoal- no sentido de chamar a parte para a prática de ato pessoal, o mandatário ou patrono é sempre notificado ( nº2 do art. 247º).
A omissão da notificação ou a prática de alguma irregularidade na sua execução integra-se no regime geral das nulidades previsto no art. 195º do CPC.
O tribunal deveria ter também notificado, para contestar, o mandatário judicial, no caso patrono nomeado aos RR nos autos principais e que se estende para os autos apensos, nos termos do art. 18º, nº 4 da Lei 34/2004 de 29 julho, pois o «apoio judiciário mantém-se para efeitos de recurso, qualquer que seja a decisão sobre a causa, e é extensivo a todos os processos que sigam por apenso àquele em que essa concessão se verificar, sendo-o também ao processo principal, quando concedido em qualquer apenso».
Esta omissão constitui uma irregularidade que influi decisivamente no exame e decisão da causa e torna nulos os termos subsequentes à omissão, nos termos do art.º 195.º n.º 1 do CPC.
Está em causa um dos princípios estruturantes do processo judicial democrático, cuja violação posterga o livre exercício do contraditório de forma esclarecida, como a que se pretende com a constituição de mandatário judicial ou nomeação de patrono.
Destarte, no caso sub judicio, ocorreu a omissão da prática de um ato devido, que poderia ter influência na decisão da causa. Ou seja, houve uma nulidade processual, nos termos conjugados dos arts. 195º/1 e 199º/1 do CPC,
Diga-se que no caso vertente, a nulidade processual resultante da falta de notificação do Mandatário dos RR foi invocada em sede de recurso da sentença, mas por decisão sumária deste TRG foi considerado que teria de ser apreciada na primeira instância e ordenou-se a remessa dos autos para esse efeito. Nesta sequência foi considerado agora no despacho recorrido não ocorrer qualquer nulidade e ainda que se entendesse que haveria nulidade, sempre a mesma foi considerada ter sido arguida de forma extemporânea.
Ora, entendendo este tribunal ad quem que se verificou uma nulidade processual que a doutrina classifica de nulidade secundária, de harmonia com o disposto nos arts. 149º e 199º, nº 1, do CPC, estas nulidades têm em regra que ser arguidas no prazo geral de 10 dias contados do dia em que, após a nulidade ter sido cometida, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, desde que, neste último caso, possa presumir-se que tomou conhecimento da nulidade ou podia dela conhecer desde que tivesse agido com a diligência devida.
No caso dos autos, estamos perante uma alegada nulidade que terá sido cometida sem a parte estar presente ou representada por mandatário, no momento em que terá sido cometida, pelo que a mesma deveria ter sido arguida no prazo de 10 dias.
Sem embargo, a sua arguição foi intempestiva por não ter sido arguida no prazo de 10 dias após a intervenção da parte e do patrono ter sido notificado, pois os RR intervieram no processo em 05-12-2022 e apenas pediram que fosse interrompido o prazo para contestar e o patrono oficioso foi notificado nos presentes autos pela primeira vez, em 19-04-2023, quando o tribunal o notifica do despacho saneador e faz consignar que os patronos nomeados nos autos principais se mantêm nestes autos e apenas em 19-05-2023 foi suscitada a nulidade ocorrida, pelo que presume-se que tomou conhecimento da nulidade ou podia dela conhecer desde que tivesse agido com a diligência devida, no prazo de 10 dias a contar daquela notificação perante aquela fase processual.
Assim sendo, mostra-se precludido o direito dos Requeridos/Apelantes de invocar a alegada nulidade.

V. Decisão.

Por tudo o exposto, acordam as Juízes que constituem esta 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente a apelação e, nessa medida, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelos RR/recorrentes.
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Guimarães, 16 de maio de 2024

Assinado eletronicamente por:
Anizabel Pereira ( relatora)
Fernanda Proença Fernandes
Margarida Pinto Gomes