Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1670/18.9T8CHV.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MARTINS MOREIRA DIAS
Descritores: VENDA DE VEÍCULO DEFEITUOSO
DECLARAÇÕES DE PARTE
RESPONSABILIDADE PELA REPARAÇÃO DOS PREJUÍZOS
INDEMNIZAÇÃO PELA PRIVAÇÃO DO USO DO VEÍCULO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- As declarações de parte e o depoimento de parte sem valor confessório encontram-se submetidos ao princípio geral de livre apreciação da prova (art. 466º, n.º 3 do CPC), pelo que, sem prejuízo das cautelas acrescidas que devem ser adotadas pelo julgador, essas declarações e depoimento podem de per se sustentar a prova dessa versão fáctica firmada pelo declarante ou depoente, ainda que a mesma não seja corroborada por outros elementos de prova.
2- Tendo os Autores, em 08/02/2018, comprado um veículo automóvel para seu uso pessoal a uma sociedade comercial que se dedica à compra e venda de veículos a título profissional, vindo a verificar-se que esse veículo, quando não se encontrava em funcionamento, descarregava a bateria e, bem assim, que os quilómetros que tinham sido anunciados pela vendedora quando o pôs à venda, e que esta garantiu aos Autores ser a que tinha sido efetivamente percorrida pelo veículo quando celebraram o contrato, e que era também a quilometragem que então era indicada no seu conta quilómetros, não correspondia aos quilómetros efetivamente por ele percorridos, ocorre desconformidade do veículo em relação ao contrato para efeitos do D.L. n.º 67/2003, de 08/04 (art. 2º, n.ºs 2 e 3), porquanto, o veículo não apresenta as qualidades que o vendedor descreveu ao comprador (quanto aos quilómetros), nem satisfaz a utilização habitual dada aos bens do mesmo tipo (o veículo comprado não circula porque descarrega a bateria quando não está em funcionamento).
3- Essas desconformidades conferem ao comprador o direito: i) a que o vendedor lhe repare o veículo, sem custos adicionais; ii) lhe substitua o veículo, também sem custos adicionais; iii) reduza o preço; ou v) a resolver o contrato de compra e venda, tudo acrescido de indemnização pelos prejuízos sofridos nos termos gerais.
4- Tendo os Autores provado as desconformidades referidas em 2), fica demonstrado que a Ré (vendedora) agiu ilícita (ilícito contratual) e culposamente (art. 799º, n.º 1 do CC), pelo que é sobre esta (não sobre os Autores) que impende o ónus da alegação e da prova de facticidade de onde decorra que aquelas desconformidades não lhe podem ser assacadas a título de censura ético-jurídica.
5- A atribuição de indemnização pela privação do uso do veículo, durante o período de tempo em que os Autores dele estiveram privado, a fim de ser reparado, por via daquelas desconformidades, apenas depende de alegação e prova por parte destes de facticidade da qual decorra que tinham uma efetiva necessidade de utilizarem esse veículo.
6- Essa indemnização não é excluída pelo facto de os Autores não terem alegado e provado terem solicitado um veículo de substituição à Ré (vendedora), uma vez que não recai sobre os primeiros o ónus de fazerem esse pedido à Ré, mas antes é sobre esta que recai a obrigação de lhes oferecer um veículo de substituição, de modo a limitar os prejuízos que lhes possa causar, por via da sua conduta ilícita e culposa, ao ter-lhes vendido um veículo defeituoso.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte:

I- RELATÓRIO

AA e mulher, BB, residentes na Avenida ..., ..., ...55 ..., instauraram a presente ação declarativa, de condenação, com processo comum, contra CC, DD, residentes na Rua ..., ..., e EMP01..., Lda., com sede da Rua ..., ..., pedindo que se condenasse solidariamente estes:

a- a pagar-lhes a quantia de 6.462,07 euros, a título de indemnização por danos patrimoniais;
b- a pagar-lhes a quantia de 2.668,02 euros pelos encargos assumidos com o crédito pessoal contratado;
c- a verem reduzido o preço de aquisição do ..-AJ-.. para 7.000,00 euros, devolvendo aos Autores o valor remanescente de 8.500,00 euros do preço pago;
d- a pagar-lhes a quantia de 3.600,00 euros, a título de dano patrimonial pela privação do uso do veículo;
e- a pagar-lhes a quantia de 2.700,00 euros, a título de danos não patrimoniais;
f- a pagar-lhes juros de mora sobre todos aqueles valores desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Para tanto alegaram, em síntese, que os dois primeiros réus, tendo em tempos sido casados entre si, vivem em união de facto e ganham a vida com o rendimento proveniente da exploração da atividade comercial de compra e venda de automóveis, o que fazem através de stand de vendas, com exposição ao público, que gira sob a marca ...».
A 13 de maio de 2013 foi criada a sociedade EMP01..., Lda., da qual a primeira ré é a única sócia e gerente.
Desde setembro de 2013 os réus passaram a anunciar as características das viaturas que têm para revenda através, entre outras, da plataforma «...», onde a sociedade EMP01..., Lda. aparece associada à marca ...», estando ambas relacionadas com os números de telefone ...76 e ...64, os quais são atendidos pelo segundo réu.
No dia 1 de fevereiro de 2018 os réus, sob a marca ...», anunciavam, na plataforma digital «...», terem para revenda um veículo automóvel de marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-AJ-.., com 173.000 km.
Os Autores acabaram por comprar esse veículo pelo preço de 15.500,00 euros, que foi pago mediante a entrega de uma outra viatura, sua propriedade, e a restante parte, no montante de 9.500,00 euros, em dinheiro, para o que tiveram de contrair um crédito pessoal junto do Banco 1....
Acontece que a viatura adquirida não apresentava os quilómetros anunciados e apresentava defeitos vários, que impediam que circulasse.
O preço real de aquisição dessa viatura, face à verdadeira quilometragem que tinha à data da compra, ascendia a apenas 7.000,00 euros.
Acresce que, apesar de terem denunciado aos Réus os vícios apresentados pela viatura e destes se terem comprometido a pagar o preço de reparação daquela, recusam-se agora a pagar o preço dessa reparação, o qual acabou por ser pago pelos Autores.
Durante o período de tempo em que a viatura esteve imobilizada devido aos vícios que apresentava e enquanto não foram reparados, os Autores ficaram privados do seu uso, o que tudo lhes demandou danos patrimoniais e não patrimoniais cuja indemnização reclamam.
Os Réus contestaram, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Invocaram a exceção dilatória de ilegitimidade passiva dos Réus CC e DD, sustentando que o negócio de compra e venda alegado pelos Autores tendo por objeto a viatura foi celebrado entre estes e a sociedade demandada, não intervindo aqueles nesse negócio a título pessoal.
Invocaram a exceção perentória de caducidade do direito de ação, alegando que tendo o negócio de compra e venda do veículo sido celebrado em 08/02/2018, quando os Autores enviaram a carta à Ré sociedade, junta como doc. n.º ...1, por esta recebida a 30/05/2018, denunciando alegadas desconformidades do veículo por esta vendido e convidando-a a apresentar uma solução no prazo de oito dias, já se encontrava ultrapassado o prazo de dois meses que a lei lhes confere para denunciar os ditos defeitos, uma vez que, como é mencionado pelos próprios Autores ao longo da petição inicial e na carta que endereçaram, estes tiveram conhecimento das alegadas desconformidades nos dias imediatamente seguintes à aquisição do veículo, que teria ocorrido em meados de fevereiro de 2018.
Acresce que os Autores não conferiram à Ré sociedade a possibilidade de reparar o veículo em causa, tendo-o feito sem o seu conhecimento e sem terem deixado decorrer o prazo de trinta dias que a lei lhe confere, após denúncia tempestiva para o efeito.
Impugnaram parte dos factos alegados pelos Autores.
Concluíram pedindo que, por via da procedência da exceção dilatória de ilegitimidade passiva, se absolvesse os Réus CC e DD da instância e que, em todo o caso, se julgasse a ação improcedente e se absolvesse os Réus do pedido.
Notificados os Autores para se pronunciarem sobre a matéria de exceção invocada pelos Réus, concluíram pela improcedência dessas exceções.
Realizou-se audiência prévia, em que se fixou o valor da causa em 23.930,69 euros, proferiu-se despacho saneador, em que se julgou improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva dos Réus CC e DD, fixou-se o objeto do litígio e os temas da prova, que não foram alvo de reclamação, e conheceu-se dos requerimentos de prova apresentados pelas partes, onde, além do mais, se deferiu a realização de perícia ao veículo objeto da compra e venda.
Na sequência do relatório pericial, os Autores ampliaram o pedido, passando a requerer a devolução pelos Réus da quantia de 10.000,00 euros, ao invés dos 8.500,00 euros inicialmente reclamados, tendo essa ampliação sido admitida por despacho proferido em 13/01/2022.
Realizada a audiência final, a qual se prolongou ao longo de duas sessões, em 17/04/2023, proferiu-se sentença, em que se julgou a ação totalmente improcedente quanto à Ré CC, que foi absolvida do pedido, e julgou-se a ação parcialmente procedente quanto aos Réus DD e EMP01..., Lda., constando essa sentença da seguinte parte dispositiva:
“Em face do exposto, julgo a presente ação que AA e BB instauraram contra CC, DD e «EMP01..., Lda.» parcialmente procedente por provada e, em consequência:
A) Condeno os réus DD e «EMP01..., Lda.», solidariamente, a pagarem aos autores:
a) A quantia de 5.500 € (cinco mil e quinhentos euros) a título de redução do preço de aquisição da viatura automóvel marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-AJ-.., celebrado em 8 de fevereiro de 2018;
b) A quantia de 6.462,02 € (seis mil quatrocentos e sessenta e dois euros e dois cêntimos) a título de danos patrimoniais correspondentes as reparações na viatura;
c) A quantia de 1.800 € (mil e oitocentos euros) a título de danos resultantes da privação do uso da viatura;
d) A quantia de 500 € (quinhentos euros) a cada um dos autores a título de danos de natureza não patrimonial;
e) Aos valores mencionados acrescem juros à taxa legal desde a citação e até efetivo e integral pagamento.
f) Absolvo os réus do demais peticionado.
B) Absolvo a ré CC dos pedidos contra si formulados.
*
Custas pelos autores e pelos réus DD e «EMP01..., Lda.» na proporção do decaimento – cfr. art. 527º, do Cód. Proc. Civil”.

Inconformados com o assim decidido, os Réus EMP01..., Lda. e DD interpuseram recurso, em que formularam as conclusões que se seguem:

1º- Salvo o devido respeito pela posição sufragada na douta sentença recorrida, é nosso entendimento que a Meritíssima Juiz a quo não apreciou devidamente a prova produzida em sede de audiência de julgamento, documental e mesmo testemunhal, ao mesmo tempo que não extraiu de forma acertada as consequências jurídicas dessa mesma matéria apurada.
2º-  Condenou o I. Tribunal, solidariamente os RR/recorrentes ao pagamento da quantia de 5.500 € (cinco mil e quinhentos euros) a título de redução do preço de aquisição da viatura automóvel marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-AJ-.., celebrado em 8 de fevereiro de 2018; da quantia de 6.462,02 € (seis mil quatrocentos e sessenta e dois euros e dois cêntimos) a título de danos patrimoniais correspondentes às reparações na viatura; da quantia de 1.800 € (mil e oitocentos euros) a título de danos resultantes da privação do uso da viatura; e a quantia de 500 € (quinhentos euros) a cada um dos autores a título de danos de natureza não patrimonial;
3º-  É entendimento dos recorrentes que houve um erro de julgamento quanto à matéria de facto dada como provada e não provada, designadamente aos factos elencados na douta sentença com os números, 7, 21 (na parte em que que refere “…tendo aquele dito para escolher uma oficina em que a viatura pudesse ser reparada e que, uma vez a mesma efetuada, suportaria o pagamento desse valor”),24, 34 e 43 e 44, e a resposta negativa dadas aos factos elencados nas alíneas d), e) e f).
4º- Essas conclusões são retiradas da conjugação das provas produzidas em audiência de julgamento, designadamente das declarações das partes, de testemunhas, apoiadas em documentos que se encontram nos autos, bem como pela falta de qualquer elemento de prova a alguns factos.
5º- No caso concreto do recorrente DD, o I. Tribunal condenou-o solidariamente, juntamente com a co-Ré sociedade, quando o mesmo não interveio na celebração ou concretização do negócio a nível individual, mas em nome da sociedade Ré e tal decorre desde logo dos factos provados, designadamente nos pontos 1, 2, 11 e 12.
6º- Tal juízo também decorre das declarações prestadas pelo Réu (declara que é empregado da empresa), pela representante legal da Ré (ao m 4.50 “O Sr. DD é trabalhador da empresa, é vendedor” e pelo próprio Autor/recorrido, que ao m, 11 do seu depoimento refere “Quando chegou o dia para ir passar o carro para o meu nome apareceu a Dona CC para tratar de assinar, de eu passar o cheque a essa empresa. Eu achei tudo normal”.
7º- Toda a prova documental existente nos autos, também confirma a qualidade de colaborador do Ré, já que quem recebeu o pagamento foi a representante legal da empresa/ré Recorrida, cujo cheque lhe foi dirigido, a carta de interpelação enviada pelos AA, apenas o foi à sociedade comercial (docs. que foram juntos pelos AA. na sua p.i.).
8º-  Não foram discriminados factos que o mesmo particularmente tenha efetuado, nem foi justificado/fundamentado o seu interesse pessoal, tendo o I. Tribunal a quo ficado convencido de que o veículo era propriedade da sociedade comercial.
9º- Todos estes elementos de prova identificados, levariam à eliminação dos factos vertidos na alínea f) - factos não provados, devendo ser aditado um novo facto aos factos tidos por provados, nos termos seguintes:
“O negócio foi celebrado entre os autores e a Ré, EMP01..., Lda.”.
10º- Ao não ter decidido dessa forma, o Ilustre Tribunal violou os artigos 5º, 1 do Código das Sociedades Comerciais, 217º 1 do CC e 607º 4 do CPC.
11º- A mesma conclusão também se alcança, mesmo que improceda a alteração à matéria de facto, isto porque o veículo foi exposto na internet com indicação da sigla marca ... (ponto 4 dado por provado), sendo que a sociedade ré tem a sua atividade associada ao stand “marca ...” (ponto 2 dado por provado), tendo-se os AA, deslocado ao stand marca ... (ponto 6 dado por provados), tendo adquirido um veículo propriedade da sociedade comercial e pago o remanescente do preço por indicação de DD à sociedade Ré (ponto 11 e 12), não se aferindo o interesse pessoal do Réu EE, com clara violação do artigo 30º, 1 e 2 do CPC.
12º- Bem como ocorreu uma violação do artigo 3º 1 do DL 67/2003, quando condena o Réu, mesmo que solidariamente a pagar aos Recorridos os valores em causa, quando essa responsabilidade é do vendedor.
13º- Também o ponto 34º dado por provado também tem de ser alterada face à prova documental existente nos autos (cartas de interpelação endereçadas pelos AA, datadas de 28 de maio de 2018).
14º- A interpelação foi efetuada apenas à Ré sociedade para moradas diferentes e não aos outros co-Réus (conforme resulta das mesmas), havendo um claro erro de julgamento e por via disso o ponto 34º deverá ter a seguinte redação: “Em 28/05/2018 os autores interpelaram a Ré sociedade através de cartas registadas com aviso de receção que foram por esta recebidas”.
15º- Devendo ser eliminado a parte “relatando todas as situações ocorridas com o AJ.”, porque os alegados defeitos do veículo não foram comunicados a qualquer dos RR, nem a sua decisão de resolução.
16º- Tal deriva da falta de prova desses factos, que incumbe aos AA. (não existem nos autos prova ou registo de qualquer comunicação), com exceção das aludidas cartas, apenas dirigidas à Ré sociedade.
17º- Devendo igualmente ser considerados por não provados os factos elencados nos pontos 21º e 24º.
18º- Na nossa perspetiva a resposta negativa encontra o seu fundamento nas declarações de parte do Réu/recorrente EE e nas declarações de parte dos AA., que apesar de mostrarem posições contraditórias, referindo o primeiro que apenas no início, o A. o contactou e referindo aquele, com confirmação pela esposa, que o foi contactando, o A. no seu depoimento quando lhe foi perguntado sobre quando é que procedeu à comunicação sobre as reparações que o veículo necessitava, declarou “As reparações necessárias eu não disse”- 1h, 08 m.
19º- Também pelas declarações da representante legal da ré sociedade que afirmou que apenas teve conhecimento dos alegados defeitos/desconformidades através das cartas que lhe foram dirigidas datadas de 28 de maio de 2018.
20º- Não há registo nos autos de qualquer comunicação entre as partes, ou seja, do envio de qualquer mensagem, email, contacto telefónico (com exceção das aludidas cartas) ou sequer registo de alguma chamada telefónica que tenha sido efetuada.
21º- Acresce ainda que se foi com o Réu EE que foram mantidas as alegadas conversações e se este autorizou todas as intervenções no veículo, não se entende porque é que a interpelação/comunicação e a notícia da diferença de quilómetros apenas foi enviado à Ré sociedade e não aquele ou a ambos ou sequer porque foi enviada a carta (já que havia conversações e até a esse momento não houve necessidade de endereçar qualquer comunicação).
22º- A versão dos AA. não é corroborada por outro elemento de prova, ao contrário do decidido pelo I. Tribunal (já que a testemunha, funcionário da oficina, Sr. FF foi categórico quando disse “Mas eu não ouvi, meta na ...”- m 7 ao m 8 do seu depoimento.
23º- A prova da efetiva comunicação dos defeitos cabia aos AA, nos termos do artigo 342º, 1 do CC e do artigo 5ºA, nº 2 do DL 67/2003, não o logrando fazer.
24º- Face aos elementos de prova mencionados (e à falta de prova), os pontos 21º e 24º da matéria de facto teriam de ter resposta negativa, devendo ser considerados não provados e por consequência o ponto 42 (que deriva da resposta positiva ao ponto 21 e 24).
25º- O Recorrente EE apenas teve conhecimento dos alegados defeitos e do custo da sua reparação com a citação para os presentes autos, que ocorreram a 01 de outubro de 2018 e como tal não poderia ter dado ordem de reparação do veículo quer por si, quer em representação da sociedade recorrente.
26º- Se os RR tivessem autorizado a reparação (e dentro de um juízo de normalidade), os AA./recorrentes, teriam-lhes enviado as respetivas faturas, com indicação do Iban (até da EMP02...) para aqueles efetuarem o respetivo pagamento, o que não aconteceu.
27º- A prova dessa falta de comunicação dos defeitos/desconformidades também assenta no facto do A. /recorrido quando adquiriu o veículo ter subscrito um documento em que declara que prescinde da garantia quanto ao mesmo (documento junto pelos RR) e por isso é normal que se o veículo apresenta problemas não os comunique.
28º- O A./recorrido também aceitou receber o veículo, sem que o mesmo tenha sido reparado pela Ré, com substituição de baterias, pneus e demais material, não tendo trabalhado nas duas vezes em que o visualizou, tendo portanto aceite os seus condicionalismos (devendo dar-se por provado os factos não provados identificados nas alíneas d) e e).
29º- Tendo em conta os elementos de prova mencionados e as ilações que dela se retiram, resulta desde logo que as desconformidades do veículo apenas foram dadas a conhecer à Ré sociedade e através de uma carta recebida a 30 de maio de 2018, sendo que a 05 de junho, o veículo já se encontrava reparado, sem ter decorrido o prazo que legalmente teria para o efeito) e como tal não pode ser responsabilizada pelos custos da reparação.
30º- Mesmo que o Réu tivesse anuído no envio do veículo para as instalações da oficina da ..., tal não significa que tivesse autorizado as reparações, até como decorre das declarações do A, este nem lhas comunicou “As reparações necessárias eu não disse”- 1h, 08 m., e pelo envio das cartas em que impõem um prazo de oito dias para resolver o assunto (o que não se compadece com a versão apresentada de diálogo constante existente entre o R e os AA.), o que exclui de igual forma as responsabilidade dos RR pelo pagamento das mesmas.
31º- O ponto 7 dos factos provados, também terá de ter outra redação, resultando essa conclusão da conjugação das declarações do Réu EE sobre esta matéria, com o documento que foi junto aos autos na contestação (declaração subscrita pelo A. marido) e tendo sido disponibilizado todas as informações e elementos do veículo ao A., no processo negocial, designadamente numero de chassis e outros (o que não foi colocado em causa pelas declarações prestadas pelos AA), a resposta ao facto 7, deverá ter a seguinte alteração:” Tendo o Réu dito ao Autor que desconhecia se os 173000km que a viatura exibia correspondia efetivamente aos percorridos”.
32º- Os pontos 43º e 44º dos factos provados, também terão de ser alterados, já que o que se extrai dos pedidos formulados pelos AA/recorridos na sua p.i. não foi, nem é a resolução do negócio, mas a redução do preço e tinham conhecimento de todos os alegados defeitos/desconformidades do veículo, devendo o mencionado ponto 43º ficar com a seguinte redação: “Os AA, mantiveram o interesse do negócio, mesmo depois de conhecerem os quilómetros percorridos pelo mesmo e as anomalias”, sendo eliminado o ponto 44.
33º- Alterando a matéria de facto referida, os RR. (quer o Réu EE, quer a Ré sociedade comercial) terão necessariamente de ser absolvidos de todos os pedidos, especialmente pelo facto de não terem provado, conforme competia aos AA/recorridos que atempadamente efetuaram a comunicação dos defeitos, designadamente das avarias do veículo aos recorridos e antes de o mandarem reparar, dando-lhes a possibilidade de aqueles o fazerem ou apresentarem outra solução.
34º- O pedido de indemnização pela privação do veículo e de indemnização de danos morais tem como causa, o tempo de reparação do mesmo, devido às avarias (e não aos quilómetros) e não sendo provada a responsabilidades dos RR, por essa reparação, também não poderão ser condenados a este título.
35º- Ao assim não ter decidido, o I. Tribunal a quo violou os artigos 342º, 1 do CC e do artigo 5ºA, n.º 2 do DL 67/2003.
36º- Mesmo que não haja alteração à matéria de facto, com a decisão proferida, violou o I. Tribunal os artigos 30º, 1 e 2 do CPC e artigo 3º 1 do DL67/2003 ao ter condenado solidariamente o Réu EE ao pagamento dos valores em causa, juntamente com a sociedade Ré/recorrida.
37º- Dos factos provados (pontos, 1, 2, 11 e 12) e das conclusões retiradas pelo I. Tribunal (designadamente ao concluir que o automóvel em causa pertence à sociedade Ré) extrai-se que o Réu Recorrente não tem qualquer intervenção ou interesse a título particular no negócio, não devendo ser responsabilizado.
38º- Se assim ocorreu, à Ré sociedade apenas lhe foi comunicado a existência de defeitos do veículo através da carta datada de 28 de maio de 2018, quando o mesmo já se encontrava em reparação, não tendo responsabilidade no pagamento da mesma, em virtude de não lhe ter sido dado oportunidade para resolver a situação, conforme disposto no artigo 4º 2 do DL 67/2003 (tendo a sentença recorrida violado esta norma jurídica ao assim não ter decidido).
39º- Também foi violado pelo I. Tribunal a quo o nº 3 do art. 2º do DL 67/2003, já que os defeitos/avarias da viatura não se podiam considerar ocultos, mas sim aparentes ou reconhecíveis uma vez que seriam detetáveis através de um exame diligente efetuado pelo AA., se tivessem usado de normal diligencia na verificação da viatura (tal decorre dos pontos 8, 14, 15 dos factos provados), o que determina a inexistência da falta de conformidade prevista na norma legal mencionada.
40º- O que exclui a responsabilidade de qualquer dos RR. na reparação dos defeitos, pelo menos no pagamento do valor das reparações solicitado, bem como no valor arbitrado a título de privação de uso do veículo em causa.
41º- Também não resulta provada a responsabilidade dos RR, em qualquer circunstância pela privação do veículo, já que essa indemnização terá de ser conferida ao abrigo de um comportamento culposo, o que não ficou demonstrado nos autos (veja-se a alínea a) dos factos não provados, havendo uma violação pelo I. tribunal dos artigos 496º1 e 494º do CC).
42º- Foram condenados os recorrentes ao pagamento aos AA/recorridos de 1.000€ de indemnização a título de danos não patrimoniais (500€ a cada um).
43º- Essa condenação foi sustentada pelo I. Tribunal, tendo-se apoiado também no artigo 496º 1 do CC.
44º- A responsabilização exige sempre culpa na produção do dano, ou seja, são indemnizáveis os prejuízos que sejam consequência de um facto ilícito e que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.
45º- Resulta dos factos provados e da própria fundamentação da douta sentença a inexistência da demonstração de atuação culposa por parte dos recorrentes ou prova de qualquer facto ilícito imputável aos mesmos.
46º- Não se encontram preenchidos os pressupostos legais, designadamente a existência do ato ilícito e uma atuação culposa que sustente a condenação dos recorrentes.
47º- Ao assim não ter considerado, mostra-se violado o artigo 496º 1 do C. Civil.
48º- Se assim não se entender, foram também foram violados pelo I. tribunal os artigos 562º e 566, 3 do CC, por ter atribuído um quantitativo diário face aos factos aprovados, pela privação do veículo excessivo, devendo o mesmo ser reduzido ao máximo de 10€dia.

Nestes termos e nos melhores de Direito, deve o presente recurso proceder por provado e consequentemente a douta sentença recorrida ser revogada e, em consequência, os apelantes/recorrentes serem absolvidos dos pedidos com as necessárias consequências legais, caso assim não se entenda o Réu/recorrente EE deverá ser sempre absolvido e a Ré/recorrente sociedade ser absolvida do pagamento atinente às reparações do veículo, à sua privação e aos danos morais, nos termos pugnados e caso assim não se entenda deverá o valor atribuído à privação do veículo ser reduzido nos termos apontados, fazendo assim V. Exas, aliás, como sempre, JUSTIÇA!
*
Não foram apresentadas contra-alegações.
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Os apelantes requereram que ao recurso fosse atribuído efeito suspensivo, deduzindo para o efeito incidente de prestação de caução, onde, por decisão proferida em 27/06/2023, foi julgada validamente prestada a caução que ofereceram (garantia bancária no valor de 17.714,40 euros).
*
A 1ª Instância admitiu o recurso interposto como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, atenta a caução validamente prestada pelos apelantes, o que mereceu a adesão do relator.
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II- DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos apelantes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam do conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
Acresce que, o tribunal ad quem também não pode conhecer de questão nova, isto é, que não tenha sido objeto da decisão sob sindicância, salvo se se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso, dado que, sendo os recursos os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, mediante o reexame de questões que tenham sido nelas apreciadas, visando obter a anulação de tais decisões quando padeçam de vício determinativo da sua nulidade, ou a sua revogação ou alteração quando padeçam de erro de julgamento, seja na vertente de erro de julgamento da matéria de facto e/ou na vertente de erro de julgamento da matéria de direito, nos recursos, salvo a já enunciada exceção, não podem ser versadas questões de  natureza adjetivo-processual e/ou substantivo material sobre as quais não tenha recaído, ou devesse recair, a decisão recorrida[1].
No seguimento desta orientação, cumpre ao tribunal ad quem apreciar as seguintes questões:
a- se a sentença recorrida padece de erro de julgamento da matéria de facto quanto à facticidade nela julgada provada nos pontos 7º, 21º, 24º, 34º, 43º e 44º e, bem assim quanto à nela julgada não provada nas alíneas d), e) e f) e se, uma vez revisitada e reponderada a prova produzida, se impõe:
- quanto à facticidade julgada provada no ponto 7º da sentença, julgar provada apenas a seguinte facticidade:
“Tendo o Réu dito ao Autor que desconhecia se os 173.000 Kms. que a viatura exibia correspondia efetivamente aos percorridos”;
- quanto à facticidade julgada provada nos pontos 21º, 24º e 44º da sentença, que seja julgada não provada;
- quanto à facticidade julgada provada no ponto 34º da sentença, julgar provado apenas:
“Em 28/05/2018, os Autores interpelaram a Ré sociedade através de cartas registadas com aviso de receção, que foram por esta recebidas”;
- quanto à facticidade julgada provada no ponto 43º da sentença, que seja julgado provado apenas o seguinte:
“Os Autores mantiveram o interesse no negócio mesmo depois de conhecerem os quilómetros percorridos pelo mesmo e as anomalias”;
- quanto à facticidade julgada não provada nas alíneas d) e e), que seja julgada provada; e
- quanto à facticidade julgada não provada na alínea f), que se julgue como provado:
“O negócio foi realizado entre os Autores e a Ré EMP01..., Lda.”.
b- se na sequência da impugnação, com êxito, do julgamento da matéria de facto operada pelos apelantes, a decisão de mérito constante da sentença padece de erro de direito e se, em consequência, se impõe revogar essa sentença e absolver os apelantes DD e EMP01..., Lda. do pedido;

Independentemente do êxito da impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelos apelantes, se a decisão de mérito constante da sentença recorrida padece de erro de direito quando nela:
- se condena o apelante DD quando, atenta a facticidade julgada provada nos pontos 1º, 2º, 11º e 12º, o negócio de compra e venda do veículo foi celebrado entre os apelados (Autores) e a apelante EMP01..., Lda., não tendo o apelante DD intervindo nesse negócio a título pessoal e se, em consequência, se impõe revogar a parte dispositiva da sentença na parte em que o condena nas pretensões que aí se encontram explanados e julgar a ação quanto ao mesmo improcedente e absolvê-lo do pedido;
- se condena os apelantes a satisfazer as pretensões aos apelados explanadas na parte dispositiva da sentença, quando os defeitos apresentados pelo veículo vendido aos apelados (Autores) podiam por estes ser conhecidos no momento da compra daquele veículo caso tivessem usado de uma normal diligência no exame/verificação desse veículo e se, em consequência, se impõe revogar a sentença e julgar a ação improcedente quanto aos apelantes e absolvê-los do pedido;
- se condena os apelantes a satisfazer aos apelados uma indemnização pela privação do uso do veículo, quando da facticidade julgada provada na sentença “não resulta qualquer atuação culposa por parte dos apelantes, nem que aos mesmos foi solicitado que disponibilizassem um veículo para aqueles usarem enquanto estivessem privados do seu” e se, em consequência, se impõe revogar a sentença no segmento em que condena os apelantes a satisfazerem aos apelados a indemnização nela arbitrada pela privação do uso daquele veículo;
Subsidiariamente, a improceder a questão acabada de enunciar, se a sentença recorrida padece de erro de direito ao fixar a indemnização devia aos apelados pela privação do uso do veículo no quantitativo diário de 15,00 euros, e se essa indemnização deve ser reduzida para a quantia máxima diária de 10,00 euros; e
- se condena os apelantes solidariamente a pagarem aos apelados mil euros (quinhentos euros para cada um), a título de compensação por danos morais sofridos, quando da facticidade julgada provada não resulta apurada qualquer conduta ilícita e culposa dos apelantes causadora de danos morais aos apelados e se, em consequência, se impõe revogar a sentença recorrida nesse segmento condenatório e absolver os apelantes quanto a esse pedido.
*
III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A 1ª Instância julgou provada a facticidade que se segue com relevância para a decisão a proferir no âmbito da presente ação:
1. A ré CC é a única sócia e gerente da sociedade ré «EMP01..., Lda.».
2. A sociedade «EMP01..., Lda.» tem a sua atividade associada ao stand “marca ..., Lda.», sendo o número de telefone de contacto associado ao réu DD.
3. A ré CC e o réu DD vivem em união de facto.
4. No dia 1 de fevereiro de 2018, sob a marca ...», era anunciado na plataforma «...», para revenda, um veículo automóvel de marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-AJ-.. e com 173.000 kms.
5. Ao ver o anúncio referido em 4, o autor interessou-se pela viatura e contactou o réu DD através do número de telefone indicado, manifestando interesse em conhecer os pormenores na proposta de venda e o automóvel em questão.
6. No dia 3 de fevereiro de 2018 os autores deslocaram-se ao stand «marca ...», sito na ..., em ..., sendo recebidos pelo réu, que lhes mostrou a viatura com a matrícula ..-AJ-...
7. Tendo o réu confirmado ao autor que os 173.000 km que a viatura exibia correspondia aos quilómetros efetivamente percorridos.
8. Nesse dia, quando o réu tentou pôr a viatura a trabalhar, a mesma não pegou, sendo necessário utilizar um aparelho que induz de forma instantânea corrente no circuito elétrico do motor de arranque do veículo para o pôr em funcionamento.
9. O autor e o réu acordaram no preço de 15.500 € para a aquisição da viatura a pagar da seguinte forma:
- a entrega da viatura dos autores ... 530 com a matrícula ..-HD-..;
- 9.500 € em dinheiro.
10. O direito de propriedade sobre o AJ encontrava-se inscrito na Conservatória do Registo Automóvel em nome da ré CC.
11. Por indicação do réu DD a entrega da viatura dos autores foi realizada no stand «marca ...» e o pagamento do remanescente do preço à ré «EMP01..., Lda.».
12. No dia 8 de fevereiro de 2018 os autores deslocaram-se a ..., ao stand «marca ...», tendo sido recebidos pelo réu DD, a quem procederam à entrega da viatura .. e do cheque n.º ...41 sacado sob a conta n.º ...95 aberta em nome do auto no Banco 1..., no valor de 9.500 €, tendo como beneficiária a sociedade «EMP01..., Lda.».
13. Por sua vez, o réu entregou aos autores a chaves da viatura com a matrícula ..-AJ-.. e uma declaração de venda para registo de propriedade, firmada pela ré CC na qualidade de proprietária/vendedora.
14. Quando o autor foi colocar a viatura em funcionamento, a mesma voltou a não pegar, tendo o réu afirmado que se tinha esquecido de colocar uma bateria nova na viatura, tendo sido colocado a trabalhar com o auxílio de um buster novamente.
15. De regresso a casa ao volante do ..-AJ-.., iniciado o percurso na A...4, os autores aperceberam-se de um barulho anómalo e uma trepidação na direção logo que aumentava a velocidade.
16. Acresce que, tendo aberto o vidro da porta dianteira direita acionado através do motor elétrico, este recusou-se a fechar.
17. Nesse dia os autores substituíram os quatro pneus da viatura.
18. Chegados a casa colocaram o AJ na garagem; porém, no dia seguinte o motor voltou a não pegar.
19. O autor colocou uma bateria nova. No entanto, nesse mesmo dia a bateria nova voltou a perder em absoluto a tensão elétrica ficando completamente descarregada e sem capacidade para colocar o veículo em funcionamento cerca de 5 horas após a sua carga.
20. O autor teve de se socorrer da ajuda de terceiros para pôr a viatura a trabalhar.
21. Nessa sequência contactou o réu, dando-lhe conta do sucedido e pedindo para resolver o problema, tendo aquele dito para escolher uma oficina em que a viatura pudesse ser reparada e que, uma vez a mesma efetuada, suportaria o pagamento desse valor.
22. O autor dirigiu-se a um eletricista - «EMP03..., Lda.» - onde a viatura esteve cerca de 1 mês e 15 dias a fim de serem diagnosticadas as avarias que evidenciava.
23. Para o efeito, a oficina teve de proceder a ensaios e à substituição de várias peças, o que orçou em 401,71 €, que os autores pagaram.
24. Uma vez que os problemas persistiam, o autor voltou a contactar o réu e informou-o do que se estava a passar e que a única solução era transportar a viatura para o concessionário da marca em ..., no que o réu acabou por concordar.
25. No dia 29 de março de 2018 o autor levou o AJ para as oficinas da «EMP02..., SA» em ....
26. Nessa data a viatura exibia no seu conta quilómetros 173.362 km.
27. Depois de terem sido feitos vários testes ao veículo e desmontados diversos dos seus componentes elétricos e eletrónicos, veio a constatar-se que aquele tinha instaladas diversas unidades eletrónicas que não pertenciam àquele modelo de veículo, designadamente:
- Unidade de Comando DDE;
- Display/monitor;
- Unidade Cas.;
- Unidade rádio/CCC.
28. Também a instalação elétrica junto ao guarda lamas dianteiro esquerdo estava danificado.
29. O AJ permaneceu nas oficinas da «EMP02..., SA» até ao dia 20/06/2018.
30. Desconfiado que os quilómetros que a viatura exibia podiam não ser os reais, tendo em conta os problemas que o mesmo apresentava, no dia 25 de maio de 2018 requereu junto do IMTT uma certidão do registo de inspeções técnicas a que o ..-AJ-.. havia sido sujeito.
31. Tendo apurado que já em 27/07/2016 aquele veículo já tinha percorrido 413.794 km.
32. Todavia, na inspeção periódica a que o mesmo foi submetido em 08/07/2017 já só exibia 169.227 km.
33. O valor comercial do AJ com 413.796 km ascende a cerca de 7.000 €.
34. Em 28/05/2018 os autores interpelaram os réus através de carta registada com aviso de receção que foi por estes recebida relatando todas as situações ocorridas com o AJ.
35. Pela reparação do AJ na «EMP02..., Comércio de Automóveis, Lda.» os autores procederam ao pagamento da quantia de 6.060,32 €.
36. Para adquirirem o AJ os autores tiveram de contrair um crédito para pagar o remanescente de 9.500 €, bem como as restantes despesas inerentes à legalização da viatura, assumindo com isso encargos no valor de 2.668,02 €, que terão de amortizar juntamente com o valor da quantia mutuada.
37. Desde o dia .../.../2018 que o autor não tinha outra viatura para além do AJ.
38. Na sequência das anomalias que afetavam o seu funcionamento, os autores estiveram desde 08/02/2018 a 20/06/2018 (data da sua reparação) privados do uso do AJ.
39. Para se deslocar o autor teve de recorrer a viaturas emprestadas bem como a boleias de familiares e amigos.
40. O que lhes causou transtornos e embaraços.
41. Para procederem ao pagamento do valor de 6.060,32 € referente à reparação da viatura os autores tiveram de pedir dinheiro emprestado ao pai do autor, o que lhes causou vergonha e embaraço.
42. Em consequência do estado do caso e do comportamento dos réus os autores ficaram angustiados, perderam noites de sono, andaram tristes e nervosos.
43. Os autores nunca teriam adquirido o AJ se tivessem conhecimento que o mesmo tinha mais de 400.000 kms.
44. Nem das anomalias que padecia, das quais só tiveram conhecimento após a aquisição da viatura.
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Por sua vez, a 1ª Instância julgou não provada a facticidade que se segue:
a) Os réus sabiam das anomalias e disfuncionalidades que vieram a ser diagnosticadas na viatura e ocultaram-nas dos autores, com a intenção de os enganar, fazendo-os crer que o veículo estava em condições normais de funcionamento, apto a circular e tinha pouco mais de 170.000 km.
b) No caso de o negócio de compra e venda do AJ ter ocorrido pelo seu valor de mercado, os autores não teriam necessidade de recorrer ao financiamento referido em 36.
c) O custo do aluguer de uma viatura com as características idênticas às do AJ ascende a 30 € diários.
d) Os autores tinham conhecimento do estado em que a viatura se encontrava, bem como das circunstâncias de os quilómetros exibidos no conta quilómetros poderem não corresponder aos efetivamente percorridos.
e) Tendo aceite tais condicionalismos.
f) O réu DD é trabalhador da ré «EMP01..., Lda.».
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IV – DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

A- Da impugnação do julgamento da matéria de facto.
Os apelantes impugnam o julgamento da matéria de facto quanto à facticidade julgada provada nos pontos 7º, 21º, 24º, 34º, 43º e 44º da sentença sob sindicância e, bem assim quanto à facticidade nela julgada não provada nas alíneas d), e) e f), cumprindo deveras deficientemente os ónus impugnatórios previstos no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC, mas ainda assim suficientemente para que seja consentido ao tribunal ad quem entrar na apreciação dessa impugnação.
Dizemos que os apelantes cumpriram de forma deveras deficiente com aqueles ónus impugnatórios posto que, basta a mera leitura das alegações de recurso para se constatar que, em múltiplas ocasiões, misturaram impugnação do julgamento da matéria de facto com questões de direito e, noutros casos, começaram, na alegação de recurso, por impugnar determinado ponto da matéria de facto, indicaram a prova que, na sua perspetiva, impunha decisão diversa daquela que foi proferida pela 1ª Instância, fizeram uma análise crítica dessa prova, mas não indicaram a conclusão que dela extraíram, isto é, não indicaram a resposta que, na sua perspetiva, se impunha que tivesse recaído sobre essa facticidade, vindo-o apenas a fazer em momento posterior, mais concretamente, nas conclusões, o que além de constituir deficiente cumprimento dos identificados  ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto a que se encontram adstritos, dificulta a análise dessa impugnação por parte dos apelados e do tribunal.
Contudo, as deficiências que se acabam de apontar ao modo como os apelantes cumpriram com os identificados ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto não constituem fundamento de rejeição da impugnação do julgamento da matéria de facto que operam, uma vez que os mesmos acabaram por indicar, nas conclusões, os concretos pontos da matéria de facto que impugnam (pontos 7º, 21º, 24º, 34º, 43º e 44º da facticidade julgada provada na sentença e alíneas d), e) e f) da facticidade nela julgada não provada), com o que deram cumprimento ao ónus impugnatório primário da al. a), do n.º 1, do art. 640º do CPC, e com as já apontadas deficiências, acabaram por indicar a concreta resposta que, na sua perspetiva, deveria ter recaído sobre cada um dos pontos e alíneas que impugnam, dando cumprimento ao ónus impugnatório primário da al. c), daquele n.º 1, e indicam em relação a cada um desses pontos e alíneas os concretos meios probatórios em que fundam essa impugnação, indicando, quanto à prova gravada, o início e o termo dos excertos em que fundam essa sua impugnação e, inclusivamente, a maioria das vezes, procedem à transcrição desses excertos, acabando, assim, também por darem cumprimento ao ónus impugnatório primário da al. b) do referido n.º 1 e ao ónus impugnatório secundário da al. a), do n.º 2, ambos do art. 640º.
Decorre do que se vem dizendo que, apesar daquelas deficiências, cremos estarem recolhidas as condições processuais que permitem a esta Relação entrar na apreciação da sindicância que os apelantes fazem ao julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância que impugnam.
Todavia, antes de entrarmos na concreta apreciação dessa impugnação impõe-se enunciar os critérios a que deve presidir a reapreciação pelo tribunal ad quem da impugnação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância e que vem impugnada pelos apelantes e, bem assim, expor os critérios em que lhe é consentido alterar o julgamento da matéria de facto por esta realizado.

Seguindo a lição de Abrantes Geraldes, em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto submetida ao princípio da livre apreciação da prova, que é o princípio regra vigente no âmbito do processo civil nacional, o tribunal de recurso:

- só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente;
- sobre essa matéria de facto tem de realizar um novo julgamento;
- nesse novo julgamento o tribunal de recurso forma a sua convicção de forma autónoma;
- para a formação dessa sua convicção autónoma o tribunal de recurso não só reaprecia os meios de prova especificados pelo recorrente e pelo recorrido, nas alegações e nas contra-alegações de recurso, respetivamente, mas todos os que lhe sejam acessíveis e que, ao abrigo do princípio da oficiosidade, entenda dever socorrer-se para formar uma convicção segura;
- sem prejuízo das limitações que decorrem da falta de imediação e de oralidade, nesse novo julgamento o tribunal de recurso não está condicionado pela apreciação e fundamentação do tribunal recorrido, uma vez que o objeto da apreciação em 2ª instância é a prova produzida, tal como na 1ª instância, e não a apreciação que esta fez dessa mesma prova, gozando, portanto, o tribunal de recurso dos mesmos poderes atribuídos ao tribunal a quo, podendo, nomeadamente, na formação da sua convicção autónoma recorrer a presunções judiciais ou naturais nos mesmos termos em que o faz o juiz da 1ª instância[2];
- na sequência desse novo julgamento, a Relação pode determinar, mesmo oficiosamente, a renovação da produção de prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade de determinado depoente ou sobre o sentido do seu depoimento, ou mesmo ordenar a produção de novos meios de prova que potenciem a superação de dúvidas sérias sobre a prova anteriormente produzida (art. 662º, n.º 2, als. a) e b) do CPC);
- sempre que, reapreciando a prova produzida, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, se através das regras da ciência, da lógica e da experiência comum o tribunal de recurso consiga, relativamente aos concretos pontos da matéria de facto impugnada pelo recorrente, adquirir uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento, impõe-se que introduza as modificações pertinentes ao julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância; e
- em caso de dúvida sobre o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, nomeadamente, perante depoimentos contraditórios e à fragilidade da prova produzida, se o julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal a quo se mostrar objetivado numa fundamentação compreensível, onde se optou por uma das soluções de facto permitidas pelas regras da ciência, da lógica e da experiência comum, deverá prevalecer esse julgamento de facto, em respeito pelos princípios da oralidade, da imediação, da concentração e da livre apreciação da prova[3].

Na verdade, estabelece o art. 662º, n.º 1 do CPC que: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, do que resulta, clara e linearmente, que para que ao tribunal de recurso seja consentido alterar o julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal a quo que venha impugnado pelo recorrente não basta que a prova produzida por ele indicada, isolada ou conjuntamente com a prova produzida, a que o tribunal de recurso, ao abrigo do princípio da oficiosidade, entenda dever socorrer-se, consinta ou permita o julgamento de facto que venha propugnado pelo recorrente, mas é necessário que o imponha, o que bem se compreende.
Com efeito, estando em causa facticidade sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, mantendo-se no atual CPC em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, tendo presente os enunciados princípios e que o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta, não se pode aniquilar, em absoluto, a livre apreciação da prova que assiste ao julgador da 1ª Instância, sequer desconsiderar totalmente os princípios da imediação, da oralidade e da concentração da prova, que tornam percetíveis a esse julgador, que intermediou na produção da prova, determinadas realidades relevantes para a formação da convicção, que fogem à perceção do julgador do tribunal ad quem através da mera audição da gravação dos depoimentos pessoais prestados em audiência final.
Por isso é que se compreende que o uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só devam ser usados quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados, isto é, quando depois de proceder à audição efetiva da prova gravada e à análise da restante prova que entenda pertinente, a Relação conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância, devendo, contudo, em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova fazer prevalecer a decisão proferida pela 1ª Instância, em observância aos já enunciados princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”[4].
Neste sentido expende-se no acórdão do Tribunal Constitucional nº 198/04, publicado no DR, II Série, de 02.06.2004, que a impugnação da decisão em matéria de facto “(...) terá de assentar na violação dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objetivos que se apontam na convicção ou porque se violaram os princípios para aquisição desses dados objetivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma, seria a inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão (...)”.
Assentes nas premissas que se acabam de enunciar, urge entrar na apreciação do julgamento da matéria de facto impugnada pelos apelantes.

A.1- Da impugnação do ponto 7º dos factos provados na sentença.
Os apelantes impugnam a facticidade julgada provada no ponto 7º da sentença, em que a 1ª Instância julgou provado que: “7- Tendo o réu confirmado ao autor que os 173.000 km que a viatura exibia correspondiam aos quilómetros efetivamente percorridos”, advogando que existe “uma posição divergente entre as partes, vertidas nas declarações prestadas”, posto que, enquanto os Autores referem que o Réu DD lhes prestou essa garantia, este nega que o tivesse feito, pelo que, na sua perspetiva, perante  ausência de outra prova que corrobore a versão dos factos apresentada pelos Autores, impõe-se concluir pela não prova dessa concreta facticidade.
A este propósito cumpre referir que procedemos à análise de toda a prova documental e pericial junta aos autos e, bem assim, à audição integral da prova pessoal que foi produzida em audiência final e confirmamos que sobre esta concreta matéria fáctica pronunciaram-se apenas os Autores e o Réu DD, pelo que urge tecer algumas considerações sobre o valor probatório das declarações de parte e do depoimento de parte sem valor confessório, uma vez que a resposta a essa questão não tem merecido uma posição uniforme da parte da doutrina e da jurisprudência.
Na verdade, enquanto uns defendem a tese do caráter supletivo e vinculado à esfera restrita de conhecimento dos factos, de acordo com a qual as declarações de parte e o depoimento de parte sem valor confessório têm uma natureza essencialmente supletiva, sendo insuficientes para fundamentar, por si só, um juízo de prova de determinada facticidade que se encontra controvertida e que seja relatada pelo declarante ou depoente em seu benefício, outros defendem a tese do princípio da prova, segundo a qual as declarações de parte e o depoimento de parte sem valor confessório não são suficientes, por si só, para estabelecerem qualquer juízo de aceitabilidade final, sendo coadjuvantes da prova de um facto desde que em conjugação com outros meios de prova, isto é, as declarações de parte e o depoimento de parte sem valor confessório, mas em que o depoente antes corrobora a facticidade que lhe é favorável, apenas podem servir de fundamento para que se julgue provada a versão dos factos apresentada pelo declarante ou depoente quando essa versão seja corroborada por outros meios de prova, enquanto outros defendem a tese da autossuficiência ou do valor autónomo das declarações de parte e do depoimento de parte sem valor confessório[5].
Quanto ao aqui relator, após uma primeira tomada de posição, em que aderiu à tese do princípio de prova, após melhor ponderação, desde há muito que alterou essa sua posição inicial e vem sufragando a tese da autossuficiência das declarações de parte e do depoimento de parte sem valor confessório.
Fundamentamos esta mudança de posição no facto do n.º 3 do art. 466º do CPC ser expresso em estatuir que as declarações de parte, salvo se as mesmas constituírem confissão, ficam submetidas à regra geral da livre apreciação da prova, pelo que, sob pena de se sufragar um interpretação contra legem daquele preceito legal, as declarações de parte e o depoimento  de parte sem valor confessório não podem ver à partida degradado o seu valor probatório, pelo que estas, tal como os restantes meios de prova que se encontrem submetidos ao princípio da livre apreciação de prova podem, de per se, sustentarem a prova de determinada facticidade que seja relatada pelo declarante ou pelo depoente em seu próprio benefício, ainda que essa versão dos factos não seja corroborada por outro ou outros meios de prova.
Contudo, desta posição não deriva que, na ponderação do valor probatório das declarações de parte e do depoimento de parte sem valor confessório, o tribunal não deva adotar especiais cautelas, posto que, nunca por nunca poderá descurar que as mesmas são prestadas em benefício de quem as presta, com a natural perda de objetividade que é inerente a essa circunstância.
Posto isto, conforme antedito, procedemos à análise de toda a prova documental e pericial junta aos autos e, bem assim, à audição integral da prova pessoal produzida em audiência final e constatamos que o Autor AA prestou declarações e depoimento de parte espontâneos e escorreitos e que a facticidade que relatou foi corroborada integralmente, ora pelas declarações de parte prestadas pela Autora-mulher, ora pelas declarações e depoimento de parte prestadas pelo próprio Réu DD, ora pelo depoimento de parte prestado pela Ré CC, ora pelos depoimentos das testemunhas que depuseram em audiência final e, bem assim, pela prova documental junta aos autos.
Cingindo-nos à facticidade que vem impugnada pelo apelante e que o tribunal a quo julgou provada no ponto 7º da sentença sob sindicância, o Autor AA referiu que tendo visto, em fevereiro de 2018, no “...”, que a “marca ...” anunciava ter para venda um veículo automóvel da marca ..., 530 d, com 173.000,00 quilómetros, pelo preço de  14.500,00 euros, tendo ele e a mulher, a Autora BB, interesse na eventual compra desse veículo, numa segunda-feira, telefonou para o número de telemóvel que vinha indicado nesse anúncio, altura em que foi atendido pelo Réu DD, acabando por combinarem que, na quarta-feira seguinte, os Autores se iriam deslocar ao stand que DD lhe indicou e que situava em ..., a fim de verem a viatura em causa.
Note-se que essa versão dos factos apresentada pelo Autor foi corroborada pela Autora-mulher BB, bem como pelo Réu DD e, bem assim, pela testemunha GG, filho dos Réus DD e CC, pessoa que se encontrava no stand quando os Autores aí chegaram, conforme foi por todos confirmado ter acontecido, divergindo apenas os respetivos depoimentos quanto ao preço pelo qual era anunciada a venda daquele veículo no “...”.
Com efeito, enquanto os Autores sustentam que o preço de venda daquele veículo que era anunciado no “...” era de 14.500,00 euros, o Réu DD e a testemunha GG, seu filho, referem que o preço anunciado ascendia a 15.500,00 euros.
O Autor AA refere que, na sequência desse contacto telefónico, na quarta-feira seguinte, dirigiu-se, mais a mulher, ao stand que lhe foi indicado pelo último, a fim de verem o veículo e que, nesse stand, encontraram o filho do Réu DD, a testemunha GG, a quem expuseram ao que vinham, que lhes disse para aguardarem um pouco, que o pai chegaria daí a instantes, o que veio a acontecer, e, conforme antedito, essa versão dos factos foi corroborada pela Autora-mulher, pelo Réu DD e pela testemunha GG.
AA referiu que o Réu DD lhe mostrou, mais à mulher, o veículo automóvel que estava para venda. O Autor pediu que o Réu DD pusesse o veículo em funcionamento, mas este não pegava, ao que o Réu DD lhes disse que tal se devia ao facto de o veículo estar há já algum tempo no stand parado e de o mesmo, ocasionalmente, abrir as portas dos veículos que tinha para venda, levando ao acionamento das luzes desses veículos e à descarga das respetivas baterias, justificação essa que o Autor, e mulher tiveram como boa, indo DD buscar um “buster” para carregar a bateria da viatura em causa, logrando, assim, pô-la em funcionamento.
Note-se que também esta versão dos factos apresentada por AA foi corroborada pela Autora-mulher, pelo Réu DD e pela testemunha GG.
AA referiu também que tendo o Réu DD colocado o veículo em funcionamento teve o cuidado de verificar o respetivo conta-quilómetros e que este marcava então os quilómetros que constavam do anúncio – 173.000 Km.  – e que, nessa sequência, questionou o Réu DD se esses quilómetros correspondiam à quilometragem que tinha sido efetivamente percorrida pelo veículo, obtendo dele a garantia que assim era, versão dos factos essa que, mais uma vez, foi corroborada pela Autora-mulher, BB.
Precise-se que a testemunha GG, apesar de ter referido ter sido o pai – DD – que mostrou o veículo automóvel aos Autores e que com eles conversou, e apesar de pretender ter ouvido o teor dessa conversa, quando questionado sobre se o Autor fez (ou não) a mencionada pergunta ao seu pai e sobre a resposta que este lhe dera, nada disse a esse respeito, limitando-se a afirmar que: “o carro tinha 170.000 Kms. e que eles, vendedores, não têm possibilidade de averiguar a real quilometragem” dos veículos que têm para venda.
Contudo, quando questionado o Réu DD sobre se o Autor AA lhe fizera aquela pergunta, foi perentório em afirmar que os “clientes”, quando se deslocam aos stands para comprarem uma viatura automóvel, perguntam sempre ao vendedor “os quilómetros do carro”, ou seja, trata-se de uma pergunta que é habitualmente colocada pelos potenciais compradores ao vendedor em relação aos veículos que têm interesse em comprar.
O Réu DD referiu que o Autor e mulher, quando fizeram aquela deslocação ao stand, “viram o carro”, pretendendo que estes, inclusivamente, tiraram o número do chassis dessa viatura, a fim de, posteriormente, tirarem informações quanto à mesma, o que naturalmente não colhe a nossa convicção, porquanto, além dessa pretensa recolha do número do chassis do veículo pelos Autores não ter sido confirmada pelos últimos, trata-se de um comportamento que, porque insólito, não é adotado pela generalidade dos potenciais compradores quando se deslocam a um stand a fim de comprarem um veículo.
Contudo, o Réu DD corroborou que o Autor AA lhe fez efetivamente a pergunta sobre se os quilómetros que eram indicados pelo conta quilómetros do veículo correspondiam à quilometragem que este tinha realmente percorrido, e foi perentório em afirmar ter respondido: “é o que está lá”.
Logo, diversamente da versão dos factos apresentada pelos apelantes nas alegações de recurso, não só o Autor AA perguntou, aquando da sua deslocação ao stand, ao Réu DD sobre se os quilómetros que o conta-quilómetros do veículo indicava (quilometragem essa que, relembra-se, correspondia à anunciada no “...”) correspondia à efetiva quilometragem percorrida pelo veículo, como corroborou ter garantido aos Autores que essa quilometragem correspondia à real e efetiva quilometragem que tinha sido percorrida pelo veículo, ao responder ao Autor: “é o que está lá”.
É certo que, após assim ter respondido, o Réu HH acabou por referir: “O que posso dizer? Eu não posso garantir nada”, e insistindo a sua mandatária se o mesmo, perante aquela pergunta do Autor-marido garantiu ou não aos Autores que a quilometragem que era exibida pelo conta-quilómetros do veículo era verdadeira, respondeu que: “não garantiu nada”, porque “eu não podia garantir nada”.
No entanto, em sede de contra instância, questionado novamente pelo mandatário dos Autores se estes lhe tinham perguntado sobre se os quilómetros indicados no conta-quilómetros do veículo correspondiam aos quilómetros por este efetivamente percorridos, o Réu DD confirmou novamente, não só que o Autor-marido lhe colocou essa questão, como que lhe respondeu: “são os que estão lá”.
Decorre do que se vem dizendo que, a facticidade julgada provada no identificado ponto 7º da sentença, não só foi confirmada pelos Autores, como pelo próprio Réu DD, pelo que bem andou a 1ª Instância em julgar a mesma provada.
Aliás, confirmando DD que o Autor-marido o questionou efetivamente sobre se a quilometragem que era indicada no conta-quilómetros da viatura correspondia efetivamente aos quilómetros que esta tinha percorrido, dir-se-á que, à luz das regras da experiência comum, não colhe que um vendedor de um stand fosse responder a um potencial comprador daquele veículo que lhe fizesse semelhante pergunta desconhecer se a quilometragem indicada no seu conta-quilómetros era ou não verdadeira ou não poder garantir que o fosse, posto que, perante semelhante resposta, esse potencial comprador logo perderia todo o interesse que tinha na aquisição daquele veículo  e de todos os outros que esse vendedor tivesse para venda.
Termos em que, sem mais, por desnecessárias, considerações, improcede o fundamento de recurso acabado de enunciar, mantendo-se inalterada a facticidade julgada provada no ponto 7º na sentença.

A.2- Denúncia pelo Autor ao Réu DD dos vícios apresentados pela viatura e posição adotada pelo último – pontos 21º e 24º dos factos provados.
Nos pontos 21º e 24º do elenco dos factos provados a 1ª Instância julgou provada a facticidade que se segue:
“21- Nessa sequência contactou o Réu, dando-lhe conta do sucedido e pedindo para resolver o problema, tendo aquele dito para escolher uma oficina em que a viatura pudesse ser reparada e que, uma vez a mesma efetuada, suportaria o pagamento desse valor”.
24- Uma vez que os problemas persistiam o autor voltou a contactar o réu e informou-o do que se estava a passar e que a única solução era transportar a viatura para o concessionário da marca em ..., no que o réu acabou por concordar”.
Os apelantes impugnam essa concreta facticidade alegando que nenhuma prova foi produzida que permita concluir pela prova da mesma, alegando que, o apelante DD negou essa facticidade e que “a única prova existente nos autos sobre a comunicação dos problemas que o veículo padecia e que foram diagnosticados pela ... reside nas cartas de interpelação, com data de 28 de maio de 2018”; que “antes dessa data não há nota nos autos de qualquer comunicação entre as partes (por email, mensagem, carta ou contacto telefónico”, pretendendo que nem os Autores confirmaram essa facticidade, mas, adiante-se, desde já, sem razão.
Conforme acima enunciado, o Autor AA, em sede de depoimento e declarações de parte relatou que, tendo-se deslocado ao stand, mais a mulher, acabou por fechar negócio de compra do veículo com o Réu DD, pelo preço de 15.500,00 euros, que seria pago mediante a retoma de um veículo propriedade dos Autores, ao qual foi atribuído o valor de 6.000,00 euros, e a restante parte seria paga em dinheiro, tendo para tal os mesmos contraído um empréstimo de 6.000,00 euros, junto do Banco 1..., tendo o Réu DD assumido a obrigação de substituir a bateria do veículo, os pneus, que se encontravam em mau estado, e de reparar uma amolgadela que o veículo apresentava no para-choques traseiro, ficando entre aquele e DD acordada uma data em que o Autor iria deslocar-se ao stand para que o negócio fosse concluído, o preço pago e a viatura comprada recolhida.
Mais uma vez, a versão dos factos apresentada pelo Autor AA foi corroborada pela Autora-mulher e essa facticidade acabou por ser julgada como provada, nos seus termos essenciais, nos pontos 9º e 10º dos factos provados na sentença, que os apelantes não impugnaram.
AA referiu que, no dia acordado, deslocou-se ao stand, acompanhado pelo irmão, o que foi corroborado pela Autora-mulher, pelo Réu DD e pela testemunha GG.
Mais referiu que, chegado ao stand, quando foi para recolher o veículo, este não pegava/funcionava, dizendo-lhe o Réu DD que se tinha esquecido de mudar a bateria da viatura e que não dispunha de bateria nova, naquele momento, a fim de proceder à substituição, pelo que a viatura foi colocada em funcionamento mediante o recurso a um “buster”.
O Autor AA relatou que, contrariamente ao que se tinha obrigado, o Réu DD também não substituíra os pneus do veículo, nem reparara a amolgadela do para-choque traseiro e, quando questionado, sobre se fizera a revisão ao veículo, respondeu-lhe negativamente.
Note-se que o Réu DD e a testemunha GG confirmaram que quando o Autor, acompanhado do irmão, se deslocaram ao stand para concretizarem o negócio de compra e venda e para recolherem o veículo, quando ... foi pôr o veículo em funcionamento este não funcionava, justificando o Réu DD esse facto com a circunstância da bateria deste não ter sido substituída, e que o veículo foi colocado em funcionamento mediante o uso do “buster”. Aliás, esta concreta facticidade foi julgada provada no ponto 14º da sentença, também não impugnado pelos apelantes.
Porém, o Réu DD e a testemunha GG, seu filho, pretenderam que o primeiro não se comprometera perante o Autor-marido a providenciar pela mudança da bateria do veículo, a substituir os pneus, nem a reparar a amolgadela que apresentava no para-choques traseiro e/ou a fazer a revisão desse veículo, pretendendo a testemunha GG que, devido a esses vícios que a viatura apresentava, o pai, ou seja, o Réu DD, aceitara fazer um desconto no preço de venda daquele veículo ao Autor.
Note-se que a veracidade da versão dos factos apresentada pela testemunha GG quando a esse pretenso desconto no preço de venda do veículo é afastada pelo facto desse veículo estar à venda no “...” por um preço de 14.500,00 euros (conforme versão dos factos apresentada unanimemente pelos Autores em audiência final, que referiram que, quando se deslocaram ao stand, a viatura tinha aposto nela um preço de venda de 15.500,00 euros, mas que, embora tivessem confrontado o Réu DD com essa divergência de preço, não aceitando este vendê-la por preço inferior aos referidos 15.500,00 euros, acabaram por aceitar pagar-lhe esse preço, uma vez que o Ré DD aceitou a retoma do veículo daqueles pelo preço de 6.000,00 euros) e, bem assim, pela facticidade julgada provada no ponto 9º da sentença, que os apelantes não impugnaram.
Acresce que, à luz das regras da experiência comum não se antolha como razoável aceitar-se que, tendo os Autores, na deslocação que fizeram ao stand, para ver a viatura, constatado que esta não funcionava/pegava, por a respetiva bateria estar alegadamente descarregada, conforme lhes fora transmitido pelo Réu DD, que os respetivos pneus se apresentavam desgastados e em mau estado e que o para-choques traseiro do veículo apresentava uma amolgadela, não tivessem exigido ao Réu DD que procedesse à reparação dessa amolgadela, à substituição da bateria e dos pneus e à revisão da viatura antes desta lhes ser entregue e que DD não tivesse prontamente acedido a esses pedidos, até porque se trata de exigências normais e razoáveis serem feitas pelos compradores em semelhantes circunstâncias.
De resto, a não ser substituída a bateria do veículo e encontrando-se esta descarregada, era de antever que quando o Autor a viesse recolher, este voltasse a não funcionar.
E quanto à realização da vistoria a um veículo comprado em segunda mão é algo que os stands nem sequer questionam, prontificando-se de motu próprio, perante o comprador, a efetuar essa revisão antes do veículo sair do stand, o mesmo se afirmando quanto a eventuais amolgadelas que apresente o veículo e à substituição de pneus quando se encontrem em mau estado de conservação, até porque, a entrega de um veículo de marca ... ao comprador com amolgadelas constitui “má publicidade” ao stand e é do conhecimento geral ser proibido circular na via pública com veículos cujos pneus se encontrem em mau estado de conservação.
Avançando.
O Autor AA referiu que, embora contrariado, “tendo-se metido já na cabeça que queria aquela viatura” e não estando para se deslocar novamente, de tão longe, a ..., ao stand, a fim de proceder à recolha do veículo após nele terem sido feitas as intervenções a que o Réu DD se obrigara, estando convicto que o problema do não funcionamento deste se devia ao facto da bateria se encontrar descarregada, conforme o Réu DD lhe transmitira, aceitou adquiri-lo no estado em que se encontrava.  
Contudo, na viagem de regresso a casa, na autoestrada, quando a viatura atingia uma velocidade mais elevada (cerca de 100 kms./hora), aquela começava a trepidar, facto que disse ter atribuído ao mau estado de conservação dos pneus, pelo que, ainda antes de chegar a casa, foi diligenciar pela mudança dos pneus do veículo.
Acresce que, quando o seu irmão abriu o vidro da janela da porta do passageiro e depois foi para o fechar, este não fechava, facto que o Autor atribuiu a qualquer eventual humidade que se tivesse introduzido nessa porta/vidro, tanto assim que aquele conseguiu fechar esse vidro mediante o acionamento do comando localizado na porta do condutor.
Acresce que, no dia seguinte, quando foi pegar no veículo este não funcionava, o que o levou a pedir a um vizinho para que lhe carregasse a bateria mediante a utilização de uns cabos a partir da bateria do carro da viatura desse vizinho, pelo que, colocada a viatura em funcionamento por esse meio, logo se deslocou a uma oficina, a fim de substituir a bateria do veículo.
Contudo, já com a bateria nova, uma vez parado durante algumas horas, quando foi para colocar o veículo em funcionamento, este tornou a não funcionar, o que o levou a atribuir esse não funcionamento do veículo a um qualquer defeito da bateria que acabara de meter nesse veículo. Daí que, uma vez colocado o veículo em funcionamento, deslocou-se imediatamente à oficina que substituíra a bateria, queixando-se que a bateria (nova) que esta metera no veículo apresentava defeito, onde acabou por deixar o veículo, vindo a oficina a comunicar-lhe que o problema não era da bateria, mas sim do veículo, que descarregava a bateria quando não se encontrava em funcionamento.
Adiante-se que os factos acabados de enunciar, relatados pelo Autor AA, mais uma vez, foram confirmados pela Autora-mulher BB, bem como pela testemunha II, mecânico por conta própria, que corroborou que, tendo o Autor acabado da comprar um ..., vindo da viagem de regresso do stand para casa,  deslocou-se à sua oficina para que este lhe reparasse o vidro da porta desse veículo, porque este ou não fechava ou não abria (disse  que, atento o tempo já decorrido, já não se recordava se o vício residia em o vidro não fechar ou em não abrir); pela testemunha JJ, vizinho dos Autores, que relatou que, residindo numa vivenda que é geminada com aquela onde os Autores residem, quando comprou o ..., mal chegou a casa, o Autor chamou-o para lhe mostrar o veículo que acabara de comprar; acontece que passado um ou dois dias, o Autor pediu-lhe que trouxesse o carro dele para lhe carregar a bateria daquele veículo, queixando-se que a bateria não funcionava; pela testemunha FF, eletricista, funcionário da EMP03..., Lda., que relatou que o Autor levou o veículo à oficina onde o depoente exerce a sua atividade profissional, a fim de que fosse substituída a bateria desse veículo por uma bateria nova; a substituição da bateria foi levada a cabo por um colega de trabalho do depoente; acontece que, logo na segunda-feira imediatamente seguinte à substituição da bateria, o Autor compareceu novamente na oficina, queixando-se que o veículo não funcionava/pegava e que a bateria nova que nele tinha sido aplicada apresentava defeito; confirmou que o veículo ficou na oficina a fim de ser feita a averiguação do que se passava e que tendo essa averiguação sido realizada pelo próprio depoente, veio a constatar que o problema não residia na bateria, mas sim no veículo, que descarregava a bateria quando não estava em funcionamento; referiu que, nessa sequência, comunicou esse facto ao Autor; e, finalmente, pela testemunha KK, vizinha dos Autores, que referiu que tendo o Autor comprado um veículo, de marca ..., ou seja, o veículo sobre que versam os autos, este não funcionava, pelo que, o Autor lhe pediu emprestado um carro – um ... –, para que se pudesse deslocar para o trabalho, ao que aquela acedeu, tendo este andado com esse veículo que aquela lhe emprestou durante cerca de quatro meses, facticidade esta que também foi relatada pelos Autores em sede de depoimento e declarações de parte.
Daí que a facticidade acabada referir, relatada pelo Autor AA em sede de depoimento e declarações de parte e que foi corroborada pelos elementos de prova acabados de identificar e de analisar, foi julgada provada pela 1ª Instância, nos seus termos essenciais, nos pontos 12º a 20º da sentença sob sindicância, não impugnados pelo apelante, o que tudo corrobora a conformidades das suas declarações e depoimento de parte com a realidade histórica efetivamente acontecida.
Acresce dizer que, o Autor AA referiu que, na sequência da informação que obtivera junto da oficina de que o problema do não funcionamento do veículo não residia na bateria, mas antes no próprio veículo que, quando não estava em funcionamento, descarregava a bateria, contactou telefonicamente o Réu DD, comunicando-lhe o que se estava a passar com o veículo, que lhe disse: “Prontos, resolva isso, veja o que o carro tem, que depois eu pago”, na sequência do que, este deixou o veículo na oficina  a fim de que o eletricista – a testemunha FF -, averiguasse e resolvesse o problema do veículo, onde este permaneceu durante cerca de mês e meio, decorrido o qual, o eletricista lhe comunicou que o veículo apresentava peças adulteradas, isto é, que não eram aptas para aquele concreto veículo, e solicitando-lhe que levantasse o veículo da oficina, porque  não conseguia solucionar os vícios que o mesmo apresentava e o levasse para a ..., o que o Autor veio a fazer, após ter contactado novamente o Réu DD, a quem comunicou o que se passava, que, embora contrariado, acabou por aceitar que o veículo fosse transportado para a ... e suportar o custo da reparação, dizendo-lhe, contudo, para que diligenciasse para que a reparação fosse pelo menor preço.
Note-se que, mais uma vez, essa versão dos factos do Autor AA foi corroborada, agora pela Autora-mulher e, bem assim pela testemunha FF.
Na verdade, FF foi perentório em referir que, após fazer o diagnóstico ao veículo, veio a verificar que este apresentava diversas peças adulteradas e que, não tinha aptidão para resolver esse vício, pelo que, comunicou essa sua impossibilidade ao Autor, numa das deslocações que este fez à oficina onde o depoente exerce a sua atividade profissional de eletricista de veículos automóveis, dizendo-lhe para que levasse o veículo para a ....
Mais uma vez, esta concreta facticidade foi julgada provada pela 1ª Instância nos pontos 22º, 23º e 24º da sentença, que os apelantes igualmente não impugnaram.
O identificado FF, referiu que, na sequência daquela comunicação que fez ao Autor AA, assistiu o último a fazer um telefonema, apercebendo-se do que o Autor dizia à pessoa a quem telefonava, que o mesmo estava a telefonar à pessoa a quem comprara o veículo e que essa pessoa, apesar de contrariada, acabou por aceitar o transporte do veículo para a ..., tanto assim que esse veículo foi efetivamente transportado para a oficina da ....
Acresce que a versão dos factos apresentada pelos Autores é ainda corroborada pelas testemunhas LL e MM, respetivamente, chefe da oficina da EMP02... e gestor pós venda dessa oficina, as quais corroboraram serem os emitente da declaração junta ao processo físico a fls. 27, cujo teor confirmaram, sendo ambos concordantes entre si em afirmar que o veículo apresentava várias unidades eletrónicas adulteradas, isto é, que não se destinavam a esse veículo e, bem assim, apresentava várias avarias no sistema eletrónico, junto ao guarda-lamas, e que eram essas patologias que faziam com que o veículo, quando não se encontrava em funcionamento, descarregasse a bateria, corroborando também o teor das faturas juntas aos autos a fls. 34 a 35.
Por sua vez, a versão dos factos apresentada pelos Autores e pela testemunha FF é corroborada pelo teor da fatura junta ao processo físico a fls. 26.
Acresce que a versão dos factos apresentada pelos Autores e que foi corroborada pelos elementos de prova supra identificados e analisados é igualmente confirmado pelo teor das cartas enviadas pelo mandatário destes, em 28/05/2018, à apelante EMP01..., Lda., de cujo teor se vê que a versão dos factos apresentada pelo Autor AA em audiência final, corroborada pela Autora-mulher BB e pelos múltiplos elementos de prova acima identificados e apreciados, nomeadamente, quanto à facticidade julgada provada pela 1ª Instância nos pontos 21º e 24º na sentença, não constitui uma versão dos factos que tivesse sido por ele, e pela mulher, ineditamente apresentada em audiência final, mas antes corresponde a uma versão dos factos que o seu mandatário expôs naquelas cartas, o que tudo confirma a veracidade dessa versão fáctica.
 De resto, dir-se-á que, à luz das regras da experiência comum, não colhe a versão dos factos apresentadas pelos Réus DD e CC e, bem assim pela testemunha GG, seu filho, segundo a qual o Autor AA não lhes denunciara os defeitos apresentados pelo veículo, tendo-o transportado, de motu próprio, inicialmente, para a EMP03..., Lda. e, posteriormente, para a EMP02..., a fim de ser reparada, sem que lhes tivesse dado conhecimento desses factos, designadamente, das avarias apresentadas pelo veículo, de que os mesmos pretendem apenas ter tomado conhecimento quando rececionaram as cartas de fls. 29 a 33.
Na verdade, face aos graves vícios que o veículo acabado de comprar apresentava – peças adulteradas e avarias elétricas –, à luz dessas regras, não colhe a versão dos factos apresentada pelos Réus e pela testemunha GG segundo a qual o Autor não denunciou esses defeitos ao Réu DD, pessoa com quem negociou e fechou o negócio de compra do veículo, mas antes  apontam no sentido de que o Autor efetivamente denunciou esses defeitos ao Réu, transportou o veículo, inicialmente, para a EMP03..., Lda. e, posteriormente, face à incapacidade desta em solucionar os graves vícios apresentados pelo veículo e o conselho que lhe foi dado pela testemunha FF, eletricista dessa oficina, para a EMP02..., sempre após ter dado conhecimento ao Réu DD do que se estava a passar com o veículo  em causa e após obter a concordância deste para que assim procedesse e a assunção da obrigação (pela sua representada) da obrigação de suportar os custos dessas operações/reparações, tudo conforme foi relatado pelo Autor AA, cujo depoimento e declarações de parte, reafirma-se, são corroborados pelos múltiplos elementos de prova acima identificados e analisados.
De resto, em sede de depoimento e declarações de parte, o Réu DD pretendeu que, passados um ou dois dias após o Autor AA ter recolhido o veículo comprado no stand, telefonou-lhe dizendo-lhe que: “o carro não pegava e que ia meter a bateria” e pretendeu que, a partir daí “nunca mais lhe ligou, nunca mais soube nada, só quando recebeu a carta do advogado”.
Ora, apesar de confrontado do motivo pelo qual o Autor lhe havia de fazer semelhante telefonema, quando era um dado adquirido entre todos que o “carro não pegava” e que o Autor lhe teria de “meter uma bateria nova”, DD não o soube dizer, o que é bem demonstrativo da inveracidade dessa sua versão dos factos, bem como da que foi apresentada pela Ré CC e pela testemunha GG.
Destarte, decorre do que se vem dizendo que, longe da prova produzida impor que se conclua pela não prova da facticidade julgada provada pela 1ª Instância nos pontos 21º e 24º, essa prova impõe que se conclua pela sua verificação.
Termos em que improcede este fundamento de recurso e, em consequência, mantém-se inalterada a facticidade julgada provada nos pontos 21º e 24º da sentença.

B.3- Qualidade em que os Autores contactaram o Réu DD e em que foram por ele contactados – ponto 34º dos factos provados e alínea f) da facticidade julgada provada.
A 1ª Instância julgou provada a facticidade que se segue:
“34- Em 28/05/2018 os Autores interpelaram os Réus através de carta registada com aviso de receção que foi por estes recebida relatando todas as situações ocorridas com o AJ”.
E julgou não provado:
“f- o Réu DD é trabalhador da Ré EMP01..., Lda.”
Os apelantes impugnam o julgamento da matéria de facto assim julgada provada e não provada pela 1ª Instância, pretendendo que a prova produzida não consente que se conclua no sentido por esta decidido, mas antes impõe que:
- quanto à facticidade julgada provada no ponto 34º, se conclua pela prova do seguinte: “Em 28/05/2018 os Autores interpelaram a Ré sociedade através de cartas registadas com aviso de receção, que foram por esta recebidas”; e
- quanto à facticidade julgada provada na alínea f), que se julgue provado: “O negócio foi realizado entre Autores e a Ré EMP01.... Lda.”.
Analisados os fundamentos de recurso acabados de enunciar aduzidos pelos apelantes e cotejada a prova produzida, está em causa, por um lado, saber em que qualidade é que os Autores contactaram e foram contactados pelo Réu DD, designadamente, se esses contactos, que culminaram com a celebração do contrato de compra e venda tendo por objeto o veículo a que se reportam os autos e, bem assim, os posteriores contactos que o Autor-marido estabeleceu com esse Réu, comunicando-lhe os vícios desse veículo e o ponto da situação, e em que o último lhe deu ordens para que diligenciasse pela reparação do veículo, com a assunção da obrigação de suportar os inerentes custos, foram estabelecidos com o Réu DD, a título pessoal, e se este deu aqueles ordens ao Autor-marido nessa qualidade pessoal, ou antes em representação de terceira pessoa, nomeadamente, da  sociedade apelante EMP01..., Lda., e, por outro, quem  foi a pessoa que os Autores interpelaram mediante o envio das cartas que se encontram juntas ao processo físico a fls. 29 a 33.
Antes de avançarmos na análise destas duas questões, incumbe precisar que o tribunal ad quem nunca poderá julgar provado, conforme vem pretendido pelos apelantes, que o negócio de compra e venda do veículo automóvel “foi realizado entre Autores e a Ré EMP01.... Lda.”, uma vez que se trata de uma mera ilação/expressão puramente conclusiva e de direito e, como tal, insuscetível de ser levada ao elenco dos factos julgados provados ou não provados na sentença sob sindicância.
Posto isto, passando à análise do teor das duas cartas juntas aos autos a fls. 29 a 33, basta a sua mera leitura para se verificar que foram remetidas pelo mandatário dos Autores à sociedade apelante EMP01..., Lda. (não aos Réus CC e DD).
Nessas cartas, datadas de 28/05/2018, e que foram remetidas à sociedade apelante para duas moradas distintas, conforme decorre da simples leitura das mesmas e dos fundamentos probatórios supra já identificados e analisados, os Autores, por intermédio do seu mandatário, relatam efetivamente à Ré sociedade (apelante EMP01..., Lda.) todas as situações/vicissitudes ocorridas com o veículo ....
Acresce dizer que, no depoimento e declarações de parte que prestou em audiência final, o Autor AA referiu que, na sequência de ouvir, na oficina da EMP02..., os mecânicos dessa oficina a comentarem “parecer impossível que o carro só tivesse os quilómetros” que eram indicados no conta-quilómetros e  “apresentasse o estado” que evidenciava, ficou desconfiado quanto à real e efetiva quilometragem percorrida pelo veículo, pelo que, nessa sequência, solicitou ao IMPT a documentação relativa às inspeções a que aquele tinha sido sujeito.
Mais relatou que, recebida a documentação do IMT, constatando que o veículo, na inspeção a que fora submetido, em 27/07/2016, já apresentava 413.794 Kms., sofreu uma “desilusão total”, tendo sido aí que procurou mandatário, a fim de exercer os seus direitos contra a pessoa a quem o tinha comprado.
Mais referiu que, nessa sequência, o mandatário por si contratado elaborou as cartas de fls. 29 a 33, de que tem, e teve, conhecimento.
Ora, tendo o Autor AA contratado mandatário com o identificado fito, e tendo esse mandatário redigido o teor das cartas de fls. 29 a 33, de que deu conhecimento ao Autor AA, em que figurava no respetivo endereço como destinatário das mesmas a sociedade apelada (não os Réus CC e/ou DD a título pessoal), sem que esse facto merecesse qualquer reparo ao Autor AA, deriva do que se vem dizendo, que o destinatário que figura inscrito nessas cartas não se deveu a qualquer lapso do mandatário contratado pelo Autor, mas antes correspondeu a um comportamento que mereceu a adesão do Autor AA e que, por isso, os contactos estabelecidos com o Réu DD, na perspetiva do Autor, este concreto Réu não agia a título pessoal, mas antes em nome e em representação da sociedade apelante, EMP01..., Lda.
O que se acaba de concluir é, aliás, corroborado pela facticidade julgada provada nos pontos 4º e 6º da sentença, onde se vê que, no anúncio de venda do veículo, constava a designação “marca ...”, que era igualmente a designação que figurava no stand de automóveis, sito em ..., quando o Autor e a mulher aí se deslocarem para verem o veículo e é, sobretudo, confirmado pela facticidade julgada provada no ponto 12º, onde se vê que os Autores emitiram o cheque para pagar a parte do preço do veículo, a ser liquidada em dinheiro, à sociedade apelante EMP01..., Lda., bem como pelo teor da declaração junta ao processo físico a fls. 62 verso, que o Autor AA confirmou ter assinado, onde figura como vendedora do veículo em causa nos autos a sociedade apelante.
Deste modo, decorre do que se vem dizendo que os elementos de prova que se acabam de identificar e analisar corroboram a versão dos factos que foi apresentada pelos Réus DD e CC e, bem assim pela testemunha GG, quando sustentam que o Réu DD, agiu junto dos Autores sempre em nome e em representação da Ré sociedade, EMP01..., Lda., e nunca a título pessoal.
Avançando…
Os Réus DD e CC e, bem assim a testemunha GG, filho daqueles, foram concordantes entre si em afirmar que os primeiros foram casados entre si, vieram a divorciar-se num divórcio que não foi pacífico e que o casal, apesar de atualmente viver em união de facto, tem uma relação tumultuosa, havendo períodos em que estão separados e outros em que vivem juntos.
Mais referiram que os Réus DD e CC vivem há muitos anos da atividade de compra a venda de veículos automóveis e, bem assim que o Réu DD, assim como atualmente, a testemunha GG, são funcionários da sociedade EMP01..., Lda., sendo-o o Réu DD, desde a data da constituição desta sociedade, em 2013, de quem a Ré CC é a única sócia gerente.
Também referiram que a sociedade apelada tem seis trabalhadores ao seu serviço, a quem paga salário, entre os quais se conta o Réu DD.
E referiram que o Réu DD dispõe de plenos poderes para comprar e vender veículos em nome e em representação da sociedade apelante, detendo poderes de decisão sem que para tanto necessite de obter autorização prévia da Ré CC, única gerente e sócia da sociedade EMP01..., Lda.
Note-se que essa versão dos factos apresentada pelos Réus e pela testemunha GG mostra-se concordante com a matrícula da sociedade apelante, junta ao processo físico a fls. 22 a 23, onde se vê que esta foi constituída em 2013 e tem como única sócia e gerente a Ré CC, bem como com a prova produzida em audiência final, que é concordante entre si no sentido de que os Réus DD e CC se dedicam ao negócio de compra e venda de veículos automóveis há longos anos, fazendo-o desde a constituição da sociedade Ré, em 2013, por intermédio desta; com a marca com que a sociedade apelante se apresenta no mercado – “marca ...” -, ou seja, DD Automóveis e, bem assim, com a facticidade julgada provada nos pontos 1º, 2º e 3º da sentença recorrida e, finalmente, com as regras do normal acontecer, as quais demonstram que numa sociedade comercial, do tipo familiar, como é o caso da sociedade apelante, o gerente e os seus familiares, que exercem a sua atividade na sociedade, figuram como trabalhadores dessa sociedade, até porque, para além de terem de retirar um salário para poderem viver, a própria sociedade tem vantagens, nomeadamente, fiscais, que assim seja, por forma a apresentar despesas.
Acresce que, essa qualidade de trabalhadores da sociedade dos familiares e do sócio e gerente daquela, faz-se sobretudo sentir naquelas sociedades familiares, em que um dos cônjuges figura como único sócio e gerente da sociedade, quando esta, em termos materiais e fácticos, é explorada e gerida por ambos os cônjuges, como é claramente o caso dos aqui Réus DD e CC, em que toda a prova produzida, incluindo os depoimentos e declarações de parte prestados pelos próprios Réus e pela testemunha GG, é no sentido de que o Réu DD atua na sociedade apelante como se fosse seu efetivo gerente, comprando e vendendo veículos automóveis, ou seja, “pondo e dispondo” no seio dessa sociedade, sem que para isso precise de obter prévia autorização da sua gerente de direito, ou seja, da Ré CC. E sobretudo quanto esse casal se vem a desintegrar, num divórcio tumultuoso e apesar de, posteriormente, se ter reconciliado, continuam a manter entre si uma relação de união de facto não pacífica, em que existem períodos em que vivem como marido e mulher e, outros, separados, mas em que continuam a explorar o negócio a que sempre se dedicaram – a compra e venda de veículos automóveis, desde 2013, por intermédio da sociedade apelante, como é o caso dos Réus DD e CC.
É que numa situação como a descrita, tendo a sociedade apelante como única sócia e gerente (de direito) a Ré CC, naturalmente que a sociedade tem de pagar um salário ao Réu DD para que este, nos períodos de separação  da Ré CC, possa sobreviver, nem se antolha, à luz das regras da experiência comum, que aquele Réu não exija que lhe seja pago um salário, ficando “na mão da Ré CC” e às contingências da relação tumultuosa que com  ela mantém, sem meios de sobrevivência em caso de separação, apesar de não dispor de outra atividade que não seja comprar e vender veículos automóveis no seio da sociedade apelante desde 2013.
Daí que salvo melhor opinião, a prova produzida não permite que se conclua pela não prova da facticidade julgada não provada na alínea f), mas antes impõe que se conclua pela prova em como o Réu DD era, à data dos factos relatados em 1º a 44º da factividade julgada provada na sentença, e continua a ser atualmente, efetivamente trabalhador da Ré EMP01..., Lda. e, bem assim, que foi nessa qualidade que contactou e foi contactado pelos Autores, agindo sempre, nesses contactos, como representante da Ré sociedade e fazendo uso dos poderes representativos que a gerente daquela sociedade, a Ré CC, lhe conferiu, ainda que de modo informal.

Nesta conformidade, na parcial procedência deste fundamento de recurso:
- altera-se a facticidade julgada provada no ponto 34º da sentença, a qual passa a constar da seguinte facticidade, que se julga provada:
“34- Em 28/05/2018 os Autores interpelaram a Ré EMP01..., Lda. através de cartas registadas com aviso de receção juntas a fls. 29 a 33 dos autos, que foram por esta recebidas, relatando todas as situações ocorridas com o AJ”;
- ordena-se a eliminação dos factos não provados na sentença da facticidade nela julgada não provada na alínea f);
- adita-se ao elenco dos factos provados na sentença da seguinte facticidade, que se julga provada:
“45 - o Réu DD era, à data dos factos relatados em 1º a 44º da factividade provada, e continua a ser atualmente, trabalhador da Ré EMP01..., Lda., e foi nessa qualidade que contactou e foi contactado pelos Autores, agindo sempre, nesses contactos, como representante da Ré sociedade e fazendo uso dos poderes representativos daquela que a gerente, a Ré CC, lhe conferiu, ainda que informalmente, o que era do conhecimento dos Autores”.

B.4- Da impugnação dos factos provados nos pontos 43º e 44º e dos julgados não provados nas alíneas d) e e).
A 1ª Instância julgou provados os factos que se seguem:
“43- os Autores nunca teriam adquirido o AJ se tivessem conhecimento que o mesmo tinha mais de 400.000 Kms.”.
“44- Nem das anomalias que padecia, das quais só tiveram conhecimentos após a aquisição da viatura”.
E julgou não provada a seguinte facticidade:
“d- Os Autores tinham conhecimento do estado em que a viatura se encontrava bem como das circunstâncias de os quilómetros exibidos no conta quilómetros poderem não corresponder aos efetivamente percorridos.
e- Tendo aceite tais condicionalismos”.
Imputam os apelantes erro de julgamento ao assim decidido pela 1ª Instância, mas sem razão.
Na verdade, os Autores compraram a viatura à sociedade apelante na convicção que esta tinha 173.000 Kms. percorridos, facto esse que o Réu DD, em representação daquela sociedade, de quem era funcionário, lhes garantiu, conforme supra já se demonstrou e analisou.
Acresce que os Autores compraram aquela viatura na convicção de que esta tinha a bateria descarregada e que era essa a única razão que levava a que não entrasse em funcionamento quando era acionada a respetiva chave ignição e, bem assim, que a mesma necessitava de mudar os pneus e apresentava uma amolgadela no para-choques traseiros.
Na verdade, conforme resulta dos meios de prova acima já identificados e sobejamente analisados, estes eram os únicos vícios apresentados pela viatura que eram do conhecimento dos apelados (Autores) e que estes aceitaram quando a compraram à sociedade apelante.
Os Autores desconheciam que a viatura apresentava unidades eletrónicas adulteradas e avarias no sistema eletrónico junto ao guarda-lamas, vícios esses que determinavam que aquela, quando não se encontrava em funcionamento, descarregasse a bateria, conforme também acima já se demonstrou.
Os Autores também desconheciam a real quilometragem percorrida por essa viatura.
Daí que os Autores jamais aceitaram ou podiam aceitar esses vícios, até porque, reafirma-se, desconheciam da sua existência, uma vez que, conforme resulta dos elementos de prova acima enunciados e analisados, esses vícios apenas foram detetados e colmatados na sequência do aturado diagnóstico realizado à viatura na EMP02... e da dispendiosa reparação a que aí foi submetida.  E a real quilometragem percorrida por essa viatura apenas veio a ser detetada pelos Autores na sequência da receção pelos mesmos da documentação que solicitaram ao IMT quanto às inspeções a que aquela fora submetida.
Termos em que, sem mais, por desnecessárias, considerações, na improcedência deste fundamento de recurso, mantém-se inalterados os pontos 43º e 44º dos factos julgados provados na sentença e as alíneas d) e e) da facticidade nela julgada não provada.

B- Do mérito.
Com exceção das questões que infra se analisarão, os apelantes pedem que a ação seja julgada totalmente improcede quanto à apelante EMP01..., Lda. e que se absolva a mesma do pedido no pressuposto que a impugnação do julgamento da matéria de facto que operaram viesse a ter êxito.
Com efeito, compulsadas as alegações de recurso, verifica-se que os apelantes não assacam qualquer erro às normas jurídicas que foram selecionadas pelo tribunal a quo, nem à interpretação que este fez dessas mesmas normas jurídicas e/ou quanto à aplicação que delas fez aos factos que se quedaram como provados e não provados nos autos em relação à apelante sociedade, mas limitam-se a invocar os erros de direito que imputam à sentença recorrida no pressuposto que a impugnação do julgamento da matéria de facto que operaram viesse a proceder.
Neste sentido, lê-se nas alegações de recurso o seguinte: “Face ao exposto, havendo alteração da matéria de facto, a decisão de Direito terá que ser alterada, designadamente com a improcedência dos pedidos e absolvição dos Réus. Não se tendo provado, a prévia comunicação dos defeitos antes da sua reparação, o pagamento do valor que é peticionado pelas reparações efetuadas terá que improceder. O mesmo acontece no que se refere à privação do uso do veículo e os danos morais alegadamente sofridos, já que os mesmos se encontram essencialmente fundamentados no alegado comportamento dos Réus”.
Ora, tendo improcedido, em parte, a impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelas apelantes, sendo que na parte em que essa impugnação procedeu, as alterações introduzida pelo tribunal ad quem à facticidade julgada provada e não provada pela 1ª Instância nenhum reflexo é suscetível de ter na solução jurídica dada na sentença recorrida que culminou com a condenação da Ré EMP01..., Lda. a satisfazer as prestações que nela se encontram especificadas na respetiva parte dispositiva, com exceção das questões que infra se tratarão, julga-se prejudicado o conhecimento dos erros de direito assacados pelos apelantes à decisão de mérito proferida na sentença quanto à Ré sociedade.

B.1- Da condenação do Réu DD
Está em causa nos autos um contrato de compra e venda celebrado em 08 de fevereiro de 2018, mediante o qual os Autores compraram ao alienante um veículo automóvel da marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-AJ-.., com 173.000 Kms., pelo preço de 15.500,00 euros, em que esse veículo apresentava várias desconformidades, que se traduziam na circunstância de ter percorrido uma quilometragem, à data em que foi entregue aos Autores,  muito superior à que lhes foi anunciada e que o conta quilómetros sinalizava e que lhes foi garantida pelo alienante à data da entrega desse veículo e, bem assim, apresentar diversas unidades eletrónicas que não pertenciam àquele modelo de veículo e ter a instalação elétrica, junto ao guarda lamas dianteiro esquerdo, danificada, o que fazia com que o veículo comprado descarregasse a bateria quando não se encontrava em funcionamento.
Esta pequena descrição sobre os termos do presente litígio remete-nos para o regime da compra e venda de coisas defeituosas, inscrito nos arts. 913º a 822º do CC e, sobretudo para o regime aplicável aos contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores, previsto, à data da celebração daquele contrato, sendo, portanto, o regime aplicável a essa concreta relação contratual, tal como, aliás, foi bem decidido pela 1ª Instância, o do D.L. n.º 67/2003, de 08/04, diploma  este que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 1994/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de maio, sobre certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, com vista a assegurar a proteção dos interesses dos consumidores (art. 1º, do DL. n.º 67/2003).
Nas negociações que precederam a celebração daquele contrato de compra e venda, no momento da celebração deste e, posteriormente, na sequência das desconformidades apresentadas pelo veículo comprado, os Autores (compradores) sempre contactaram com o apelante (Réu) DD, pessoa que foi  também quem o Autor-marido contactou, dando-lhe conta que, apesar de ter substituído a bateria do veículo comprado por uma bateria nova, esse veículo continuava a não funcionar, e pedindo-lhe para que resolvesse o problema e que, nessa sequência, instruiu o Autor para que escolhesse uma oficina em que a viatura pudesse ser reparada e que, uma vez a mesma efetuada, suportaria o pagamento desse valor (cfr. pontos 19º a 21º dos factos apurados).
Acresce que o Réu DD foi também a pessoa que veio, posteriormente, a ser novamente contactado pelo Autor, informando-o que, apesar de ter procedido conforme as instruções que dele recebera, conduzindo o veículo a uma oficina, a fim de ser reparado – a EMP03..., Lda. -, e da intervenção nele foi efetuada por essa oficina, os problemas do veículo persistiam e que a única solução era transportá-lo para a concessionária da marca, em ..., e que acabou por concordar com essa sugestão (cfr. pontos 21º a 24º dos factos apurados).
A 1ª Instância considerou que o contrato de compra e venda tendo por objeto o identificado veículo automóvel foi celebrado entre os apelados (Autores), na qualidade de compradores, e pelos apelantes (Réus) EMP01..., Lda. e DD, enquanto vendedores e, em consequência, condenou solidariamente os últimos na redução do preço do veículo pago pelos apelados e, bem assim, nas indemnizações que se encontram discriminadas na parte dispositiva da sentença, decisão esta com a qual não se conformam os apelantes, sustentando que o apelante DD interveio nas negociações e na celebração daquele contrato, enquanto representante da apelante sociedade, e não a título pessoal e, antecipe-se, desde já, com razão.
Com efeito, apurou-se que o apelante DD, à data da celebração do contrato de compra e venda com os apelados (Autores), era trabalhador da apelante EMP01..., Lda., e foi nessa qualidade que contactou e foi contactado pelos apelados, agindo sempre, nesses contatos, assumindo-se como representante dessa sociedade e fazendo uso dos poderes representativos que a gerente da mesma, a Ré CC, lhe conferiu, ainda que informalmente, o que era do conhecimento dos Autores (cfr. ponto 45º dos factos apurados).
Daí que, quer nas negociações que precederam a celebração do contrato de compra e venda tendo por objeto o veículo automóvel estabelecidas com os apelados, enquanto compradores, quer aquando da celebração desse contrato, quer nos contactos que o apelado marido estabeleceu com aquele, na sequência das desconformidades apresentadas pelo veículo e as ordens que este deu ao apelado-marido e as obrigações que então assumiu, o apelante DD atuou sempre na qualidade de trabalhador da apelante sociedade, e no uso dos poderes representativos dessa sociedade, sua entidade empregadora, facto que era do conhecimento dos apelados (apelados), pelo que os efeitos jurídicos decorrentes daquela sua atuação não se projetaram na sua esfera jurídica pessoal, mas antes na da sua entidade empregadora, ou seja, na da sociedade apelante.
Como tal, atento o princípio da relatividade dos contratos, o apelante DD, na medida em que não interveio naquele contrato de compra e venda na qualidade de vendedor, mas sim a apelante sociedade, tem de ser absolvido do pedido.
Decorre do que se vem dizendo que, na procedência deste fundamento de recurso, impõe-se revogar a sentença recorrida no que tange à condenação do Réu HH e, em consequência, julgar improcedente a ação quanto ao mesmo e absolvê-lo do pedido.

B.3- Da cognoscibilidade pelos apelados das desconformidades apresentadas pela viatura comprada, à data em que esta lhes foi entregue pelo vendedor.
A apelante sociedade imputa à sentença recorrida erro de direito quando a condena na redução do preço do veículo que vendeu aos apelados e, bem assim, a pagar-lhes as quantias que se encontram discriminadas na sua parte dispositiva, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, advogando que os defeitos apresentados pelo veículo podiam ser conhecidos pelos apelados, no momento da compra do veículo, caso tivessem usado de uma normal diligência no exame/verificação dessa viatura.
Vejamos se lhe assiste razão.
Precise-se que, para efeitos de aplicação do D.L. n.º 67/2003, de 08/04, é «consumidor» aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não pessoal, por pessoa que exerça com caráter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios; «bens de consumo» é qualquer bem imóvel ou móvel corpóreo, incluindo bens em segunda mão; e «vendedor» é qualquer pessoa singular ou coletiva que, ao abrigo de um contrato, vende bens de consumo no âmbito da sua atividade profissional (art. 1º-B).
O vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda (art. 2º, n.º 2 do DL. n.º 67/2003).
Presume-se que os bens de consumo não são conformes com o contrato quando não correspondam à descrição que deles é feita pelo vendedor, não forem adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor, ou às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo, ou quando não apresentam as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar (art. 2º, n.º 2 do mesmo DL).
Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito: a que a conformidade seja reposta sem encargos, por meio de reparação, ou de substituição, à redução do preço, ou à resolução do contrato (art. 4º, n.º 1 do mesmo diploma).
Porém, nos termos do n.º 3, do art. 2º, daquele diploma, não se considera existir falta de conformidade se, no momento em que for celebrado o contrato, o consumidor tiver conhecimento dessa falta ou não puder razoavelmente ignorá-la.
No caso dos autos, as desconformidades apresentadas pelo veículo comprado pelos apelados à apelante sociedade em relação ao contrato, prendem-se, por um lado, com a circunstância desse veículo ter sido anunciado ao público em geral encontrar-se à venda com 173.000 Kms. (cfr. ponto 4º dos factos apurados) e de, nas negociações estabelecidas entre os apelados que culminaram na celebração desse contrato, o Réu NN, empregado da sociedade apelada, em representação desta vendedora, ter confirmado aos Autores (compradores) que os 173.000 Kms. que a viatura exibia no seu conta quilómetros correspondia aos quilómetros que por ele tinham sido efetivamente percorridos, quando assim não era, porquanto, em 27/07/2016, esse veículo já tinha percorrido 413.974 Kms. (cfr. pontos 4º, 7º e 32º dos factos apurados), e, por outro, por este descarregar a bateria quando não se encontrava em funcionamento, devido ao facto de ter instaladas diversas unidades eletrónicas que não pertenciam àquele modelo de veículo e de ter a instalação elétrica danificada junto ao guarda lamas dianteiro esquerdo (cfr. pontos 19º a 28º dos factos apurados).
Note-se que, contrariamente ao pretendido pelos apelantes, nenhuma das apontadas desconformidades eram detetáveis aos apelantes, por mais diligentes e peritos que fossem em matéria relacionada com veículos automóveis (que manifestamente não eram, mas antes normais consumidores), no momento em que compraram esse concreto veículo à sociedade apelante.
Na verdade, os vícios do veículo que provocavam o descarregamento da bateria, não foram detetados numa primeira oficina e apenas vieram a ser detetadas na EMP02..., pelos técnicos desta oficina, após a desmontagem das componentes elétricas e eletrónicas daquele (cfr. pontos 22º, 24º, 25º, 27º e 28º dos factos apurados), o que é bem demonstrativo estar-se na presença de vícios ocultos, não detetáveis pelos normais consumidores, por mais diligentes que fossem na verificação do veículo no momento da respetiva compra.
Por sua vez, a desconformidade da quilometragem efetivamente percorrida pelo veículo em relação àquela que foi anunciada e garantida aos apelados pelo representante da vendedora, aquando das negociações que culminaram na celebração do contrato de compra e venda e que era a exibia pelo conta quilómetros desse veículo na altura dessa compra e venda, apenas veio a ser detetada pelos apelados (Autores), na sequência do recebimento pelos últimos da documentação que o apelado-marido requereu ao IMT, relativa ao registo das inspeções a que esse veículo tinha sido submetido (cfr. pontos 30º e 31º dos factos apurados), tratando-se, por isso, igualmente, de vício oculto.
Por conseguinte, em face do exposto, improcede este fundamento de recurso.
  
B.4- Da indemnização pela privação do uso do veículo
A 1ª Instância condenou a apelante sociedade a pagar aos apelados a quantia de 1.800,00 euros, a título de danos resultantes da privação do uso da viatura que lhes vendeu, e alicerçou essa condenação nas seguintes considerações fáctico-jurídicas:
“Pretendem os autores ser indemnizados no montante de 3.600 €, pelo período de tempo que estiveram impedidos de utilizar o AJ e que mediou entre 08/02/2018 e 20/06/2018, altura em que foi entregue aos autores.
E, em abono da verdade se diga que os autores, em nenhum momento, tiveram a disponibilidade da viatura pois que, no dia seguinte à sua aquisição, já não funcionava e, a partir desse momento, encetou um calvário com vista à sua reparação.
Provou-se que, não obstante os autores terem uma outra viatura que podiam utilizar, a mesma era utilizada pela autora para as suas tarefas pessoais e profissionais.
A dinâmica do agregado familiar os autores, exige a disponibilidade de duas viaturas, razão pela qual tiveram de pedir um veículo emprestado bem como a recorrer a boleias de amigos e familiares para as suas deslocações.
«A privação do uso de um bem é suscetível de constituir, por si, um dano patrimonial, visto que se traduz na lesão do direito real de propriedade correspondente, assente na exclusão de uma das faculdades que, de acordo com o preceituado no artigo 1305º do Código Civil, é lícito ao proprietário gozar, i.e., o uso e fruição da coisa.
A supressão dessa faculdade, impedindo o proprietário de extrair do bem, todas as suas utilidades, constitui, juridicamente, um dano que tem uma expressão pecuniária e que, como tal, deverá ser passível de reparação.
A privação do uso de um veículo automóvel, desde que resulte provado que era efetivamente utilizado, constitui só por si, um dano patrimonial indemnizável, devendo recorrer-se à equidade, nos termos do disposto no art. 566º, nº 3 do C.Civil para fixar o valor da respetiva indemnização.
O dano ressarcível é precisamente a indisponibilidade do bem, qualquer que fosse a atividade (lucrativa, benemérita ou de simples lazer) a que o veículo estava afeto e o mesmo não se anula pela utilização de um outro veículo, o qual apenas proporciona a utilidade inerente à deslocação que, nele, é correspondentemente efetuada.» - cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/12/2019, proferido no Proc. 3088/19.7YRLSB-2 e disponível em www.dgsi.pt
Os autores ficaram privados de usar e dispor da viatura que adquiriram, o que se prolongou por mais de cerca de 4 meses e meio; período durante o qual tiveram de recorrer a carros de amigos a título de empréstimo, bem como a boleias e favores.
Inexistindo uma quantificação concreta do prejuízo, há que fixar o valor indemnizatório com recurso à equidade, nos termos do art. 566º, n.º 3, do Cód. Civil.
Para este efeito, pode tomar-se como ponto de referência, por exemplo, a quantia necessária para o aluguer de um bem de características semelhantes, devendo realizar-se em abstrato uma ponderação global das várias situações por forma a chegar-se a um valor concreto, nomeadamente que tal valor deve ser sempre tomado como simples referência e não em termos absolutos, que deve do mesmo ser excluída a normal taxa de lucro obtida por estas entidades, por forma a evitar-se um benefício injustificado por parte do lesado, tendo-se sempre presente o uso concreto que o lesado fazia do veículo em causa.
Assim, e à mingua de outros elementos, e considerando que, apesar de tudo o agregado familiar os autores continuou a dispor de uma outra viatura, com recurso à equidade, afigura-se ser razoável atribuir aos autores o quantitativo de 15 € diário, desde a data da celebração do negócio, devendo os réus assumirem a responsabilidade por esse dano que os autores sofreram, de privação do uso do veículo, não integralmente compensado com a utilização de um outro veículo, o que perfaz o montante de 1.800 €”.
Imputam os apelantes erro de direito ao assim decidido, advogando que da facticidade julgada provada na sentença “não resulta qualquer atuação culposa por parte dos apelantes, nem que” os apelados lhe tivessem solicitado que lhes disponibilizasse um veículo para usarem enquanto estivessem privados do seu.
No caso dos autos, a apelante sociedade vendeu aos apelados um veículo defeituoso,  com peças adulteradas e avariadas, que faziam com que esse veículo descarregasse a bateria quando não se encontrava em funcionamento.
Acresce que, a apelante vendeu aos apelados o dito veículo com uma quilometragem muito superior àquela que foi por si anunciada quando publicitou que esse veículo se encontrava à venda, sendo a quilometragem por ela anunciada a que era exibida pelo conta quilómetros do veículo quando este foi comprado pelos apelados e também a que foi garantida pelo representante da apelante sociedade (vendedora) aos apelados (compradores) como sendo os quilómetros que tinham sido efetivamente percorridos por esse veículo no momento da compra.
Ao assim agir, a apelante sociedade incorreu em incumprimento contratual, na medida em que cumpriu defeituosamente a obrigação contratual a que se vinculou e, portanto, incorreu num ilícito contratual, pelo que, nos termos do disposto no n.º 1, do art. 799º do CC, presume-se que esse seu ilícito contratual lhe é imputável a título de culpa.
Ou seja, feita pelo credor (os Autores) a prova do ilícito contratual, recai sobre a apelada sociedade (devedora) o ónus da prova em como esse ilícito não lhe é imputável a título de culpa, isto é, que não merece ser-lhe censurado ético-juridicamente[6].
Ora, não tendo a apelada sociedade ilidido essa presunção de culpa, nos termos do disposto no art. 799º do CC, aquela é responsável pelo prejuízo que causou aos apelados ao privá-los do uso da viatura que lhes vendeu durante o período de tempo que demandou a respetiva reparação, estando obrigada a indemnizá-los por esse prejuízo, independentemente destes lhe terem solicitado que a mesma lhes disponibilizasse um veículo de substituição, já que não era sobre os apelados que recaía o ónus de fazer esse pedido à apelante sociedade, mas antes era à última que, sabendo-os privados do uso do veículo que lhes vendera devido ao seu ilícito contratual, incumbia a obrigação de lhes oferecer uma viatura de substituição, por forma a limitar o prejuízo que lhes causou ilícita e culposamente.
Improcedem, pois, estes fundamentos de recurso.
Subsidiariamente, sustentam os apelantes que a quantia diária de 15,00 euros, arbitrada aos apelados, a título de indemnização pela privação do uso do veículo, se revela excessiva e, sem adiantarem qualquer fundamento para tal, pretendem que se reduza essa indemnização para um quantitativo máximo diário de 10,00 euros.
O veículo de cujo uso diário os apelados se viram privados e de que tinha efetiva necessidade de o usaram, tanto assim que tiveram de pedir um veículo emprestado, é uma viatura de marca ..., modelo ..., e, portanto, um veículo de elevada cilindrada, que demandou aos apelados o dispêndio da módica quantia de 15.500 euros, para a sua aquisição à apelante sociedade, em segunda mão.
Daí que basta atentar no custo do aluguer diário de uma viatura de características semelhantes àquela de cujo uso os apelados foram, ilícita e culposamente, privados pela apelante sociedade (vendedora), para se constatar que a indemnização diária de 15,00 euros, fixada pela 1ª Instância, por recurso à equidade, não pode ser tida como desproporcionada ou excessiva.
Improcede igualmente este fundamento de recurso.

B.5- Da compensação por danos morais.
O tribunal a quo condenou a apelante sociedade a pagar a cada um dos apelados a quantia de quinhentos euros, a título e compensação pelos danos não patrimoniais sofridos.
Imputa a apelante erro de direito ao assim decidido, advogando não resultar da facticidade provada na sentença qualquer conduta ilícita e culposa daquela causadora de danos morais aos apelados, mas sem manifesto arrimo fáctico-jurídico.
Com efeito, em consequência de ter incorrido no incumprimento contratual acima já identificado, a apelante sociedade incorreu numa conduta ilícita, porque violadora do contrato que celebrou com os apelados e presuntivamente culposa.
Dessa conduta ilícita e culposa emergiram para os apelantes os concretos danos não patrimoniais, porque lesivos dos direitos de personalidade destes, que se encontram especificados nos pontos 40º, 41º e 42º da facticidade apurada, cuja gravidade, nos termos do n.º 1, do art. 496º do CC, merecem a tutela do direito e, portanto, demanda a respetiva compensabilidade aos apelados.
Improcede, pois, igualmente, este fundamento de recurso.
Decorre do que se vem dizendo que, na parcial procedência da presente apelação, impõe-se determinar a introdução das alterações acima identificadas à facticidade julgada provada e não provada na sentença recorrida, impondo-se revogar essa sentença quanto ao apelante DD, julgando-se improcedente a ação quanto ao mesmo e absolvê-lo do pedido, confirmando-se, no mais, a sentença recorrida.
*
Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).
1- As declarações de parte e o depoimento de parte sem valor confessório encontram-se submetidos ao princípio geral de livre apreciação da prova (art. 466º, n.º 3 do CPC), pelo que, sem prejuízo das cautelas acrescidas que devem ser adotadas pelo julgador, essas declarações e depoimento podem de per se sustentar a prova dessa versão fáctica firmada pelo declarante ou depoente, ainda que a mesma não seja corroborada por outros elementos de prova.
2- Tendo os Autores, em 08/02/2018, comprado um veículo automóvel para seu uso pessoal a uma sociedade comercial que se dedica à compra e venda de veículos a título profissional, vindo a verificar-se que esse veículo, quando não se encontrava em funcionamento, descarregava a bateria e, bem assim, que os quilómetros que tinham sido anunciados pela vendedora quando o pôs à venda, e que esta garantiu aos Autores ser a que tinha sido efetivamente percorrida pelo veículo quando celebraram o contrato, e que era também a quilometragem que então era indicada no seu conta quilómetros, não correspondia aos quilómetros efetivamente por ele percorridos, ocorre desconformidade do veículo em relação ao contrato para efeitos do D.L. n.º 67/2003, de 08/04 (art. 2º, n.ºs 2 e 3), porquanto, o veículo não apresenta as qualidades que o vendedor descreveu ao comprador (quanto aos quilómetros), nem satisfaz a utilização habitual dada aos bens do mesmo tipo (o veículo comprado não circula porque descarrega a bateria quando não está em funcionamento).
3- Essas desconformidades conferem ao comprador o direito: i) a que o vendedor lhe repare o veículo, sem custos adicionais; ii) lhe substitua o veículo, também sem custos adicionais; iii) reduza o preço; ou v) a resolver o contrato de compra e venda, tudo acrescido de indemnização pelos prejuízos sofridos nos termos gerais.
4- Tendo os Autores provado as desconformidades referidas em 2), fica demonstrado que a Ré (vendedora) agiu ilícita (ilícito contratual) e culposamente (art. 799º, n.º 1 do CC), pelo que é sobre esta (não sobre os Autores) que impende o ónus da alegação e da prova de facticidade de onde decorra que aquelas desconformidades não lhe podem ser assacadas a título de censura ético-jurídica.
5- A atribuição de indemnização pela privação do uso do veículo, durante o período de tempo em que os Autores dele estiveram privado, a fim de ser reparado, por via daquelas desconformidades, apenas depende de alegação e prova por parte destes de facticidade da qual decorra que tinham uma efetiva necessidade de utilizarem esse veículo.
6- Essa indemnização não é excluída pelo facto de os Autores não terem alegado e provado terem solicitado um veículo de substituição à Ré (vendedora), uma vez que não recai sobre os primeiros o ónus de fazerem esse pedido à Ré, mas antes é sobre esta que recai a obrigação de lhes oferecer um veículo de substituição, de modo a limitar os prejuízos que lhes possa causar, por via da sua conduta ilícita e culposa, ao ter-lhes vendido um veículo defeituoso.
*
IV- Decisão:

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a presente apelação parcialmente procedente e, em consequência:
a) introduzem as alterações acima discriminadas à facticidade julgada provada e não provada na sentença recorrida;
b) revogam a sentença recorrida no que tange à condenação do Réu HH e, em consequência, julgam improcedente a presente ação quanto ao Réu DD e absolvem-no do pedido;
c) no mais, confirmam a sentença recorrida.
*
Custas da ação e da apelação pelos Autores e pela Ré EMP01..., Lda. na proporção do respetivo decaimento (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
*
            Notifique.
*
Guimarães, 09 de novembro de 2023

José Alberto Moreira Dias – Relator
Lígia Paula Venade – 1ª Adjunta
José Carlos Pereira Duarte – 2º Adjunto--


[1] Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”. Vol. II, 2015, Almedina, págs. 395 e 396.
[2] Ac. RG. de 01/06/2017, Proc. 1227/15.6T8BGC.C1, in base de dados da DGSI, onde constam todos os acórdãos que se venha a citar, sem menção em contrário.
[3] Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, págs. 153 e 290; Acs. R.G., de 29/10/2020, Proc. 2163/17.7T8VCT.G1; de 28/09/2023, Proc. 3343/19.6T8VNF-F.G1, este relatado pela aqui 1ª adjunta.
[4]Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e Reapreciação Sobre a Matéria de Facto”, in “Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, vol. IV, pág. 609.
[5] Sobre esta problemática, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil”, vol. I, 2ª ed., Almedina, pág. 552.
[6] Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. II, Coimbra Editora, pág. 55.