Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ISILDA PINHO | ||
Descritores: | PENAS DE SUBSTITUIÇÃO PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 10/22/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | SECÇÃO PENAL | ||
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Sumário: | I. Em termos de hierarquia legal das penas de substituição, o Código Penal apenas estabelece um critério de preferência pelas penas não detentivas, por não implicarem a privação da liberdade do arguido, ao dispor, no artigo 45º, que a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável. II. Significa isto que o tribunal deve apurar, em concreto, entre as várias penas de substituição aplicáveis ao caso, a que melhor e da forma mais adequada realiza as exigências de prevenção especial de socialização que se façam sentir, dando preferência a uma que não seja privativa da liberdade. III. A escolha entre a pena de prisão e a pena alternativa de multa ou a substituição daquela por qualquer uma das penas de substituição depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial, sendo este o único critério a atender: o da prevenção. IV. A par da sua conhecida vertente positiva, a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade também mantém uma função dissuasora em tudo semelhante à da pena de multa, prevendo o legislador, no artigo 59.º, n.º2, do Código Penal, a possibilidade da sua revogação e o correspondente cumprimento da pena de prisão determinada na sentença [pena principal], se, designadamente, o condenado vier a cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade não puderam, por meio dela ser alcançadas. V. O que decorre da evolução legislativa do instituto da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, com o sucessivo alargamento como pena de substituição até aos atuais dois anos de prisão, é que o legislador não quis atribuir a tal pena menor relevância do que aquela que atribui à pena de multa. [sumário elaborado pela relatora] | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordaram, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I- RELATÓRIO I.1 No âmbito do processo comum singular n.º 26/22.... que corre termos pelo Juízo de Competência Genérica da ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, em 14 de março de 2024, foi proferida sentença condenatória, com o seguinte dispositivo [transcrição]: “(…) Condeno o arguido AA pela prática de um crime de furto, previsto e punido no art.º 203.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão que substituo por cento e vinte dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros) que autorizo seja paga em dez prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se, a primeira, dez dias após trânsito e, as restantes, em igual dia dos meses seguintes. (…)”. I.2 Recurso da decisão Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido para este Tribunal da Relação, com os fundamentos expressos na respetiva motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões [transcrição]: “(…) 1. O arguido AA foi condenado, como autor material de um crime de furto, previsto e punido pelo art. 203º, nº1 do CP, na pena de 4 (quatro) meses de prisão, subsitituída por cento e vinte dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), que autorizou que pagasse em 10 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira, dez dias após trânsito e, as restantes, em igual dia dos meses subsequentes. 2. Porém, atendendo à prova produzida em sede de audiência de julgamento, o arguido/recorrente entende que se imporia decisão diferente, mormente a pena de 4 meses de prisão, em que foi condenado, deveria ser substituída por trabalho a favor da comunidade. 3. Ora, nos termos do artigo 58.º, n.º 1, do Código Penal a substituição da pena de prisão não superior a 2 anos por prestação de trabalho a favor da comunidade deve ocorrer sempre que o Tribunal concluir, «nomeadamente em razão da idade do condenado, que se realizam, por este meio, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição». 4. No nosso humilde entendimento, estão reunidos todos os requisitos para a substituição da pena de prisão por pena de trabalho a favor da comunidade, prestando desde já o arguido, o seu acordo à mesma. 5. Por outro lado, tendo por base a própria fundamentação da douta decisão/recorrida, donde se extrai que há razões para a substituição da pena de prisão por pena de multa, é forçoso concluir que caso tal pena fosse substituída por trabalho a favor da comunidade o mesmo seria igualmente, ou mais, penalizado do que com o regime em que foi condenado. 6. E seria mais penalizado (ou castigado e/ou punido), porquanto o mesmo para além de continuar a trabalhar e a fazer a sua vida normal, teria, ainda, de publicamente e perante todos quantos o conhecem, de executar tarefas a favor da comunidade, as quais forçosamente seriam do conhecimento público, situação que obrigatoriamente iria ter um conteúdo mais punitivo e mais pedagógico para o arguido, fazendo-o, assim, interiorizar a sua conduta criminosa, sem o limitar no exercício da sua actividade diária. (veja-se neste sentido o Ac. TRE de Proc. n.º 180/11.0GEALR.E1, de 04/07/2015, in www.dgsi.pt). 7. Pelo que, como se referiu supra, da conjugação de todos os factores já descritos e dos demais elementos probatórios constantes dos autos, donde resulta que o arguido/recorrente tem 53 anos, está bem inserido socialmente, da última condenação ter sido por factos praticados em 2014, ou seja, há cerca de 10 anos, deve ainda ponderar-se o seu estado de saúde (nomeadamente Síndrome Parkinsonico, com queixas cognitivas mnésicas), bem como os parcos rendimentos que tem, mormente o facto de não receber subsídio de desemprego ou de qualquer outra espécie, viver com a ajuda do pai, tendo despesas de saúde. 8. Verificando-se, assim, da análise de todos estas factores, sem margens para quaisquer dúvidas, de que estão preenchidos os requisitos estabelecidos no n.º 1, do artigo 58º, do Código Penal, mormente os atinentes à personalidade do agente, às suas condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias da prática do crime, bem como está preenchido o requisito de que a substituição da execução da pena de 4 meses de prisão por trabalho a favor da comunidade, não será recebida ou sentida pela comunidade como sendo uma situação de impunidade, antes pelo contrário. 9. Sendo, assim, certo e seguro, da conjugação dos aspectos sociais, familiares e económicos que se acabou de referir, concluir, sem margens para dúvidas, que o cumprimento da aludida pena de prisão através de trabalho a favor da comunidade é mais do que suficiente para realizar as finalidades da punição que o caso vertente carece e exige. Pelo exposto, deverá a referida pena de 4 meses de prisão, em que foi o arguido/recorrente condenado, substituída por 120 dias de multa, ser substituída antes por trabalho a favor da comunidade, ainda que sujeita a regras de conduta, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 58º, n.º 1, do Código Penal.”. I.3 Resposta ao recurso Efetuada a legal notificação, a Ex.mª Sr.ª Procuradora da República junto da 1.ª instância respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela sua improcedência, apresentando as seguintes conclusões [transcrição]: “(…) 1. A sentença proferida pelo Tribunal a quo condenou o arguido pela prática de um crime de furto simples, p. e p. no artº 203º, nº1 do Código Penal, na pena de quatro meses de prisão, substituída por 120 dias de multa à taxa diária de €5,00, no montante global de €600,00 (Seiscentos euros). 2. O Tribunal aplicou ao arguido, a pena de prisão e substituiu a mesma por pena de multa, segundo critérios lógicos, que respeitam as finalidades da punição. 3. O grau de culpa, a intensidade do dolo e a ilicitude dos factos, bem como os antecedentes criminais do arguido, jamais levariam a que o Tribunal, substituísse a pena de prisão por trabalho a favor da comunidade. 4. O Tribunal conjugou de forma adequada e ponderada todos os fatores que depunham a favor e militavam contra o arguido e que influíam na medida da pena. 5. Nunca a pena de prisão, poderia ser substituída por trabalho a favor da comunidade e sujeita a regras de conduta. 6. A pena aplicada é justa, proporcional e adequada. 7. Pelo que a douta sentença recorrida não nos merece qualquer reparo. 8. Deve como tal, ser mantida nos seus precisos termos. TERMOS EM QUE deverá ser negado provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e em consequência ser mantida a douta sentença recorrida nos seus precisos termos (…)” I.4 Parecer do Ministério Público Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, finalizado com a seguinte conclusão [transcrição]: “(…) Somos de parecer que o recurso do arguido deverá ser julgado improvido, mantendo-se, consequentemente, a decisão condenatória na parte impugnada, o mesmo é dizer, mantendo-se a substituição da pena de 4 meses de prisão substituídos por 120 dias de multa, porquanto a pretendida substituição da sobredita pena de prisão por trabalho a favor da comunidade e à qual o recorrente não deu precedentemente o seu consentimento – n.º5 do art.º 58 do CPenal, não satisfaz adequada e suficientemente as finalidades da punição, como exige o art.º 48, n.º1 do CPenal, porquanto sendo vários os antecedentes criminais do recorrente e reincidindo na sua natureza, deu-se ainda como assente que ele não trabalha, possuindo problemas de saúde gravosos - síndrome parkinsónica, amnésias e depressão -, tornando quase impraticável a sua execução. (…)”. I.5. Resposta Dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foi apresentada pelo arguido resposta ao sobredito parecer, reafirmando a posição por si expressa em sede recursiva. I.6. Concluído o exame preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal. Cumpre, agora, apreciar e decidir: II- FUNDAMENTAÇÃO II.1- Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso: Conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal, bem como da jurisprudência pacífica e constante [designadamente, do STJ[1]], são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do Código de Processo Penal[2]. Assim, face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso interposto nestes autos, a única questão a apreciar e decidir reconduz-se em saber se a pena de prisão aplicada ao arguido, substituída por uma pena de multa, deverá, ou não, ser antes substituída por uma pena de prestação de trabalho a favor da comunidade. II.2- Da decisão recorrida [transcrição dos segmentos relevantes para apreciar as questões objeto de recurso]: “ (…) II. FUNDAMENTAÇÃO 1. OS FACTOS PROVADOS Com interesse para a decisão, ficaram provados os seguintes factos: 1. No dia 11 de novembro de 2021, pelas 15H29, o arguido AA conduzindo o veículo da marca ...”, modelo ..., de cor ..., com a matrícula francesa ....5MD, dirigiu-se ao posto de abastecimento de combustíveis do Hipermercado ...”, sito em ..., ..., do qual é gerente de BB. 2. De seguida o arguido AA abasteceu um jerricã e o depósito do referido veículo de gasolina 95, num total de 33,88 LT, no valor global de € 56,85 (Cinquenta e seis euros e oitenta e cinco cêntimos). 3. Por fim, o arguido AA abandonou o local, sem que tivesse efetuado o respetivo pagamento do combustível, que abasteceu no depósito do automóvel e jerricã e que levou consigo. 4. Com o comportamento descrito, o arguido AA atuou com o propósito concretizado de retirar e fazer sua a gasolina acima descrita, bem sabendo que não podia fazê-lo por a mesma não lhe pertencer e que agia contra a vontade do seu dono. 5. O arguido AA agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. 6. O arguido AA celebrou a cordo com a demandante assumindo a obrigação de lhe pagar a quantia de € 120,00, em dez dias, a contar de 27.03.2023. 7. O arguido exerceu funções de motorista; não recebe subsídio de desempregou ou de qualquer outra espécie; vive com a ajuda do pai; tem uma filha com 30 anos, já autónoma financeiramente; vive na casa que pertence à família por falecimento da mãe; completou o 12º ano de escolaridade; apresenta problemas de saúde, nomeadamente Síndrome Parkinsonico, com queixas cognitivas mnésicas; excesso de consumo alcoólico; epilepsia focal e um quadro depressivo; tem despesas com a saúde, em valor não apurado. 8. O arguido AA tem antecedentes criminais, tendo já sido várias vezes condenado pela prática de crimes de furto, burla, emissão de cheque sem provisão, falsificação de documento, coação e posse de arma proibida, quase todos eles praticados entre 1996 e 2009, sendo que entre 2003 e 2006 cumpriu pena de prisão efetiva de 3 anos e oito meses; mais recentemente, praticou um crime de dano em 2009, tendo sido condenado em pena de multa, que pagou, e um crime de burla simples associado a um crime de falsificação, ambos praticados em 2014, tendo sido condenado na pena única de um ano e quatro meses de prisão, suspensa na sua execução, já declarada extinta por decisão de 2020. (…) 4. O DIREITO (…) 4.2. O referido crime é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias. Dispõe o art. 70 do C. Penal que, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Este princípio essencial adquire ainda mais acuidade quando estão em causa penas relativamente curtas de prisão, como acontece no caso presente, dados os conhecidos riscos (de natureza criminógena, inclusive) decorrentes da aplicação deste tipo de penas detentivas. A escolha da pena deve, por isso, obedecer, nos termos do artº 40º do C.P., a finalidades de prevenção geral positiva ou de integração, enquanto proteção de bens jurídicos, e a finalidades de prevenção especial de socialização referidas à reintegração do agente na comunidade. Quanto à prevenção geral positiva (ou de integração), sempre que o tribunal aplica uma pena tem por fim restaurar a confiança que a comunidade deve ter naquela determinada norma que foi violada (estabilização das perspetivas sociais na validade da norma). Quanto às exigências de prevenção especial de ressocialização, a pena deve evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração social, e só por esta via se alcançará uma eficácia ótima. A este propósito, o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, §§ 497 e 498, defende que “o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição, o que vale logo por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação. Bem se compreende que assim seja: sendo a função exercida pela culpa, em todo o processo de determinação da pena, a de limite inultrapassável do quantum daquela, ela nada tem a ver com a questão da escolha da espécie de pena. Por outras palavras: a função da culpa exerce-se no momento da determinação quer da medida da pena de prisão (necessária como pressuposto da substituição), quer da medida da pena alternativa ou de substituição; ela é eminentemente estranha, porém, às razões históricas e político-criminais que justificam as penas alternativas e de substituição, não tendo sido em nome de considerações de culpa, ou por força delas, que tais penas se constituíram e existem no ordenamento jurídico.” Assim, continua, “o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas” (§ 500) e que deve surgir aqui unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer: desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contra fáctica das expectativas comunitárias.” No caso concreto, são médias as exigências de prevenção geral face ao crescente desrespeito e indiferença que se verificam atualmente na sociedade através da proliferação deste tipo de crimes. Por outro lado, são elevadas as razões de prevenção especial que os antecedentes criminais do arguido bem evidenciam. Em face do exposto, julgo que a defesa dos bens jurídicos protegidos pela norma incriminadora não se mostra acautelada com a aplicação de uma pena de multa a qual é, portanto, inidónea a realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. A crença da comunidade na validade das normas incriminadoras, os sentimentos de segurança e de confiança nas instituições jurídico-penais exigem, pois, a aplicação de uma pena de prisão. Qual, agora, a pena concreta aplicar ao arguido? Segundo o artigo 71.°, n.° 1, do Código Penal, a determinação da medida concreta da pena deve ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. A prevenção geral positiva fornece uma “moldura da prevenção”, em que o limite máximo corresponde ao ponto ótimo da tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e abaixo desse ponto ótimo outros existem em que aquela tutela é efetivamente consistente e onde a pena desempenha uma função primordial. Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração – entre o ponto ótimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos – podem e devem atuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena. Esta deve, em toda a sua extensão possível, evitar a quebra da reinserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia ótima de proteção de bens jurídicos. A medida não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa. A função desta consiste numa incondicional proibição do excesso, ou seja, a culpa constitui um “limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas” . O limite máximo de pena adequado à culpa não pode ser ultrapassado sob pena de pôr em causa a dignidade humana do delinquente. Estabelecida a forma como se relacionam a culpa e a prevenção no processo de determinação concreta da pena e qual a função que uma e outra cumprem naquele processo, importa eleger a totalidade das circunstâncias do complexo integral do facto que relevam para a culpa e para a prevenção. A esta tarefa se chama “determinação do substrato da medida da pena e àquelas circunstâncias os factores de medida da pena” (cf. FIGUEIREDO DIAS, ob. cit.) Na prossecução desta tarefa o juiz é auxiliado pelo artigo 71.°, n.° 2, do CP, o qual, depois de estabelecer que aquele atenderá, na determinação concreta da pena, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente e contra ele, enumera de forma exemplificativa algumas dessas circunstâncias, a saber: - o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a gravidade das suas consequências, bem como, o grau de violação dos deveres impostos ao agente; - a intensidade do dolo ou da negligência; - os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; - as condições pessoais do agente e a sua situação económica; - a conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; - a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. Tendo isto em conta, temos contra o arguido: • O grau diminuto da ilicitude do facto (atento o valor em causa). • A intensidade do dolo direto. • O grau médio de culpa. • O grau médio das exigências de prevenção geral. • O grau elevado das exigências de prevenção especial. • Os antecedentes criminais. A seu favor temos: • As suas condições económicas e sociais. • O seu estado de saúde. • A sua idade (53 anos). Em face do exposto, julgo que é adequada às exigências de prevenção geral e prevenção especial e respeitadora dos limites impostos pela culpa aplicar ao arguido a pena de 4 meses de prisão. Dispõe o artigo 43.°, n.° 1, do C.P, que a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou outra pena não privativa da liberdade aplicável, exceto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. Tendo o tribunal optado pela aplicação da pena de prisão em alternativa à aplicação da pena de multa, tudo levaria a crer que a questão da eventual substituição desta pena de prisão por multa já não se colocaria. Mas não. A este respeito atente-se no que afirma Figueiredo Dias na obra Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, Lisboa, 1993, fls. 363 e 364: “Se, apesar deste comando, o tribunal se decide pela pena de prisão, que sentido poderá ter, quando ao crime fosse já aplicável em alternativa prisão ou multa, cominar a substituição-regra por multa da prisão concretamente fixada em medida não superior a 6 meses? “A resposta está em que uma coisa é a aplicação da pena de multa ser preferível à da prisão, outra diversa e muito mais estrita, é que a execução da prisão seja exigida por razões de prevenção; além temos um critério de conveniência e de maior ou menor adequação, aqui um critério estrito de necessidade: é necessário - e o tribunal tem de o demonstrar, sob pena de erro de direito inescapável - que só a execução da prisão permita dar resposta às exigências de prevenção”». Apesar das razões supra expostas e ligadas às exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, julgo que ainda há razões para a substituição dessa pena de prisão por pena de multa. O arguido celebrou um acordo com a lesada (apesar de incumprido), tem 53 anos e está socialmente inserido, além disso, a última condenação do arguido foi por factos praticados em 2014. Por isso, substituo a pena de 4 meses de prisão por 120 dias de multa. Há que proceder à determinação do quantitativo diário da multa, em função da situação económica social da arguida e seus encargos pessoais, em termos daquele constituir um sacrifício real para o arguido, nos termos do artigo 47º, n.º 2, do Código Penal, sendo que o quantitativo diário deve ser fixado entre € 5 e € 500. A amplitude estabelecida neste preceito quanto ao quantitativo diário da multa teve em vista eliminar ou, pelo menos, esbater, as diferenças de sacrifício que o seu pagamento implica entre os arguidos possuidores de diferentes meios de a solver, realizando assim o princípio da igualdade de ónus e de sacrifícios . De todo o modo, o montante a fixar não deverá esvaziar a noção de pena, que enquanto censura social de um comportamento desconforme com o pressuposto pela ordem jurídica, há de implicar necessariamente um sacrifício para o condenado, de forma a fazê-lo sentir esse juízo de censura, cumprindo assim a função preventiva que qualquer pena envolve, sob pena de se desacreditar esta pena, os tribunais e a própria justiça . Serão, assim, valorados os factos disponíveis, designadamente a situação económica, a idade e demais condições do arguido, entendo como adequada às finalidades punitivas que se visam alcançar a aplicação da taxa diária de € 5,00 (cinco euros). Dispõe o nº 3 do artigo 47º do Código Penal que: “Sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda 1 ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos 2 anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação”. Assim, em caso de situação económica ou financeira justificável, o Tribunal pode autorizar o pagamento fracionado da pena de multa, sem contudo esquecer que: “a multa deve traduzir-se num encargo sensível”, não podendo converter-se num “cómodo negócio de pagamento de prestações” . Desta forma, atendendo aos critérios acima referidos, aos rendimentos e encargos do arguido e ao montante da multa em que o mesmo foi condenado, autorizo o pagamento da multa em 10 (dez) prestações mensais, sucessivas, vencendo-se, a primeira, dez dias após trânsito e, as restantes, em igual dia dos meses subsequentes. A falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento das restantes, atento o preceituado no artigo 47º, nº 5, do Código Penal. (…)”. [sublinhado e negrito nossos]. II.2- Apreciação do recurso Insurge-se o arguido/recorrente contra a sentença recorrida, porque, na sua ótica, da conjugação dos aspectos sociais, familiares e económicos subjacentes à situação dos autos, será de concluir que o cumprimento da pena de prisão que lhe foi aplicada através de trabalho a favor da comunidade é mais punitivo e pedagógico para si, além de ser suficiente para realizar as finalidades da punição que o caso vertente carece e exige. Nesse seguimento, conclui pugnando para que a referida pena de 4 meses de prisão em que foi condenado, substituída por 120 dias de multa, seja antes substituída por trabalho a favor da comunidade, ainda que sujeita a regras de conduta, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 58º, n.º 1, do Código Penal. Vejamos: Sob a epígrafe substituição da prisão por multa dispõe o artigo 45.º do Código Penal o seguinte: 1 - A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, exceto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 47.º 2 - Se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença. É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 49.º”. [sublinhado e negrito nossos]. Resultando, por sua vez, do mencionado n.º 3 do artigo 49.º do Código Penal que: “(...) 3 - Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta. (…)”. [sublinhado e negrito nossos]. Já sob a epígrafe prestação de trabalho a favor da comunidade rege o artigo 58.º do Código Penal nos termos seguintes: “1 - Se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir, nomeadamente em razão da idade do condenado, que se realizam, por este meio, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição. 2 - A prestação de trabalho a favor da comunidade consiste na prestação de serviços gratuitos ao Estado, a outras pessoas colectivas de direito público ou a entidades privadas cujos fins o tribunal considere de interesse para a comunidade. 3 - Para efeitos do disposto no n.º 1, cada dia de prisão fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas. 4 - O trabalho a favor da comunidade pode ser prestado aos sábados, domingos e feriados, bem como nos dias úteis, mas neste caso os períodos de trabalho não podem prejudicar a jornada normal de trabalho, nem exceder, por dia, o permitido segundo o regime de horas extraordinárias aplicável. 5 - A pena de prestação de trabalho a favor da comunidade só pode ser aplicada com aceitação do condenado. 6 - O tribunal pode ainda aplicar ao condenado as regras de conduta previstas nos n.ºs 1 a 3 do artigo 52.º, sempre que o considerar adequado a promover a respectiva reintegração na sociedade.” [sublinhado e negrito nossos]. E, por fim, o artigo 59.º do Código Penal, sob a epígrafe suspensão provisória, revogação, extinção e substituição, no que ora possa relevar, rege nos termos seguintes: “(…) 2 - O tribunal revoga a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e ordena o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença se o agente, após a condenação: a) Se colocar intencionalmente em condições de não poder trabalhar; b) Se recusar, sem justa causa, a prestar trabalho, ou infringir grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado; ou c) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade não puderam, por meio dela, ser alcançadas. (…) 6 - Se o agente não puder prestar o trabalho a que foi condenado por causa que lhe não seja imputável, o tribunal, conforme o que se revelar mais adequado à realização das finalidades da punição: a) Substitui a pena de prisão fixada na sentença por multa até 240 dias, aplicando-se correspondentemente o disposto no n.º 2 do artigo 45.º; ou b) Suspende a execução da pena de prisão determinada na sentença, por um período que fixa entre um e três anos, subordinando-a, nos termos dos artigos 51.º e 52.º, ao cumprimento de deveres ou regras de conduta adequados.”. [sublinhado e negrito nossos]. Constata-se, assim, da análise de tais preceitos legais, que a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade consiste na prestação de serviços gratuitos ao Estado, a outras pessoas coletivas de direito público ou a entidades privadas cujos fins o Tribunal considere de interesse para a comunidade [artigo 58.º, n.º 2 do Código Penal]; tem lugar se ao agente dever ser aplicada pena de prisão em medida não superior a dois anos, sempre que se concluir, nomeadamente em razão da idade do mesmo, que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição [artigo 58.º, n.º1, do Código Penal] e, além disso, só pode ser aplicada com a aceitação do condenado [artigo 58.º, n.º 5, do Código Penal]. Constitui, portanto, pressuposto formal desta pena a aplicação de uma pena de prisão em medida não superior a dois anos e a aceitação pelo condenado da sua substituição pela prestação de trabalho a favor da comunidade, e como pressuposto material poder-se concluir que pela aplicação dessa pena de substituição se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Como é sabido, a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade tem na sua base a ideia de centrar o conteúdo punitivo na perda, para o condenado, de uma parte substancial dos seus tempos livres, sem o privar da sua liberdade, permitindo-lhe, consequentemente, a manutenção íntegra das suas ligações familiares, profissionais e económicas, ou seja, a manutenção do seu ambiente e integração social. Por outro lado, possui uma vertente socialmente positiva, traduzida numa prestação ativa, por parte e com o consentimento do condenado, a favor da comunidade. In casu, tendo em conta que a pena de prisão aplicada ao arguido é de 4 meses e que, embora apenas em sede de recurso, o arguido deu a sua aceitação à substituição daquela pena de prisão pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, o pressuposto formal para a aplicação desta última encontra-se verificado. E o mesmo acontece quanto ao mencionado pressuposto material exigido pela lei para a sua aplicação. Com efeito, como é sabido, em termos de hierarquia legal das penas de substituição, o Código Penal apenas estabelece um critério de preferência pelas penas não detentivas, por não implicarem a privação da liberdade do arguido, ao dispor, no artigo 45º, que a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável. Significa isto que o tribunal deve apurar, em concreto, entre as várias penas de substituição aplicáveis ao caso, a que melhor e da forma mais adequada realiza as exigências de prevenção especial de socialização que se façam sentir, dando preferência a uma que não seja privativa da liberdade[3]. Cfr. refere Paulo Pinto de Albuquerque[4] “a escolha das penas é determinada apenas por considerações de natureza preventiva, uma vez que as “finalidades da punição” são exclusivamente preventivas (…). O tribunal deve, pois, ponderar, apenas as necessidades de prevenção geral e especial que o caso concreto suscite (…). A articulação entre estas necessidades deve ser feita do seguinte modo: em princípio, o tribunal deve optar pela pena alternativa ou de substituição mais conforme com as necessidades de prevenção especial de socialização, salvo se as necessidades de prevenção geral (rectius, a defesa da ordem jurídica) impuserem a aplicação da pena de prisão (…). Esta regra vale quer para a escolha entre penas alternativas quer para a escolha de penas substitutivas”. [negrito nosso]. Entendemos, portanto, ser incontestável que a escolha entre a pena de prisão e a pena alternativa de multa ou a substituição daquela por qualquer uma das penas de substituição depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial, sendo este o único critério a atender: o da prevenção. In casu, pese embora tenha considerado serem elevadas as exigências de prevenção especial, o tribunal a quo entendeu que, mesmo assim, ainda existiriam razões para substituir a pena de prisão aplicada por pena de multa, atendendo a que, como refere, “o arguido celebrou um acordo com a lesada (apesar de incumprido), tem 53 anos e está socialmente inserido, além disso, a última condenação do arguido foi por factos praticados em 2014.”. O mesmo será dizer que o tribunal a quo entendeu que a pena de substituição à pena de prisão aplicada satisfazia as necessidades de prevenção geral e, sobretudo, as de prevenção especial, pois caso contrário não a teria aplicado. E, assim sendo, não se vê razão para se considerar que a existência de antecedentes criminais afasta a possibilidade de substituir a pena de prisão pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, mas já não pela pena de multa. Na verdade, tal circunstancialismo seria igualmente válido para afastar a aplicação da pena de multa, tanto mais que o arguido já foi anteriormente condenado nesta última pena de substituição, que cumpriu, pagando a mesma. O mesmo será dizer que se é verdade que o arguido já sofreu diversas condenações anteriores aos factos dos autos, o que justificou, e bem, a recusa da pena de multa alternativa e a opção pela pena de prisão, como pena principal, não é menos verdade que tais antecedentes criminais não se mostraram suficientes para afastar a aplicação da pena de multa em substituição da pena de prisão, por razões que são igualmente válidas para não afastar a possibilidade de aplicação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade. Conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 08-03-2019, Processo n.º 299/17.3GBPRD.P1, relatado por William Themudo Gilman, in www.dgsi.pt: “É preciso não esquecer o altíssimo valor que, como refere Figueiredo Dias[5], no quadro das penas de substituição, deve ser atribuído à pena de PTFC (…). Nela, o condenado perde uma parte substancial dos tempos livres, sem ser privado da liberdade e mantendo as suas ligações familiares, profissionais e económicas, ao mesmo tempo que é chamado a contribuir com uma prestação ativa e voluntária a favor da comunidade[6]. Passada a fase de censura ou reprovação entramos na fase da ressocialização do condenado em que se procura evitar os efeitos estigmatizantes da sujeição do arguido à audiência e à pena, cabendo agora centrar a reprovação mais no crime do que na pessoa do seu autor. O objetivo a atingir é, por oposição a uma censura estigmatizante e criminógena, o de uma censura reintegradora[7]. Esta censura reintegradora obtém-se através dum processo em que depois dum primeiro momento no qual, através da condenação, se transmite ao arguido e à sociedade a reprovação comunitária sobre o ato cometido se seguem os gestos de reconciliação e de reaceitação do condenado na comunidade dos cidadãos cumpridores das leis[8]. E que melhor meio haverá para atingir tal resultado do que colocar o condenado a trabalhar no seio de entidades com funções de solidariedade de relevância comunitária, como é o caso das Entidades Beneficiárias do Trabalho (EBT’s) previstas no art.º 2º do DL 375/97 de 24 de dezembro. A prestação de serviços de auxílio ao próximo e/ou à comunidade na companhia de outros que já o fazem nessas entidades pode e espera-se que ajude o condenado a querer mudar as suas atitudes e comportamentos, no sentido de no futuro se abster da prática de atos criminosos. O legislador, reconhecendo a enorme relevância e potencialidade deste instrumento de política criminal para a reintegração social dos delinquentes, tem vindo insistentemente a alargar o campo de aplicação do trabalho a favor da comunidade como pena de substituição da pena de prisão. Assim, se até à revisão do Código Penal de 1995 a PTFC só tinha aplicação para penas até 3 meses de prisão, a partir de 1995 passou a abranger penas até 1 ano de prisão e desde 2007 até 2 anos de prisão, entrando já no campo da média criminalidade[9]. E, é preciso não esquecer que a par da apontada vertente positiva, a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade também mantém uma função dissuasora em tudo semelhante à da pena de multa, prevendo o legislador, no citado artigo 59.º, n.º2, do Código Penal, a possibilidade da sua revogação e o correspondente cumprimento da pena de prisão determinada na sentença [pena principal], se, designadamente, o condenado vier a cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade não puderam, por meio dela ser alcançadas. E, além disso, nos termos do n.º 6 de tal preceito legal, caso o condenado não possa prestar o trabalho a que foi condenado por causa que lhe não seja imputável, poderá o tribunal, conforme o que se vier a revelar mais adequado à realização das finalidades da punição, suspender a execução da pena de prisão determinada na sentença, ou, mesmo, substituir a pena de prisão fixada na sentença por multa até 240 dias. Em suma, o que decorre da evolução legislativa do instituto da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, com o sucessivo alargamento como pena de substituição até aos atuais dois anos de prisão, é que o legislador não quis atribuir a tal pena menor relevância do que aquela que atribui à pena de multa. Além disso, a situação dos autos reporta-se à prática pelo arguido/recorrente de um crime de furto simples, cujo prejuízo patrimonial daí decorrente para o ofendido é de valor diminuto [concretamente no montante de €56,85], tendo o arguido já assumido perante aquele a obrigação de lhe pagar quantia superior ao referido valor [concretamente o valor de €120,00] e o modo de execução do crime não reveste especial gravidade, circunstancialismo este que não se nos afigura capaz de afastar a aplicação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, em ordem à manutenção da confiança da comunidade na validade da norma atingida. Acresce dizer que já resulta refletido na factualidade provada que o arguido/recorrente não dispõe de quaisquer meios económicos que lhe permitam cumprir uma pena de multa e a prestação de trabalho a favor da comunidade poderá ser ajustada às eventuais limitações que lhe possam advir dos seus problemas de saúde, sendo de realçar que o arguido já exerceu uma profissão, desempenhando funções de motorista. Conclui-se, assim, que, in casu, a pena de substituição que se revela mais adequada a satisfazer as finalidades da punição de reintegração do agente na sociedade [a que, diga-se, in casu, não se opõem as necessidades de proteção dos bens jurídicos, que se manterão salvaguardadas], é a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, e, como tal, é esta que deve ser aplicada, verificados que se encontram também, como vimos supra, os demais pressupostos legais exigidos para a sua aplicação, uma vez que a pena em que o arguido/recorrente foi condenado é de 4 meses de prisão [não superior, portanto, aos 2 anos a que alude o n.º 1, do artigo 58.º, do Código Penal] e este prestou o consentimento exigido pelo n.º 5, do citado artigo 58.º, do Código Penal, ainda que apenas aquando da interposição do presente recurso. E, tendo em conta o que resulta do n.º 3, do artigo 58º, do Código Penal - cada dia de prisão fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas -, no caso, a pena de substituição a aplicar traduz-se em 120 horas de trabalho a favor da comunidade [correspondente aos 4 meses/120 dias de prisão] , sendo ainda de atentar que, nos termos do n.º4, do citado preceito legal, o trabalho a favor da comunidade pode ser prestado aos sábados, domingos e feriados, bem como nos dias úteis, mas neste caso os períodos de trabalho não podem prejudicar a jornada normal de trabalho, nem exceder, por dia, o permitido segundo o regime de horas extraordinárias aplicável. Uma última palavra para dizer que a sua execução deverá ser precedida das diligências necessárias, a desencadear, para o efeito, pelo tribunal a quo, designadamente das previstas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 496.º do Código de Processo Penal. Procede, portanto, o presente recurso. III- DISPOSITIVO Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores da Secção Penal deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso interposto pelo arguido e, em consequência: A. Revoga-se parcialmente a sentença recorrida, determinando-se a substituição da pena de 4 [quatro] meses de prisão, que foi aplicada ao arguido pelo tribunal a quo, por 120 [cento e vinte] horas de prestação de trabalho a favor da comunidade, a executar nos termos supra expostos, devendo o tribunal a quo providenciar pela execução da referida pena de substituição, dando, designadamente, cumprimento ao disposto no artigo 496.º n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Penal. B. No mais, mantêm-se a sentença recorrida, nos seus precisos termos. C. Sem tributação. Notifique. Guimarães, 22 de outubro de 2024 [Elaborado e revisto pela relatora - artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal] Os Juízes Desembargadores Isilda Maria Correia de Pinho [Relatora] Florbela Sebastião e Silva [1.ª Adjunta] António Bráulio Alves Martins [2.º Adjunto] [1] Indicam-se, a título de exemplo, os Acórdãos do STJ, de 15/04/2010 e 19/05/2010, in http://www.dgsi.pt. [2] Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão do STJ n.º 7/95, de 28 de dezembro, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95. [3] Entre outros, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 03-10-2018, Relator Orlando Gonçalves, Processo n.º 19/18.5PEFIG.C1 e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 21-05-2018, Relator Jorge Bispo, Processo n.º 151/17.2GAVFL.G1, ambos publicados in www.dgsi.pt. [4] In Comentário do Código Penal, 2ª edição atualizada, Universidade Católica Portuguesa, pág. 266. [5] Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, 1993, pág. 372. [6] Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, obra e página citadas. [7] Cfr. John Braithwaite, Crime, Shame and Reintegration, Cambridge University Press, 1989, reprinted 1999, p. 4., e William Themudo Gilman, Uma pena de trabalho a favor da comunidade – breves notas, Revista Jurídica da Universidade Portucalense, 2003. [8] Que é o processo inverso do da estigmatização. Os conceitos correspondentes são os de de-labeling e status-return ceremonies; cf. Jorge de Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade, Criminologia – O homem delinquente e a sociedade criminógena, Coimbra, reimpressão, 1991 [9] Sobre a correspondência das penas de curta, média e longa duração às categorias criminológicas de pequena criminalidade, média e grande criminalidade, conferir Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, 1993, pág. 106-107. |