Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
621/20.5T8VRL.G1
Relator: AFONSO CABRAL DE ANDRADE
Descritores: AGENTE DE EXECUÇÃO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL POR FACTOS ILÍCITOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. O Agente de Execução actua, no exercício das suas funções, como profissional liberal, ainda que exercendo actividade de cariz judicial. Daí que a sua eventual responsabilidade civil pelo exercício das suas funções é uma responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, nos termos definidos pelos arts. 483o e seguintes do Código Civil.
2. Numa situação em que está a correr uma execução contra um executado e em que já foi realizada a venda de um imóvel por leilão judicial, tendo sido apresentada e aceite proposta de aquisição por terceiro, e se vem a saber que o executado se apresentou à insolvência, se o terceiro adquirente não conseguir obter a verba necessária para fazer o pagamento do preço oferecido antes do executado ser declarado insolvente, sibi imputet.
3. E se mesmo depois de saber que o executado foi declarado insolvente, o terceiro fizer o pagamento do preço e o pagamento do IMT e IS, e realizar a escritura de compra e venda, não pode vir mais tarde demandar o agente de execução ao abrigo do disposto no art. 483o CC, pretendendo ser indemnizado pelos danos sofridos.
4. Se antes da realização da escritura, o agente de execução foi notificado de que “a execução estava suspensa, por força da declaração da executada como insolvente”, e deu conhecimento desse facto ao terceiro adquirente, a decisão de prosseguir com a escritura, nestas circunstâncias, só responsabiliza este, e não o agente de execução.
5. Não é possível afirmar nem o nexo causal entre o facto praticado pelo AE e o dano alegado pelo adquirente, nem sequer que o AE tenha actuado com dolo ou negligência, e nem sequer que tenha ocorrido facto ilícito.
6. A questão de saber se a declaração de insolvência do executado, com a consequente suspensão de todas as execuções pendentes, se aplicava também a esta venda em concreto, em que vários dos actos em que se decompõe a venda já estavam praticados, era uma questão jurisdicional, que o agente de execução não tem competência para decidir.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório

AA e mulher, BB, residentes na Rua ..., ..., em ..., propuseram, junto do Tribunal Judicial da Comarca ..., a presente acção declarativa de condenação, sob a forma comum, contra CC, agente de execução com domicílio profissional na Rua ..., ..., em ..., pedindo a condenação desta no pagamento da quantia global de € 11.596,65, a título de danos patrimoniais, quantia a que há de acrescer a quantia que venham a pagar a título de honorários ao Mandatário que constituíram na execução n.º 231/19.... e cuja liquidação deixam para incidente ulterior, bem como todas as despesas judicias e extrajudiciais que venham a suportar com a instauração da presente acção e que igualmente relegam para incidente de liquidação.
Peticionam, ainda, a condenação da ré a pagar-lhes indemnização, que liquidam no valor de € 5.000,00, pelos danos não patrimoniais que afirmam ter sofrido.
Peticionam, finalmente, que sobre todas as quantias sejam liquidados e pagos os juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Para tanto, alegam, em suma, que: (i) a ré publicitou leilão electrónico, no âmbito do processo 357/17...., que corria termos no Juízo de Execução ..., tendo por objecto o prédio misto ali identificado; (ii) a proposta de aquisição apresentada pelos autores, do valor de € 271.892,00, foi aceite, vindo o aludido prédio a ser-lhes adjudicado em 29/01/2019; (iii) notificados, em 01/02/2019, para, no prazo de 15 dias, efectuarem o pagamento do preço e despesas com o registo de aquisição, o autor marido fez saber à AE que tal prazo seria inviável, pois que necessitava de recorrer a financiamento bancário, tendo sido acordada a prorrogação do prazo por mais duas semanas; (iv) poucos dias depois e quando o processo tendente ao financiamento já iniciara os seus trâmites, a ré fez saber ao autor marido que era do seu conhecimento que a executada projectava apresentar-se à insolvência, o que tornava premente a realização da escritura; (v) obtido o financiamento em 15/02/2019, os autores tentaram pagar o preço, através da referência multibanco comunicada em 01/02/2019, posto o que foi solicitada emissão de nova guia, com prazo de pagamento até 18/02/2019; (vi) tendo o pagamento sido efectuado ainda no dia 15/02/2019, foi agendada escritura de compra e venda para 21/02/2019, sendo que, nos dias que intermediaram entre o pagamento e a data agendada, questionavam a ré sobre a eventual apresentação à insolvência; (vii) no dia 20/02/2019, antes de proceder ao pagamento das obrigações fiscais, o autor marido voltou a questionar a ré sobre a existência do processo de insolvência e a manutenção da escritura, sendo que, em face da resposta de que se mantinha a outorga, procedeu ao pagamento do IMT e IS; (viii) na outorga da escritura, a ré reafirmou não ter sido notificada da insolvência, vindo a escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca a ser, efectivamente outorgada em 21/02/2019, procedendo os autores ao pagamento das despesas notariais e emolumentos de registo, tendo a aquisição do prédio pelos autores ficado registada no mesmo dia 21/02/2019; (ix) como os autores vieram a descobrir mais tarde, a executada havia sido declarada insolvente em 06/02/2019, no âmbito do processo 231/19...., em data anterior à de qualquer dos pagamentos suportados pelos autores, sendo que, no apenso A ao processo de insolvência, a executada suscitou incidente de nulidade da escritura de compra e venda outorgada a favor dos autores, na sequência do que foi proferido despacho em que, resumidamente, anula os actos praticados após 18/02/2019, data em que a execução foi declarada suspensa, com a consequente ineficácia da venda ocorrida, mais determinando a restituição, pela ré, da importância paga com a aquisição do prédio; (x) a verdade é que a ré violou os deveres que sobre si impendiam; (xi) sem as garantias que, ao longo do tempo, a ré lhes foi dando, jamais teriam solicitado empréstimo junto do Banco 1... e, menos ainda, efectuado os pagamentos que efectuaram; (xii) ademais, tardou a ré nas diligências tendentes à restituição do valor pago, o que fez apenas em Janeiro de 2020, ainda que o montante restituído não tenha sido suficiente para reembolsar os autores de todas as despesas que suportaram com o empréstimo e toda a negociação prévia, máxime, com os juros, que ascenderam ao valor de € 1.709,04, prestações pagas, comissões de despesas com a negociação e formalização da escritura e seguro de vida, despesas em que não teriam incorrido, não fora a actuação da ré; (xiii) ademais, incorreram em despesas de deslocação de e para ... para a outorga da escritura e para reunirem com o seu Mandatário ou ao prédio, peticionando, ainda, o autor marido compensação, à razão de €14,27/hora, pelas 162 horas que dedicou a toda a situação, do passo que a autora mulher peticionou compensação, à razão de € 8,90/hora pelas 157 horas que despendeu com a situação; (xiv) alegam, ainda, os autores que toda a situação lhes provocou sobressalto e desgaste pessoal, com impacto na vida familiar, laboral e social, razão pela qual peticionam seja arbitrada indemnização do valor de € 2.500,00 a cada um, a título de danos não patrimoniais.

Citada, a ré contestou a acção, excepcionando a incompetência territorial do Juízo Local Cível ..., porquanto a totalidade dos actos teriam sido praticados em ... e impugnando a factualidade alegada.
Em resumo, afirma que o maior problema reside no facto de terem os autores licitado para aquisição do prédio, sem que dispusessem do dinheiro para o efeito, o que provocou atrasos e, além do mais, tornou necessária a outorga de escritura pública, quando o normal seria a suficiência do título emitido pelo AE, o que determinou que um negócio que deveria estar concluído até 13/02/2019, só o tenha sido em 21/02/2019.
De todo o modo e uma vez que a adjudicação do bem estava feita por decisão datada de 29/01/2019, era entendimento da ré que era seu dever proceder à outorga da escritura, até porque, aquando da suspensão da execução, inclusive o preço já se mostrava depositado, pelo que apenas a afectação do preço da venda estaria em causa.
Tinha, assim, (e mantém) a convicção de que estava, efectivamente, obrigada a praticar o acto que formalizava a adjudicação já decidida, após pagamento do preço, entendimento que, curiosamente, também os autores pugnaram no incidente de nulidade da venda executiva, invocando diversa jurisprudência a sustentar tal entendimento.
Com efeito, os mesmos autores, que em 2019 pugnaram pela legalidade da venda e que, a não ser assim, entendiam dever a massa insolvente responder pelos danos que sofreram, na presente acção vêm sustentar precisamente o contrário do ali defendido.
Entende a ré não ter praticado qualquer facto ilícito, não obstante e quanto à prolatada delonga na restituição do preço pago, a verdade é que a restituição foi judicialmente ordenada em 17/10/2019, posto o que, já em 26/10/2019, os autores indicaram o IBAN por e-mail, sendo que só em 28/10/2019 e por sugestão da ré da comunicação pelo meio processualmente adequado, foi comunicado o IBAN via citius, mas a verdade é que se mostrava necessário aguardar o trânsito em julgado da decisão, como a ré fez ver aos autores.
As despesas com a escritura decorrem apenas e só de opção dos autores.
Quanto aos honorários e despesas judiciais, o meio adequado para o ressarcimento é o instituto das custas de parte, em caso de ganho de causa.
Foi por boa-fé que aceitou prorrogar-lhes o prazo de depósito do preço, por 8 e não 15 dias, apesar de assinalar repetidamente, a urgência face aos prazos já ultrapassados.
Afirma que os autores litigam de má-fé, e devem ser condenados em multa de valor não inferior a € 2.500,00 e indemnização a favor da ré.
Por outro lado, requer a intervenção acessória da EMP01... – Companhia de Seguros, actualmente EMP02..., por estar em causa actuação profissional, estando a responsabilidade civil perante terceiros por danos causados por AE’s inscritos na Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução transferida para a aludida companhia de seguros, através da apólice n.º ...96.

Em resposta, vieram os autores dizer nada ter a opor à remessa dos autos para o Tribunal Judicial da Comarca ....
Responderam à excepção de abuso de direito, reafirmam que a ré sempre soube que os autores necessitariam de recorrer a financiamento bancário e da incompatibilidade de tal necessidade com os prazos processuais, posto o que, caso não fossem prorrogados, desistiriam da aquisição.
Refutam, igualmente, que litiguem com má-fé.

Por despacho datado de 16/09/2020, foi julgada procedente a excepção dilatória de incompetência territorial e ordenada a remessa dos autos ao Juízo Local Cível ..., após trânsito em julgado.

Em 21/04/2021 os autores suscitaram o incidente de intervenção principal provocada da EMP01... – Companhia de Seguros, S.A., (actualmente EMP02... – Companhia de Seguros, S.A) pretendendo dirigir contra esta os pedidos por si formulados contra a ré, por força da transferência da responsabilidade civil operada pela aludida apólice de seguro.
Assegurado o contraditório, viria a ser decidido, por despacho datado de 17/09/2021, admitir a intervenção dessa seguradora a título principal e determinar a sua citação.

Regularmente citada, a chamada seguradora apresentou contestação, começando por excepcionar com a inexistência do facto ilícito alegado, pois que não era obrigação da AE comunicar aos autores a declaração de insolvência ou a suspensão da execução (de resto, automática), pelo que entende estar o Tribunal em posição de conhecer, de imediato, o mérito da causa.
No mais, concede que efectivamente havia sido celebrado e estava em vigor à data dos factos o seguro do ramo responsabilidade civil com a apólice ...64, contudo, o o artigo 4º, al. b) das Condições Gerais excepciona os danos indirectos, seja, os que não sejam consequência imediata e directa do erro ou falta profissional cometida, pelo que os danos reclamados não estão abrangidos pela apólice, ao que acresce a necessidade de ter presente a franquia de 10%, com os valores mínimo e máximo de € 1.000,00 e € 2.500,00.

Os autores responderam, reiterando que os danos que alegam decorrem directamente da actuação da ré, pelo que não estão excluídos.
Finalmente, impugnam o que esteja em contradição com o que alegam e os efeitos que a chamada pretende retirar dos documentos por si juntos.

Realizou-se audiência prévia, no âmbito da qual foi elaborado o despacho a que alude o artigo 596º do CPC e proferido despacho saneador, no qual ficou afirmada a validade e regularidade da instância.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento.

A final foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e em consequência absolveu a ré/chamada dos pedidos contra si formulado pelos autores e absolveu os autores do pedido de condenação como litigantes de má-fé contra si deduzido pela ré CC.

Inconformados com esta decisão, os autores dela interpuseram recurso, que foi recebido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo (artigos 629º,1, 631º,1, 637º, 638º,1, 644º,1,a), 645º,1,a) e 647º,1 do Código de Processo Civil).

Terminam a respectiva motivação com as seguintes conclusões:
1.ª) Da prova produzida resultou que o pagamento do preço da compra do imóvel em causa foi efectuado em 15.02.2019, através de um cheque visado, no valor de € 272 142,00, data que, de resto, a Mm.ª Juiz a quo consignou em sede de motivação da douta sentença recorrida, pelo que deve ser alterado o facto provado sob a alínea y), passando o mesmo a ter a seguinte redacção:
“y) Em 15.02.2019 o autor marido logrou fazer o pagamento do preço e solicitaram à Banco 1... o agendamento da escritura de compra e venda, que ficou aprazada para o dia 21.02.2019.”
- vd. escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca junta à P.I. sob doc. n.º ...; extracto bancário junto aos autos pelos autores em 01.02.2023, como doc. n.º ...; depoimento da testemunha DD prestado na audiência de julgamento de 10.02.2023, com início às 11h:33m:14s e termo às 12h:29m:18s, concretamente passagens aos 05m50s, 6m25s, 06.m47s a 07m30s, 18m30 a 18m50, 19m19s., e a douta sentença recorrida na 6.ª linha do 3.º parágrafo da pág. 25 - vd. art.º 640.º e n.º 1 do art.º 662.º CPC
2.ª) A factualidade provada sob as alíneas z) e aa), designadamente no que se refere ao momento em que os autores tiveram conhecimento da insolvência da executada, não resulta da prova produzida, maxime das declarações dos autores e do depoimento da testemunha EE, em que o tribunal a quo se fundamentou.
3.ª) Com efeito, ouvidas na íntegra as declarações de parte dos autores, o depoimento da testemunha EE e ainda da testemunha DD e conjugando-os com toda a demais prova produzida, tal como exposto nas páginas 18 a 34 destas alegações de recurso para onde remetemos, só pode concluir-se que aquando da outorga da escritura de 21.02.2019, pese embora os autores em 06.02.2019 tivessem sido informados pela agente de execução da possibilidade de a executada vir a ser declarada insolvente, desconheciam efectivamente que já tivesse sido declarada a insolvência da mesma, pelo que, em face da referida prova produzida, impõe-se alterar os factos provados sob as alíneas z) e aa) nos seguintes termos:
“z) Entre esses dias o autor marido manteve contacto com a ré, para aferir se a mesma haveria sido notificada de qualquer ordem judicial para suspender o processo executivo e a venda em curso ao que a ré, pelo menos até 21/02/2019 respondeu negativamente.
aa) Pelo menos em 18/02/2019, a ré foi notificada de que a execução estava suspensa, por força da declaração da executada como insolvente, facto de que, entre esse momento e a data aprazada para a escritura, não deu conhecimento aos autores. - vd. declarações prestadas pelo autor na audiência de julgamento de 17.01.2023, com início às 11h:51m:58s e termo às 12h:44m:26s (concretamente passagens aos 07m25, 08m45, 14m20 a15m50; 16m17, 17m56, 19m30, 20m49) e na audiência de julgamento de 10.02.2023, gravadas com início às 09h:52m:43s e termo às 10h:09m:31s (passagens aos 10m12 a 12m00) - vd. declarações da autora, prestadas em 10.02.2023, gravadas com início às 10h10m10s e termo às 10h53m10s, concretamente, passagens aos 15m00 a 15m43, 25m46, 26m11 a 26m35, 37m30, 37m46 a 37m57. -vd. depoimento da testemunha DD, prestado na audiência de julgamento de 10.02.2023, gravado com início às 11h:33m:14s e termo às 12h:29m:18s, concretamente, passagens aos 24m43, 25m25, 25m39,28m28, 29m39) - vd. depoimento da testemunha EE, prestado na audiência de julgamento de 21.03.2023, gravado com início às 14h:20m:09s e termo ás 14h:37m:30s
4.ª) Por sua vez, tendo também em consideração essa mesma prova produzida, o facto provado sob a al. s) e ainda que a ré confessou que informou então os autores que o negócio podia ser celebrado, impõe-se dar como provados os factos vertidos sob os pontos 4 e 8 dos factos considerados não provados, nos seguintes termos:
“- Em 20/02/2019 os autores desconheciam que a executada se havia apresentado à insolvência ou o estado do processo e que tal desconhecimento, aliado à garantia, pela ré, de que a escritura se realizaria determinou o autor marido a pagar o IMT e IS.”
- A ré informou os autores que o negócio podia ser celebrado de acordo com a informação disponível à data da escritura de 21.02.2019 e levou os autores a acreditar que o negócio visado por estes era perfeitamente possível, legalmente válido e definitivo e, sem estas garantias prestadas pela ré, jamais os autores teriam apresentado proposta, solicitado empréstimo e pago o preço. -vd. Ponto 91 da contestação da ré agente de execução e depoimento que prestou na audiência de julgamento de 17.01.2023, com início às 10h:25m:36s e termo às 11:h18m:23s -vd. declarações prestadas pelo autor na audiência de julgamento de 17.01.2023, com início às 11h:51m:58s e termo às 12h:44m:26s (concretamente passagens aos 07m25, 08m45, 14m20 a 15m50; 16m17, 16m44, 17m06, 17m45, 17m56, 18m36, 19m30, 20m49) e na audiência de julgamento de 10.02.2023, gravadas com início às 09h:52m:43s e termo às 10h:09m:31s (passagens aos 10m12 a 12m00) - vd. declarações da autora, prestadas em 10.02.2023, gravadas com início às 10h10m10s e termo às 10h53m10s, concretamente, passagens aos 14m22 a 14m46, 15m00 a 15m43, 16m21 a 16m30, 25m46, 26m11 a 26m35, 27m06 a 27m23, 33m09, 25m29, 36m26 a 37m02, 37m30, 37m46 a 37m57. -vd. depoimento da testemunha DD, prestado na audiência de julgamento de 10.02.2023, gravado com início às 11h:33m:14s e termo às 12h:29m:18s, concretamente, passagens aos 24m43, 25m25, 25m39, 26m28, 28m28, 29m39 e 33m56) - vd. depoimento da testemunha EE, prestado na audiência de julgamento de 21.03.2023, gravado com início às 14h:20m:09s e termo ás 14h:37m:30s
5.ª) Dos dois extractos bancários juntos aos autos pelos autores em 01.02.2023 e 36 documentos juntos aos autos em 13.02.2023, conjugados com as declarações prestadas pelos autores em audiência de julgamento, bem como do depoimento da testemunha DD, resultam os concretos montantes suportados pelos autores a título de prestações de juros, seguro multirriscos e seguro de vida, associados ao contrato de empréstimo que celebraram junto da Banco 1... para aquisição do imóvel vendido pela ré. - vd. depoimento da testemunha DD prestado na audiência de julgamento do dia 10.02.2023, com início às 11h:33m:14s e termo às 12h:29m:18s, concretamente aos 35m38s, 36m01s a 37m17s.
6.ª) Na verdade, do documento n.º ... junto aos autos em 01.02.2023 resulta que o valor das prestações de juros que se venceram mensalmente a partir de Março de 2019, e que a Mm.ª juiza quo deu como provadas, se computaram no montante global de € 5.087,00 (cinco mil e oitenta e sete euros).
7.ª) Quanto às prestações vencidas e pagas pelos autores durante a vigência do empréstimo relativas à subscrição de um seguro multirriscos obrigatório, associado ao contrato de empréstimo, as quais a Mm.ª juiz a quo deu também como provadas sob a al. yy), resulta do documento n.º ... junto aos autos em 01.02.2023, sempre com a mesma referência ...17...-, que os autores suportaram concretamente o pagamento de oito prestações, pelo menos no valor de € 272,01.
8.ª) Quanto às prestações com a subscrição do seguro de vida, as quais a Mm.ª juiz a quo deu também como provadas sob a al. aaa), resulta do documento n.º ... junto aos autos em 01.02.2023, sempre com a mesma referência ...49... -, que os autores despenderam concretamente € 550,24 para o pagamento de quatro prestações.
9.ª) Estes documentos ... e ... a que nos referimos (extractos bancários juntos aos autos em 01.02.2023) foram consultados em tribunal pela testemunha DD (representante da Banco 1...) que aquando do seu depoimento referiu não só que a Banco 1... exigiu aos autores a celebração de um seguro de vida e um seguro do próprio imóvel, tendo expressamente referido, por consulta aos referidos extractos bancários, que via debitados na conta dos autores esses dois seguros - vd. depoimento prestado pela referida testemunha na audiência de julgamento do dia 10.02.2023, com inicio às 11h:33m:14s e termo às 12h:29m:18s, concretamente aos 17m17s a 17m40.
10.ª) Assim, em face da referida prova produzida impõe-se alterar a factualidade provada sob as alíneas xx), yy) e aaa) dos factos provados nos seguintes termos:
“xx) De entre as obrigações acessórias do contrato de empréstimo suportadas pelos autores, destacam-se as prestações de juros que se venceram mensalmente a partir de Março de 2019 e que se computaram no montante global de € 5.087,00 (cinco mil e oitenta e sete euros).
yy) Igualmente não podem ficar esquecidas as prestações vencidas e pagas pelos autores durante a vigência do empréstimo relativas à subscrição de um seguro multirriscos obrigatório, associado ao contrato de empréstimo, pelo menos no montante global de € 272,01.
aaa) A acrescer, aquando do empréstimo, o autor teve que subscrever um seguro de vida, relativamente ao qual pagou 4 prestações, no montante de € 550,24.
11.ª) Em face de toda a prova produzida e, naturalmente, da procedência da impugnação da matéria de facto por que pugnámos, constata-se terem sido apurados os necessários factos conducentes ao preenchimento dos pressupostos legais para a responsabilização da ré e da chamada Companhia de Seguros por todos os danos que com a sua conduta a ré causou aos autores.
12.ª) Nesse sentido não pode deixar de ponderar-se e relevar-se, designadamente, os seguintes factos/ circunstâncias:
1. Em 06.02.2019, a ré informou o autor que sabia que a executada FF ia requerer a insolvência e que por isso a escritura teria que ser efectuada rapidamente e esclareceu ainda que iria estar atenta ao andamento do processo pois que se fosse declarada a insolvência da executada teria que suspender a execução em que lhe havia sido adjudicado o imóvel e não poderia realizar qualquer negócio sobre o prédio (cfr. alíneas r) e s) dos factos provados);
2. A verdade, porém, é que apesar desta informação que a ré veiculou ao autor, não diligenciou a mesma por “estar atenta ao processo” com o zelo exigível na sua profissão, tanto que, a executada foi declarada insolvente em 06.02.2019 (cfr. al) oo factos provados) e, ainda assim, em 15.02.2019 a ré renovou a guia de pagamento do preço do prédio, facultando ao autor tal pagamento até ao dia 18.02.2019 (cfr. al. w) x) factos provados);
3. Pagamento esse, no valor de € 272.142,00, que o autor efectuou e poderia ter evitado se a agente de execução tivesse agido diligentemente no exercício das suas funções, designadamente consultando o portal da justiça ou a plataforma citius a fim de aferir se já então (à data da renovação da guia) havia ou não sido declarada a insolvência da executada, consulta essa que, note-se, a ré, em sede de depoimento de parte expressamente admitiu não ter feito;
4. Mesmo após tomar conhecimento da insolvência da executada (o que, como a própria ré confessou, e resultou provado, sucedeu pelo menos em 18.02.2019), não só a ré não suspendeu a execução como era sua incumbência legal, como ainda instruiu os autores a pagarem as obrigações fiscais (IMT e imposto de selo devidos);
5. Ciente da declaração de insolvência da executada e já notificada de que a execução estava suspensa por tal efeito, sabendo portanto que nenhum outro acto processual poderia ter realizado, ao invés de colocar a questão ao Tribunal e abster-se de realizar a venda até que todas as dúvidas fossem dissipadas, a agente de execução não deixou de realizar a escritura em causa.
6. No acto da escritura, tendo-se levantado dúvidas sobre a legitimidade da ré para outorgar a mesma, face à aludida insolvência da executada, a ré decidiu prosseguir com aquele acto, consciente, que tal outorga, à luz do disposto no art.º 88.º do CIRE, era ilícita.
7. A ré informou os autores que o negócio podia ser celebrado de acordo com a informação disponível à data da escritura de 21.02.2019;
8. Foi a postura / conduta da ré que levou os autores a acreditar que o negócio em causa era perfeitamente possível, legalmente válido e por isso definitivo e sem estas garantias prestadas pela ré, jamais teriam outorgado a referida escritura de compra e venda.
9. A formação /instrução dos autores não lhes confere quaisquer conhecimentos jurídicos, não podendo pois, sem mais, admitir-se que, ainda que lhes tivesse sido comunicada pela ré a declaração de insolvência da executada (que, reitera-se, não o foi) tivessem os mesmos a consciência das consequências daí advenientes, maxime da suspensão da execução, da declaração de nulidade do título de transmissão emitido e da ineficácia da compra e venda.
10. A ré, enquanto agente de execução, representa o tribunal, é o auxiliar da justiça que, na prossecução do interesse público, exerce poderes de autoridade pública no cumprimento das diligências que realiza nos processos de execução, devendo ter um comportamento público e profissional adequados à dignidade e à responsabilidade associadas às funções que exerce, cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres estatutários, legais, regulamentares e que os usos, costumes e tradições profissionais lhe imponham, estando obrigado a pugnar pela boa aplicação do direito, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento do exercício da profissão - cfr. artigos 121.º, 124.º e 162.º do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, aprovado pela Lei n.º 154/2015, de 14 de setembro.
13.ª) Ora, nestas circunstâncias, dúvidas não pode haver que a agente de execução não actuou dentro dos limites que lhe são impostos legalmente e como tal a sua conduta é manifestamente ilícita e culposa e geradora de indemnização aos autores pelos danos que comprovadamente com tal conduta lhes causou - cfr. n.º 1 art.º 483.º do CC e artigos 121.º, 124.º e 162.º do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (EOSAE)
14.ª) Salvo o devido respeito por diferente opinião, não pode isentar-se a agente de execução de responsabilização pela sua referida actuação com base no (errado) pressuposto de que os autores eram conhecedores da declaração de insolvência à data da outorga da escritura, pois que, ainda que fossem, que, reitera-se, não eram, era à agente de execução e só a esta, no exercício das suas funções profissionais, que se impunha, na decorrência da declaração de insolvência da executada e consequente declaração de suspensão da execução em 18.02.2019, obstar à realização da escritura de compra e venda, em cumprimento do disposto na lei - cfr. art.º 88.º n.º 1 do CIRE, art.s 119.º, 121.º n.ºs 1 e 3, 124.º, n.º 1 e n.º 2 al.) l do EOSAE
15.ª) Não era, pois, aos autores, leigos na matéria, que se poderia exigir uma tal actuação, tanto mais que procuraram sempre junto da ré inteirar-se da possibilidade legal de concretização do negócio, tendo a mesma assegurado sempre que nada o impedia, fazendo-os, pois, acreditar que o negócio em causa era perfeitamente possível, legalmente válido e por isso definitivo.
16.ª) Deste modo, todas as despesas em que os autores incorreram e danos sofridos pelos mesmos são consequência imediata e directa do erro ou falta profissional cometida pela ré, que agiu com culpa grave porque ciente quer da declaração de insolvência quer da suspensão da execução e, pois, da ilegalidade da sua actuação.
17.ª) Tais danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelos autores só se verificaram em virtude da aludida actuação da ré, sendo que, sem as garantias asseguradas pela mesma jamais os autores teriam apresentado proposta, solicitado empréstimo, pago o preço, impostos, os emolumentos e despesas com a escritura e registo, entre outras, nem teriam outorgado a aludida escritura de compra e venda.
18.ª) Assim, verifica-se estarem preenchidos todos os requisitos de que depende a responsabilidade civil extracontratual da ré, pelo que ao concluir pela não condenação da mesma e, por inerência, da chamada Seguradora, no pagamento aos autores da indemnização correspondente, o Tribunal recorrido violou, além de outras, a disposição do art.º 483.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil.

A interveniente EMP02..., SA contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:

1. Os AA. intentaram a presente acção com fundamento na responsabilidade civil da R. agente de execução por omissão; sendo o acto omitido a comunicação – antes da realização da escritura – da declaração de insolvência de FF.
2. A responsabilidade civil por omissão pressupõe o dever específico de praticar um acto que, pelo menos, muito provavelmente teria impedido a consumação do dano, dever de agir esse que resulte da lei, de negócio jurídico ou de um dever de segurança no tráfego
3. Os deveres do agente de execução encontram-se definidos no Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução, aprovado pela Lei n.º 154/2015, de 14 de setembro e no Código Deontológico dos Solicitadores e Agentes de Execução, aprovado pelo Regulamento da Câmara da Câmara dos Solicitadores n.º 202/2015, de 28 de Abril.
4. Destes diplomas não resulta o dever que os AA. pretendem impor à R..
5. Sendo forçoso concluir que não existe – nem os AA. alegaram – qualquer dever que resulte da lei ou de qualquer outra disposição legal que imponha ao agente de execução a obrigação de divulgar a declaração de insolvência a terceiro que se propõe adquirir por escritura pública um bem apreendido em execução.
6. Impor tal dever ao agente de execução seria, inclusivamente, contraditório com o carácter público da insolvência que, aliás, é publicitada por forma a ser divulgada e dada a conhecer a todos.
7. Finalmente, considerando que a formalização da venda foi efectuada por notário, a existir responsabilidade – o que se repudia – é a ele imputável, por ser quem tem o dever de verificar se estão reunidas (ou não) todas as condições para a celebração da escritura de aquisição do imóvel.
8. Não tendo os AA. alegado (nem provado) a omissão de um dever jurídico cometida pela agente de execução, fica patente que não se mostra, desde logo, preenchido o pressuposto legal da ilicitude para que se verifique a responsabilidade civil daquela profissional.
9. Caso assim não se entenda, o que veemente se rejeita, cumpre atentar nas condições contratuais do contrato de seguro celebrado entre a interveniente e a R., por estarem excluídos os danos indirectos bem como estar contratada uma franquia contratual.
10. Aqui chegados, concluído que está a comunicação aos AA. da declaração de insolvência não ser um dever da R., a alegada falta dessa comunicação não é uma omissão e torna-se irrelevante a alteração da matéria de facto pretendida pelos A. com a interposição do recurso sob resposta.

A ré CC contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:
Em primeiro lugar, os Recorrentes imputam à sentença recorrida erro de julgamento da matéria de facto e pretendem através do recurso alterar cinco factos provados e aditar dois novos factos.
Quanto ao facto provado y) sustentam os Recorrentes que o mesmo deve ser alterado de modo a que passe a constar que o autor marido realizou o pagamento do preço em 15.02.2019; no entanto, da prova produzida em julgamento resultou provado que no dia 15.02.2019 o autor marido tentou diversas vezes proceder ao pagamento do preço e tal não foi possível por ter expirado o prazo da guia e ter sido necessário proceder à sua renovação (cfr. factos provados v), w) e x), devendo, por isso, ser julgada improcedente a alteração requerida.
Os Recorrentes limitam-se a requer a alteração dos factos provados z) e aa) através de uma apreciação parcial dos depoimentos das testemunhas DD e EE (quanto esta não é indicada uma única passagem que sustente o requerido) e atendendo à fundamentação exaustiva que o Tribunal “a quo” fez da prova produzida quanto a esta matéria remete-se, com o devido a respeito, para a mesma, concretamente a fls. 25.
Defendem os Recorrentes que os factos não provados 4 e 8 foram incorrectamente julgados, não lhes assistindo razão dado que a fls. 25 da sentença recorrida é explicado e fundamentado exaustivamente os motivos pelos quais não pode proceder a requerida alteração da matéria de facto.
Consideram os Recorrentes que os factos provados xx), yy) e aaa) foram incorrectamente julgados e requerem a sua alteração; no entanto, deve improceder o recurso quanto a este segmento por, tal como é explicitado a fls. 26 da sentença recorrida, as pretendidas alterações estarem em contradição com a prova produzida em julgamento.
O erro de julgamento de Direito que os Recorrentes imputam à sentença recorrida assenta na pretendida alteração da matéria de facto, pelo que sendo a mesma improcedente é forçoso concluir pela inexistência do erro imputado.
A sentença está muito bem fundamentada, explicando detalhadamente porque considerou que neste caso não se encontram preenchidos os pressupostos de responsabilidade civil, e por isso, remete-se para o seu conteúdo.
Sem prescindir, ainda que se julgue procedente a requerida alteração da matéria de facto continuam sem se verificar os pressupostos da responsabilidade civil.
Os Recorrentes defendem que a Recorrida incorreu em responsabilidade civil por não lhes ter comunicado a suspensão da execução por força declaração de insolvência da executada e por ter outorgado a escritura de compra e venda; no entanto, este entendimento carece de suporte factual e legal.
10ª Decorre dos factos provados k), m), n), o) e r) (os quais não foram impugnados) que os Recorrentes apresentaram uma proposta para apresentação de um imóvel sem terem possibilidades de proceder ao pagamento do preço sem recurso a um crédito bancário e que a Recorrida os alertou para a possibilidade de ter de suspender a execução se viesse a ser declarada a insolvência da executada, o que comprova que os Recorrentes sempre tiverem cientes do risco que corriam ao recorrer ao crédito (despesas do processo) quando poderiam não adquirir o bem e das consequências que poderiam advir do atraso no cumprimento das suas obrigações de pagamento do preço e das obrigações fiscais.
11ª A Recorrida prestou todos os esclarecimentos solicitados pelos Recorrentes, alertou-os para as consequências de uma declaração de insolvência e informou-os dessa declaração após tomar conhecimento da mesma e em data anterior à realização da escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca.
12ª A escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca apenas foi realizada porque os Recorrentes recorreram a um crédito e aquele acto foi praticado por um Notário a quem cabia aferir da sua legalidade, motivo pelo qual a sua ilicitude não pode ser imputada à Recorrida (até porque esta desde o início alertou os Recorrentes para a possibilidade da declaração de insolvência e consequências da mesma) e deu conhecimento da suspensão da execução aos Recorrentes antes da outorga da escritura.
13ª O recurso ao crédito e as deslocações realizadas foram uma opção dos Recorrentes, não existindo qualquer nexo de causalidade entre estas despesas e a actuação da Recorrida (até porque os Recorrentes desde o início estavam cientes da necessidade de cumprirem com as suas obrigações antes da suspensão da execução).
14ª Resulta da prova produzida que não se mostram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil (facto ilícito, culpa e nexo de causalidade), motivo pelo qual deve a Recorrida ser absolvida dos pedidos contra si formulados.

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, a questão a decidir consiste em saber se ocorreu erro no julgamento da matéria de facto, e se, alterados os factos, a solução de direito deve também ser alterada.

III
A sentença considerou provados os seguintes factos:

a) Em data não concretamente apurada entre .../.../2018 e 29/01/2019, numa pesquisa na internet no site “https://www.e-leiloes.pt/”, o autor viu publicitado um leilão tendo por objecto o seguinte imóvel: PRÉDIO MISTO, composto de casa de habitação de cave, ..., ... andar e logradouro, situado na freguesia ..., ..., descrito no registo predial sob o n.º ...45.
b) O prédio descrito encontrava-se penhorado à ordem da execução sumária que corria termos sob o n.º 357/17...., no Juízo de Execução ..., em que era executada FF.
c) Porque os autores conheciam a moradia, o construtor e os projectistas, ficaram interessados na sua aquisição.
d) No anúncio estava identificada a ré como sendo a agente de execução responsável pela venda do imóvel.
e) E, por essa razão, o autor entrou em contacto para agendar uma visita ao imóvel.
f) Em resposta, foi informado pela ré que teria que contactar directamente a executada FF, disponibilizando-lhe para o efeito o respectivo contacto telefónico.
g) No contacto que o autor estabeleceu com FF ficou agendada uma visita à moradia para data não concretamente apurada mas anterior ao dia .../.../2019.
h) Na aludida data, os autores deslocaram-se a ..., tendo então visitado o prédio descrito em a).
i) A visita foi conduzida por FF e correu com total normalidade, sendo mostrados todos os compartimentos da moradia e identificados alguns defeitos de construção.
j) Uma vez que o prédio satisfazia os seus interesses, os autores resolveram apresentar uma proposta para a sua aquisição.
k) Nesse seguimento, no dia .../.../2019 os autores intervieram no leilão, apresentando uma proposta para a sua aquisição no valor de € 271 892,00.
l) FF e o exequente na execução referida no ponto 2.º desta petição foram devidamente notificados dessa proposta e não se opuseram à sua aceitação, pelo que, nesse mesmo dia, a ré decidiu estarem reunidas as condições para que se concretizasse a adjudicação do prédio aos autores conquanto estes depositassem o preço e demonstrassem a liquidação do IMT e IS no prazo de 15 dias a contar da notificação e não fossem exercidos direitos de preferência ou direito de remição - cfr. doc. ... junto com a PI.
m) No dia .../.../2019 foi expedida pela ré notificação para o autor marido nos seguintes termos: “Fica(m) V. Exas(s) notificado(s), na qualidade de proponente(s), para, no prazo de 15 (quinze) dias, efectuar o pagamento, utilizando para o efeito as referências multibanco constantes do rodapé, o valor de 272.142,00 Euros, correspondentes à totalidade do preço em falta, do bem adjudicado a V. Exa (s), nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 824.º do Código de Processo Civil (CPC). Esta quantia inclui o valor de 250,00 correspondentes a custos dos emolumentos de registo de aquisição.” – cfr. doc. ... junto com a PI.
n) Nos termos da aludida notificação, o valor vindo de enunciar era pagável até 13/02/2019, advertindo-se o notificando de que “findo o prazo atrás referido, não sendo efectuado este pagamento, o agente de execução, ouvidos os interessados na venda, pode: a) Determinar que a venda fique sem efeito e aceitar a proposta de valor imediatamente inferior, perdendo V. Exa. o valor da caução; ou b) Determinar que a venda fique sem efeito e efectuar a venda dos bens através da modalidade mais adequada, não podendo ser admitido a V. Exa que adquira novamente os mesmos bens, mais perdendo o valor da caução; ou c) Liquidar a responsabilidade de V. Exa, sendo promovido perante o juiz o arresto em bens suficientes para garantir o valor em falta, acrescido das custas e despesas, sem prejuízo de procedimento criminal, sendo V. Exa, simultaneamente, executado no presente processo para pagamento daquele valor e acréscimos.” -cfr. doc. ... junto com a PI.
o) Mantendo o interesse na aquisição do prédio, o autor marido, em data não anterior a 01/02/2019, entrou em contacto com a agente de execução, informando-a que nesse prazo não tinha possibilidade de fazer a escritura, uma vez que tinha de recorrer a um empréstimo bancário e o prazo apresentado não ser viável para esse fim, solicitando a prorrogação do prazo.
p) Possibilidade que a ré não enjeitou, conquanto o exequente nisso concordasse - o que se veio a verificar.
q) Logo de imediato o autor solicitou um empréstimo junto da Banco 1... de ..., ainda que o processo, por conflito interesses já que o pai do autor marido ali trabalhava, tenha sido remetido para a Banco 1... do ..., que automaticamente abriu o processo interno tendente à sua negociação e concessão.
r) Volvidos cerca de cinco dias após o telefonema referido em o), seja, em 06/02/2019, a ré contactou o autor informando-o que tinha tido conhecimento que a executada ia requerer a sua insolvência pessoal, alertando para a essencialidade de cumprimento dos prazos processuais.
s) Esclareceu ainda que iria estar atenta ao andamento do processo e que caso fosse declarada a insolvência de FF teria que suspender a execução em que lhe havia sido adjudicado o imóvel e não poderia realizar qualquer negócio sobre o prédio.
t) Os autores, seguindo os conselhos da ré, solicitaram urgência na concessão do crédito junto da Banco 1....
u) Poucos dias depois, o autor contactou FF para agendar uma visita ao prédio pelo avaliador da Banco 1..., tendo a mesma sido aprazada para o dia 11.02.2019, sendo que a visita decorreu com toda a normalidade e nada foi referido sobre qualquer processo de insolvência.
v) Em 15.02.2019, a Banco 1... autorizou os autores a pagarem o preço proposto para aquisição da moradia.
w) Nesse mesmo dia o autor marido encetou diversas tentativas para proceder ao pagamento da importância em causa, através da referência multibanco indicada pela ré na notificação a que se alude em m).
x) Não tendo sido nenhuma das tentativas concluídas com sucesso, por estar excedido o prazo de pagamento, o autor deu disto conhecimento à ré, que o informou que de imediato iria proceder à renovação da guia, passando a mesma a estar disponível até ao dia 18.02.2019.
y) Ainda que tenha tentado efectuar o pagamento na mesma data, mostrou-se necessário relegar para o dia seguinte, já que o pagamento tinha de ser feito ao balcão da Banco 1..., pelo que só em data não anterior a 16.02.2019 o autor marido logrou fazer o pagamento do preço e solicitaram à Banco 1... o agendamento da escritura de compra e venda, que ficou aprazada para o dia 21.02.2019.
z) Entre esses dias e quando já era conhecido que a executada havia sido declarada insolvente em 06/02/2019 – data não anterior a 16/02/2019 e 21.02.2019 - o autor marido manteve contacto com a ré, para aferir se a mesma haveria sido notificada de qualquer ordem judicial para suspender o processo executivo e a venda em curso no âmbito do processo de insolvência requerido por FF, ao que a ré, pelo menos até 18/02/2019 respondeu negativamente.
aa) Na verdade, pelo menos em 18/02/2019, a ré foi notificada de que a execução estava suspensa, por força da declaração da executada como insolvente, facto de que deu conhecimento ao autor marido, pese embora em data não concretamente apurada, entre esse momento e a data aprazada para a escritura.
bb) Só em 20/02/2019 o autor marido procedeu ao pagamento do IMT e IS a que aludia a notificação transcrita em m) e n). – cfr. docs. ... e ... juntos com a PI.
cc) Em 18/01/2019, o autor contactou directamente FF e, juntamente com a sua mulher, deslocou-se à moradia que iria adquirir para acertar os últimos pormenores para a entrega do imóvel, durante a visita, FF demonstrou como funcionava o sistema de aquecimento e a aspiração central, informou sobre algumas patologias existentes e até se mostrou disponível em negociar a venda de mobiliário e cortinados existentes na moradia.
dd) Nada tendo sido mencionado acerca da insolvência pessoal, no final da visita ficou entre todos combinado que, após a escritura, os autores entrariam em contacto para que lhes fosse entregue o prédio.
ee) Acontece que no momento em que estava a ser outorgada a escritura de compra e venda, no dia 21.02.2019, no cartório da Dra. GG, em ..., alguém aludiu “à insolvência” de FF, tendo sido decidido verificar se já estava registada a insolvência no prédio, o que não sucedia, pelo que o acto prosseguiu e a escritura foi outorgada, tendo da mesma ficado a constar, com interesse para os presentes autos:
“COMPRA E VENDA E MÚTUO COM HIPOTECA
No dia vinte e um de Fevereiro de dois mil e dezanove, perante mim, licenciada GG, Notária do Cartório sito na Rua ..., desta cidade, compareceram como outorgantes:
PRIMEIRO - CC (…) agente de execução e encarregada de venda no processo judicial com o número 357/17.... do Tribunal Judicial ..., Chaves, Juízo de Execução, para proceder à venda do imóvel adiante identificado, no qual é executada FF (…), adiante abreviadamente designada por VENDEDORA
SEGUNDO - AA e mulher BB (…)
TERCEIRO - DD (…) que outorga na qualidade de procuradora da Banco 1..., CRL (…).
(…)
E pela primeira outorgante foi dito:
Que pela escritura e pelo preço global de DUZENTOS E SETENTA E UM MIL OITOCENTOS E NOVENTA E DOIS EUROS, que recebeu (…) vende aos SEGUNDOS OUTORGANTES o SEGUINTE imóvel (…) Prédio misto, composto de casa de habitação de cave, ..., ... andar e logradouro, sito na Rua ... (…), freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ... trezentos e quarenta e cinco (…)
PELOS SEGUNDOS OUTORGANTES FOI DITO:
Que aceitam a presente venda e que a componente urbana se destina a sua habitação secundária (…)
PELOS SEGUNDOS E TERCEIRA OUTORGANTES FOI DITO:
Que para financiar a aquisição da componente urbana, acabada de realizar, os SEGUNDOS OUTORGANTES solicitaram à Banco 1..., e esta concedeu-lhes, um empréstimo no montante de DUZENTOS E DEZASSETE MIL E SEISCENTOS EUROS (…) (…)
PELA TERCEIRA OUTORGANTE FOI DITO:
Que para a sua representada Banco 1... aceita a confissão de dívida e a hipoteca, nos termos exarados (…)”. – cfr. doc. ... junto com a PI
ff) Nesse mesmo dia, os autores procederam ainda ao pagamento dos emolumentos do registo da aquisição do prédio e ainda os devidos pela certidão da escritura vinda de referir – cfr. docs. ... e ... juntos com a PI.
gg) A aquisição pelos autores do prédio descrito no ponto 1.º desta petição ficou nesse mesmo dia registada na Conservatória do Registo Predial, pela Ap. ...71 - cfr. doc. ... junto com a PI.
hh) Dando seguimento ao que havia sido combinado com FF, e por indicações posteriores da própria ré, o autor contactou directamente essa executada para que esta procedesse à entrega do prédio que lhe havia sido vendido.
ii) Sentindo dificuldade em chegar à fala com a executada, quando lograram fazê-lo em 04/03/2019, data em que esta informou que havia sido aconselhada pelo seu advogado a não entregar o imóvel, por força da insolvência.
jj) Tendo o autor contactado a ré para lhe dar conta do sucedido, afirmou esta que daria entrada de um requerimento no processo executivo a requerer a entrega do prédio.
kk) Nos dias seguintes o autor marido foi contactando a ré, pedindo esclarecimentos sobre o estado do processo e insistindo na resolução, com a maior brevidade, do problema em curso, tendo sido informado de que a executada dera entrada de incidente de nulidade da venda executiva, tendo a ré recomendado ao autor marido que solicitasse os serviços de um advogado.
ll) Desde então, os autores não mais voltaram a estabelecer qualquer contacto com a ré, nem esta lhes prestou qualquer tipo de esclarecimento.
mm) Com efeito, na execução com a letra ..., apensa ao processo insolvência n.º 231/19...., FF havia suscitado um incidente de nulidade da escritura de compra e venda a favor dos autores.
nn) Os autores deduziram oposição ao aludido incidente, pugnando pela validade da venda efectuada, conquanto, além de outros argumentos, a escritura se limitou a formalizar um negócio perfeccionado com a adjudicação, nada obstando à formalização, indicando jurisprudência para fundamentar tal entendimento. Cfr. doc.... junto com a contestação da ré.
oo) Nesse mesmo incidente, por despacho de 17/10/2019, o juízo de comércio ... decidiu do seguinte modo: “(…) Com relevância para apreciação da excepção invocada, resultam apurados os seguintes factos:
1. Em 06.02.2019 foi declarada a insolvência de FF, por sentença proferida nos autos principais, transitada em julgado.
2. Na presente execução foi penhorado o prédio misto sito na Rua ... e inscrito sob os arts. ...90-urbano e ...17-rústico e nele foram realizadas diligências de venda por leilão electrónico, realizado em .../.../2019.
3. Aos 18.02.2019 é declarada suspensa a execução, na decorrência da declaração de insolvência mencionada em 1.
4. Em 20.02.2019 a agente de execução emite o título de transmissão referente à venda operada por leilão do imóvel descrito em 2.
Decorre do preceituado no n.º 1 do artigo 88.º do C.I.R.E., que a declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência.
O regime estatuído no citado preceito legal é um efeito automático da declaração de insolvência, não dependendo de requerimento de qualquer interessado.
A consequência é a da nulidade dos actos que em execução tenham sido praticados após a decretação de insolvência, que deve ser declarada logo que no tribunal do processo a situação seja conhecida (…).
In casu, verifica-se que não obstante a suspensão da instância executiva ter ocorrido em 18.02.2019, a emissão do título de transmissão de venda ocorreu em 20.02.2019, ou seja, no decurso da suspensão da execução e após a declaração da insolvência.
Isto posto, impõe-se anular o processado ocorrido após a suspensão da presente instância executiva e consequentemente declarar nula a emissão do título de transmissão do imóvel em referência, o que gera a total ineficácia da venda ocorrida.
Em consequência e de harmonia com o preceituado no art.º 149.º do CIRE, determina-se a imediata formalização da apreensão do imóvel em causa a favor da massa, com a devolução integral ao adquirente do preço pago e registo da declaração de insolvência na respectiva certidão predial. (…)” - cfr. doc. ... junto com a PI.
pp) O Ilustre Mandatário dos autores enviou, no dia 26/10/2019 (um sábado), e-mail para o administrador judicial nomeado no processo 231/19...., indicando o IBAN para restituição dos valores pagos, tendo, face à indicação, por aquele, de que o pedido deveria ser remetido à aqui ré, expedido e-mail a esta, que respondeu no dia 28/10/2019, solicitando a inserção do IBAN no citius para poder proceder à transferência. – cfr. doc. ... junto com a contestação da ré.
qq) Em 28/10/2019 o Ilustre Mandatário dos autores, enviou e-mail à ré, dando-lhe conta de que já inserira o IBAN na plataforma citius. – cfr. doc.... junto com a contestação da ré.
rr) A ré expediu notificação electrónica, datada de 07/11/2019, para o Ilustre Mandatário dos autores, dando conta de que havia efectuado a transferência do valor de € 271.892,00, proveniente do preço pago pela aquisição do imóvel, juntando o comprovativo de tal transferência. – cfr. doc. ... junto com a contestação da ré.
ss) Apenas após a transferência foi possível aos autores pagar a totalidade do empréstimo que a Banco 1... lhes havia concedido.
tt) O empréstimo esteve então em vigor entre Fevereiro de 2019 e Novembro de 2019.
uu) Sucede que a devolução do preço pago permitiu apenas repor a situação financeira dos autores quanto às prestações de capital que se foram vencendo nesse decurso temporal.
vv) Mas não permitiu fazer face a todas as outras prestações, acessórias e inerentes ao contrato de empréstimo celebrado com a Banco 1..., que se foram vencendo ao longo desse período.
ww) Nem sequer todas as demais havidas com a preparação e concretização do negócio.
xx) De entre as obrigações acessórias do contrato de empréstimo suportadas pelos autores, destacam-se as prestações de juros que se venceram mensalmente a partir de Março de 2019 e que se computaram em montante não concretamente apurado.
yy) Igualmente não podem ficar esquecidas as prestações vencidas e pagas pelos autores durante a vigência do empréstimo relativas à subscrição de um seguro multirriscos obrigatório, associado ao contrato de empréstimo, em montante não concretamente apurado.
zz) A respeito do contrato de empréstimo, os autores tiveram que suportar ainda os seguintes montantes para a sua conclusão e apreciação:
-€ 208,00 por execução de avaliação imobiliária
-€ 463,20 a título de comissão de abertura de conta e respectivo imposto de selo
-€ 6,24 para compra de cheque visado
-€ 52,00 para emissão de cheque visado
-€ 290,00 por comissão de abertura de conta
-€ 1 305,60 respeitante a imposto de selo
(vd. docs. ...2 e ...3 juntos com a PI)
aaa) A acrescer, aquando do empréstimo, o autor teve que subscrever um seguro de vida, relativamente ao qual pagou prestações em número não concretamente apurado, de valor também concretamente não apurado.
bbb) No que diz respeito a deslocações, os autores deslocaram-se propositadamente a ... para outorga da escritura no dia 21/02/2019 e por isso suportaram quantia não concretamente apurada.
ccc) Pelo menos até 17/10/2019 os autores viram-se forçados a assegurar o cumprimento pontual e integral do empréstimo contraído sem saber se o prédio lhes seria reconhecido ou se a sua compra viria a ser declarada sem efeito.
ddd) Nesse período foram constantes as reuniões sobre o assunto, os contactos telefónicos e as deslocações para resolver a situação, vivendo em sobressalto porque tendo pago o valor devido pela compra do prédio, nunca dele beneficiaram e receavam que FF, durante a sua ocupação, pudesse causar estragos e diminuir o seu valor, o que levou o autor marido a, com muita frequência, se deslocar ao prédio para se assegurar que o mesmo estava a ser devidamente cuidado e mantido e lhes viesse a ser entregue nas exactas condições em que lhes foi apresentado.
eee) No mesmo período tiveram que suportar os custos com manutenção da residência onde ainda hoje vivem.
fff) Esta situação e, principalmente, a perda do negócio por força da decisão proferida no incidente a que se alude em oo) causou um elevado desgaste individual aos autores, com consequências para a estabilidade afectiva e emocional do casal, afectando o ambiente familiar, causando desgosto e isolamento social.
ggg) A Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução celebrou um contrato de seguro com a EMP01... – Companhia de Seguros, S.A., entretanto incorporada, por fusão, na EMP02... – Companhia de Seguros, S.A., titulado pela apólice de seguro n.º ...96, que cobre a responsabilidade civil perante terceiros por danos porventura causados no exercício da sua actividade por agentes de execução inscritos naquela ordem profissional. – cfr. doc. ... junto com a contestação da ré e doc. ... junto com a contestação da chamada.

B) FACTOS NÃO PROVADOS

1) Que só em início de Janeiro de 2019 o autor marido se tenha apercebido da publicitação do leilão a que se alude em a) dos factos provados.
2) Que a ré se tenha proposto prorrogar o prazo de pagamento por mais duas semanas;
3) Que os autores, em 15/02/2019 estivessem convictos de que a escritura tinha de ser outorgada até 15/02/2019;
4) Que em 20/02/2019 os autores desconhecessem se a executada se havia apresentado à insolvência ou estado do processo e que tal desconhecimento, aliado à garantia, pela ré, de que a escritura se realizaria tenha determinado o autor marido a pagar o IMT e o IS;
5) Que no decurso da outorga da escritura a ré haja afirmado não ter sido notificada da existência de qualquer insolvência da executada FF;
6) Que a representante da Banco 1... tenha evidenciado dúvidas sobre a admissibilidade da outorga da escritura e que esta só haja sido outorgada por força das certezas verbalizadas pela ré;
7) Que só após 04/03/2019 os autores tenham tido conhecimento de que a executada fora declarada insolvente em 06/02/2019, no âmbito do processo 231/19.... e que só após a constituição de mandatário hajam tido conhecimento da instauração, pela executada, de incidente de nulidade da venda;
8) Que a ré tenha levado os autores a acreditar que o negócio visado por estes era perfeitamente possível, legalmente válido e definitivo e que, sem estas garantias prestadas pela ré, jamais teriam apresentado proposta, solicitado empréstimo e pago o preço;
9) Que a ré não haja prestado qualquer esclarecimento aos autores;
10) Que, uma vez determinada a restituição do preço, só após muita insistência do Ilustre Mandatário dos autores, a ré tenha procedido à aludida restituição;
11) Que o empréstimo do Banco 1... se haja mantido em vigor até Janeiro de 2020;
12) Que o valor de juros suportado pelos autores ascendesse concretamente a € 1.709,04;
13) Que os autores hajam suportado concretamente o pagamento de oito prestações de seguro multirriscos, no valor de € 564,95;
14) Que com a subscrição do seguro de vida os autores hajam despendido concretamente € 550,24 para o pagamento de duas prestações;
15) Que não haja sido apresentada aos autores nota de honorários por força do patrocínio no processo 231/19....;
16) Que com a deslocação a ... no dia 21/02/2019 os autores hajam despendido a quantia de € 82,80 com combustível e de € 17,10 com portagens;
17) Que os autores tenham tido necessidade de reunir com o seu Ilustre Mandatário, em ..., em duas ocasiões e que tenham despendido, com combustível, a quantia de € 166,68 e de € 34,20 com portagens;
18) Que com as deslocações ao prédio os autores hajam despendido a quantia de € 1.742,40; 19) Que o autor marido, entre 19/01/2019 e 27/03/2019 tenha perdido 162 horas de trabalho por conta da pretensão de aquisição do prédio e das garantias prestadas pela ré, e que tenha como valor/hora de trabalho € 14,27;
20) Que a autora mulher, entre 19/01/2019 e 27/03/2019 tenha perdido 157 horas de trabalho por conta da pretensão de aquisição do prédio e das garantias prestadas pela ré, e que tenha como valor/hora de trabalho € 8,90; e
21) Que os autores vivam na casa em que continuam a viver, contra sua vontade, e que a situação haja prejudicado o filho de ambos com três anos de idade.

IV
Conhecendo do recurso.

A- Julgamento da matéria de facto

Os recorrentes pretendem impugnar a decisão sobre matéria de facto.
Constam do art. 640º CPC os requisitos formais de admissibilidade do recurso sobre matéria de facto. Como escreve Abrantes Geraldes (Recursos, 2017, fls. 158):
“a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em algumas das seguintes situações:
a) falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, nº 4 e 641º, nº 2, al. b);
b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (art. 640º, nº 1, al. a);
c) falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (vg. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc);
d) falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”.

No caso concreto, os recorrentes respeitaram todos os requisitos impostos por lei, pelo que, sem mais, passamos a conhecer do recurso.

Começam os recorrentes por impugnar o facto provado y, que tem o seguinte teor:

y) Ainda que tenha tentado efectuar o pagamento na mesma data, mostrou-se necessário relegar para o dia seguinte, já que o pagamento tinha de ser feito ao balcão da Banco 1..., pelo que só em data não anterior a 16.02.2019 o autor marido logrou fazer o pagamento do preço e solicitaram à Banco 1... o agendamento da escritura de compra e venda, que ficou aprazada para o dia 21.02.2019.
E pretendem que se dê como provado:
“Em 15.02.2019 o autor marido logrou fazer o pagamento do preço e solicitaram à Banco 1... o agendamento da escritura de compra e venda, que ficou aprazada para o dia 21.02.2019”.
O que está aqui em causa é apenas a data em que o autor marido pagou o preço. Para o Tribunal foi em data não anterior a 16.02.2019, e os recorrentes querem que fique como provado que foi em 15.2.2019. Ora, não vemos onde esteja o erro de julgamento, pois a decisão é congruente com o que foi dado como provado nas alíneas v), x) e w). Aliás, a fundamentação do Tribunal é clara e exaustiva. O mesmo explicou a ré nas suas contra-alegações, dizendo e com razão que da prova produzida em julgamento resultou provado que no dia 15.02.2019 o autor marido tentou diversas vezes proceder ao pagamento do preço e tal não foi possível por ter expirado o prazo da guia e ter sido necessário proceder à sua renovação (cfr. factos provados v), w) e x).
Assim, entendemos que o ponto y) deve manter-se intocado
           
Quanto ao ponto z:
O Tribunal deu como provado que “entre esses dias e quando já era conhecido que a executada havia sido declarada insolvente em 06/02/2019 – data não anterior a 16/02/2019 e 21.02.2019 - o autor marido manteve contacto com a ré, para aferir se a mesma haveria sido notificada de qualquer ordem judicial para suspender o processo executivo e a venda em curso no âmbito do processo de insolvência requerido por FF, ao que a ré, pelo menos até 18/02/2019 respondeu negativamente”.
Os recorrentes pretendem antes que fique provado que “entre esses dias o autor marido manteve contacto com a ré, para aferir se a mesma haveria sido notificada de qualquer ordem judicial para suspender o processo executivo e a venda em curso ao que a ré, pelo menos até 21/02/2019 respondeu negativamente”.
Se bem observarmos, a diferença é irrisória: 3 dias; ambas as redacções afirmam que a ré até 18/02 respondeu negativamente às perguntas do autor sobre a suspensão do processo executivo, sendo que a formulação usada pelo Tribunal (“pelo menos”) admite como possível, mas não adquirido, que a ré tenha dado a mesma resposta após 18/02, e a formulação dos recorrentes dá como certo que ela deu mesmo essa resposta ao autor pelo menos até 21/02.
Sabemos que a executada foi declarada insolvente em 6/02/2019, e que a escritura se realizou no dia 21/02/2019.

E recorde-se que o Tribunal recorrido explicou de forma clara e exaustiva que:
em face dos depoimentos/declarações prestados e não obstante a insistência do autor marido em afirmar que só após a escritura soube que a executada havia sido declarada insolvência antes da escritura, o Tribunal não se convenceu e isto tendo, particularmente, presente as declarações prestadas pela autora mulher, muito mais distanciada de todo o processo tendente à aquisição e impreparada, que, de forma espontânea, reconheceu o risco que ela sempre soube existir, de que a compra se gorasse por força da insolvência de que, igualmente, reconheceu ter conhecimento muito antes da formalização da escritura.
Como, senão por intermédio do autor marido, poderia saber de tal ?
Igualmente espontânea a mãe do autor marido começou logo por dizer que, desde o início, procurou demover o filho de avançar para o negócio, isto porque “execuções e insolvências dão sempre chatices!”
É certo que procurou depois “emendar a mão”, mas mesmo então se descaiu, dizendo que só ficou sossegada quando “viu a carta do tribunal a dizer que o negócio se tinha concretizado”.
Independentemente da “carta” que possa ter visto, o que resulta cristalino é que todos os intervenientes sempre estiveram cientes da fragilidade da compra que se propunham fazer, cientes de que corriam contra o tempo, o tempo em que a outorga da escritura deixaria de ser possível (a autora reconheceu-o claramente e só essa noção explica os cuidados que os autores – máxime o autor marido – colocaram em todo o processo no que concerne à hipotética insolvência). Que necessidade haveria de questionar diariamente a AE – como afirma ter feito – se estivesse, como afirma também, descansado com a convicção que ela lhe veicularia de que tudo estava bem?
Só esta consciência justifica que tudo haja sido feito (e só terá sido possível face à posição do falecido pai do autor marido na Banco 1... de ...) para, em menos de 15 dias, uma instituição bancária aprovar um mútuo de valor superior a € 200.000,00, mais adiantando tal quantia, em descoberto autorizado.
E a verdade é que, objectivamente, a aprovação e disponibilização do valor aconteceu em menos de 15 dias, se atentarmos que neste, como em muitos mais, ponto, as partes convergem e só 2 ou 3 dias depois da decisão de adjudicação (ocorreu em 29/01/2019, o que nos coloca no período em que os autores afirmam, na PI, ter tido conhecimento da necessidade de depositar o preço em prazo curto, sendo que em juízo o autor marido reconheceu que só algum tempo depois fez saber à ré que ia recorrer a empréstimo) e tendo o pagamento sido efectuado em 15/02/2019 (o Tribunal considerou o depoimento de DD, porque estribado em documentos do banco que consultou, corroborando, ademais, as declarações prestadas pelo autor que fez saber que não conseguiu pagar num dia, porque a guia tinha o prazo excedido e, apesar de facultada nova guia de imediato, só no dia seguinte conseguiu pagar, colocando o pagamento, pelo menos, em 15/02/2019), apenas 14 dias se passaram, prazo que, as regras da experiência assim o ditam, é muito inferior ao habitual, sobretudo para uma situação em que o capital foi adiantado sem qualquer garantia ou sequer respaldo documental (que só a escritura traria).
Só a “corrida contra o tempo” explica que assim tenha sucedido, corrida evidenciada se tivermos em atenção que, apesar da guia possibilitar o pagamento até 18/02/2019, o autor marido se tenha apressado a tentar pagá-la de imediato, insistindo no dia seguinte até lograr (o que não sucedeu, diga-se, com as obrigações fiscais, que relegou para a véspera da escritura).
E a verdade é que sequer é congruente que os autores que na PI (e, em juízo, particularmente o autor marido) repetidamente afirmaram que teriam desistido se soubessem da insolvência, ao saber, como reconheceram saber, que havia o propósito da executada se apresentar à insolvência, não tenham suspendido todo o processo de concessão de crédito, até esclarecimento.
A (in)congruência recoloca-se se pensarmos que era a casa dos sonhos do autor marido e que havia uma janela de oportunidade de a adquirir a muito bom preço.
Ademais, não pode perder-se de vista a formação dos autores e a actividade profissional do autor marido – avaliador –, muito habituado a acompanhar vendas judicias e outras vendas promovidas na internet”.
E é pacífico que a executada foi declarada insolvente em 6/02/2019, e que a escritura se realizou no dia 21/02/2019.
Mais, ficou provado na alínea ee), contra a qual os recorrentes não se insurgem, que “acontece que no momento em que estava a ser outorgada a escritura de compra e venda, no dia 21.02.2019, no cartório da Dra. GG, em ..., alguém aludiu “à insolvência” de FF, tendo sido decidido verificar se já estava registada a insolvência no prédio, o que não sucedia, pelo que o acto prosseguiu e a escritura foi outorgada”.
Mas mais ainda: da conjugação dos factos provados nas alíneas ii) e kk) resulta que que nos dias seguintes a 4/03/2019 o autor marido foi contactando a ré, pedindo esclarecimentos sobre o estado do processo e insistindo na resolução, com a maior brevidade, do problema em curso, tendo sido informado de que a executada dera entrada de incidente de nulidade da venda executiva, tendo a ré recomendado ao autor marido que solicitasse os serviços de um advogado.
Por aqui se vê ainda que a alteração pretendida é de todo irrelevante para qualquer solução jurídica do caso.
E assim, decide-se manter o facto provado tal como está.

Alínea aa): o Tribunal considerou provado que “na verdade, pelo menos em 18/02/2019, a ré foi notificada de que a execução estava suspensa, por força da declaração da executada como insolvente, facto de que deu conhecimento ao autor marido, pese embora em data não concretamente apurada, entre esse momento e a data aprazada para a escritura”.
E os recorrentes pretendem que fique provado que “pelo menos em 18/02/2019, a ré foi notificada de que a execução estava suspensa, por força da declaração da executada como insolvente, facto de que, entre esse momento e a data aprazada para a escritura, não deu conhecimento aos autores”.
Aqui temos de começar por referir que a formulação desta alínea não se nos afigura correcta: a ré não é notificada que a execução ficou suspensa. A ré tem de ser notificada, isso sim, que o executado foi declarado insolvente, e então declara suspensa a execução quanto a esses bens (cfr. art. 88º,1,4 CIRE), no processo executivo.
Mas, dito isto, vamos limitar-nos a remeter para as considerações expostas aquando do ponto z) dos factos provados. Sobretudo remetemos para a fundamentação do Tribunal recorrido (que transcrevemos), clara e cristalina, que consideramos que corresponde à melhor, para não dizer única, leitura de toda a prova produzida.
Donde, mantém-se o facto provado tal como está.

Quanto aos factos provados xx), yy) e aaa), o que está em causa tão só é a determinação dos valores que os autores tiveram de suportar com todo o processo de aquisição falhada do imóvel.
O Tribunal explica claramente as respostas restritivas que deu a estes factos, dizendo: “com efeito, o Tribunal considerou os documentos juntos aos autos com os articulados apresentados pelas partes e posteriormente, pelos autores (assinalando-se que, quanto a estes últimos, foram impugnados e não pode o Tribunal, sem dúvida, afirmar integralmente respeitantes ao empréstimo contraído perante o Banco 1..., ainda que se não ofereçam dúvidas quanto ao valor do cheque visado (…)”.
Sucede porém, que estes factos que os recorrentes querem que se aditem são totalmente irrelevantes para a decisão, uma vez que com os factos já provados, nunca a acção seria julgada procedente, como veremos a seguir. E por isso, estar a apreciar os mesmos seria um acto inútil.

Finalmente, quanto aos factos não provados 4 e 8, vamos remeter mais uma vez para a análise integrada de toda a prova feita pelo Tribunal recorrido, que já aqui reproduzimos, com total concordância, e que os recorrentes não conseguem demolir com nenhum dos seus argumentos. Repetindo, “em face dos depoimentos/declarações prestados e não obstante a insistência do autor marido em afirmar que só após a escritura soube que a executada havia sido declarada insolvência antes da escritura, o Tribunal não se convenceu e isto tendo, particularmente, presente as declarações prestadas pela autora mulher, muito mais distanciada de todo o processo tendente à aquisição e impreparada, que, de forma espontânea, reconheceu o risco que ela sempre soube existir, de que a compra se gorasse por força da insolvência de que, igualmente, reconheceu ter conhecimento muito antes da formalização da escritura. Como, senão por intermédio do autor marido, poderia saber de tal ?
Bem andou o Tribunal recorrido em considerar tais factos como não provados.

A matéria de facto provada mantém-se, pois, intocada.

B- Julgamento da matéria de direito

Da leitura das conclusões de recurso resulta que os recorrentes não impugnam de per si a aplicação do direito aos factos feita pelo Tribunal, mas sim o próprio julgamento da matéria de facto, pretendendo a alteração desses factos, e só então, com os novos factos que sugerem sejam tidos como provados, obteriam o efeito pretendido, da condenação da ré.
Como vimos, o recurso nessa parte improcedeu. Donde, não haveria que apreciar a solução jurídica dada pelo Tribunal recorrido.

Porém, entendemos que devemos tecer umas breves considerações, para que não fique qualquer dúvida.
Está em causa nestes autos a actuação de Agente de Execução, no âmbito de uma acção executiva.

Resulta do disposto no artigo 719º,1 CPC que “cabe ao agente de execução efectuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz, incluindo, nomeadamente, citações, notificações, publicações, consultas de bases de dados, penhoras e seus registos, liquidações e pagamentos”.
Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (in CPC Anotado, Vol. II, Almedina, 2020, p. 61) escrevem que “o agente de execução pratica actos executivos e profere decisões sobre a relação processual (v.g. art.º 855.º, n.º 2, al. a)) e ainda sobre a realização coactiva da prestação (v.g. arts. 763.º, n.º 1, 803.º, n.º 1 e 849.º). Os actos executivos podem ser vinculados (v.g. modo de realização da penhora), discricionários (v.g. art.ºs 812.º, n.º 5 e 833.º, n.º 1) ou de mero expediente (v.g. fixação da data da venda) (…)”.
Ao agente de execução cabe, pois, a prática de uma multiplicidade de actos, cujo incumprimento o poderá fazer incorrer em diversos níveis de responsabilidade (exigindo a lei, inclusive, que o agente de execução celebre e mantenha um seguro de responsabilidade civil profissional, tendo em conta a natureza e o âmbito dos riscos inerentes a tal actividade – cfr. artigo 123.º da Lei n.º 154/2015, de 14 de Setembro, que aprovou o Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução).
Resulta ainda do disposto no artigo 119º do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução (aprovado pela Lei n.º 154/2015, de 14 de Setembro), que os agentes de execução, “no exercício das suas funções, mantêm sempre e em quaisquer circunstâncias a sua independência, devendo agir livres de qualquer pressão, especialmente a que resulte dos seus próprios interesses ou de influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional no intuito de agradar ao seu cliente, aos seus colegas, ao tribunal, a exequentes, a executados, aos seus mandatários ou a terceiros”.
Com base neste regime, a jurisprudência é claramente maioritária no sentido de considerar que o AE actua, no exercício das suas funções, como profissional liberal, ainda que exercendo actividade de cariz judicial. Daí que tenha um estatuto deontológico e disciplinar próprio.
Daqui decorre (outra conclusão quase pacífica) que a eventual responsabilidade civil do Agente de Execução é uma responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, nos termos definidos pelos arts. 483º e seguintes do Código Civil.
Neste sentido veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/04/2013, relatado pelo Conselheiro Abrantes Geraldes: “Embora as atribuições do agente de execução não se circunscrevam às que são típicas de uma profissão liberal, envolvendo também actos próprios de oficial público, para efeitos de responsabilidade civil emergem os aspectos de ordem privatística que resultam, nomeadamente, da forma de designação, do grau de autonomia perante o juiz, do regime de honorários, das regras de substituição e de destituição, da obrigatoriedade de seguro ou do facto de o recrutamento, a nomeação, a inspecção e a acção disciplinar serem da competência de uma entidade que não integra a Administração. A responsabilidade civil que aos agentes de execução for imputada, no âmbito do exercício da sua actividade, obedece ao regime geral, e não ao regime da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas previsto no Dec. Lei n.º 48.051, de 21-11-1967 (entretanto substituído pela Lei n.º 67/07, de 31-12)”. Veja-se igualmente o Acórdão do TRP de 29 de Setembro de 2021 (Lina Baptista).
Aqui chegados, apenas resta olhar para os factos provados e tentar perceber se deles emerge o preenchimento dos requisitos impostos pelo art. 483º CC para o surgimento de uma obrigação de indemnizar por factos ilícitos.
Foi o que fez a sentença recorrida, sendo que damos aqui por reproduzidas as considerações teórico-doutrinárias sobre o conceito em causa.
Olhando agora para os factos provados, deles resulta que os autores ficaram interessados na aquisição do imóvel penhorado, e no dia .../.../2019 intervieram no leilão, apresentando uma proposta para a sua aquisição no valor de € 271.892,00.
Exequente e executada não se opuseram à aceitação desta proposta pelo que a ré, agente de execução responsável pela venda do imóvel, decidiu estarem reunidas as condições para que se concretizasse a adjudicação do prédio aos autores conquanto estes depositassem o preço e demonstrassem a liquidação do IMT e IS no prazo de 15 dias a contar da notificação e não fossem exercidos direitos de preferência ou direito de remição.
E nesse dia 29.1.2019 notificou nesse sentido o autor marido, informando, além do mais, que o valor da proposta aceite era pagável até 13/02/2019.
O autor marido entrou em contacto telefónico com a agente de execução, em data não anterior a 01/02/2019, informando-a que nesse prazo não tinha possibilidade de fazer a escritura, uma vez que tinha de recorrer a um empréstimo bancário e o prazo apresentado não era viável para esse fim, solicitando a prorrogação do prazo.
A ré aceitou, com a concordância do exequente.
O autor solicitou então a concessão de empréstimo bancário.
Sucede que, volvidos cerca de cinco dias após o telefonema referido em o), ou seja, em 6/02/2019, a ré contactou o autor informando-o que tinha tido conhecimento que a executada ia requerer a sua insolvência pessoal, alertando para a essencialidade de cumprimento dos prazos processuais. E informou ainda o autor de que iria estar atenta ao andamento do processo e que caso fosse declarada a insolvência de FF, teria que suspender a execução em que lhe havia sido adjudicado o imóvel e não poderia realizar qualquer negócio sobre o prédio.
A partir deste momento -é incontornável- os autores estão cabalmente informados que a sua aquisição do dito imóvel está em risco. Podemos dizer que neste momento os autores sabiam (pelo menos tinham a obrigação de saber) que estavam numa espécie de “corrida” ao imóvel, e que tinham de fazer o pagamento do valor oferecido bem como de todas as quantias legalmente devidas, antes de a executada ser declarada insolvente, atento o efeito que essa declaração teria sobre as acções executivas pendentes.
Repare-se que a ré nada tinha a ver com a forma como os autores iriam obter o montante necessário para assegurar a adjudicação do imóvel: esse não era assunto relevante para o agente de execução. Para a ré, havia apenas que fixar o prazo para o pagamento ser feito, e, eventualmente, mediante requerimento do potencial adquirente, conceder uma prorrogação.
Os autores trataram de obter o financiamento bancário, que lhes foi concedido em 15.02.2019.
O autor marido encetou diversas tentativas para proceder ao pagamento da importância em causa, através da referência multibanco indicada pela ré, mas não conseguiu, por estar excedido o prazo de pagamento.
O autor deu disso conhecimento à ré, que o informou que de imediato iria proceder à renovação da guia, passando a mesma a estar disponível até ao dia 18.02.2019.
Só em data não anterior a 16.02.2019 o autor marido logrou fazer o pagamento do preço.
A escritura foi logo agendada para o dia 21.02.2019.
Entre esses dias 16 e 21 de Fevereiro, quando já era conhecido que a executada havia sido declarada insolvente em 06/02/2019, o autor marido manteve contacto com a ré, para aferir se a mesma haveria sido notificada de qualquer ordem judicial para suspender o processo executivo e a venda em curso no âmbito do processo de insolvência requerido por FF, ao que a ré, pelo menos até 18/02/2019 respondeu negativamente.
Pelo menos em 18/02/2019 a ré foi notificada de que a execução estava suspensa (leia-se, que a executada fora declarada insolvente).
Em data não concretamente apurada, mas situada entre essa data e a data aprazada para a escritura, a ré deu conhecimento desse facto ao autor marido.
Entretanto, em 20/02/2019 o autor marido procedeu ao pagamento do IMT e IS.
No momento em que estava a ser outorgada a escritura de compra e venda, no dia 21.02.2019, no cartório da Dra. GG, em ..., alguém aludiu “à insolvência” de FF, tendo sido decidido verificar se já estava registada a insolvência no prédio, o que não sucedia, pelo que o acto prosseguiu e a escritura foi outorgada. Damos aqui o seu teor por reproduzido.
Tal aquisição ficou nesse mesmo dia registada na Conservatória do Registo Predial.
Quando o autor marido contactou directamente a executada para que, tal como com ela combinado, esta procedesse à entrega do prédio que lhe havia sido vendido, esta informou-o que havia sido aconselhada pelo seu advogado a não entregar o imóvel, por força da insolvência.
O autor expôs a situação à ré.
Esta informou o autor que a executada dera entrada de incidente de nulidade da venda executiva, tendo a ré recomendado ao autor marido que solicitasse os serviços de um advogado.
Com efeito, na execução com a letra ..., apensa ao processo de insolvência, a executada havia suscitado um incidente de nulidade da escritura de compra e venda a favor dos autores.
Os autores deduziram oposição ao aludido incidente, pugnando pela validade da venda efectuada, argumentando, além do mais, que a escritura se limitou a formalizar um negócio perfeccionado com a adjudicação, nada obstando à formalização, indicando jurisprudência para fundamentar tal entendimento.

Tal incidente foi decidido por despacho de 17/10/2019, cujo teor vamos aqui reproduzir:

“(…)Com relevância para apreciação da excepção invocada, resultam apurados os seguintes factos:
1. Em 06.02.2019 foi declarada a insolvência de FF, por sentença proferida nos autos principais, transitada em julgado.
2. Na presente execução foi penhorado o prédio misto sito na Rua ... e inscrito sob os arts. ...90-urbano e ...17-rústico e nele foram realizadas diligências de venda por leilão electrónico, realizado em .../.../2019.
3. Aos 18.02.2019 é declarada suspensa a execução, na decorrência da declaração de insolvência mencionada em 1.
4. Em 20.02.2019 a agente de execução emite o título de transmissão referente à venda operada por leilão do imóvel descrito em 2.
Decorre do preceituado no n.º 1 do artigo 88.º do C.I.R.E., que a declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência.
O regime estatuído no citado preceito legal é um efeito automático da declaração de insolvência, não dependendo de requerimento de qualquer interessado.
A consequência é a da nulidade dos actos que em execução tenham sido praticados após a decretação de insolvência, que deve ser declarada logo que no tribunal do processo a situação seja conhecida (…).
In casu, verifica-se que não obstante a suspensão da instância executiva ter ocorrido em 18.02.2019, a emissão do título de transmissão de venda ocorreu em 20.02.2019, ou seja, no decurso da suspensão da execução e após a declaração da insolvência.
Isto posto, impõe-se anular o processado ocorrido após a suspensão da presente instância executiva e consequentemente declarar nula a emissão do título de transmissão do imóvel em referência, o que gera a total ineficácia da venda ocorrida.
Em consequência e de harmonia com o preceituado no art.º 149.º do CIRE, determina-se a imediata formalização da apreensão do imóvel em causa a favor da massa, com a devolução integral ao adquirente do preço pago e registo da declaração de insolvência na respectiva certidão predial. (…)” - cfr. doc. ... junto com a PI”.

Ora bem.
Sendo esta, de forma resumida, a factualidade pertinente, nenhuma censura temos a fazer à sentença recorrida.
O Tribunal a quo considerou, em resumo nosso, o seguinte: os autores pretendem ver ressarcidos os danos de natureza patrimonial e não patrimonial que sofreram. Daí o Tribunal passou a verificar se a ré CC violou algum direito dos autores, ou lei que se destinasse a proteger interesse alheio.
O que temos perante nós é que a ré exerceu as funções de Agente de Execução no processo que correu termos sob o n.º 357/17...., outorgou escritura de compra e venda de bem penhorado, numa execução então suspensa por força da declaração, como insolvente, da executada, o que determinou viesse a ser declarada nula a emissão do título de transmissão do aludido bem, com a ineficácia da venda ocorrida.
Porém, não se comprovou que a ré haja ocultado a declaração de insolvência e até a notificação da suspensão da execução aos autores.
À luz do disposto no artigo 88º do CIRE, tal outorga, porque em momento em que a execução estava suspensa, é ilícita, mas não se verifica o nexo causal entre essa outorga e a totalidade dos danos alegados pelos autores. Com efeito, as démarches para a licitação, as démarches para obtenção do empréstimo, o pagamento do preço, tudo estava já consumado, em nome da expectativa da aquisição. Quando os autores incorreram nos custos referidos, fizeram-no em nome de uma expectativa que sabiam periclitante, após a apresentação à insolvência por banda da executada.
Ficou provado que em 21/02/2019 os autores eram conhecedores da declaração de insolvência e até da suspensão da execução e, ainda, assim, decidiram outorgar a escritura.
Ficou assim arredado qualquer nexo causal entre o comportamento da ré e os alegados danos, quer patrimoniais quer não patrimoniais.
E em face do vertido em oo) dos factos provados, designadamente quanto à consideração de 18/02/2019 como a data da suspensão da execução, que pode, inclusive, perspectivar-se que, houvesse o pagamento do preço e dos impostos ocorrido entre 15/02/2019 e 17/02/2019, o desfecho do incidente de nulidade tivesse sido diferente, o que também afasta a prova do nexo causal.
E com efeito assim é.
Não é possível afirmar nem o nexo causal entre o facto praticado pela ré e o dano alegado pelos autores, nem sequer que a ré tenha actuado com dolo ou negligência. E mesmo quanto à ilicitude, temos as maiores dúvidas.
O facto fundamental aqui é que, antes da realização da escritura, a ré foi notificada de que “a execução estava suspensa, por força da declaração da executada como insolvente”, e deu conhecimento desse facto ao autor marido. A decisão de prosseguir com a escritura, nestas circunstâncias, tem de ser assacada aos ora recorrentes. O que queremos com isto dizer é que eles, sabendo da suspensão da execução, e sabendo do risco que estavam a correr, mesmo assim assumiram esse risco e outorgaram na escritura.
Mas há ainda um outro aspecto que deve ser considerado aqui.
A “corrida” que supra-referimos pela propriedade / posse do imóvel, entre os ora recorrentes e a massa falida, não envolve apenas factos e datas. É também e sobretudo uma “corrida” jurídica, no sentido em que envolve conceitos técnicos e um julgamento jurídico. Concretamente, coloca-se a questão de saber em que momento a venda executiva se deve considerar consumada, se com o pagamento do preço, se com a realização da escritura, se com a emissão do título de transmissão.
Por exemplo, no Acórdão do TRE de 6 de Dezembro de 2018 (Manuel Bargado), colocava-se a questão de saber “em que momento se deve considerar efectuada a venda judicial em processo de execução, sabido que, nos termos do disposto no art.º 847º, nº 1, do CPC, se o requerimento para liquidação da responsabilidade do executado for feito antes da venda ou adjudicação de bens, liquidam-se unicamente as custas e o que faltar do crédito do exequente”. E a questão foi aí analisada, com ponderação de doutrina e jurisprudência. E concluiu-se que “na venda executiva por leilão electrónico a transmissão da propriedade do bem vendido só se opera com o pagamento integral do preço e a satisfação das obrigações fiscais inerentes à transmissão e a emissão do respectivo título de transmissão - o instrumento de venda”.
Não é a solução que aí se deu que nos interessa agora. Interessa-nos perceber que sobre essa questão formaram-se posições divergentes, como aliás, em quase todas as questões de natureza jurídica.
Assim é que, verdadeiramente, a decisão da “corrida” não foi apenas um conjunto de factos e datas, mas antes uma questão jurisdicional, que foi decidida pelo despacho de 17/10/2019, proferido no processo de insolvência, que declarou nula a emissão do título de transmissão do imóvel em referência, o que gerou a total ineficácia da venda ocorrida.
A venda executiva não se traduz num só acto, mas sim num encadeado deles. E não repugna considerar que, se à data da notificação da declaração de insolvência ao agente de execução, já o pagamento do preço estivesse feito e o título de adjudicação entregue, poder-se-ia considerar que essa venda já estava consumada, não sendo abrangida pela paralisação decorrente da insolvência. Seria uma questão de aplicação no tempo da decisão que decretou a insolvência. Não estamos a dizer que é o que ocorre, apenas que é uma interpretação possível. E sendo uma questão jurisdicional não linear, não cabia à agente de execução decidir a mesma.
Recordemos, como escrevem Abrantes Geraldes e outros, na obra supra citada, fls. 53, que “ao agente de execução é cometido um poder geral de direcção do processo de execução, tendo uma competência ampla e não tipificada, embora com natural exclusão dos actos que apresentem natureza jurisdicional, nos termos definidos no art. 723º e noutras normas avulsas. Ou seja, compete ao agente de execução a prática da quase totalidade dos actos de execução, com excepção dos materialmente jurisdicionais e especificamente daqueles cuja competência é legalmente deferida ao Juiz”.
E é aqui que entronca a defesa apresentada pela ré, que, a esta luz, faz pleno sentido. Afirmou ela na sua contestação que, além do mais, “uma vez que a adjudicação do bem estava feita por decisão datada de 29/01/2019, era entendimento da ré que era seu dever proceder à outorga da escritura, até porque, aquando da suspensão da execução, inclusive o preço já se mostrava depositado, pelo que apenas a afectação do preço da venda estaria em causa”.
Esta era, no momento, a essência do problema: saber se aquela venda executiva em concreto, que já estava quase concluída, também seria abrangida pela suspensão decorrente da declaração de insolvência.
“O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores (art. 1º,1 CIRE).

Prescreve o artigo 149.º CIRE que uma vez proferida a sentença declaratória da insolvência se deve proceder à imediata apreensão de todos os bens integrantes da massa insolvente. A competência para tal cabe ao administrador de insolvência (artigo 150º CIRE), juntando depois aos autos o auto do arrolamento e do balanço e elaborando um inventário dos bens e direitos integrados na massa insolvente.

O art. 88º CIRE, na redacção da Lei 16/2012, de 20 de Abril) dispunha:
Artigo 88º (Acções executivas) 1- A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes. (…) 4- Compete ao administrador da insolvência comunicar por escrito e, preferencialmente, por meios electrónicos, aos agentes de execução designados nas execuções afectadas pela declaração de insolvência, que sejam do seu conhecimento, ou ao tribunal, quando as diligências de execução sejam promovidas por oficial de justiça, a ocorrência dos factos descritos no número anterior”.
A questão de saber se essa suspensão abrange uma venda executiva, que é composta por vários actos sequenciais, sendo que a maior parte deles já estavam praticados, é uma questão eminentemente técnico-jurídica. E salvo melhor opinião, não cabia à ré exercer esse julgamento face à concreta venda em curso. Ela fez o que considerou ser a sua obrigação: informou os compradores da declaração de insolvência. Mesmo assim, estes decidiram outorgar a escritura. 
E note-se a relevância do que ficou provado na alínea ee): “acontece que no momento em que estava a ser outorgada a escritura de compra e venda, no dia 21.02.2019, no cartório da Dra. GG, em ..., alguém aludiu “à insolvência” de FF, tendo sido decidido verificar se já estava registada a insolvência no prédio, o que não sucedia, pelo que o acto prosseguiu e a escritura foi outorgada”.
Assim, se a própria Notária, perante a informação da insolvência, decidiu prosseguir com a escritura, e os ora recorrentes também quiseram celebrar a escritura, porque razão iria a ré / ora recorrida opor-se ?
Acresce que, como vimos, a questão de saber se a venda se mantinha ou era considerada ineficaz, como questão jurisdicional que era, acabou por ser levada, e bem, ao Juiz titular do processo de insolvência, o qual, após cumprimento do contraditório, a decidiu.
Quer-nos até parecer que a ré/recorrida agiu como agiu para tentar ajudar os ora recorrentes a adquirirem para si o prédio, por ser evidente o grande interesse que tinham nele. Mas apesar disso, não deixou de os avisar do risco que corriam.
Refere a recorrida EMP02..., SA nas suas contra-alegações, que “a responsabilidade civil por omissão pressupõe o dever específico de praticar um acto que, pelo menos, muito provavelmente teria impedido a consumação do dano. No caso, estaríamos perante o dever que imponha ao agente de execução a obrigação de divulgar a declaração de insolvência a terceiro que se propõe adquirir por escritura pública um bem apreendido em execução. Impor tal dever ao agente de execução seria, inclusivamente, contraditório com o carácter público da insolvência que, aliás, é publicitada por forma a ser divulgada e dada a conhecer a todos”. Ora, sucede que, sendo certo que a ré não tinha esse dever, ficou provado que a ré prestou mesmo essa informação ao terceiro adquirente. Também por essa via não existe qualquer fundamento para responsabilizar a ré pelos danos sofridos pelos autores.
Finalmente, da argumentação dos recorrentes parece resultar que a ré tinha o dever de os aconselhar juridicamente, quase como se fosse sua Advogada. Nada mais longe da verdade. Mais uma vez lembramos, provou-se que a ré, pelo menos em 18/02/2019 foi notificada de que a execução estava suspensa, por força da declaração da executada como insolvente (leia-se, a ré foi notificada que a executada tinha sido declarada insolvente), e que em data não concretamente apurada, mas situada entre essa data e a data aprazada para a escritura, a ré deu conhecimento desse facto ao autor marido. Mais não era obrigada a fazer (art. 719º CPC, a contrario).
Assim sendo, a conduta da ré que emerge da factualidade provada não preenche os requisitos do art. 483º CC para o nascimento da obrigação de indemnizar: não se verifica ilicitude, nem culpa (dolo ou negligência), nem nexo de causalidade entre o facto e o dano. Diremos mais ainda: como refere a Seguradora nas suas contra-alegações, ainda que a matéria de facto tivesse sido alterada como pretendiam os recorrentes, ainda assim a acção improcederia.
Nenhuma censura merece a sentença recorrida.

O recurso improcede.
*
V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso totalmente improcedente e confirma integralmente a sentença recorrida.

Custas pelos recorrentes (art. 527º,1,2 CPC).
Data: 11.1.2024 
Relator (Afonso Cabral de Andrade)
1º Adjunto (Ana Cristina A. O. Duarte)
2º Adjunto (Alexandra Rolim Mendes)