Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1408/13.7TBVCT-I.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MARTINS MOREIRA DIAS
Descritores: ARRESTO
VENDA EM INSOLVÊNCIA
ERRO-VÍCIO
REDUÇÃO DO PREÇO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).

1- Em caso de erro-vício sobre a identidade e/ou as características de prédio comprado em venda judicial, por desconformidade entre essa identidade e/ou as características deste e o teor do anúncio de venda, apenas fica conferido ao comprador o direito a requerer a anulação da compra e venda e a ser indemnizado, nos termos e limites fixados no art. 838º do CPC, mas não a obter a redução do preço.
2- A anulação da venda a que alude o art. 838º do CPC, pressupõe que o comprador esteja efetivamente numa situação de erro-vício quanto à identidade e/ou às características do prédio no momento da compra e venda, o que não é o caso do arrestante que alega, em sede de requerimento inicial, que antes de celebrar a escritura de compra e venda, foi informado pelo legal representante da insolvente que o prédio não tinha a área que constava do anúncio de venda porque tinha sido nele sido englobada, mediante recurso a documentos falsos, a área de terreno de um prédio contíguo, propriedade de terceiro, que assim foi totalmente absorvido pelo prédio e que sustenta que, na altura, esse legal representante da insolvente lhe apresentou documentação, que o levaram a concluir que essa informação tinha fortes indícios de ser verdadeira, mas que apesar disso decidiu avançar para a celebração do contrato de compra e venda.
3- Pretendendo o requerente arrestar o preço correspondente aos m2 de terreno que o terceiro se arroga proprietário sobre o prédio comprado, tendo por referência o preço pela qual comprou esse mesmo prédio face à área anunciada no anúncio de venda, bem como a quantia correspondente às despesas prováveis que irá despender em ação que afirma irá instaurar contra o terceiro que se arroga proprietário de parte do terreno do prédio, com vista a elucidar se essa área de terreno integra ou não o prédio comprado, até ao trânsito em julgado da decisão a proferir nessa ação, o crédito de que o requerente se arroga titular sobre a requerida (massa insolvente), além de não lhe assistir face aos motivos indicados em 1) e 2), revela-se de natureza meramente hipotética e eventual e, por isso, insuficiente para satisfazer o requisito “da provável existência do crédito”, a que alude o n.º 1 do art. 392º do CPC.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

RELATÓRIO.

Recorrente: X – Sociedade Imobiliária, S.A.

Por apenso aos autos de insolvência, em que por sentença proferida em 11/10/2013, Y – Investimentos Imobiliários, Lda., foi declarada insolvente, veio X - Sociedade Imobiliária, S.A., instaurar o presente procedimento especificado de arresto contra a Massa Insolvente de Y – Investimentos Imobiliários, Lda., pedindo que se ordene o arresto da quantia de 244.746,70 euros, até ao trânsito em julgado da ação a interpor pela requerente, tendo em vista o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre a totalidade da verba n.º 1, designadamente dos seus 7.020,42 m2 ou 7.342,00 m2.
Para tanto alega em síntese, que nos autos de insolvência foram apreendidos os prédios com as descrições prediais n.ºs … 2 e …, descritos no auto de apreensão sob as verbas n.ºs 1 e 3;
O prédio descrito sob a verba n.º 1 consta do auto de apreensão como tendo uma área de 7.342,00 m2 e essa área consta igualmente das certidões predial e matricial desse prédio, bem como do anúncio para venda do mesmo e, bem assim do relatório da venda;
Os prédios foram vendidos, em sede de liquidação do ativo, por leilão eletrónico, em que a requerente foi licitante e cuja proposta veio a ser aceite;
Acontece que poucos dias após o termo do leilão, a requerente foi contactada por M. B., legal representante da insolvente, que a informou que o prédio da verba n.º 1 não tinha a área anunciada para a venda e pela qual foi vendido, mas apenas 5.500m2, isto porque, em momento anterior, tinha sido retificada falsamente a área desse prédio para os valores que atualmente constam das suas descrições predial e matricial, tendo sido nessa área englobada a área de um outro prédio, propriedade de um terceiro, o que se deveu à circunstância de então se encontrarem em curso negociações com uma empresa, que pretendia comprar o prédio, para nele instalar uma loja, mas que necessitava de uma área de pelo menos 6.000 m2, pelo que então se ficcionou a mencionada área de 7.342,00 m2, recorrendo-se ao expediente da retificação da área daquele nas respetivas descrições predial e matricial, sem que o prédio tivesse efetivamente essa área e o negócio com a dita empresa se tivesse chegado a concretizar;
A referida informação veio a ser reiterada pelo legal representante da insolvente à requerente em duas reuniões que mantiveram, em que aquele lhe apresentou diversa documentação de cujo teor resultam fortes indícios de que essa informação seja verdadeira, pelo que a requerente informou o administrador de insolvência do sucedido, que argumentou que, no seu entender estava tudo certo e que ainda que não estivesse, para que não se preocupasse, na medida em que foi o próprio legal representante da insolvente que assinou a documentação que referia não ser verdadeira, pelo que não podia agora invocar falsidade;
Igual posição veio a ser assumida pelo presidente da Comissão de Credores, que, no entanto, acabou por acordar com a requerente fazer-se um novo levantamento topográfico ao prédio e, bem assim que a confirmar-se a redução da área deste, reduzir-se-ia o preço de aquisição do prédio, vinculando-se aquele a defender essa posição junto dos restantes elementos da comissão de credores e do administrador de insolvência;
Acontece que realizado esse levantamento, verificou-se que o prédio tinha, ao invés do 7.342m2 de área, apenas 7.020 m2;
O presidente da comissão de credores e o administrador de insolvência contestaram esse resultado, pelo que se efetuou novo levantamento topográfico, do qual resulta que o prédio não tem a área anunciada para a venda, razão pela qual, a requerente e o presidente da comissão de credores negociaram reduzir a proposta de compra da requerente para 628.327,59 euros;
Acontece que o administrador de insolvência não aceitou essa redução, argumentando que tal implicaria que o valor da venda do prédio à requerente fosse inferior à proposta imediatamente anterior, o que, a seu ver, implicaria mais um litígio com o propoente não vencedor;
Ponderando nesse argumento, a requerente aceitou celebrar a escritura de compra do prédio pelo valor da proposta inicial vencedora, com a condição de que no texto da escritura ficasse uma cláusula que permitisse a redução do valor do preço da venda, caso o legal representante da insolvente ou um terceiro reivindicassem o prédio alegadamente absorvido pela retificação e em caso de procedência dessa ação;
Essa proposta não foi aceite pelo presidente da comissão de credores, argumentando que tal implicaria que uma parte significativa do preço da venda do prédio da verba n.º 1 não seria entregue aos credores, correndo-se o risco dos autos se eternizarem.
Como a requerente não quis perder o negócio e deixar de adquirir o prédio da verba n.º 1 e não pretendia ficar mais prejudicada do que já ficara, na medida em que pagou três vezes mais pelo m2 praticado naquela zona, decidiu avançar com a celebração da escritura de aquisição das verbas n.ºs 1 e 3;
Acontece que em 03/08/2020, a requerente verificou que no prédio estavam colocadas umas placas de uma imobiliária, promovendo a venda do prédio;
Contactada essa imobiliária, esta informou que atuava em representação de J. S., que dizia ser proprietário do terreno;
Acresce que dias depois, a requerente recebeu uma carta do referido J. S., em que afirma que o terreno é parcialmente sua propriedade e interpelando-a para se abster de qualquer ato sobre esse terreno;
A requerente teme que distribuída a totalidade do produto da venda do prédio da verba n.º 1, eventualmente encerrada a insolvência, se mostre impossível recuperar o valor que se vier a comprovar ter pago em excesso por algo que não pertencia à insolvente e considera que a parte do preço que entregou, equivalente à área que alegadamente pertence ao terceiro, 2.486 m2, acrescida de 10% em virtude das eventuais despesas decorrentes da salvaguarda dos seus direitos, será suficiente para acautelar os seus eventuais prejuízos;
Considera que o arresto da quantia de 244.746,70 euros, resultante do cálculo proporcional do preço por m2 pago, 89,50 euros, e do preço correspondente à área alegadamente pertença do terceiro, 222.497,00 euros, acrescido de 10% em virtude das eventuais despesas decorrentes da defesa dos seus direitos, 22.249,70 euros, será suficiente para salvaguarda dos seus interesses e direitos;
Paralelamente à presente providência cautelar, a requerente irá instaurar ação declarativa para reconhecimento do seu direito de propriedade, pelo que o arresto daquela quantia deverá manter-se até ao trânsito em julgado da decisão a proferir nessa ação e, se procedente, ser o montante arrestado entregue à requerente.

A 1ª Instância indeferiu liminarmente a presente providência com fundamento na sua manifesta improcedência, nos termos que se seguem:

“X - Sociedade Imobiliária, S.A. intentou o presente procedimento cautelar contra Massa Insolvente de Y - Investimentos Imobiliários Ld.ª, pedindo seja decretado o arresto da quantia de 244.746,70 € (duzentos e quarenta e quatro mil setecentos e quarenta e seis euros e setenta cêntimos).---
Alegou, para tanto e em síntese, que: a Requerente adquiriu, por escritura pública entretanto já celebrada, um imóvel em sede de liquidação do ativo, tendo entretanto obtido a indicação de que parte desse imóvel, a saber 2.486 m2, não pertencerá ao transmitente e pretende acautelar a eventual impossibilidade de vir a recuperar o valor do preço referente a essa mesma parte do imóvel, que indevidamente (por força do retro exposto) terá despendido; já depois da aquisição, o alegado proprietário iniciou diligências que são incompatíveis com o direito de propriedade da requerente e que, a corresponderem à verdade, implicarão uma redução substancial do prédio aqui em causa, redução essa que terá de ter como consequência, a redução do preço pago pela adquirente; nesse sentido, a requerente teme que, distribuída a totalidade do produto da venda e eventualmente encerrada a insolvência, se mostre impossível recuperar o valor que se vier a comprovar ter pago em excesso por algo que não pertencia à massa insolvente.---
2.
A questão posta, nesta sede, consiste em saber se, em face do modo como a requerente estrutura a pretensão formulada, deve ou não ordenar-se o cumprimento dos ulteriores termos do presente procedimento cautelar.---
As providências cautelares destinam-se, por definição, a acautelar o efeito útil de determinada ação, através da composição provisória dos interesses conflituantes, mantendo ou restaurando a situação necessária à eventual realização efetiva do direito ameaçado (A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Ed., pp. 23 e seg., Coimbra, Coimbra Editora).---
A providência cautelar de arresto consiste numa apreensão judicial de bens, legalmente configurada, à semelhança das demais, como uma antecipação ou preparação do processo destinado a regular, de forma definitiva, a relação material litigada. Por isso mesmo, o arresto pode ser decretado como preliminar ou incidente da ação declarativa ou executiva (artºs 362º, nº 1, 364º e 391º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil).---
O arresto tem, por escopo – à semelhança do que ocorre com as restantes providências cautelares – evitar que a demora na resolução definitiva do litígio cause, ao aparente (Fumus Bonis Juris) titular do direito, prejuízo irreparável ou de difícil reparação (Periculum In Mora) – artºs 391º e 392º do Cód. Proc. Civil.---
O arresto exige para ser decretado, a verificação cumulativa de dois requisitos. Por um lado, a probabilidade séria de existência do direito invocado e, por outro, a existência de justo receio de perda da garantia patrimonial respetiva (artº 392º, nº 1 do Cód. Proc. Civil).—
Ora, a principal questão que se nos coloca, em face do requerimento inicial, é a de saber se a Requerente do arresto possui sobre a Requerida o invocado direito de crédito, emergente do alegado erro-vicio sobre o objeto do negócio, o que tornará este anulável (art.ºs 251.º e 247.º, do Cód. Civil) e, na sequência, estando apenas em causa uma invalidade parcial do negócio, se assiste direito à requerente em ver reduzido o preço por si liquidado na dita venda (art.º 292º, do C. Civil), em montante equivalente ao crédito alegado pela mesma no requerimento inicial.---
Sucede que, com fundamento de erro-vício sobre o objeto do negócio, mormente de erro sobre coisa transmitida, por falta de conformidade com o que foi anunciado (tanto quanto à identidade como à qualidade da coisa, incluindo o defeito), proveniente de venda judicial, apenas caberá ao comprador pedir, querendo, a anulação da venda e a indemnização a que tenha direito, no processo executivo (ou no processo de insolvência, por efeito do disposto no art.º 17º, do CIRE), com base no regime processual emergente do disposto no art.º 838.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, e não com base nas regras previstas no direito civil (art.ºs 247.º e 251.º, do Cód. Civil), sem prejuízo de o juiz poder remeter o comprador para os meios comuns, através da interposição de uma ação de anulação autónoma (art.º 838º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil), designadamente por permanecer com dúvidas sobre os factos alegados ou a questão se revelar complexa.---
Por via da anulação da venda judicial (executiva ou em processo de insolvência), com base em erro sobre a coisa transmitida, o crédito daí resultante para o comprador corresponde unicamente à indemnização que terá direito pelos danos emergentes dessa venda (interesse contratual negativo), senão houver dolo por parte do encarregado da venda (art.º 909.º, do Cód. Civil) ou, em caso de dolo desta encarregada, por aquele interesse contratual negativo e pelos lucros cessantes (art.º 908.º, do Cód. Civil).---
Aqui chegados, cumpre realçar que a requerente veio invocar como fundamento (causa de pedir) do seu crédito o erro-vício sobre o objeto do negócio, designadamente alegando que a configuração do identificado prédio que constituía a verba n.º 1 do auto de apreensão que se propôs adquirir (e adquiriu efetivamente) no âmbito do referido processo de insolvência não coincidirá com aquela que lhe foi apresentada pela encarregada da venda “Leilão”. Não obstante, esta desconformidade entre as características do prédio vendido e aquelas que lhe foram enunciadas em sede de diligências preparatórias de venda, a requerente não veio pedir a anulação da venda judicial efetuada e correspondente indemnização, conforme prevê o disposto no n.º 1 do art.º 838.º, do Cód. Proc. Civil. Antes, mantém interesse na venda judicial efetuada, se prejuízo de eventual redução do preço que pagou.---
No fundo, a requerente pretende lançar mão do disposto no art. 292º, do Cód. Civil, o qual estipula que: “A nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada.”.---
Ora, como já vimos, os requisitos e efeitos do erro-vício sobre o objeto do negócio, resultantes de uma venda judicial, deverão necessariamente resultar do regime processual específico previsto no art.º 838.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, e não da lei civil.---
Deste modo, no caso em apreço – e repita-se –, em que estamos perante uma venda judicial (e não de um negócio jurídico privado), não tem aplicação o regime civil previsto para a redução do negócio jurídico (art.º 292.º do Cód. Civil).---
Sendo assim, com base nos factos alegados no requerimento inicial, à requerente apenas assistirá (eventualmente) o direito de pedir a anulação integral da venda judicial realizada e a indemnização resultante da mesma anulação, por via do disposto no art.º 838.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil; não o tendo feito, o crédito reclamado assente na (in)validade parcial daquela venda judicial é legalmente inadmissível.---
Por conseguinte, conclui-se que, pelo não preenchimento de um dos requisitos legais necessários à procedência do presente procedimento cautelar de arresto (existência provável do direito de crédito da requerente.---
Pelo exposto, indefere-se, por manifestamente improcedente, o presente procedimento cautelar de arresto intentado por X - Sociedade Imobiliária, S.A. intentou o presente procedimento cautelar contra Massa Insolvente de Y - Investimentos Imobiliários Ld.ª.---
Custas a cargo da requerente.---
Valor: € 244.746,70”.

Inconformado com essa decisão, a requerente interpôs o presente recurso de apelação, em que apresenta as seguintes conclusões:

1. Está em causa a admissão de providência cautelar que visa evitar que a massa insolvente distribua o produto da venda da verba 1 aos credores, na medida em que, de acordo com a informação subsequente ao leilão e a atuação de terceiros após a aquisição denota que o bem anunciado não corresponde ao bem vendido e adquirido pela recorrente.
2. Tendo em vista acautelar o esvaziamento da massa insolvente caso se verifique que efetivamente o bem adquirido pela recorrente (verba 1) não tem as características anunciadas aquando da venda, a recorrente lançou mão de providência cautelar, na medida em que mantém interesse na aquisição, todavia considera manifestamente injusto que não seja admitida a redução do preço para o que efetivamente existe na realidade, não concordando com a exigência de, para acautelar os seus interesses, ter de se anular a venda; Além do mais, não vislumbra qual a vantagem para a massa insolvente na anulação da venda, na medida em que teria de vender pelo preço correto e, além disso, indemnizar a recorrente.
3. Considera a recorrente que a via do artigo 838º do CPC não deve ser a única quando estamos perante uma venda judicial, mas sim, mais uma; Considera, assim, que ao lado de outros mecanismos legais, como sejam a redução do preço, a compensação por faltas ou a nulidade parcial do contrato (respetivamente os artigos 884º, 889º e 902º do CC), também o adquirente em sede de venda judicial possa lançar mão do regime previsto no artigo 838 do CPC, caso perca o interesse no negócio.
4. Além do mais, a recorrente entende que, perante uma providência cautelar em que o tribunal verifique faltar algum dos seus requisitos e, apesar disso, puder ser convolada noutra cujo efeito legal corresponda ao pretendido pelo requerente, ao invés do seu indeferimento liminar, deverá o tribunal proceder à convolação, ouvir o requerente quanto a essa possibilidade ou conceder-lhe a possibilidade para aperfeiçoar aquela peça.
5. O indeferimento liminar da providência cautelar nos termos em que ocorreu viola o disposto nos artigos 376º, n.º 3 do CPC e, bem assim, o disposto nos artigos 884º, 889º e 902º do CC.

DE TODO O EXPOSTO DEVERÁ SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA E, CONSEQUENTEMENTE, DEVERÁ SER ADMITIDA A PROVIDÊNCIA CAUTELAR REQUERIDA OU, CASO SE CONSIDERE QUE A MESMA PADECE DE VÍCIOS, DEVERÁ SER OUVIDA A RECORRENTE QUANTO À POSSIBILIDADE DE CONVOLAÇÃO DA MESMA NOUTRO TIPO DE PROVIDÊNCIA CAUTELAR, AINDA QUE INOMINADA OU SER ESTE NOTIFICADO PARA A APERFEIÇOAR.
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Não foram apresentadas contra-alegações dado que atenta a natureza da presente providência cautelar especificada de arresto, nela não ocorre prévia observância do contraditório, pelo que a apelada não foi notificada para os termos da causa, sequer para os termos do presente recurso.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.

No seguimento desta orientação, as questões que se encontram submetidas à apreciação desta Relação resumem-se a duas, a saber:
a- se a decisão recorrida, ao indeferir liminarmente o requerimento inicial de arresto, com fundamento em manifesta improcedência deste, com o argumento de que não dispondo o prédio comprado pela apelante em sede de liquidação do ativo, por leilão eletrónico, a área constante das respetivas descrições predial e matricial e pela qual foi anunciada a venda, assistia apenas àquela o direito a requerer a anulação da venda, mas não obter a redução do preço da venda, concluindo pela consequente inverificação do requisito da provável existência do crédito a que a apelante se arroga titular perante a massa insolvente e que visa acautelar mediante o arresto do montante dessa redução e dos custos prováveis que terá de suportar na ação que afirma irá instaurar para defesa do seu direito de propriedade sobre o prédio comprado, padece de erro de direito, uma vez que tratando-se de venda judicial em que ocorre erro vício sobre o objeto do prédio comprado, mais concretamente sobre a área deste, o mecanismo legal previsto no art. 838º do CPC, não exclui o direito do comprador de requerer a redução do preço da compra do prédio, mediante recurso aos mecanismos dos arts. 292º, 884º, 889º e 902º do CC;
b- se em todo o caso, a decisão de indeferimento liminar do arresto padece de erro de direito decorrente da 1ª Instância ter de adaptar a providência instaurada àquela que se mostre mais adequada para acautelar os legítimos interesses da apelante ou, pelo menos impunha que tivesse de notificar a apelante para aperfeiçoar o seu requerimento inicial, sob pena de convolação da providência requerida ou de indeferimento liminar.
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A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos que relevam para apreciar a presente apelação são os que constam do relatório acima elaborado, que aqui se dão aqui por reproduzidos.
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B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

Tendo adquirido, por compra, em sede de liquidação do ativo, o prédio descrito na verba n.º 1 no auto de apreensão do ativo, por leilão eletrónico, mediante a alegação de que perante os factos de que entretanto tomou conhecimento e dos elementos documentais que já analisou, esse prédio não terá a área que consta do auto de apreensão, das descrições predial e matricial daquele e pela qual foi anunciada a venda e a que consta no instrumento de venda, em que essa área ascende a 7.342,00 m2, mas apenas dispor de uma área 5.500,00 m2, alegando temer que o produto que pagou pela aquisição desse prédio seja distribuído pelos credores no processo de insolvência e estando em erro vício sobre o objeto do prédio que comprou, o que lhe conferirá, na sua perspetiva, o direito a obter a redução do preço da compra, e sustentando que irá instaurar ação declarativa para reconhecimento do seu direito de propriedade sobre esse prédio, pretende a apelante que se arreste a quantia de 244.746,70 euros, resultante do cálculo proporcional do preço por m2 que pagou pela compra do prédio (89,50 euros/m2) e do “preço correspondente à área” desse prédio “que alegadamente pertence a terceiro” (2.486 m2, num total de 222.497,00 euros), acrescido de 10% desse valor, a título de “eventuais despesas decorrentes da defesa dos seus direitos” naquela ação que irá propor, até ao trânsito desta, no caso de nela se vir a decidir que o prédio não tem efetivamente a área pela qual foi anunciada a venda, mas antes que os referidos 2.486 m2 de terreno pertence ao terceiro.

Quanto aos factos de que tomou conhecimento e aos elementos documentais que já terá analisado e que a levam a concluir que o prédio não terá a área que consta do auto de apreensão, das descrições predial e matricial referentes ao mesmo e pela qual foi anunciada a venda deste e consignada no instrumento de venda, a apelante alega, em sede de requerimento inicial, que poucos dias após o encerramento do leilão eletrónico para venda desse prédio e na sequência do qual foi notificado de que a sua proposta tinha sido aceite, foi contactada pelo legal representante da insolvente, que a informou que o prédio não tinha efetivamente essa área, mas que a área constante das descrições predial e matricial deste resulta de uma falsificação dessa área, realizada tempos antes, aquando da negociação estabelecida entre a insolvente e uma empresa, em que esta pretendia comprar o prédio para nele instalar uma loja de venda ao público, impondo como condição de compra que o prédio tivesse uma área de pelo menos 6.000 m2, pelo que não dispondo este dessa área, decidiu-se retificar, e retificou-se falsamente a área do prédio contante das suas descrições predial e matricial, de modo a englobar naquele terreno de um outro prédio vizinho, propriedade de um terceiro, informação essa que foi reiterada pelo mesmo legal representante da insolvente nas duas reuniões que manteve com a apelante, onde lhe facultou documentação da qual resultam fortes indícios da veracidade dessa informação.
Mais alega a apelante ter dado conhecimento desses factos ao administrador de insolvência e ao presidente da comissão de credores da insolvência, na sequência do que vieram a ser realizados dois levantamentos topográficos ao prédio, dos quais resulta que independentemente daquela informação que lhe fora prestada pelo legal representante da insolvente, o prédio não tem efetivamente a área que consta das respetivas descrições predial e matricial e pela qual foi anunciada a venda, mas antes uma área de 7.040 m2, pelo que acordou com o presidente da comissão de credores reduzir o preço da proposta de aquisição do prédio para 628.327,59 euros, o que não foi aceite pelo administrador de insolvência, argumentando que tal implicaria que o valor da venda do prédio à requerente fosse inferior à proposta imediatamente anterior, o que, a seu ver, implicaria mais um litígio com o proponente não vencedor.
Alega ainda que ponderando nesse argumento do administrador de insolvência, a apelante aceitou celebrar a escritura de compra do prédio pelo valor da proposta inicial que apesentou, com a condição de que no texto da escritura ficasse consignado cláusula que permitisse a redução do preço da venda, caso o legal representante da insolvente ou um terceiro reivindicassem o prédio alegadamente absorvido pela retificação e em caso de procedência dessa ação, proposta essa que agora não foi aceite pelo presidente da comissão de credores, com o argumento que tal implicaria que uma parte significativa do preço da venda do prédio não seria entregue aos credores, correndo-se o risco dos autos de insolvência se eternizarem.
Também alega que não querendo perder o negócio e deixar de adquirir o prédio e ficar mais prejudicada do que já estava, na medida em que pagou pelo mesmo três vezes mais por m2 do que o vigente na zona, decidiu avançar com a celebração da escritura de compra e venda, comprando o prédio pelo preço que tinha oferecido.
Finalmente alega que deparando-se poucos dias depois da compra com umas placas de uma imobiliária, promovendo a venda do prédio e, contactada esta, obteve informação que estava a atuar em representação de J. S., que afirmava ser proprietário do prédio e dias depois foi interpelada pelo identificado J. S., por carta, em que se arroga proprietário de 2.486,00 m2 de terreno do prédio e em que a interpela para se abster de quaisquer atos sobre esse terreno.
Conclui a apelante pretender arrestar a parte do preço por que adquiriu o prédio nos termos atrás já mencionados.
Tendo a 1ª Instância entendido que perante essa alegação se estaria perante uma situação de erro vício sobre o objeto do prédio vendido à apelante, apenas assistiria à última, nos termos do n.º 1 do art. 838º do CPC, o direito a requerer a anulação da venda, mas já não o de requerer a redução do preço dessa compra e venda, indeferindo liminarmente o requerimento inicial com fundamento em manifesta improcedência do arresto, por não se verificar o requisito da provável existência do direito de crédito que o apelante se arroga titular e que visa acautelar mediante o arresto da mencionada quantia de 244.746,70 euros, tendo a apelante interposto recurso dessa decisão, imputando-lhe erro de direito com um duplo fundamento, advogando primacialmente que perante o enunciado erro vício em que se mostra incursa quanto ao prédio que comprou, mais concretamente, quanto à área deste, que não corresponde à anunciada na venda, a anulação da venda que é consentida pelo art. 838º do CPC, não exclui a possibilidade de obter a redução do preço de aquisição do prédio, com fundamentos nos arts. 292º, 884º, 889º e 902º do CC, e em segundo lugar que a 1ª Instância tinha de convolar o arresto para a providência cautelar que se mostrasse mais adequada para acautelar os seus legítimos interesses ou, pelo menos, notificá-la para aperfeiçoar o requerimento inicial apresentado, sob pena de convolação ou de indeferimento do requerimento inicial, analisada a enunciada alegação da apelante exarada no requerimento inicial, os fundamentos invocados pela 1ª Instância na decisão recorrida para indeferir liminarmente o arresto e, bem assim os argumentos deduzidos pela apelante em sede de recurso, diremos que as questões decidendas no âmbito da presente apelação passam pelo tratamento das seguintes questões: a) meios de reação que são colocados ao dispor do comprador em caso de erro-vício que incida sobre a coisa comprada no âmbito de venda judicial, designadamente, se esses meios se resumem exclusivamente à anulação da venda, nos termos do art. 838º do CPC, tal como é propugnado pela 1ª Instância na decisão recorrida, ou se antes ao comprador está também facultada a possibilidade de recorrer a outros remédios, nomeadamente, à redução do preço de compra, nos termos dos mecanismos dos arts. 292º 884º, 889º e 902º do CC, conforme pretende a apelante acontecer; b) independentemente da resposta a dar à questão anterior, se perante a alegação da apelante que se encontra vertida no requerimento inicial, se se encontra aberta a possibilidade desta de recorrer a esse(s) mecanismo(s) legal(ais); c) se independentemente da possibilidade ou não da apelante recorrer a esse(s) mecanismo(s) legal(ais), se face à alegação que verte em sede de requerimento inicial, se encontram (ou não) preenchidos os pressupostos legais necessários ao decretamento do arresto; e d) finalmente, se se impunha que a 1ª Instância tivesse convolado a presente providência cautelar especificada de arresto para outra que se mostrasse mais adequada à defesa dos interesses que a apelante pretende acautelar ou, pelo menos, notificá-la para aperfeiçoar o requerimento inicial que apresentou.

B.1- Mecanismos legais colocadas ao dispor do comprador em compra e venda judicial em caso de erro-vício.
Nos presentes autos está em causa a venda de um prédio, efetuada em sede de liquidação do ativo, apreendido à devedora/insolvente, “Y – Investimentos Imobiliários, Lda.”.
Essa venda foi realizada por leilão eletrónico, e no auto de apreensão, na descrição predial e matricial do prédio objeto da venda e no anúncio de venda consta que o prédio tem uma área de 7.342,00 m2.
Pretende a apelante que lhe assiste o direito a obter a redução do preço pela aquisição do prédio, por ao que tudo indica, 2.486,00 m2 de terreno desse prédio, não integra o mesmo, mas antes um prédio contíguo, propriedade de um terceiro, e com esse fundamento pretende que se arreste a parte do preço que pagou pela compra do prédio correspondente aos referidos 2.486,00 m2, que não o integrarão, acrescida de 10% desse valor, a título de despesas que terá de suportar no âmbito da ação judicial que irá instaurar contra o terceiro que se arroga proprietário dessa área de terreno, para que se declare que prédio comprado engloba (ou não) essa área, até ao trânsito em julgado da decisão judicial que venha a ser proferido no âmbito dessa ação, pondo-se assim a salvo da referida ação lhe vir a ser desfavorável e de, entretanto, ser distribuído pelos credores da insolvente, nos autos de insolvência, o produto que pagou pela compra do prédio e de não conseguir reaver a quantia que tem a receber em consequência da redução do preço a que se arroga titular.
Precise-se que apesar de se estar perante uma venda realizada por leilão eletrónico, na medida em que a empresa que procede a esse leilão atua a mando e em representação do administrador de insolvência, a quem, por sua vez, cabe o direito de escolher a modalidade da venda dos bens apreendidos nos autos de insolvência, podendo aí optar por qualquer das modalidades que são admitidas em processo executivo ou por alguma outra que tenha por mais conveniente (n.º 1 do art. 164º do CIRE), e atuando o administrador de insolvência, em sede de liquidação do ativo, enquanto administrador desses bens (art. 225º do CIRE), competindo-lhe, uma vez iniciadas as suas funções, efetuar imediatamente diligências para a alienação da empresa do devedor ou dos seus estabelecimentos (art. 162º, n.º 1 do CIRE), e inserindo-se a sua figura e atividade que desenvolve no fenómeno da desjudicialização do processo insolvencial que, conforme se dá nota no ponto 10º do Preâmbulo do DL. n.º 53/2004, de 18/03, que aprovou o CIRE, levou “à redução da intervenção do juiz ao que estritamente releva do exercício da função jurisdicional, permitindo a atribuição da competência para tudo o que com ela não colide aos demais sujeitos processuais”, com vista a “obter ganhos do ponto de vista da celeridade do processo”, é absolutamente pacífico que a venda realizada em sede de liquidação do ativo no processo de insolvência, é uma venda judicial e que, como tal, as vicissitudes que a afetam, salvo os casos expressa e especificamente regulados no CIRE, têm de ser solucionadas de acordo com o regime jurídico previsto no CPC para o processo executivo, solução essa que, de resto, se mostra em plena concordância com o regime do 17º do CIRE, que determina que o processo de insolvência rege-se pelo Código de Processo Civil em tudo o que não contrarie as disposições do presente Código.
Assente na enunciada premissa, a propósito da primeira questão decidenda, impõe-se referir que o aqui relator e o 1º adjunto já tomaram posição expressa sobre essa questão e fizeram-no no sentido de que padecendo o direito ou o bem vendido de qualquer ónus ou limitação que não tenha sido tomado em consideração aquando da respetiva venda pelo comprador e que exceda os limites normais inerentes aos direitos ou bens da mesma categoria, ou em caso de erro sobre a coisa transmitida, por falta de conformidade com o que foi transmitido, ao comprador assiste exclusivamente o direito a requerer a anulação da venda, nos termos e limites fixados no art. 838º do CPC.
Fizemo-lo no acórdão proferido em 06/06/2019, no âmbito do Processo n.º 1562/17.9T8VNF-G.G1, publicado na base de dados da DGSI, em que ancorados na múltipla doutrina e jurisprudência que aí indicamos, sufragamos aquela que foi a solução que foi a adotada pela 1ª Instância na decisão sob sindicância.

Nesse acórdão escrevemos o seguinte:

“Dispõe o art. 838º, n.º 1 do CPC, que se depois da venda, se reconhecer a existência de algum ónus ou limitação que não fosse tomado em consideração e que exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria ou de erro sobre a coisa transmitida, por falta de conformidade com o que foi anunciado, o comprador pode pedir, na execução, a anulação da venda e a indemnização a que tem direito, sem prejuízo do disposto no art. 906º do CC.
Prevê o normativo acabado de transcrever um regime específico de anulação da venda executiva, nos casos em que ocorram determinados vícios na formação da sua vontade, regime esse que se afasta das regras gerais enunciadas no CC.
Significa isto que sempre que ocorram os vícios na formação de vontade do comprador/remidor que caiam sob a alçada do n.º 1 do art. 838º do CPC, a anulação da venda executiva rege-se exclusivamente pelo regime jurídico previsto no art. 838º e não, também, por apelo ao regime geral dos arts. 247º e 251º CC(1).

De acordo com o referido art. 838º, n.º 1, a venda executiva pode ser anulada, a requerimento do comprador, a apresentar na própria execução onde foi realizada, em duas situações distintas, a saber:

a) quando se reconheça a existência de algum ónus ou limitação que não tenha sido tomado em consideração e que exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria; ou
b) quando ocorra erro sobre a coisa transmitida, por falta de conformidade com o que foi anunciado.

Como refere Lopes Cardoso, Galvão Telles classifica a primeira causa de anulação da venda acabada de enunciar (primeira parte do n.º 1 do art. 838º) como vício de direito, enquanto o contemplado na segunda parte como vício da coisa (2).
De facto, a enunciada primeira causa de anulação da venda reporta-se a situações de erro acerca do objeto jurídico da coisa transmitida (ónus ou limitações) enquanto a segunda, respeita a vícios materiais daquela, quer esses vícios recaiam sobre a sua identidade, quer qualidade.
Debruçando-se sobre esta problemática Lebre de Freitas aponta como casos de erro acerca do objeto jurídico da coisa e como consubstanciando, por isso, “ónus ou limitações”, os direitos reais de gozo que não devam caducar com a venda, os ónus como os de redução eventual de doação sujeita a colação ou de renda limitada ou económica, e os direitos pessoais de gozo que sejam eficazes em relação ao comprador, como é o caso do direito ao arrendamento (3).
Na mesma linha, Rui Pinto aponta como exemplos de ónus ou limitações a que se reporta a primeira parte do n.º 1 do art. 838º, a permanência do direito de uso e habitação após venda da propriedade do bem penhorado ou a pendência de ação, seja declarativa, embargos de terceiro ou outra, ou de recurso, em que esteja em litígio o direito a vender (4).
Ainda Marco Gonçalves pondera a propósito desta problemática e na mesma linha dos autores acabados de enunciar que: “Assim, por exemplo, se um prédio for vendido em sede executiva como se tratando de um prédio rústico e o adquirente vier, posteriormente, a constatar que sobre esse prédio já se encontrava construída uma edificação antes da venda – constituindo-se, por via da venda executiva, um direito de superfície a favor do dono dessa edificação – o adquirente pode requerer a anulação da venda executiva com fundamento nesse ónus que não foi, previamente, tomado em consideração. Do mesmo modo, a venda executiva poderá ser anulada quando, tendo um bem imóvel penhorado sido publicitado para venda como se encontrando livre de qualquer ónus ou encargos, o adquirente venha, posteriormente, a constatar que esse bem se encontra onerado com um arrendamento, constituído previamente à penhora e que, por isso, não se extinguiu com a venda executiva. Na realidade, se o agente de execução tomou conhecimento de que o imóvel penhorado se encontrava onerado com um arrendamento para habitação, comércio ou indústria, este devia incluir essa informação nos anúncios de publicidade da venda, por ser relevante para a formação da vontade de adquirir o bem penhorado. Ainda a título meramente exemplificativo, constitui fundamento de anulação da venda a falta de licença de habitabilidade de um imóvel vendido em execução, na medida em que tal constitui limitação que excede os limites normais inerentes ao direito arrematado. No entanto, já não constitui fundamento de anulação da venda a existência de um ónus sobre o bem penhorado, consubstanciado num direito real de garantia, já que, nos termos do art. 824º do CC., com a venda executiva extinguem-se os direitos reais de garantia que onerem os bens penhorados, assistindo ao respetivo titular o direito de reclamar o seu crédito em execução” (5).

Precise-se que a anulação da venda executiva com fundamento em erro sobre o objeto jurídico da coisa, tal como resulta do n.º 1 do art. 838º, está dependente da verificação de dois pressupostos legais cumulativos:

1) que os ónus ou limitações que onerem a coisa transmitida não tenham sido tomados em consideração aquando da publicitação da venda, ou seja, que a existência desses ónus ou limitações não tenha sido dada conhecimento ao adquirente, ainda que se trate de ónus que estejam registados (6); e
b) que os mesmos excedam os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, como seja o caso de ónus ou limitações que excedam os limites normais impostos ao direito de propriedade.

Deste modo, não preencherão este último requisito as limitações gerais impostas pela lei ao direito de propriedade, as restrições provenientes de providências administrativas gerais e abstratas, os ónus resultantes de planos de urbanização ou as servidões legais ainda não constituídas, posto que em todos esses casos se está na presença de limitações legais ao direito de propriedade e que, por isso, se situam dentro das restrições normais impostas pela lei a esse direito (7).
Passando ao segundo fundamento de anulação da venda executiva, o mesmo, como já dito, reporta-se a situações de erros materiais da coisa transmitida, quer porque esta não corresponde à coisa anunciada (erro sobre a identidade da coisa – exemplo: anunciou-se a venda de um determinado imóvel e a venda recaiu efetivamente sobre um veículo automóvel ou …), quer porque não tem as qualidades anunciadas ou que era pressuposto que tivesse (ex: anuncia-se a venda de um veículo automóvel e vem-se a constatar, após a compra, que este se encontra avariado, ou anuncia-se a venda de um prédio de determinado ano de construção e após a venda vem-se a constatar que este apresenta um estado de deterioração tal, que não é compatível com o envelhecimento e um uso normal de um prédio do ano construtivo anunciado).
A anulação da venda executiva com fundamento em “erro sobre a coisa” está dependente da verificação de dois pressupostos cumulativos: a) que o ato que concretizou a venda esteja viciado por erro acerca da identidade ou a qualidade da coisa transmitida; e b) que esse erro provenha de falta de conformidade entre a identidade ou as qualidades da coisa e aquilo que tiver sido anunciado (8).
Reafirma-se, para além destes dois requisitos a lei não exige outros para que a venda executiva seja anulada, de onde resulta que, contrariamente ao que acontece com a anulação da venda com fundamento nos arts. 247º e 251º do CC, no caso particular da venda executiva, a lei não exige a verificação do requisito da essencialidade do erro para o declarante, sequer que o declarante desconhecesse o vício.
Quando a venda executiva esteja viciada por um dos enunciados vícios assiste ao comprador/remidor o direito, não só a requerer a anulação da venda, como a ser indemnizado (art. 836º, n.º 1 do CPC).
Note-se que os dois enunciados fundamentos de anulação (existência de ónus ou limitações não considerados e erro sobre a coisa transmitida) visam a tutela do comprador/remidor e daí que se encontre na sua exclusiva disponibilidade a opção de requerer ou não a anulação da venda.
Finalmente, fazendo o comprador/remidor a opção pela anulação da venda e pela indemnização que lhe assiste, aquele terá de apresentar esse pedido no processo executivo onde foi realizada a venda cuja anulação peticiona, no prazo de um ano a contar do conhecimento do vício, nos termos do art. 287º do CC (9), onde o juiz, após audição do exequente, executado e dos credores interessados e de examinadas as provas que se produzirem, decide (n.º 2 do art. 838º do CPC)”.
Deste modo, tal como se escreve nesse acórdão, o regime jurídico explanado no art. 838º do CPC, consubstancia um regime específico e especial previsto para a venda judicial nos casos em que ocorram determinados vícios na formação da vontade do comprador, tratando-se de um regime protetor deste, que afasta as regras gerais do CC, nomeadamente o regime jurídico estatuído nos arts. 247º e 251º do CC, que com vista a proteger o vendedor, condiciona a anulação do negócio à circunstância deste ter de conhecer ou não dever ignorar a essencialidade do elemento sobre o qual o comprador estava em erro.
Com efeito, mediante o regime especial do art. 838º do CC, na venda judicial dispensa-se o requisito da cognoscibilidade pelo vendedor da essencialidade do elemento sobre que recaiu o erro do vendedor, quanto às características jurídicas ou físicas da coisa comprada, bastando que este requeira a anulação da venda, no processo de execução (no caso, no processo de insolvência), no prazo de um ano a contar do momento em que teve conhecimento desse vício, alegando e provando factos dos quais decorra, respetivamente, que esta se encontra onerada com ónus ou limitações que não foram considerados na compra e venda, porque não comunicados àquele, que excedem os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria ou que há uma desconformidade material (quanto à identidade ou características) desta e aquilo que foi anunciado.
No entanto, tratando-se de um regime específico e especial que se aplica exclusivamente às vendas realizadas no âmbito do processo executivo e, como já enunciado, também ao processo de insolvência, em sede de liquidação do ativo, em que igualmente se está perante vendas judiciais, regime especial esse que permite ao comprador obter a anulação da venda judicial em condições bem mais vantajosas que as que são concedidas aos compradores em geral, impõe-se ter presente que da natureza especial desse regime jurídico previsto no art. 839º do CPC, deriva que este afasta do alcance do comprador os remédios previstos para os compradores em geral, nomeadamente, nos arts. 292º, 884º, 889º e 902º do CC, ou seja, perante esses erros vícios que afetam a sua vontade na decisão de comprar o direito ou bem alienado em sede de venda judicial, fica conferido exclusivamente ao comprador o direito a obter a anulação da venda e a ser indemnizado nas condições vantajosas e céleres previstas nos arts. 838º do CPC, mas já não o direito a obter a redução do preço por via da aplicação do regime geral previsto para as compras e vendas não judiciais no CC (10), o que, aliás, bem se compreende uma vez que esta última possibilidade brigaria com os interesses, no caso, dos credores da insolvente (e na execução em geral, com os dos executados e dos credores) que, uma vez descoberto o vício e anulada a venda a requerimento do comprador cuja vontade de compra se encontrava eivada por erro-vício e restituído àquele o dinheiro que despendeu com essa compra inválida e a eventual indemnização que lhe assiste, posto novamente o bem ou o direito à venda, podem muito bem obter compradores que se disponham a pagar o mesmo preço que fora pago pelo anterior comprador ou, quiçá, até um preço superior, não obstante terem perfeito conhecimento do vício ou vícios que afetam o direito ou o bem objeto da venda.
Destarte, resulta do que se vem dizendo que conforme bem decidiu a 1ª Instância, ao apelante não assiste o direito a obter a redução do preço da venda do prédio constante da verba n.º 1, mas tão-somente o direito a obter a anulação dessa venda, caso naturalmente se verificassem os respetivos requisitos legais para essa anulação, o que não é o caso, conforme se passa a demonstrar.

B.2- Direito do apelante a obter, no caso concreto, a redução do preço da compra do prédio ou a anulação desse negócio.

A anulação da venda judicial com fundamento no art. 838º do CPC, por erro material do prédio ou do direito adquirido, tem como pressuposto que o comprador se encontre, no momento da compra, em erro-vício quanto à identidade ou as características do prédio ou do direito que adquiriu por falta de conformidade quanto à identidade ou às características daqueles e as que foram anunciadas.
Acontece que analisada a alegação da apelante vertida no requerimento inicial, forçoso é concluir que àquele não assiste sequer o direito a obter a anulação da venda com fundamento no art. 838º do CPC, dado que confessa que, na altura da compra, não se encontrava já em qualquer situação de erro-vício quanto à área do prédio comprado e com fundamento no que pretende obter a redução do preço da compra (direito este que, reafirma-se, jamais lhe assiste).
Com efeito, como referido, o art. 838º do CPC estabelece um regime especial, vantajoso de tutela dos interesses do comprador de bem ou direito em venda judicial, nos casos em que uma vez efetuada a compra, este vem a constatar que os direitos ou bens adquiridos se encontram onerados com algum ónus ou limitação jurídica, que por serem de si desconhecidos, não foram considerados no momento da tomada de decisão de compra, mas que porque esse ónus ou limitações jurídicas excedem os limites normais inerentes aos direitos ou bens da mesma categoria e porque a vontade do comprador está efetivamente viciada por erro-vício, a lei concede-lhe o direito a requerer e a obter a anulação da compra e venda e a ser indemnizado pelos prejuízos sofridos com essa anulação (interesse contratual negativo).
Essa possibilidade de anulação e de indemnização que assiste ao comprador também se afirma sempre que este, uma vez efetuada a compra de determinado bem ou direito, vem a constatar que a sua vontade de comprar se encontrava efetivamente viciada por erro material, uma vez que ou a identidade da coisa ou do direito comprados ou as características destes não correspondem àquilo que foi anunciado e por isso, eram de si desconhecidos no momento da compra.
Acontece que, no caso, apesar do prédio comprado não ter a área de 7.342,00 m2 constante do anúncio de venda, mas tão só 7.020 m2, e de eventualmente ter uma área inclusivamente inferior em 2.486 m2 em relação a esses 7.020 m2, em virtude de um terceiro arrogar-se proprietário de um prédio vizinho, que teria essa área e que terá sido englobado/incorporado no prédio comprado pela apelante, verifica-se que esta confessa que, na altura da celebração da escritura de compra e venda do prédio, tinha conhecimento desses factos e, não obstante isso, decidiu avançar com a celebração da escritura de compra e venda.

Com efeito, lê-se no requerimento inicial o seguinte:

“7.º- Entretanto, em data que não consegue precisar, mas poucos dias após o termo do leilão acima identificado, a requerente recebeu um contacto de um terceiro, que posteriormente veio a confirmar ser o representante legal da insolvente, o senhor M. B. que igualmente usa o nome de M. A. (doravante apenas designado por MB);
8.º- Nesse contacto obteve a informação, prestada por aquele, de que a verba 1 não teria a área anunciada e colocada à venda (7.342 m2), antes teria a área de 5.500 m2;
9.º- A justificação então dada foi que, em momento anterior, foi apresentado um pedido de retificação de áreas relativo à dita verba 1, passando aquela para a área que consta da certidão predial em vigor, em detrimento da anterior;
10.º- Porém, como aquele transmitiu à requerente, tal retificação estaria viciada, na medida em que, para que fosse possível alterar a área para os valores que hoje constam da certidão predial e matricial, terá passado a abranger um prédio confinante de um terceiro – descrição ..., artigo matricial .., da mesma freguesia e concelho (doravante apenas designado por prédio absorvido);
11.º- Pese embora o registo não o refletir, o prédio absorvido pertenceria(/á?) a MB, informação que o próprio transmitiu à requerente;
12.º- Ainda de acordo com o então transmitido, a razão da retificação e adulteração da realidade prendeu-se com as negociações que, há data, estavam em curso com a Loja de Desporto para a instalação, naquele local, de uma sua loja de venda ao público, loja essa que necessitada de uma área de, pelo menos 6.000 m2, área que a verba 1 não dispunha;
13.º- Então, para contornar a situação, a insolvente, por intermédio de MB e de terceiros, a seu cargo e instruções, ficcionou a dita retificação, fazendo com que a verba 1 passasse a ter área suficiente para a concretização do negócio com aquela cadeia comercial;
14.º- Por razões que se desconhecem, o negócio acabou por não se concretizar e, entretanto, foi declarada a insolvência da proprietária da verba 1, que manteve - e mantém - a atual descrição e área;
15.º- As sobreditas informações foram prestadas telefonicamente, em datas que não consegue agora precisar, mas posteriores ao termo da licitação acima identificada, e também presencialmente, no passado dia 22 de março de 2019;
16.º- Nessa reunião, além de MB (lembre-se, o representante legal da insolvente), esteve presente o solicitador L. M. que, aparentemente, tinha conhecimento dos factos ali alegados por aquele;
17.º- Nessa reunião, aqueles fizeram-se acompanhar da documentação que se junta e a que aludirá de seguida, entregando cópia ao representante legal da requerente;
18.º- Daquela documentação resulta: 1. A existência de um processo de expropriação do prédio pertencente a J. S., com a descrição ..., artigo matricial .., da freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo (o prédio absorvido), ficando a parte sobrante de 2.486 m2, confinando a norte com M. B., a sul com A. R., a nascente com A. L. e a poente com caminho de servidão; 2. Que o dito imóvel está, agora, registado em nome de J. S.; 3. A existência de um pedido de retificação datado de 31 de outubro de 2016, assinado por J. S., em que se retifica a área para os atuais 2.486 m2 (parte sobrante após o processo de expropriação) e, bem assim, as confrontações;
19.º- Compulsada a dita documentação, a requerente considerou existirem indícios suficientemente fortes que sustentavam o relato que MB lhe trouxe;
20.º- pelo que, por intermédio do seu mandatário, informou o senhor administrador de insolvência (doravante apenas designado por AI) da situação e pediu o seu auxílio no esclarecimento da situação;
21.º- Atuação do senhor AI que era fundamental, na medida em que só aquele tinha legitimidade para, junto de diversas entidades - tais como serviço de finanças, câmara municipal, entidade expropriadora - obter a documentação em falta e que poderia certificar ou esclarecer a veracidade do relato anterior;
22.º- Do que foi dado a conhecer à requerente, o senhor AI limitou-se a obter documentos junto da Conservatória de Registo Predial;
23.º- Dos mesmos resulta, relativamente à verba 1, a existência de um pedido de retificação de áreas datado de 11 de fevereiro de 2010, assinado pelo notário A. J., em que se retifica a área para os atuais 7.342 m2 e, bem assim, as confrontações;
24.º- pedido esse que é composto por um reconhecimento de assinatura de MB (crê-se que nas declarações constantes do pedido de retificação de áreas), por um levantamento topográfico assinado pelos confinantes e respetivo termo de responsabilidade, elaborado por M. B.;
25.º- Ora, em face de tais documentos, o senhor AI comunicou à requerente que, no seu entendimento, tudo estaria correto e que, ainda que não estivesse, a requerente não tinha com que se preocupar, na medida em que o próprio MB assinava a documentação que alegadamente referia não ser verdadeira e, por essa razão, não poderia agora invocar a falsidade da mesma;
26.º- Entretanto, a requerente foi contactada pelo presidente da CC, que lhe transmitiu a mesma posição, colocando em causa a veracidade do alegado por MB;
27.º- Do confronto de argumentos entre o mandatário da requerente e o presidente da CC ficou acordado (acordo de princípio) avançar-se com novo levantamento topográfico da verba 1 e que, a confirmar-se a redução da área, o preço reduzir-se-ia - essa era pelo menos a sua posição, que defenderia junto dos restantes membros da CC e AI, não podendo, todavia e naturalmente, assegurar que a decisão daqueles seria coincidente;
28.º- Passado uns dias, o presidente da CC comunicou ao mandatário da requerente que tinha sido aceite a realização do levantamento topográfico, em data a acordar e por topógrafo da sua (da requerente) confiança;
29.º- Foi assim que, no dia 06 de junho de 2019, teve lugar a dita diligência, na qual estiveram presentes, o topógrafo indicado pela requerente (o senhor R. G.), o seu representante legal, a sua mandatária, um representante do AI e o presidente da CC;
30.º- Daquela diligência resultou que a verba 1 tinha, ao invés dos 7.342 m2, 7.020,42 m2;
31.º- Submetido o mesmo à apreciação do presidente da CC e do AI, o mesmo foi contestado, razão pela qual, dias depois, foi efetuado um novo levantamento, que se junta, juntamente com o respetivo termo de responsabilidade (também ele elaborado por R. G.);
32.º- Deste levantamento resulta que a área anunciada continua a não corresponder à área existente (7.020,42 m2), razão pela qual, depois de negociado entre o mandatário da requerente e o presidente da CC, acordou-se na alteração da proposta para um valor de 628.327,59 €;
33.º- O acordo passou pelos seguintes pressupostos: 1. Tendo em conta o valor da proposta inicial vencedora e a área anunciada, o valor de venda do m2 correspondia a 89,50 €; 2. A diferença entre as áreas, a anunciada e a decorrente do levantamento topográfico era de 321,58 m2; 3. Foi proposto pelo presidente da CC e aceite pela requerente que a diferença fosse repartida entre a massa insolvente e proponente, em partes iguais, o que significaria a redução do preço em 28.672,41 €, o que equivaleria a uma proposta no valor de 628.327,59 €.;
34.º- Sucede que o senhor AI não aceitou a referida redução porquanto a mesma implicaria que o valor de venda da verba 1 fosse inferior à proposta imediatamente anterior, o que, a seu ver, implicaria um mais que certo litígio com o proponente não vencedor;
35.º- Ponderado aquele argumento, a requerente lá aceitou celebrar a escritura pelo valor da proposta inicial vencedora, mas colocou como condição que ficasse a constar da escritura uma cláusula que permitisse a redução do valor da venda caso MB (ou terceiro) intentasse ação reivindicativa do alegadamente prédio absorvido pela retificação, montante que teria de ser entregue à requerente no caso da procedência de tal ação;
36.º- Porém, a dita proposta não foi aceite pelo presidente da CC que referiu que tal implicaria que uma parte significativa do preço de venda da verba 1 não seria entregue aos credores, correndo-se o risco de os autos se eternizarem;
37.º- Ora, a verdade é que a requerente não quis perder o negócio e deixar de adquirir a verba 1, todavia não pretendia ficar (mais) prejudicada do que já ficara na medida em que pagou 3 vezes mais pelo m2 praticado naquela zona;
38.º- Por essa razão decidiu avançar com a celebração da escritura de aquisição da verba 1 e 3”.
Deste modo, conforme linearmente resulta da transcrição do requerimento inicial, é a própria apelante que confessa que apesar de no anúncio de venda do prédio constar que este tinha uma área de 7.342,00 m2, no momento da celebração da escritura de compra e venda do prédio, a mesma não só tinha perfeito conhecimento, por via dos dois levantamentos topográficos a que esse prédio fora submetido, que este tinha efetivamente uma área de apenas 7.020,00 m2, como tinha perfeito conhecimento que, ainda assim, por via da informação que lhe foi prestada pelo legal representante da insolvente e da documentação que este lhe facultou, da qual resultava, na perspetiva da apelante, fortes indícios de que essa informação era verdadeira, o prédio não tinha realmente esses 7.020 m2 de área, dado que 2.486,00 m2 integravam um prédio confinante, o qual seria proprietário de terceiro, e que teria sido ilegal e fraudulentamente incorporado no prédio comprado, e que não obstante isso, “decidiu avançar com a celebração da escritura de aquisição das verbas n.º 1 e 3, por não querer perder o negócio e deixar de adquirir a verba 1 e ficar mais prejudicada do que já ficara”, na medida em que pretensamente “pagou 3 vezes mais pelo m2 praticado naquela zona”.
Ou seja, a apelante confessa que apesar de no teor do anúncio de venda constar que o prédio tinha 7.342,00 m2, não se encontrava, no momento da compra, em qualquer erro vício quanto a essa área, tendo perfeito conhecimento que o prédio tinha apenas escassos 7.020 m2 e que ainda assim, de acordo com a informação e a documentação que lhe foi facultada antes da celebração da escritura de compra e venda, existiam fortes indícios que desses 7.020m2, 2.486 m2, faziam parte de um prédio contíguo, ilegal e fraudulentamente absorvidos no prédio objeto da compra e propriedade de terceiro ou terceiros, pelo que os factos que descreve como tendo ocorrida após a celebração da escritura, em que um terceiro surgiu arrogando-se proprietário dessa área de terreno e interpelando-a para se abster de sobre ela praticar quaisquer atos contrários a esse seu pretenso direito de propriedade, não a apanharam numa situação de erro vício acerca da área do prédio, mas antes eram factos que eram dela conhecidos e que não obstante não foram impeditivos de celebrar a escritura de compra e venda, assumindo a álea desse terceiro ou terceiros virem a reivindicar essa área de terreno.
Destarte, pretender-se, conforme pretende a apelante, que se encontrava em erro-vício quanto à área do prédio, quando adquiriu, por compra, o prédio, aproveitando-se da circunstância de no anúncio de venda constar que este tinha uma área de 7.342,00 m2, quando a mesma tinha perfeito conhecimento, no momento da celebração da escritura de compra e venda, que o mesmo tinha uma área efetiva de apenas 7.020,00 m2 e que 2.486 m2 de terreno eram pretensamente propriedade de terceiro, não tem qualquer sustentação fáctica possível, uma vez que, reafirma-se, é a própria apelante que no requerimento inicial, confessa ser conhecedora dessa informação e que, inclusivamente, a teve como credível, pelo que naturalmente, aquando da celebração da escritura de compra e venda do prédio, já não se encontrava em qualquer erro quanto à área do prédio comprado, não ocorrendo, por isso, qualquer situação de erro-vício que legitimasse a anulação do negócio, nos termos do art. 838º, n.º 1 do CPC – único remédio que o legislador lhe faculta em caso de efetivo erro-vício quanto à área do prédio comprado, o que não é o caso.
Aliás, porque essa situação de erro-vício da apelante não se verificava no momento da celebração da escritura de compra, tal afasta o pretenso direito (inexistente) da apelante de obter a redução do preço do negócio, nos termos dos arts. 292º, 884º, 889º e 902º do CC, remédio esse que, conforme já demonstrado, nem sequer lhe assiste, mesmo que se encontrasse numa verdadeira situação de erro vício quanto à área do prédio comprado.
De resto, a pretensão da arrestante em ver reduzido o negócio de compra do prédio com fundamento em erro vício (ou de anular o negócio, que era o único direito que lhe assiste), com fundamento em erro vício quanto à área do terreno, agarrando-se à circunstância de haver uma desconformidade entre a área do prédio e aquela que constava no anúncio de venda, quando a mesma era conhecedora confessa de todos os factos acima referidos quando decidiu avançar, e avançou, para a celebração da escritura de compra e venda, configuraria inegavelmente uma situação de abuso de direito desta, que sempre se teria de neutralizar com base no comando do art. 334º do CC.
Aqui chegados, resulta do que exposto que à apelante, como bem ponderou a 1ª Instância na decisão sob sindicância, não assiste efetivamente o direito a obter a redução do preço da compra do prédio, uma vez que o único remédio que o art. 838º do CPC lhe confere é o de requerer a anulação do negócio, nos termos e limites fixados neste preceito, cujos requisitos nem sequer se encontravam preenchidos por a apelante não se encontrar, no momento da celebração da escritura de compra e venda, em qualquer situação de efetivo erro-vício quanto à área do prédio comprado, ou seja, à apelante não assiste fundamento legal para obter a redução do preço da compra do prédio, sequer para anular a venda (direito este que insiste-se, nem sequer lhe assiste), o que, de per se, votava a presente providência cautelar de arresto à manifesta improcedência, impondo-se o seu indeferimento liminar, por claudicação do requisito da “provável existência do crédito” de 224.746,70 euros, a que se arroga titular perante a Massa Insolvente de Y – Investimentos Imobiliários, Lda., correspondente à redução do preço e das despesas previsíveis que irá suportar com a instauração da ação que afirma irá mover contra o terceiro que se arroga proprietário de 2.486 m2 de terreno do prédio.
Ou seja, ainda que a apelante se encontrasse numa situação de efetivo erro vício quanto à área do prédio comprado (o que não é o caso), jamais lhe assistira o direito a obter a redução do preço, mas apenas a de obter a anulação dessa compra nos termos e limites do art. 838º do CPC, direito esse que também não lhe assiste dado que a mesma confessa não ocorrer qualquer situação de efetivo erro-vício quando celebrou a escritura de compra e venda.
Acresce precisar que a presente providência cautelar é ainda manifestamente improcedente, tendo de ser necessariamente indeferida in limine, por manifesta improcedência, por outra razão, conforme se passa a demonstrar, o que nos remete para os requisitos legais necessários ao decretamento do procedimento cautelar de arresto.

B.3- Pressupostos legais do decretamento da providência cautelar de arresto.

Como é sabido, enquanto meio de garantia patrimonial, o arresto configura o paradigma das providências cautelares conservatórias, cujo objetivo é conservar, manter ou preservar a situação patrimonial do devedor (requerido) existente à data em que é instaurado o arresto, de modo a salvaguardar a satisfação do crédito que o credor (requerente) detém sobre aquele sempre que o último se encontre numa situação de fundado receio de o devedor desfazer-se ou ocultar o património, frustrando a satisfação patrimonial do crédito.
O arresto consiste numa apreensão judicial de bens do devedor, cujo valor seja suficiente para satisfazer o crédito invocado pelo credor, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora (n.º 2 do art. 391º do CPC).
Em termos práticos, o devedor é privado do gozo dos bens arrestados que integram o seu património e, uma vez reconhecido o crédito do credor (requerente do arresto) contra o último (requerido), por decisão transitada em julgado, em acção declarativa já instaurada no momento em que é requerido o arresto, ou a instaurar, e intentada execução contra o devedor para cobrança coerciva desse crédito, ou, em caso de no momento em que é requerido o arresto já se encontrar pendente execução para cobrança coerciva desse crédito, chegado o momento da penhora, o arresto é convertido em penhora, seguindo os bens arrestados (agora convertidos em penhora) para venda, com vista a que com o produto da venda se dê satisfação ao crédito do credor (requerente do arresto).
O arresto é gizado pelo legislador como uma via poderosa para obrigar o devedor a cumprir as suas obrigações, em que pela especial natureza coerciva deste e a natureza sumária inerente ao procedimento de todas as providências cautelares, em que se privilegia o “fazer rápido” em detrimento do “fazer bem”, só deve ser concedido em situações especiais (11), pelo que naturalmente que o legislador sujeita o arresto à verificação de requisitos apertados.
Esses requisitos têm natureza cumulativa e reconduzem-se: a) à provável existência do crédito do requerente sobre o requerido; e b) ao fundado receio do requerente de perder a garantia patrimonial do seu crédito (arts. 391º, n.º 1 e 392º, n.º 1 do CPC).
No que respeita ao primeiro dos enunciados requisitos, basta a “provável existência do crédito”, isto é, a aparência do direito – fumus boni iuris” -, ou seja, não se exige ao requerente a prova da titularidade efetiva do direito de crédito a que se arroga titular perante o requerido, bastando a provável existência desse direito de crédito, sequer é necessário que esse direito, no momento em que é requerido o arresto, seja certo, exigível e/ou ilíquido, sequer ainda que já se encontre reconhecido por decisão judicial transitada em julgado. Pelo contrária, a lei basta-se com a “provável existência do crédito”, ou dito por outras palavras, com a mera “aparência do direito”.
Destarte, ao requerente do arresto basta a alegação de factos concretos e objetivos, que uma vez sumariamente provados, tornem verosímil a existência do direito de crédito que se arroga titular em relação ao requerido (12).
Quanto ao segundo requisito, o “periculum in mora”, este traduz-se no “justificado receio invocado”, ou seja, do requerente de perder a garantir a garantia patrimonial do seu crédito.
Em sede deste requisito, a lei não se basta já com a mera aparência do justificado receio do requerente do arresto, por via da demora definitiva da situação, vir a perder a garantia patrimonial do seu crédito, mas exige a demonstração desse perigo, isto é, sem as raias da certeza absoluta para sustentar uma decisão de mérito, impõe a alegação e prova sumária por parte do requerente do arresto de factos que sejam demonstrativos da existência de uma forte probabilidade desse perigo se poder concretizar.
Não se exige assim, a alegação e prova por parte do requerente de facticidade cuja verificação seja demonstrativa que a perda da garantia patrimonial do crédito é efetiva ou certa, até porque se trata de requisito que reclama da parte do julgador a realização de um juízo de dirigido ao futuro, baseado em factos objetivos atuais, que implica necessariamente um juízo de prognose quanto ao comportamento futuro do devedor (requerido) e que, por isso, comporta necessariamente um grau de incerteza, mas reclama-se a alegação e prova (sumária) de factos concretos dos quais resulte objetivamente uma forte probabilidade atual e concretizada em elementos objetivos (atinentes à consistência económica do objeto da garantia) e subjetivos (comportamento processual e/ou extraprocessual do devedor) da perda da garantia patrimonial se concretizar.
Isto é, torna-se necessária a alegação e prova (sumária) de factos demonstrativos da verificação de uma situação objetiva e atual, em que se encontra o requerente, de modo que qualquer pessoa, de são critério, em face do modo de atuação do devedor, e colocada nessa situação, também temeria de perder a garantia patrimonial do seu crédito (13).
Revertendo ao primeiro requisito acima enunciado, impõe-se precisar que embora à verificação desse requisito não seja necessário que, à data da instauração do arresto, o direito de crédito que o requerente se arroga titular sobre o requerido e que visa acautelar seja certo líquido e exigível, sequer que já se encontre reconhecido por decisão judicial transitado em julgado, é necessário que esse direito já exista na esfera jurídico-patrimonial do requerente, não sendo suficiente que se trate de um direito de crédito de constituição futura, eventual e hipotética.
Um crédito futuro, ainda que provável, conforme pondera Abrantes Geraldes, ainda não onera o devedor (requerido), estando a sua constituição “dependente de eventos vindouros, podendo existir, porventura, uma expectativa quanto à sua concretização, mas que não encontra nas regras do arresto qualquer espécie de tutela (…) a probabilidade de existência do direito exigida como condição necessária ao decretamento do arresto reporta-se ao momento da instauração do procedimento, não bastando a formulação de um juízo de probabilidade quanto à sua constituição dependente de eventos futuros e incertos” (14).
Deste modo é pacífico o entendimento que o direito de crédito que o requerente se arroga titular perante o requerido e cuja garantia patrimonial visa salvaguardar, tem à data da instauração do arresto, de ser atual, ou seja, já tem de se encontrar constituído na esfera jurídica do requerente, não podendo ser um critério futuro, hipotético, de natureza eventual, ainda que provável (15).
Assente nas enunciadas premissas, revertendo ao caso dos autos, conforme resulta linearmente da simples leitura do requerimento inicial, a apelante não funda o direito de crédito que se arroga titular perante a requerida “Massa Insolvente de Y – Investimentos Imobiliários, Lda.”, na circunstância de pretender que lhe seja reduzido o preço que despendeu na aquisição, por compra, do prédio (direito esse que, relembra-se, não lhe assiste, mas apenas a anulação do negócio, nos termos do art. 838º do CPC, caso se verificasse os respetivos requisitos, o que nem sequer é o caso, conforme já demonstrado, dado que a mesma não se encontrava confessadamente em qualquer situação de erro vício quanto à área do prédio, aquando da celebração da escritura de compra e venda deste), por via deste ter uma área de apenas 7.020,00 m2, em vez dos 7.342,00 m2 que constavam do anúncio de venda, mas antes no facto de após a compra desse prédio ter-se deparado com um terceiro que se arroga proprietário de 2.486 m2 de terreno do mesmo.
Relembra-se, aliás, que a quantia de 244.746,70 euros que a apelante visa arrestar, corresponde ao preço de compra do prédio, tendo por referência os 2.486 m2 de terreno que o terceiro se arroga proprietário, acrescido de 10% desse valor por “eventuais despesas decorrentes na salvaguarda dos seus direitos”, isto é, que previsivelmente irá despender com a “ação declarativa de reconhecimento do seu direito de propriedade”.
Sucede que conforme resulta do requerimento inicial, nele a apelante confessa que antes da celebração da escritura pública de compra do prédio foi informada pelo legal representante da insolvente que a área constante da descrição predial e matricial do prédio e que foi anunciada no anúncio de venda (7.342,00 m2) não tinha correspondência com a verdade, uma vez que o prédio tinha efetivamente apenas 5.500 m2 de área e que a área constante da descrição predial, matricial e do anúncio de venda resultou da absorção, por meios fraudulentos e ilegais, da área de terreno de um prédio contíguo, propriedade de terceiro ou terceiros e que, inclusivamente, aquele então lhe facultou elementos documentais de cujo teor resulta existirem fortes indícios da veracidade dessa informação.
Pois bem, apesar da apelante referir que era conhecedora da informação acabada de referir e que lhe foi facultada documentação da qual resultavam inclusivamente, na sua perspetiva, fortes indícios de que essa informação era verdadeira (o que, desde logo, reafirma-se, exclui qualquer situação de erro vício em se pudesse encontrar quanto à área desse prédio no momento da compra), é a própria apelante que confessa que perante o surgimento, após a celebração da escritura pública de compra e venda, de um terceiro, arrogando-se proprietário de 2.486 m2 de terreno do prédio, irá instaurar ação declarativa para reconhecimento do seu direito de propriedade e será nessa ação que se irá decidir se os mencionados 2.486 m2 integram ou não o prédio que comprou, ou se antes é propriedade de J. S., pretendo mediante o arresto da dita quantia, a apelante colocar-se a salvo de uma decisão desfavorável aos seus interesses, caso nela se venha a ser decidido, por decisão transitada em julgado, que esses 2.486 m2 de terreno não integram efetivamente o prédio comprado.
Nesse sentido escreve-se no ponto 45º do requerimento inicial: “Já depois da aquisição, o alegado proprietário iniciou diligências que são incompatíveis com o direito de propriedade da requerente e que, a corresponderem à verdade, implicarão uma redução substancial do prédio aqui em causa, redução essa que terá de ter como consequência, a redução do preço pago pelo adquirente”; no ponto 46º: “Nesse sentido, a requerente teme que, distribuída a totalidade do produto da venda da verba n.º 1 e eventualmente encerrada a insolvência, se mostre impossível recuperar que se vier a comprovar ter pago em excesso por algo que não pertencia à massa insolvente”; no ponto 53º: “Nessa medida, considera a requerente que a parte do preço que entregou à massa insolvente, equivalente à área alegadamente pertença do terceiro, 2.486 m2, acrescido de 10% em virtude das eventuais despesas decorrentes da salvaguarda dos seus direitos, será suficiente para acautelar os seus eventuais prejuízos”; no ponto 54º: “Assim, cautelarmente, considera que o arresto da quantia de 244.746,70 euros (…), resultante do cálculo proporcional do preço pago pelo metro quadrado, 89.50 euros (…) e do preço correspondente à área alegadamente pertença do terceiro, 222.497,00 euros (…), acrescido de 10% em virtude das eventuais despesas decorrentes da salvaguarda dos seus direitos, 22.249,70 euros (…), será suficiente para salvaguarda dos seus interesses e direito”; no ponto 55º: “Paralelamente à presente providência cautelar, a requerente irá instaurar a ação declarativa para reconhecimento do seu direito de propriedade, pelo que o arresto da sobredita verba deverá manter-se até ao trânsito em julgado da dita ação e, se procedente, ser o montante arrestado entregue à requerida”; no ponto 57º: “O seu intuito não é prejudicar os credores da insolvência (…), todavia não pode correr o risco de adquirir um bem e ser confrontada, já após o encerramento da insolvência, com a obrigação de reconhecer a propriedade de parte do terreno por si adquirido e pago a um terceiro (…) e no ponto 60º que: “Visa a presente providência evitar que parte do preço da verba 1 seja distribuído pelos credores, correndo o risco de incobrabilidade do crédito da requerente no caso de se vir a verificar o direito do terceiro a parte da verba n.º 1, ficando impossibilitada de reaver tal quantia, principalmente perante um cenário de encerramento da insolvência” (sublinhado e destacado da nossa autoria).
Sintetizando, em função da própria alegação da apelante que se acaba de transcrever, esta, apesar de considerar que perante os factos que lhe foram relatados e da documentação que lhe foi facultada e que analisou antes da celebração da escritura de compra e venda e de entender existirem fortes indícios de que os mencionados 2.486 m2 de terreno não integram o prédio que comprou, não tem ainda esse facto como certo, tanto assim que alude à necessidade de recorrer à ação declarativa, que diz irá intentar, para elucidar essa questão.
Por conseguinte, em função dessa alegação, é a própria apelante que considera que no momento da instauração do arresto, não considera ainda dispor de fundamento legal para pedir a redução do preço da compra do prédio (direito esse que, reafirma-se, o art. 838º do CPC não lhe concede, mas apenas o de pedir a anulação do negócio) e assim, ser detentora do crédito sobre a requerida de 244.746,70 euros que pretende ver arrestada, mas antes que a existência desse direito de crédito é meramente eventual ou potencial, estando dependente de na ação a instaurar se vir a reconhecer, por decisão transitada em julgado, que os mencionados 2.486 m2 de terreno não integram efetivamente o prédio comprado.
Deriva do que se acaba de referir que em função da alegação da apelante, esta não se considera credora da quantia que pretende ver arrestada, mas apenas credora hipotética, eventual ou potencial desse direito de crédito.
Acontece que conforme já demonstrado, dada a agressão ao património do requerido que o arresto comporta, embora não seja necessário que, no momento em que é instaurado, o direito de crédito que a requerente se arroga sobre o requerido seja certo, líquido e exigível, sequer que esteja reconhecido por decisão judicial, transitada em julgado, esse direito não pode ser de natureza meramente eventual, hipotética ou potencial como acontece indiscutivelmente em relação ao pretenso direito de crédito que em função da própria alegação da apelante esta deterá sobre a requerida.
Resulta do exposto e, em síntese, que o arresto da quantia de 244.746,70 euros que a apelante pretende ver decretado é manifestamente improcedente por várias razões, que não apenas a que vem invocada pela 1ª Instância na decisão sob sindicância e com base no qual indeferiu liminarmente o requerimento inicial, por manifesta improcedência.
Na verdade, conforme bem decidido pela 1ª Instância, a apelante fundou o crédito que pretende ver arrestado no seu pretenso direito em obter a redução do preço da compra do prédio que efetuou, quando, nos termos do disposto no art. 838º do CPC, perante uma situação de efetivo erro vício, apenas lhe assiste o direito a obter a anulação desse negócio.
Contudo, acrescidamente, impunha-se indeferir in limine o requerimento inicial apresentado, por manifestamente improcedência, porquanto, em função dos factos alegados pela própria apelante no requerimento inicial, esta não se encontrava em qualquer situação de erro-vício quanto à área do prédio no momento em que celebrou a escritura de compra e venda desse prédio, mas antes tinha perfeito conhecimento que o último tinha efetivamente uma área de apenas 7.040 m2 e que havia um terceiro ou terceiros que, ainda assim, se arrogava(m) proprietário(s) de 2.482 m2 de terreno e, inclusivamente, foi-lhe facultada e analisou documentação da qual, na sua perspetiva, resultavam fortes indícios de que os mencionados 2.486 m2 de terreno não faziam parte do prédio, mas antes apontavam no sentido de que essa área teria sido incorporada, através de meios fraudulentos e ilegais, no prédio que veio a ser apreendido para a massa insolvente e que a mesma comprou em sede de liquidação do ativo, aceitando a apelante, não obstante isso, celebrar a escritura de compra e venda, conformando-se com essa álea.
Finalmente, apesar do conhecimento que tinha desses factos antes da celebração da escritura pública de compra e venda do prédio, segundo a própria alegação da apelante, esta não tem como facto certo e seguro que os mencionados 2.486 m2 de terreno de que o terceiro se arroga proprietário, não integrem efetivamente o prédio que comprou, propondo-se instaurar ação judicial com vista ao esclarecimento desse facto, o que significa que o direito à redução do preço que despendeu na aquisição deste (ainda que esse direito lhe assistisse, o que não é o caso), de onde emerge o pretenso direito de crédito sobre a requerida que a mesma visa acautelar com o arresto, de acordo com a sua própria alegação, tem natureza meramente hipotética ou eventual e, consequentemente, insuficiente para preencher o requisito necessário ao decretamento do arresto da “provável existência do direito de crédito”.

B.4- Convolação da providência cautelar e convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial.

A apelante imputa erro de direito à decisão recorrida advogando que previamente ao indeferimento liminar do requerimento inicial, impunha-se que a 1ª Instância tivesse convolado a presente providência cautelar de arresto para a que fosse mais conveniente para acautelar os seus legítimos interesses ou, pelo menos, a tivesse notificado para aperfeiçoar o requerimento inicial, sob pena de convolação da providência requerida ou de indeferimento liminar do requerimento inicial, mas, antecipe-se desde já, sem qualquer arrimo legal.
O crédito que a apelante se arroga titular ascende à quantia de 244.476,70 euros, e corresponde ao preço dos 2.486 m2 de terreno que o terceiro se arroga titular sobre o prédio, tendo por referência o preço pago pela primeira pela aquisição desse prédio, acrescida das custas previsíveis que irá suportar na ação declarativa que se propõe instaurar na defesa do seu direito de propriedade sobre o prédio, com vista a esclarecer se os mencionados 2.486 m2 fazem ou não parte daquele.
A causa de pedir alegada pela apelante para suportar esse pedido consiste, além do mais, no facto de no anúncio de venda do prédio constar que este tinha uma área de 7.342 m2 e de ter acabado por efetivamente surgir um terceiro, J. S., a arrogar-se proprietário de 2.346 m2 dá área de terreno do prédio, o que, na sua perspetiva, lhe conferia o direito a obter a redução do preço que pagou pela aquisição deste e a ser indemnizada pelos prejuízos previsíveis que irá suportar com a instauração da ação declarativa, que se propõe instaurar para esclarecimento se essa área integra ou não o prédio que comprou.
Não assistindo à apelante, em função dessa causa de pedir que alegou, o direito a obter a redução do preço da compra, mas apenas a de anular o negócio de compra e venda, tal implicava, pelo menos, a alteração do pedido formulado pela apelante fora do condicionalismo legal do n.º 2 do art. 265º do CPC, de modo de em vez de se pedir o arresto da quantia correspondente à redução do preço, tendo por referência os 2.346 m2 de terreno que o terceiro se arroga proprietário e o preço pago pela apelante pela totalidade desse prédio e os mencionados custos previsíveis que irá depender na ação a instaurar com vista a dirimir se essa área de terreno faz ou não parte do prédio comprado (244.746,70 euros), se passasse a arrestar a totalidade do preço de aquisição do prédio pago pela apelante.
Acresce que não fora esse impedimento processual, em face dos factos que vêm alegados pela própria apelante em sede de requerimento inicial, esta não se encontrava em qualquer situação de erro vício quanto à área do prédio objeto da compra e venda no momento da celebração da escritura de compra e venda, o que exclui que pudesse requerer a redução do preço (direito esse que nunca lhe assistiria), sequer a anulação da compra e venda que efetuou (direito esse que efetivamente lhe assiste, contanto se encontrasse numa situação de efetivo erro vício quanto à área do prédio, aquando da compra, o que não é o caso).
Finalmente, em função dessa alegação, a apelante não dá como facto certo e seguro que os mencionados 2.346 m2 de terreno do prédio comprado a que o terceiro se arroga proprietário não façam efetivamente parte daquele e que, consequentemente, seja efetivamente titular do direito de crédito sobre a arrestada de 244.746,70 euros, mas considera-se apenas como credora eventual, hipotética ou potencial desse direito de crédito, caso a ação que se propõe instaurar lhe venha a ser desfavorável, considerando, por decisão transitada em julgado, que os referidos 2.346 m2 de terreno não integram efetivamente o prédio comprado, o que significa que o crédito de 244.746,70 euros que a apelante se arroga titular face à requerida e que pretende ver arrestado tem natureza meramente hipotética ou eventual.
Em face do que se vem dizendo, dir-se-á que porque à apelante não assiste o direito a obter a redução do preço, mas unicamente a obter anulação do negócio, nunca o tribunal podia convolar a providência de arresto requerida ou convidar a apelante a aperfeiçoar o requerimento inicial, sob pena de violar o principio do dispositivo, ao permitir, pelo menos, a alteração do pedido fora dos condicionalismos legais, além de que, no caso, em função da causa de pedir alegada pela apelante em sede de requerimento inicial, não fora o mencionado impedimento de natureza processual, nunca o tribunal podia operar essa convolação ou convidar a apelante a aperfeiçoar o requerimento inicial que apresentou, pela simples e prosaica razão de que, segundo essa alegação, nenhum direito lhe assiste sobre a requerida, porque a mesma, na altura da celebração da escritura de compra e venda, não se encontrava já em qualquer situação de erro vício quanto à área do prédio comprado e quando o direito de crédito que se arroga titular, no montante de 244.746,70 euros, tem natureza meramente hipotética e eventual.
Resulta do exposto, que a decisão sob sindicância, que indeferiu liminarmente a presente providência cautelar especificada de arresto, com fundamento em manifesta improcedência, não padece de nenhum dos vícios de direito que lhe são imputados pela apelante, impondo-se concluir pela improcedência da apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
*
*
Decisão:

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores deste Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar improcedente a apelação e, em consequência:
- confirmam a decisão recorrida.
Custas pelo apelante (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Notifique.
*
Guimarães, 08 de outubro de 2020
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores:

Dr. José Alberto Moreira Dias (relator)
Dr. António José Saúde Barroca Penha (1º Adjunto)
Dr. José Manuel Alves Flores (2º Adjunto)


1. Neste sentido Lopes Cardoso, ob. cit., págs. 588 a 590; Rui Pinto, ob. cit., pág. 917, onde escreve: “É somente neste n.º 1 do art. 838º que se devem procurar os requisitos e efeitos do erro sobre o objeto, não no Código Civil. Efetivamente, tanto no caso de ónus oculto, como de desconformidade objetiva, o erro sobre o objeto vendido não apresenta, nomeadamente, o requisito geral subjetivo (cfr. artigos 247º e 251º do CC) da cognoscibilidade para o declarante (in casu, o Estado, através do agente de execução) da essencialidade para o declaratário (o terceiro adquirente) do elemento sobre que incidiu o erro em questão por parte do declaratário. Isto porque o interesse do adquirente prevalece sobre o interesse do exequente ou do credor reclamante”. No mesmo sentido, Marco Carvalho Gonçalves, “Lições de Processo Civil Executivo”, Almedina, 2016, pág. 388. Também Lebre de Freitas, “A Ação Executiva À Luz do Código de Processo Civil de 2013”, Coimbra Editora, 6ª ed., pág. 396.
2. Eurico Lopes Cardoso, ob. cit., pág. 592.
3. Lebre de Freitas, ob. cit., nota de fls. 396 e 397.
4. Rui Pinto, ob. cit., pág. 916.
5. Marco Carvalho Gonçalves, ob. cit., pág. 388.
6. Rui Pinto, ob. cit., pág. 915.d
7. Lebre de Feitas, ob. cit., nota da pág. 397.
8. Marco Carvalho Gonçalves, ob. cit., pág. 388.
9. Marco Carvalho Gonçalves, ob. cit., pág. 388.
10. Neste sentido Ac. RG de 20/09/2018, Proc. 227/15.0T8PRG.D.G1, in base de dados da DGSI, relatado pelo aqui 1º adjunto, que se debruça sobre questão em tudo igual às dos presentes autos.
11. Marco Carvalho Gonçalves, “Providências Cautelares”, 2016, 2ª ed., Almedina, pág. 224.
12. Marco Carvalho Gonçalves, ob. cit., pág. 228; Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, pág. 51; Acs. RL. de 02/04/2019, Proc. 959/11.2IDBGC-B.L1-5, RE de 16/01/2006, Proc. 2145/05.2, in base de dados da DGSI.
13. Marco Carvalho Gonçalves, ob. cit., págs. 231 e 232; Acs. RL. de 22/02/2007, Proc. 712/07-2; 13/03/2007, Proc. 9090/2006-1; RC de 06/03/2007, Proc. 1048/06.7TBLSA-C.C1, in base de dados da DGSI.
14. Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. IV, Almedina, pág. 174. No mesmo sentido Paulo Silva Campos, “O Arresto como Meio de Garantia Patrimonial numa Perspetiva Substantiva e Processual”, in “Revista do Direito das Sociedades”, n.º 3, pág. 760.
15. Acs. RG. de 18/06/2020, Proc. 464/19.9T8VRL.G1 (relatado pelo aqui relator e em que são adjuntos os aqui adjuntos); 27/10/2014, Proc. 543/09.0TBPTL-G.G1; RL de 08/01/2019, Proc. 12428/18.5T8LSB.L1-7; RC. de 22/10/2019, Proc. 743/18.2T8CNT-A.C1, RE de 20/08/2010, Proc. 918/09.5TBLGS-A.E1, in base de dados da DGSI.