Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
723/22.3T8BCLG1
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO
FALTA DE PAGAMENTO DA RENDA
CADUCIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- O contrato de arrendamento é um contrato bilateral ou sinalagmático, uma vez que dele decorre, entre outras obrigações acessórias, a obrigação para o senhorio de entregar e assegurar ao arrendatário o gozo temporário da coisa arrendada para os fins a que se destina (art.º 1031º do CC), mediante a obrigação deste lhe pagar a renda (art.º 1038º, al. a) do mesmo Código).
II- A obrigação de pagar a renda configura a principal obrigação do arrendatário, a qual deve ser paga no tempo e no lugar próprio, ou seja, no tempo e no lugar convencionados.
III- Por isso o n.º 3 do art.º 1083º do CC estatui ser “inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora superior a três meses, no pagamento de renda, encargos ou despesas”.
IV- O direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda ou aluguer, quando for exercido judicialmente, caduca, no entanto, logo que o locatário, até ao termo do prazo para a contestação da ação declarativa, pague, deposite ou consigne em depósito as somas devidas e a indemnização referida no n.º 1 do artigo 1041.
Decisão Texto Integral:
Relatora: Maria Amália Santos
1ª Adjunta: Margarida Alexandra Gomes
2ª Adjunta: Conceição Sampaio 
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Da decisão singular da Relatora que julgou procedente a apelação, e em consequência revogou a decisão recorrida, julgando procedente a exceção perentória invocada pela ré - da caducidade do direito invocado pelos AA, de resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento das rendas -, e absolveu a ré de todos os pedidos contra si formulados, vieram os AA/Recorridos requerer, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 652º nº 3 do CPC, que sobre a decisão proferida recaia Acórdão, alegando no essencial o que já haviam alegado no recurso interposto.
Mais alegam que se verifica uma contradição insanável na decisão singular, que leva à nulidade da mesma, nos termos do art.º 666, nº 1 ex vi art.º 615º, nº 1 al. c) do CPC, por se verificar uma obscuridade que torna a decisão ambígua e ininteligível, assim como um erro de julgamento.
Pedem, a final, que seja proferido acórdão que confirme a decisão da primeira instância, já que o Mmo Juiz a quo fez uma correta apreciação dos factos e interpretação da lei.
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Notificada a recorrida para se pronunciar sobre a Reclamação apresentada, veio a mesma pugnar pela manutenção da decisão proferida.
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Profere-se então o seguinte Acórdão:
AA, NIF ...80, casado, e, BB, NIF ...72, casada, ambos residentes na Rua ..., ... ..., vieram intentar a presente ação declarativa de processo comum, destinada a Despejo de habitação por falta de pagamento de rendas, contra CC, NIF ...38, residente no Largo ..., ... ..., pedindo que seja decretada a resolução do contrato de arrendamento entre ambos celebrado, com fundamento na falta de pagamento pontual das rendas; e que seja condenada a Ré:
- a proceder ao despejo imediato do prédio referido nos autos, e a restituí-lo aos Autores, livre e desocupado de pessoas e coisas;
- a pagar aos Autores as rendas vencidas, bem como as que se vencerem na pendência dos autos e até efetiva entrega do prédio, ascendendo as já vencidas a € 4.313,00, e relegando-se as vincendas para posterior liquidação; e
- a pagar aos Autores juros de mora sobre as rendas, calculados à taxa legal, desde o vencimento de cada uma delas, ascendendo os vencidos a € 142,710, e o cálculo dos vincendos para liquidação em execução de sentença.
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Alegam para tanto que são proprietários da fração urbana, destinada a habitação, sita na Rua ..., também conhecida como Largo ...., da freguesia e concelho ..., descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...38, e inscrita na atual matriz predial urbana sob o artigo ...19, da União de freguesias ..., ... e ... (... e ...), sendo que essa fração teve origem no artigo ...09 da freguesia ....
Que mediante contrato verbal, celebrado há mais de trinta anos, os ante possuidores do prédio (de quem os AA o herdaram) arrendaram à ré a fração identificada, para fins habitacionais e possibilidade de instalação de um estabelecimento comercial de cabeleireiro.
O arrendamento foi realizado pelo prazo de um ano, sucessivamente renovável por iguais períodos, pela renda mensal de 227,00 €, a pagar até ao oitavo dia do mês anterior àquele a que dissesse respeito, através de cheque bancário enviado por correio para a morada dos Autores, ou entregue pessoalmente.
Acontece que a Ré não pagou a renda de agosto de 2020, nem as rendas que a partir dessa data se venceram, apesar de as mesmas lhe terem sido exigidas pelos Autores, encontrando-se em dívida, na data da instauração da ação (8.3.2022), a quantia de 4.313,00 €, acrescida dos juros de mora desde o vencimento de cada uma das rendas, os quais, até àquela data ascendem a 142,71 €, pelo que nessa data a Ré era devedora aos Autores da quantia global de 4.455,71 €.
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A Ré foi citada pessoalmente e deduziu contestação, aceitando ter celebrado com o pai do Autor marido um contrato de arrendamento verbal há cerca de 34 anos, mediante o qual tomou de arrendamento a fração descrita na petição inicial.
Excecionou, no entanto, o direito dos AA - de resolução do contrato celebrado -, dizendo que após ter sido citada para a ação, diligenciou no sentido de pagar a totalidade das rendas em atraso (20 meses x 227,00 € = 4.540,00 €) acrescidas de 20 % (908,00 €) de penalização, sendo que, para o efeito, efetuou o depósito desse montante na Banco 1..., acrescido do montante da renda do mês de abril de 2021, no valor de 227,00 €, num total de 5.675,00 €.
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Os AA vieram responder à exceção invocada, dizendo que a Ré não depositou a totalidade das rendas devidas.
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Tramitados regularmente os autos foi proferida a seguinte decisão:

“Nos termos e pelos fundamentos supra-expostos, decide-se julgar a presente Ação Procedente, por provada, e, em consequência:
A) Decretar a cessação, por resolução, do contrato de arrendamento relativo ao prédio urbano, destinado a habitação e à possibilidade de instalação de um estabelecimento comercial de cabeleireiro, identificado nos artigos 1º a 3º da petição inicial;
B) Decretar o despejo imediato do prédio referido nos autos e a restituição, por parte da Ré (…) aos Autores (…), do prédio arrendado, livre e devoluto de pessoas e bens;
C) Condenar a Ré (…) a pagar aos Autores (…), os montantes correspondentes às rendas vencidas e eventualmente ainda não pagas, bem como as que se vencerem na pendência dos autos até efetiva entrega do prédio, acrescidas dos respetivos juros de mora, calculados à taxa legal, desde o vencimento de cada uma delas até efetivo e integral pagamento, tudo a liquidar em eventual execução de sentença;
D) Condenar em Custas a Ré (…), fixando-se a taxa de justiça nos termos tabelares do RCP (artigos 527º/1,1ªparte,2, 529º/2 e 607º/6 todos do Código de Processo Civil - CPC), tudo sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia a mesma Ré…”
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Não se conformando com a decisão proferida, dela veio a Ré interpor o presente recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:
“I – Nulidade da Sentença por condenação superior ao pedido, nos termos do Artigo 615º, nº 1, alínea e) do Código de Processo Civil;
No que respeita a pagamento de valores de rendas, na sua Petição Inicial sob a referência ...95, os AA. peticionam (1) a condenação da Ré no pagamento de € 4.313,00 (quatro mil trezentos e treze euros) a título de rendas já vencidas antes da entrada da acção e (2) nas rendas que se vencerem na pendência dos autos.
- a pagar aos Autores as rendas vencidas (1), bem como as que se vencerem na pendência dos autos (2) e até efetiva entrega do prédio, ascendendo as já vencidas a QUATRO MIL, TREZENTOS E TREZE EUROS (1) e relegando-se as vincendas para posterior liquidação”
A acção deu entrada no dia oito (8) de Março de 2022, conforme Petição Inicial.
No dia quatro (4) de Abril de 2022, a Ré pagou a quantia de 5.675,00 € (cinco mil e seiscentos e setenta e cinco euros), conforme documento ... junto com a Contestação com a Ref.ª ...81;
Fazendo fé na teoria dos AA. que a renda era paga com mês de avanço, então a:
- 9 de Março de 2022 venceu-se a renda de Abril de 2022; e
- 9 de Abril de 2022, venceu-se a renda de Maio de 2022;
Tal implica que, segundo o peticionado, a título de rendas vencidas e vincendas no decurso da acção até à apresentação da Contestação, seja devido aos AA. o montante de € 4.540,00 (quatro mil quinhentos e quarenta euros), correspondente aos seguintes valores € 4.313,00 (rendas já vencidas antes da entrada da acção) + € 454,00 (rendas vencidas no decurso da acção).
Exceptuando-se a última renda, porque paga em prazo, as demais rendas foram pagas com a penalização de 20%, no montante total de € 908,00 (novecentos e oito euros) – Doc. ... com a Contestação, idem.
Se as rendas vencidas aquando da entrada da acção são no montante de € 4.313,00 (quatro mil trezentos e treze euros); se a acção entra a 8 de Março de 2022, a Contestação em Abril de 2022 com um comprovativo de pagamento de rendas e penalizações efectuado a 4 de Abril de 2022; só é lícito, legal e lógico, assim como permitido e plausível conhecer ao Juiz se os montantes vencidos antes da acção e expressamente peticionados num valor, acrescidos dos vencidos no decurso dos autos (conforme é expressamente peticionado) e pelas datas apresentadas e que constam do decurso dos autos se resumem a dois meses - seja qual a teoria que se queira adoptar de renda do mês corrente ou do mês seguinte – estão pagos ou não.
E, conforme é cabalmente demonstrado, os valores expressamente peticionados pelos AA. estão pagos, não sendo permitido ao Tribunal considerar meses que não foram peticionados por vencidos aquando da entrada da acção ou por vencidos durante o decurso da acção.
Ou seja, com o pagamento de € 5.675,00 (cinco mil seiscentos e setenta e cinco euros), o exacto valor que foi depositado pela Ré a 4 de Abril de 2022, conforme documento ... junto com a Contestação Ref. ...81 encontra-se pago todo o valor devido, para os termos e efeitos dos artigos 1048º e 1041º do Código Civil, o que implica a procedência da excepção peremptória alegada pela Ré.
O Tribunal Ad Quo ao não aceitar que o valor peticionado pelos AA. a título de rendas aquando da entrada da Contestação não se encontrava totalmente pago, acrescido de penalizações, está a condenar acima do pedido dos AA. o que implica a nulidade da Sentença nesse ponto, nos termos da alínea e) do número 1 do Artigo 615º do Código de Processo Civil;
A condenação ultra petitum, considerando que os valores das rendas e penalizações não foram integralmente pagos a 4 de Abril de 2022, conforme documento ... junto com a Contestação, implica a nulidade da Sentença, devendo ser dado como assente que as rendas vencidas antes e no decurso da acção até à entrada da Contestação, foram integralmente pagas, acrescidas das penalizações do Artigo 1048º, nº 1 do Código Civil;
Por esses motivos, deverá ser atendido o presente recurso e ser decretada a nulidade da sentença.
II - Verificação da Excepção Peremptória de Caducidade da Acção de Despejo, com o pagamento das rendas e penalizações, nos termos dos Artigos 576º nº 3 do Código de Processo Civil e dos Artigos 1048º e 1041º, nº 1, ambos do Código Civil.
Mal esteve o Tribunal Ad Quo quando não fez as devidas contas e, em vez de verificar se os valores estavam devidamente pagos, complicou uma acção que podia ter sido decidida no Despacho Saneador;
Repetindo a cronologia dos autos:
a. Os autos entraram a 8 de Março de 2022 – segundo o peticionado pelos AA. até essa data estavam vencidas rendas no montante de € 4.313, 00 - vide Petição Inicial;
b. A 9 de Março de 2022 – na pendência dos autos, é exigível uma renda de € 227,00, fosse essa renda devida pelo mês de Março, fosse devida pelo mês de Abril;
c. A 9 de Abril de 2022, é exigível uma renda de € 227,00, fosse essa renda devida pelo mês de Abril, fosse devida pelo mês de Maio;
d. A 4 de Abril de 2022 A Ré efectuou pagamento dos valores peticionados pelos AA, acrescido do pagamento de € 908,00 correspondente a uma penalização de 20% em relação as rendas em atraso;
e. A Contestação foi apresentada a 26 de Abril de 2022;
Pelo simples cálculo aritmético, conjugado com o pedido efectuado pelos AA. e a data de entrada dos autos, verificamos que:
- O montante de rendas vencidas até à entrada da acção peticionado pelos AA. Foi pago;
- As rendas vencidas depois da entrada dos autos até à contestação, conforme peticionado pelos AA. foi pago;
- As penalizações devidas foram pagas;
Ao ter a indicação pelos AA. das rendas vencidas antes da acção e se tem a obrigatória verificação das rendas vencidas no decurso da acção, mesmo com a teoria que decidiu adoptar da renda paga adiantada, as contas dos valores devidos a 24 de Abril de 2022 a título de rendas e penalizações encontram-se totalmente em dia para que fosse decidida procedente a Excepção Peremptória de Caducidade da Acção de Despejo, com o pagamento das rendas e penalizações, nos termos dos Artigos 576º nº 3 do Código de Processo Civil e dos Artigos 1048º e 1041º, nº 1, ambos do Código Civil;
Por esses motivos, deverá ser atendido o presente recurso e ser decretada procedente a alegada excepção.
III - Violação do Princípio de Confiança, Proibição de comportamento contraditório dos Autores, violação do “Venire Contra Factum Proprium”, verificação de Abuso de Direito, nos termos do Artigo 334º do Código Civil;
É notória a tentativa desesperada – acolhida pelo Tribunal Ad Quo – dos AA. após terem os valores peticionados pagos acrescidos da penalização devida, de lançarem a confusão e levarem o Tribunal a acreditar que faltavam valores,
Quando, mesmo atendendo à sua teoria, os valores peticionados, os valores vencidos no decurso dos autos e os valores da penalização foram integralmente pagos até à Contestação!!
E é o Abuso de Direito dos AA. pretender despejar a Ré, que habita o locado há 34 anos e do mesmo faz sua casa de morada de família, depois de pagar € 5.675,00 (cinco mil seiscentos e setenta e cinco euros), alegar que faltam valores que não se encontram nem nas rendas vencidas antes da acção e por si peticionadas, nem nas rendas vencidas após a entrada da acção;
Efectivamente, inexistem valores por saldar, mas procurar alterar modificar a realidade e lançar confusão nos autos aquando da resposta à Contestação, após o pagamento efectuado nos termos do Artigo 1048º do Código Civil, é exemplo de venire contra factum proprium, o que consubstancia má fé e Abuso de Direito, nos termos do Artigo 334º do Código Civil, sendo ilegítimo não aceitar que se verificou o integral pagamento com a consequente procedência da alegada excepção peremptória;
Por esses motivos, deverá ser atendido o presente recurso e ser decretada a verificação de abuso de direito, com os AA. a contrariarem em sede de requerimentos e julgamento o seu pedido, verificando-se que actuaram de modo a venire contra factum proprium, quando alegam que as rendas já vencidas são de um valor até à entrada da acção e depois tentam alterar a realidade factual existente alegando que as rendas eram pagas em avanço.
O que, em bom rigor, não é o que demonstram no seu pedido.
IV – Efeitos do Erro de Cálculo ou Escrita – Violação do Artigo 249º do Código Civil.
Por mera hipótese académica, a considerar que faltou alguma renda, ao não ter considerado que se tratou de um erro de cálculo, salvo respeito por melhor opinião, errou o Tribunal Ad Quo, pois quem paga € 5.675,00 (cinco mil seiscentos e setenta e cinco euros) para salvar a sua casa de morada de família, se tivesse de pagar mais uma renda, assim o faria, não estando de todo claro que essa renda era devida. Pois sim, em caso de erro – e o Tribunal ad quo não diz de quanto e de que período – deveria ter sido permitido, nos termos do artigo 249º do Código Civil, a rectificação do mesmo.
V – Erro de Julgamento – O Tribunal ad quo cometeu um erro de julgamento correspondente a um desvio na realidade factual por falsa representação da mesma (error facti) É notório que o Tribunal Ad Quo se enganou a contabilizar os valores que eram devidos pela Ré para poder usufruir da alegada excepção e os valores pagos, contribuindo para uma confusão em todo o processo e à realização de actos inúteis, nomeadamente a produção de requerimentos acessórios e de julgamento quando bastaria verificar se os valores devidos correspondiam aos valores pagos, independentemente da alegação – sem motivo justificativo considerando o pedido efectuado pelos AA. – de que as rendas pagas correspondiam ao mês seguinte, pois na data da entrada da acção é reclamado um valor exacto e na data da contestação, independentemente do que possa ser entendido, venceram-se duas rendas sejam actuais ou do mês seguinte, valores esses que foram escrupulosa e atempadamente pagos;
Se havia uma renda entre o cálculo das rendas vencidas e a entrada da acção a considerar, tal não é alegado pelos AA. que dizem que as rendas vencidas contabilizam um valor expresso e pedem as que se vencerem na pendência da acção, ora se a acção entra a 8 de Março de 2022, a 9 é exigível uma renda (seja a de Março, seja a de Abril) e a 9 de Abril é exigível seja a de Abril seja a de Maio;
Pois os critérios e fundamentos para a aplicação da alegada excepção peremptória estão totalmente verificados, bastando ser efectuada um rigoroso cálculo aritmético;
Assim, verificando-se um erro de julgamento, deverão ser corrigindo os valores pagos considerando-os correspondentes aos valores devidos, sendo dada como procedente a verificação da excepção peremptória alegada pela Ré na sua Contestação.
DOS CONCRETOS PONTOS DE FACTO INCORRECTAMENTE JULGADOS QUE IMPÕEM DECISÃO DIVERSA DA RECORRIDA (Artigo 640º, nº 1, alínea a) do C.P.C.)
1. Dos Pontos 12 e 13 e no pedido “Nestes termos deve decretar-se a resolução do contrato de arrendamento dos autos, com fundamento na falta de pagamento pontual da renda; - deve condenar-se a Ré: - a pagar aos Autores as rendas vencidas (1), bem como as que se vencerem na pendência dos autos (2) e até efetiva entrega do prédio, ascendendo as já vencidas a QUATRO MIL, TREZENTOS E TREZE EUROS (1) e relegando-se as vincendas para posterior liquidação” da PETIÇÃO INICIAL sob a Ref.ª ...95 – Alínea a) dos Pontos dados como provados
2. Dos Pontos 16 a 19 da CONTESTAÇÃO sob a Ref.ª ...81 – Alínea b) dos Pontos dados como provados
3. Dos Pontos 10 a 17 da RESPOSTA à contestação, sob a Ref.ª ...70 – Alínea c) dos Pontos dados como provados
4. Dos pontos dados como provados no REQUERIMENTO dos Autores sob a Ref.ª ...76 – Alínea e) dos Pontos dados como provados
DOS CONCRETOS MEIOS PROBATÓRIOS INCORRECTAMENTE JULGADOS QUE IMPÕEM DECISÃO DIVERSA DA RECORRIDA (Artigo 640º, nº 1, alínea b) do C.P.C.)
IV – Das Declarações de Parte da Autora BB, que impunham uma decisão oposta à proferida nos Pontos 10 a 17 Da RESPOSTA à contestação, sob a Refª ...70 dados como provados e dos factos dados como provados no REQUERIMENTO dos Autores sob a Refª ...76 nomeadamente quanto ao acordo sobre modo e prazo do pagamento de rendas;
A voltas: de 02:38 a 2:52; de 04:35 a 05:03; de 07:28 a 07:58; de 23:46 a 24:02; de 25: 54 a 26:53; de 28:45 a 30:28; e de 33:09 a 33:39.
C) Da RESPOSTA à contestação, sob a Refª ...70:
10. A renda referente ao presente contrato vencia-se no mês anterior ao que dissesse respeito.
11. A Ré, no prazo da contestação, não depositou a totalidade das rendas devidas à data.
12. A Ré em 04/04/2022 depositou na Banco 1..., em nome dos Autores, o montante de 5.675,00 €.
13. Nesse montante a Ré pretendeu incluir a renda de Abril de 2022, depositada em singelo, no valor de 227,00 €.
14. Porém, a renda de Abril de 2022 venceu-se no mês anterior, pelo que à data de 04/04/2022 já a mesma se encontrava em atraso.
16. À data da apresentação da contestação - 26/04/2022 - também já se encontrava vencida a renda de Maio de 2022.
17. A Ré, quanto à renda de Maio de 2022, não procedeu ao seu pagamento no prazo da contestação.
E) Do REQUERIMENTO dos Autores sob a Refª ...76:
- A renda deveria ser paga no mês anterior àquele a que dissesse respeito.
- À data da apresentação da contestação (26/04/2022) já se encontrava vencida a renda de Maio de 2022, e a Ré, quanto a esta, não procedeu ao seu pagamento.
Devendo ser substituídos e dados como provados para a boa decisão da causa os seguintes factos:
10. A renda referente ao presente contrato vencia-se no mês a que dissesse respeito.
11. A Ré, no prazo da contestação, depositou a totalidade das rendas devidas à data.
12. A Ré em 04/04/2022 depositou na Banco 1..., em nome dos Autores, o montante de 5.675,00 €.
13. Com esse pagamento, encontravam-se pagos todos os valores reclamados pelos AA. a título de rendas vencidas até à entrada da acção, rendas vencidas no decurso da acção e penalizações devidas;
V – Das Declarações do Autor AA, que impunham uma decisão oposta à proferida nos Pontos 10 a 17 Da RESPOSTA à contestação, sob a Refª ...70 dados como provados e dos factos dados como provados no REQUERIMENTO dos Autores sob a Refª ...76, nomeadamente quanto ao acordo sobre modo e prazo do pagamento de rendas;
A Voltas: de 13:41 a 16:42; de 04:03 a 04:53; de 07:29 a 08:00; de 11:12 a 11:23; de 05:02 a 05:06; e de 01:43 a 03:50.
A devida apreciação da prova implica que sejam alterados os seguintes factos dados como provados:
C) Da RESPOSTA à contestação, sob a Refª ...70:
10. A renda referente ao presente contrato vencia-se no mês anterior ao que dissesse respeito.
11. A Ré, no prazo da contestação, não depositou a totalidade das rendas devidas à data.
12. A Ré em 04/04/2022 depositou na Banco 1..., em nome dos Autores, o montante de 5.675,00 €.
13. Nesse montante a Ré pretendeu incluir a renda de Abril de 2022, depositada em singelo, no valor de 227,00 €.
14. Porém, a renda de Abril de 2022 venceu-se no mês anterior, pelo que à data de 04/04/2022 já a mesma se encontrava em atraso.
16. À data da apresentação da contestação - 26/04/2022 - também já se encontrava vencida a renda de Maio de 2022.
17. A Ré, quanto à renda de Maio de 2022, não procedeu ao seu pagamento no prazo da contestação.
E) Do REQUERIMENTO dos Autores sob a Ref.ª ...76:
- A renda deveria ser paga no mês anterior àquele a que dissesse respeito.
- À data da apresentação da contestação (26/04/2022) já se encontrava vencida a renda de Maio de 2022, e a Ré, quanto a esta, não procedeu ao seu pagamento.
Devendo ser substituídos e dados como provados para a boa decisão da causa os seguintes factos:
10. A renda referente ao presente contrato vencia-se no mês a que dissesse respeito.
11. A Ré, no prazo da contestação, depositou a totalidade das rendas devidas à data.
12. A Ré em 04/04/2022 depositou na Banco 1..., em nome dos Autores, o montante de 5.675,00 €.
13. Com esse pagamento, encontravam-se pagos todos os valores reclamados pelos AA. a título de rendas vencidas até à entrada da acção, rendas vencidas no decurso da acção e penalizações devidas;
VI – Do depoimento da Testemunha DD que impunha uma decisão oposta à proferida nos Pontos 10 a 17 Da RESPOSTA à contestação, sob a Refª ...70 dados como provados e dos factos dados como provados no REQUERIMENTO dos Autores sob a Refª ...76, nomeadamente quanto ao acordo sobre modo e prazo do pagamento de rendas;
A Voltas: de 09:34 a 10:02; de 10:22 a 11:05; de 11:05 a 11:31; e de 23:18 a 23:37.
A devida apreciação da prova implica que sejam alterados os seguintes factos dados como provados:
C) Da RESPOSTA à contestação, sob a Refª ...70
10. A renda referente ao presente contrato vencia-se no mês anterior ao que dissesse respeito.
11. A Ré, no prazo da contestação, não depositou a totalidade das rendas devidas à data.
12. A Ré em 04/04/2022 depositou na Banco 1..., em nome dos Autores, o montante de 5.675,00 €.
13. Nesse montante a Ré pretendeu incluir a renda de Abril de 2022, depositada em singelo, no valor de 227,00 €.
14. Porém, a renda de Abril de 2022 venceu-se no mês anterior, pelo que à data de 04/04/2022 já a mesma se encontrava em atraso.
16. À data da apresentação da contestação - 26/04/2022 - também já se encontrava vencida a renda de Maio de 2022.
17. A Ré, quanto à renda de Maio de 2022, não procedeu ao seu pagamento no prazo da contestação.
E) Do REQUERIMENTO dos Autores sob a Refª ...76
- A renda deveria ser paga no mês anterior àquele a que dissesse respeito.
- À data da apresentação da contestação (26/04/2022) já se encontrava vencida a renda de Maio de 2022, e a Ré, quanto a esta, não procedeu ao seu pagamento.
Devendo ser substituídos e dados como provados para a boa decisão da causa os seguintes factos:
10. A renda referente ao presente contrato vencia-se no mês a que dissesse respeito.
11. A Ré, no prazo da contestação, depositou a totalidade das rendas devidas à data.
12. A Ré em 04/04/2022 depositou na Banco 1..., em nome dos Autores, o montante de 5.675,00 €.
13. Com esse pagamento, encontravam-se pagos todos os valores reclamados pelos AA. a título de rendas vencidas até à entrada da acção, rendas vencidas no decurso da acção e penalizações devidas;
Pelo exposto, requer que apreciadas a nulidade invocada, a verificação da procedência da excepção peremptória alegada nos termos dos artigos 1048º e 1041º do Código Civil, a alteração da matéria de facto, dando-se como provado que as rendas eram pagas no próprio mês ou por mera hipótese académica mesmo que se paguem no mês anterior, encontram-se em dia, e que seja revogada a decisão determinando-se a improcedência total dos pedidos formulados contra a Ré, permitindo-se que a mesma possa continuar a habitar a sua casa de morada de família onde reside há mais de 35 anos, fazendo-se Justiça”.
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Os AA vieram Responder ao recurso interposto pela Ré, pugnando pela sua improcedência.
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Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso (artigos 635º e 639º do CPC), as questões a decidir no presente recurso de Apelação (por ordem lógica de conhecimento) são as seguintes:

I- A de saber se caducou o direito dos AA de resolverem o contrato de arrendamento celebrado com a ré, por falta de pagamento das rendas;
II- Se a decisão é nula por excesso de pronúncia; e
III- Se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto.
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Foram dados como provados na primeira instância os seguintes factos:

“A) Da PETIÇÃO INICIAL (…)
1. a 3. Os Autores são proprietários da fração urbana, destinada a habitação, sita na Rua ..., também conhecida como Largo ..., da freguesia e concelho ..., descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...38, e inscrita na atual matriz predial urbana sob o artigo ...19, da União de freguesias ..., ... e ... (... e ...), sendo que essa fração teve origem no artigo ...09 da freguesia ....
4. Tal prédio adveio à propriedade dos Autores por sucessão hereditária.
5. Mediante contrato verbal, celebrado há mais de trinta anos com a Ré, os ante possuidores dos Autores arrendaram a fração supra-identificada, para fins habitacionais e possibilidade de instalação de um estabelecimento comercial de cabeleireiro.
6. a 9. O arrendamento foi realizado pelo prazo de um ano, sucessivamente renovável por iguais períodos, pela renda mensal de 227,00 € (duzentos e vinte e sete euros), a pagar até ao oitavo dia do mês anterior àquele a que dissesse respeito, através de cheque bancário enviado por correio para a morada dos Autores ou entregue pessoalmente.
10. e 11. A Ré não pagou a renda de Agosto de 2020, nem as rendas que, a partir desta data, se venceram, apesar de as mesmas lhe terem sido exigidas pelos Autores.
12. A Ré, à data da instauração da ação, deve(ia), aos Autores as rendas relativas aos seguintes meses: - Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2020; - Janeiro a Dezembro de 2021; - Janeiro e Fevereiro de 2022.
13. A quantia em dívida, à data da instauração da ação, perfaz(ia) o total de 4.313,00 € (quatro mil e trezentos e treze euros), com juros de mora desde o vencimento de cada uma das rendas.
14. Os juros vencidos até 08/03/2022, data da instauração da ação, ascendem(iam) a 142,71 € (…).
15. À data da instauração da ação, a Ré é(era) devedora aos Autores da quantia global de 4.455,71 € (…)
B) Da CONTESTAÇÃO (…)
2. A Ré celebrou com o pai do Autor Marido um contrato de arrendamento verbal há cerca de 34 anos, mediante o qual a Ré tomou de arrendamento a fração descrita na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...38 e descrita na atual matriz predial urbana sob o artigo ...19 da União das Freguesias ..., ... e ... (... e ...).
7. As rendas eram pagas através de cheque.
8. Os cheques eram titulados pelo Sr. EE, sobre a Banco 1... com a conta n.º ...00.
9. O Sr. EE (como é conhecido) teve um gabinete de projetos na Rua ..., em ..., num prédio confinante ao que habita a Ré, e era amigo pessoal da Ré.
10. Era o Sr. EE quem pagava as rendas.
11. Ao longo dos anos era ele, Sr. EE, quem preenchia os cheques, endossava-os primeiramente a AA e, posteriormente, após a morte deste último, ao seu filho AA, e enviava-os, via correio postal, para as moradas indicadas pelos mesmos.
12. Após a morte de AA, os cheques passaram a ser enviados para a morada dos Autores, sita, então, na Rua ..., na freguesia ..., ... ....
13. Em momento posterior, os senhorios enviavam para a Ré os recibos de renda.
16. a 19. A Ré, após ter sido citada para a presente ação, para tentar evitar as implicações que para ela poderão advir por falta de pagamento pontual das rendas, diligenciou no sentido de pagar a totalidade das rendas em atraso (20 meses x 227,00 € = 4.540,00 €) acrescidas de 20 % (908,00 €), sendo que, para o efeito, efetuou o depósito desse montante total na Banco 1..., acrescido do montante da renda do mês de Abril de 2021 no valor de 227,00 €, num total de 5.675,00 € (…)
C) Da RESPOSTA à contestação (…)
3. As partes (por si e antepossuidores) celebraram um contrato verbal, possibilidade legal à data da respetiva celebração.
10. A renda referente ao presente contrato vencia-se no mês anterior ao que dissesse respeito.
11. A Ré, no prazo da contestação, não depositou a totalidade das rendas devidas à data.
12. A Ré em 04/04/2022 depositou na Banco 1..., em nome dos Autores, o montante de 5.675,00 €.
13. Nesse montante a Ré pretendeu incluir a renda de Abril de 2022, depositada em singelo, no valor de 227,00 €.
14. Porém, a renda de Abril de 2022 venceu-se no mês anterior, pelo que à data de 04/04/2022 já a mesma se encontrava em atraso.
16. À data da apresentação da contestação - 26/04/2022 - também já se encontrava vencida a renda de Maio de 2022.
17. A Ré, quanto à renda de Maio de 2022, não procedeu ao seu pagamento no prazo da contestação.
D) Do REQUERIMENTO da RÉ sob a Refª ...74:
8. Em Maio, Junho, Julho, Agosto e Setembro de 2022, a Ré procedeu ao pagamento das respetivas rendas através de depósito na Banco 1... do respetivo montante no valor de 227,00 € (…).
10. O Autor, Sr. AA, emitia, assinava e enviava à Ré, sua inquilina, os respetivos recibos de renda juntos com o requerimento da Ré, sob a Refª ...74, como documentos nºs. ... e ....
13. A Ré tem procedido a depósitos mensais.
E) Do REQUERIMENTO dos Autores sob a Refª ...76
- A renda deveria ser paga no mês anterior àquele a que dissesse respeito.
- À data da apresentação da contestação (26/04/2022) já se encontrava vencida a renda de Maio de 2022, e a Ré, quanto a esta, não procedeu ao seu pagamento.
- A Ré já há vários anos se encontrava a pagar a renda com atraso de um mês.
- Os Autores, erradamente, não imputavam tal atraso ao pagamento de indemnização de 50% pela mora, devida nos termos do disposto no artigo 1.041º do Código Civil.
Da discussão resultaram NÃO provados os seguintes Factos:
A) Da CONTESTAÇÃO sob a Refª ...81
5. O contrato de arrendamento em causa foi celebrado por tempo indeterminado.
6. Ao longo dos anos a Ré passou por graves dificuldades económicas.
10. A Ré ia pagando como podia, ao Sr. EE, os montantes das rendas que este pagava aos ora Autores.
11. A Ré, previamente aos pagamentos através de cheques, entregava ao Sr. EE numerário correspondente ao valor das rendas. A Ré não tinha cheques.
14. A Ré desconhece se o Sr. EE deixou de enviar os cheques para pagamento das rendas.
15. Ao longo de todo este período, isto é, desde Agosto de 2020 até à data de instauração da presente ação (08/03/2022), os Autores nunca interpelaram a Ré do eventual incumprimento, e nunca exigiram à mesma o pagamento das rendas vencidas e não pagas.
16. A Ré até ao momento não conseguiu contactar o Sr. EE.
20. Os Autores nunca forneceram à Ré um IBAN, do qual fossem titulares, para que aquela efetuasse o pagamento das rendas através de transferência bancária.
B) Do REQUERIMENTO da RÉ sob a Refª ...74
8. A Ré procedeu ao pagamento do montante da renda de 227,00 € (duzentos e vinte e sete euros) em Maio, Junho, Julho, Agosto e Setembro de 2022 sempre até ao dia 8 de cada mês a que diziam respeito.
9. Como sempre o fez, a Ré pagou no próprio mês a renda do mês a que dizia respeito.
13. A Ré só continua a proceder a depósitos mensais porque não foi indicado pelos Autores um IBAN do qual fossem titulares para o efeito.
- Com interesse para a decisão da causa, NÃO foram dados como provados quaisquer outros factos que estejam em oposição com os que foram supra dados como provados, nem quaisquer outros factos que não tenham ficado, desde logo, prejudicados pelos que foram acima dados como provados.
- A restante matéria alegada nos articulados e requerimentos supervenientes dos Autores e da Ré constitui matéria de direito, conclusiva ou irrelevante para a decisão da causa, pelo que não se responde à mesma”.
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I- Da caducidade do direito dos AA quanto à resolução do contrato de arrendamento celebrado com a ré, por falta de pagamento das rendas:

De acordo com a matéria de facto provada, os ante possuidores dos Autores deram de arrendamento à ré, há mais de 30 anos, mediante contrato verbal, a fração urbana, destinada a habitação, sita na Rua ..., também conhecida como Largo .... da freguesia e concelho ..., a qual viria a ser adquirida pelos AA, por sucessão hereditária, sendo eles os atuais senhorios da ré.
O referido contrato de arrendamento foi celebrado pelo prazo de um ano, sucessivamente renovável por iguais períodos, pela renda mensal de 227,00 €, a pagar até ao oitavo dia do mês anterior àquele a que dissesse respeito, através de cheque bancário enviado por correio para a morada dos Autores ou entregue pessoalmente.
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Subsumindo os factos descritos às normas legais aplicáveis, verificamos que estamos perante um contrato de arrendamento urbano, que é o contrato pelo qual uma das partes concede à outra o gozo temporário de um imóvel, no todo ou em parte, mediante retribuição (artºs 1022º e 1023º do CC).
Trata-se de um contrato bilateral ou sinalagmático, uma vez que dele decorre, entre outras obrigações acessórias, a obrigação para o senhorio de entregar e assegurar ao arrendatário o gozo temporário da coisa arrendada para os fins a que se destina (art.º 1031º do CC), mediante a obrigação deste lhe pagar a renda (art.º 1038º, al. a) do mesmo Código).
A obrigação de pagar a renda configura a principal obrigação do arrendatário, a qual deve ser paga no tempo e no lugar próprio, ou seja, no tempo e no lugar convencionados, sendo que na falta de convenção contratual, o art.º 1039º do CC estatui um prazo supletivo para aquele pagamento – no último dia de vigência do contrato ou do período a que respeita. No caso dos autos, o pagamento da renda foi convencionado ser efetuado até ao 8º dia do mês anterior àquele a que dissesse respeito.
Se o arrendatário não pagar a renda no dia que para tanto foi convencionado, constitui-se em mora, fazendo-a, porém, cessar se proceder ao pagamento da renda no prazo de oito dias a contar da constituição em mora (art.º 1041º, n.º 2 do CC).
Decorrido o prazo de oito dias sobre a constituição da mora, o senhorio tem direito a exigir do arrendatário, além da renda em falta, uma indemnização igual a 20% do que for devido (art.º 1041º do CC, com a redação que lhe foi dada pelo DL nº 13/2019, de 27.2).
Na vigência do RAU (Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo DL n.º 321-B/90, de 15 de outubro), o art.º 64º, n.º 1 elencava, de forma taxativa, os fundamentos de resolução do contrato de arrendamento por parte do senhorio, contando-se, entre eles, o não pagamento da renda no tempo e no lugar próprios, e a não efetuação de depósito liberatório (al. a), do n.º 1 do art.º 64º).
Com a entrada em vigor do NRAU (Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, com entrada em vigor em 27.08.2006), regime jurídico aplicável ao caso dos autos (art.º 26º da Lei 6/2006), as causas de resolução do contrato de arrendamento deixaram de estar taxativamente enunciadas na lei, tendo o legislador optado por consagrar no n.º 1 do art.º 1083º do CC um fundamento genérico de resolução do contrato, que assenta no conceito indeterminado de “justa causa”, entendida esta como “o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequência, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento”, aplicável a ambos os contraentes, ou seja, quer ao senhorio, quer ao arrendatário.
Nas alíneas dos n.ºs 2 e 3 do referido art.º 1083º, o legislador exemplificou situações em que se verifica incumprimento por parte do arrendatário que pela sua gravidade e consequências, torna inexigível ao senhorio a manutenção da relação contratual, e no que tange ao não pagamento de rendas, o n.º 3 do art.º 1083º estatui ser “inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora superior a três meses no pagamento de renda, encargos ou despesas”.
Assim, ao contrário do regime jurídico estatuído no RAU, em que não se fixava qualquer número mínimo de rendas em dívida para que ao senhorio fosse conferido o direito potestativo a resolver o contrato de arrendamento com fundamento no não pagamento de rendas, bastando-se a Lei com o não pagamento pelo arrendatário de uma única renda, com a entrada em vigor do NRAU, a mora no pagamento da renda só passou a assumir relevância como fundamento da resolução do contrato quando exceda os três meses de rendas em dívida (cfr. Abílio Neto, in “ Código Civil Anotado”, 16ª ed., pá. 963).
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Mantém-se, no entanto, no domínio de vigência do NRAU, o direito que vigorava no regime anterior, de que “O direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda ou aluguer, quando for exercido judicialmente, caduca, logo que o locatário, até ao termo do prazo para a contestação da ação declarativa, pague, deposite ou consigne em depósito as somas devidas e a indemnização referida no n.º 1 do artigo 1041.º” - art.º 1048º nº1 do CC (com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 31/2012, de 14.8) -, acrescentando o nº 2 do preceito legal transcrito, que “O locatário só pode fazer uso da faculdade referida no número anterior uma única vez, com referência a cada contrato”.
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Ora, resulta da matéria de facto provada que a Ré não pagou a renda de Agosto de 2020, nem as rendas que a partir daquela data se venceram, apesar de as mesmas lhe terem sido exigidas pelos Autores, e que à data da instauração da ação, aquela devia aos Autores as rendas relativas aos seguintes meses: Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2020; Janeiro a Dezembro de 2021; Janeiro e Fevereiro de 2022, sendo a quantia em dívida à data da instauração da ação, no montante de € 4.313,00 (com juros de mora desde o vencimento de cada uma das rendas, os quais, até 08/03/2022, data da instauração da ação, ascendiam a € 142,71), pelo que, à data da instauração da ação, a Ré era devedora aos Autores da quantia global de € 4.455,71.
Isto posto,
Como bem se decidiu na sentença recorrida, a presente ação, de per si, constitui meio idóneo para interpelação da Ré para pagamento da dívida objeto destes autos, e para cumprimento integral do objeto do contrato de arrendamento celebrado, com todas as consequências legais daí inerentes.
Ou seja, a presente ação é o meio idóneo para os AA exercerem o seu direito - de resolverem o contrato celebrado com a ré, e de obterem a sua condenação, quer a despejar o local arrendado, quer a pagar-lhes as quantias nas quais se encontra em mora (art.º 1083º nº 3 do CC).
Acontece que a Ré veio também exercer na ação o seu direito, de fazer caducar o direito dos AA, alegando ter procedido ao pagamento das rendas em atraso, nos termos e ao abrigo do disposto nos artºs 1041º e 1048º no nº 1 do CC.
E ficou efetivamente provado nos autos que a Ré, após ter sido citada para a presente ação, diligenciou no sentido de pagar a totalidade das rendas em atraso (20 meses x 227,00 € = 4.540,00 €) acrescidas de 20 % daquele valor (908,00 €), tendo efetuado o depósito da totalidade desse montante na Banco 1..., acrescido do montante da renda do mês de Abril de 2021, no valor de 227,00 €, num total de 5.675,00 €.
Mais ficou provado nos autos que em Maio, Junho, Julho, Agosto e Setembro de 2022, a Ré procedeu ao pagamento das respetivas rendas através de depósito na Banco 1..., no valor de € 227,00 para cada uma.
Ainda assim, considerou o tribunal recorrido que a Ré, no prazo da contestação, não depositou a totalidade das rendas devidas à data.
Mas não cremos que se possa concluir desse modo.
Como resulta da matéria de facto provada – e segundo o que vem peticionado pelos AA -, na data da instauração da ação, em 8.3.2022, a ré estava em mora relativamente às rendas devidas desde agosto de 2020 até àquela data - 19 meses -, no valor global peticionado de € 4.313,00, considerando-se que as rendas vencidas desse ano (de 2022) eram as de Janeiro e Fevereiro.
Ora, parece depreender-se da alegação dos AA, que em 8 de março de 2022 ainda não se tinha vencido a renda de março (muito menos a de abril); caso contrário ela teria sido pedida e o seu valor incluído no montante em dívida.
No entanto, a ré em 04/04/2022 depositou na Banco 1..., em nome dos Autores, o montante de 5.675,00 €, considerando que tinha em atraso não 19 meses (como alegaram os AA), mas 20 meses (4.540,00 €), a que acrescentou a indemnização legalmente prevista de 20 % (908,00 €).
Ou seja, conciliando as alegações dos AA – de que se encontravam por pagar as rendas de Janeiro e Fevereiro desse ano -, com a postura da ré, ao pagar mais um mês de 2022, é de concluir com evidente clareza que a ré efetuou o pagamento da renda de março desse ano com a respetiva penalização, ou seja, um mês a mais do que os próprios AA consideravam que lhes era devido. E pagou também, conjuntamente com esse montante global, o mês de abril de 2022, continuando depois a pagar, por depósito na Banco 1..., os meses subsequentes, de maio em diante.
Ou seja, tendo a ré depositado, em 4 de abril – dentro do prazo que a lei lhe concede para o fazer - os 20 meses de rendas em atraso (acrescido ainda de um mês de renda), tudo no valor global de € 5.675,00, deu cumprimento integral, em nosso entender, ao disposto no nº 1 do art.º 1048º do CC.
Ademais, ficou provado que a ré vem depositando, de maio em diante (pelo menos até ../../2022), as rendas devidas, no valor mensal de € 227,00, através de depósito na Banco 1....
Cremos que deverá ser essa a interpretação a fazer da matéria de facto provada, quando nela ficou a constar que a ré se encontra em mora relativamente às rendas devidas desde agosto, considerando-se que são as rendas devidas – não se atendendo à data em que elas se mostram vencidas. Como se disse, os próprios AA consideraram que em 8.3.2022, na data da instauração da ação, apenas se encontravam vencidas as rendas de janeiro e fevereiro desse ano, consideração que, como deixamos dito acima, se encontra dentro do que legalmente é previsto no art.º 1039º nº1 do CC.   
Também não cremos que seja de atender às rendas vincendas durante a fase do decurso da ação, porquanto a lei (art.º 1048º nº1 do CC) diz que a ré pode fazer caducar o direito dos AA, se efetuar o pagamento das somas devidas até ao termo do prazo da contestação – referindo-se a lei apenas às rendas devidas até à data da entrada da petição.
Efetivamente, é na petição inicial que o A deve expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir, e formular o seu pedido (art.º 552º, nº1, alíneas d) e e) do CPC), sendo os factos e o pedido reportados à data em que a petição dá entrada em juízo (art.º 259º nº1 do CPC).  
Por sua vez, a faculdade que a lei concede à Ré (de invocar a caducidade do direito à resolução do contrato), prevista no artigo 1048º do Código Civil, implica que a mesma pague, deposite ou consigne em depósito as somas devidas (na data da formulação do pedido) e a indemnização referidas no nº 1 do artigo 1041º do CC, até ao termo do prazo para a contestação.
Ou seja, face à letra da lei, o que releva é o ato em si – que a ré pague, deposite ou consigne em depósito, as somas devidas, acrescidas da penalização de 20% -, sendo de aferir pelo tribunal (face ao que é pedido pelo A) se o pagamento é consentâneo com as quantias em dívidas.
Ora, como vimos, ré fez esse pagamento integral, de € 5.675,00 (20 meses x € 227,00 + 20%) dentro do prazo que a lei lhe concede, mostrando-se que, para além do pagamento das rendas vencidas (incluindo a renda do mês de abril) se encontra a pagar atempadamente as rendas vincendas, de maio em diante.
Concluímos assim do exposto que se mostra verificada a exceção da caducidade invocada pela Ré, pelo que é de revogar a sentença recorrida, com a procedência daquela exceção, que a absolve do pedido.
E perante a procedência da invocada exceção perentória, fica prejudicada a apreciação das demais questões colocadas pela ré na sua Apelação.
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DECISÃO.

Pelo exposto, julga-se procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, julgando-se procedente a exceção perentória invocada pela ré, da caducidade do direito invocado pelos AA, de resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento das rendas, absolvendo-se a ré de todos os pedidos formulados.
Custas (em ambas as instâncias) a cargo dos AA.
Notifique e D.N.
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Sumário:
I- O contrato de arrendamento é um contrato bilateral ou sinalagmático, uma vez que dele decorre, entre outras obrigações acessórias, a obrigação para o senhorio de entregar e assegurar ao arrendatário o gozo temporário da coisa arrendada para os fins a que se destina (art.º 1031º do CC), mediante a obrigação deste lhe pagar a renda (art.º 1038º, al. a) do mesmo Código).
II- A obrigação de pagar a renda configura a principal obrigação do arrendatário, a qual deve ser paga no tempo e no lugar próprio, ou seja, no tempo e no lugar convencionados.
III- Por isso o n.º 3 do art.º 1083º do CC estatui ser “inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora superior a três meses, no pagamento de renda, encargos ou despesas”.
IV- O direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda ou aluguer, quando for exercido judicialmente, caduca, no entanto, logo que o locatário, até ao termo do prazo para a contestação da ação declarativa, pague, deposite ou consigne em depósito as somas devidas e a indemnização referida no n.º 1 do artigo 1041.
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Guimarães, 16.5.2024.