Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2059/17.2T8VCT.G1
Relator: MARIA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: REPÚDIO/ACEITAÇÃO DA HERANÇA
DEVEDOR REPUDIANTE
FALTA DE BENS SUFICIENTES
AÇÃO A PEDIR OS CRÉDITOS
ACEITAÇÃO DA HERANÇA ANTES REPUDIADA
TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
▪. O repúdio da herança é utilizado quando alguém quer afastar-se da sucessão a uma herança da qual não está interessado. Tal sucede por razões de ordem pessoal ou por razões de ordem material, designadamente, para evitar o cumprimento de encargos ou obrigações decorrentes dessa mesma herança.

▪. Trata-se, portanto, de um acto pelo qual o chamado responde negativamente ao chamamento sucessório.

▪. O repudio e a aceitação da herança são por natureza incompatíveis. Assim uma vez repudiada a herança não pode depois ser aceita a mesma herança ainda que na qualidade de sucessor de outro herdeiro repudiante.

▪. Desde que o repúdio da herança prejudique um credor ou credores, ou seja, desde que não existam, no património do devedor/repudiante, bens suficientes para o pagamento dos seus débitos, podem os credores deduzir o pedido dos seus créditos, através de uma acção em que farão a aceitação da herança que fora anteriormente repudiada e que constituirá título executivo
Decisão Texto Integral:
- Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães –

I.RELATÓRIO

J. S. e esposa M. P., intentaram a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, contra J. N. E C. F., melhor identificados nos autos, peticionando, a final, serem os Réus condenados a reconhecerem o crédito dos Autores sobre o primeiro Réu no valor de € 23.268,24 e ainda no seu pagamento, acrescido dos respectivos juros moratórios contados a partir da citação; ser declarado e os Réus reconhecerem o direito dos Autores a aceitar a herança repudiada pelo 1º Réu, ficando sub-rogado na posição deste, ser declarado o direito dos Autores, como credores do 1º Réu, a executar e indicar à penhora o quinhão hereditário respectivo; ser declarado que essa execução e penhora do quinhão hereditário seja totalmente livre de ónus e encargos, podendo ainda os Autores praticar todos os actos de conservação derivados da aceitação da herança tudo na medida do valor do interesse dos Autores, correspondente ao seu crédito. Subsidiariamente seja o acto de repúdio da herança declarado nulo e de nenhum efeito, por simulado, e, consequentemente, ordenar o cancelamento dos registos, entretanto efectuados junto da Conservatória do Registo Predial.

Alegam, em síntese, que deram de arrendamento ao 1º Réu, o rés-do-chão frente do prédio urbano, sito na Rua …, na cidade de Viana do Castelo, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo … da União de freguesias de Viana do Castelo, destinada ao comércio de importação, exportação, representação e comercialização de vestuário, calçado e acessórios de moda, e a primeira sala para quem entra no rés-do-chão traseiro do prédio urbano sito na Rua …, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo …, respectivamente, mediante o pagamento da renda mensal de € 1.150,00 e € 130,00, a serem pagas no primeiro dia útil do mês a que dissessem respeito. Mercê das actualizações a que foram sujeitas as rendas são actualmente, respectivamente, de € 1.161,39 e € 131,29.

Sucede que o primeiro Réu deixou de pagar pontualmente as rendas devidas pela ocupação dos locados, razão pela qual, e após interpelação do Réu, o Autor instaurou acção executiva para pagamento da quantia de € 12.926,80, execução que corre termos no Juízo Local Cível (J1) com o nº 1111/16.6 T8VCT. No âmbito da execução foi penhorado o quinhão hereditário do 1º Réu na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do seu pai J. M., a qual integra, as fracções autónomas individualizadas pelas letras “A” e “C”, do prédio urbano sito na Rua …, inscrito na matriz respectiva sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o nº ….

Acontece que ambos os descendentes do falecido, o primeiro Réu e a sua irmã L. N. repudiaram a herança do seu pai, sendo chamada à herança C. F., neta do Autor da herança e filha da L. N., factos dos quais os Autores tomaram conhecimento em Abril de 2017.

Mais, alegam que o repúdio da herança é um acto simulado, não passando de um puro estratagema para que os Autores não pudessem penhorar bens à herança, com intenção de subtrair os bens ou direito à penhora, e que impede os Autores de penhorar o que quer que for ao primeiro Réu por manifesta falta de bens.

Citados os Réus não contestaram.

Findos os articulados, dispensou-se a realização da audiência prévia, em face da não contestação da acção, e na inoperância da revelia da Ré C. F., dada a sua incapacidade, em razão da idade, nos termos do disposto nos art.º 568º, al. b) e 592º, nº 1, al. a) do CPC.

De seguida procedeu-se à fixação do objecto do processo e enunciação dos temas de prova.

Realizou-se a audiência de julgamento de acordo com o formalismo legal, conforme resulta da respectiva acta.

Seguiu-se decisão que terminou com o seguinte dispositivo legal:

Pelo exposto, decide-se julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência:

5.1. Condeno os Réus a reconhecerem o crédito dos Autores sobre o primeiro Réu, no valor de € 22.379,73 (vinte e dois mil trezentos e setenta e nove euros e setenta e três cêntimos), e no seu pagamento, acrescido dos respectivos juros moratórios a contar da citação até efectivo e integral pagamento.
5.2. Declaro os Autores sub-rogados no direito de aceitar a herança repudiada pelo primeiro Réu e, consequentemente, reconheço aos Autores o direito de executar a herança, nos termos do disposto no art.º 1041º, nº 2 do CPC.
5.3. Absolvo os Réus do demais peticionado.
Custas pelos Réus (art.º 527º, nº 1 e 2 do CPC).
Registe e notifique.

Descontente com esta decisão apresentam os réus recurso cujas alegações terminam com as seguintes conclusões:

1 - Os Réus/Recorrentes não se podem conformar com a decisão proferida, na parte em que:

- Os condena a reconhecerem o crédito dos autores sobre o 1º Réu no valor de
€ 23.268,24 (vinte e três mil duzentos e sessenta e oito euros e vinte e quatro cêntimos) e ainda no seu pagamento, acrescido dos respetivos juros moratórios contados a partir da citação até efetivo pagamento;
- A ser declarado e os réus reconhecerem o direito dos autores a aceitar a herança repudiada pelo 1º Réu, ficando sub-rogados na posição deste nos termos do artigo 2067º do Código Civil e artigo 1041º do CPC;
- a ser declarado o direito dos autores, como credores do primeiro réu a executar e indicar à penhora, por força do repúdio da herança pelo 1º réu, por óbito de seu pai, o quinhão hereditário respetivo e ainda ser declarado que essa execução e penhora do quinhão hereditário seja totalmente livre de ónus e encargos, podendo ainda os autores praticar todos os atos de conservação derivados da sua aceitação da herança, tudo na medida do valor do interesse dos mesmos autores, correspondente ao seu crédito, incluindo o capital e juros, vencidos e vincendos, até ao integral pagamento;
2 – Pelo que vêm apresentar recurso da mesma, quanto às decisões supra elencadas, impugnando também a decisão sobre a matéria de fato, quanto aos pontos
em concreto infra especificados.

Do Recurso da matéria de direito:

3 - J. M. faleceu no dia .. de … de 2015, deixando como únicos e universais herdeiros o ora 1º réu e uma neta, C. F., solteira, menor, filha de sua filha L. N., que repudiou a herança de seu pai por escritura pública lavrada no dia 07/05/2015 no Cartório Notarial de L. G. sito na Praça …, Porto;
4 - O primeiro Réu repudiou a herança por óbito de seu pai, o referido J. M., por escritura pública outorgada no dia 21 de Novembro de 2015, exarada a folhas 63 do livro de notas para escrituras diversas número … do Cartório Notarial L. G., sito na Praça …, Porto.
5 – Consta da douta sentença “que os efeitos do repúdio retrotraem-se ao momento da abertura da sucessão, considerando-se como não chamado o sucessível que a repudia (art.º 2062º do Cód. Civil). Isto quer dizer que tudo se passa como se o repudiante nunca tivesse figurado no quadro dos sucessíveis (Espinhosa Gomes da Silva, Sucessões, 1980, pág. 303), e chamados passassem a ser, como se fossem ab initio aqueles que a lei teria chamado no caso do repudiante não ter chegado a existir (cf. Pires de Lima e Antunes Varela, in Cód. Civil, Anotado, Vol. VI, pág. 105).

Revertendo ao caso dos autos, verificamos que o Autor da sucessão J. M. deixou a suceder-lhe dois filhos, o primeiro Réu J. N. e a L. N..
Ambos os filhos repudiaram à herança, primeiro a L. N., a quem sucedeu a sua filha, a aqui segunda Ré C. F., e posteriormente o Réu J. N., que é solteiro e não tem descendentes.

Ora, tendo ambos os descendentes diretos do autor da sucessão repudiado a herança, e considerando que os efeitos dos respectivo repúdios retroagem ao momento da abertura da sucessão, tudo se passa como se tais sucessíveis não tivessem sido chamados à sucessão, pelo que ao falecido sucedeu apenas a neta C. F. (art.º 2133º, nº 1 do Cód. Civil), que passou a ser a sua única e universal herdeira.

Afigura-se-nos ser totalmente inócua ou irrelevante as datas dos repúdios, sendo que os efeitos de uma e outra reportam-se sempre à data do falecimento do Autor da sucessão (art ºs 2031º e 2062º do Cód. Civil)”
6 - Os Réus/Recorrentes não se conformam com tal aplicação do direito nomeadamente quanto à seguinte conclusão “tudo se passa como se tais sucessíveis não tivessem sido chamados à sucessão, pelo que ao falecido sucedeu apenas a neta C. F. (art.º 2133º, nº 1 do Cód. Civil), que passou a ser a sua única e universal herdeira.
Afigura-se-nos ser totalmente inócua ou irrelevante as datas dos repúdios, sendo que os efeitos de uma e outra reportam-se sempre à data do falecimento do Autor da sucessão (artºs 2031º e 2062º do Cód. Civil)”
7 - Ambos os filhos de José renunciaram à herança deste, em datas diferentes, tendo o filho e aqui Réu J. N. renunciado à herança em 21 de Novembro de 2015
8 – No entanto a filha deste L. N. – apesar de ter renunciado à herança do seu pai em 07/05/2015 por escritura pública lavrada no Cartório Notarial de L. G. não perdeu nem tão pouco renunciou à sua qualidade de herdeira de J. N. (sublinhado nosso) aqui réu e irmão daquela.
9 - A irmã do Réu quando renunciou à herança do seu pai, tudo se passa como se não tivesse sido chamada à sucessão do seu pai; no entanto, tal não afeta a sua qualidade de herdeira do seu irmão.
10 – Estabelece o artigo 2062º do C.C. que “os efeitos do repúdio da herança retrotraem-se ao momento da abertura da sucessão, considerando-se como não chamado o sucessível que a repudia, salvo para efeitos de representação”.
11 - Como escrevem Pires de Lima e A. Varela em anotação a este artigo, o que a lei prescreve é que, quando o sucessível chamado repudia a herança, a destruição retroactiva dos efeitos operada pelo repúdio faz com que tudo se passe como se o sucessível não tivesse sido chamado - e chamados passassem a ser, como se o fossem ab initio, aqueles que a lei teria chamado, no caso de o repudiante não ter chegado a existir. (cf. Cód. Civ. Anotado Vol. VI, p. 105).
12 – O réu ao repudiar a herança do seu pai é como se este não tivesse existindo, sucedendo-lhe o seu herdeiro legal que, atenta a classe de sucessíveis legais, é a sua irmã e não a sua sobrinha.
13 - Pelo que necessariamente se terá de considerar a Ré C. F. parte ilegítima nos presentes autos, pois que não é esta a chamada para suceder ao repudiante.
14 - E, não se diga que a presente ação teria de ser intentada contra a Ré/Recorrente por esta figurar no registo predial como proprietária dos bens imoveis em causa, pois que este pode ser sempre corrigido por junção de uma sentença que decida que o repúdio não operou a favor da ré, mas da sua mãe L. N..
15 – Assim, a douta sentença aplicou erroneamente as normas aplicáveis, violando a douta sentença proferida o disposto nos artigos 2062º, 2132º e 2133º todos do Código Civil e artigos 573º e aliena e) do artigo 577º ambos do Código de Processo Civil.

Adiante,

16 - Estabelece o artigo 1041º, Nº1 do Código de Processo Civil que “a aceitação da herança por parte dos credores do repudiante faz-se na ação em que, pelos meios próprios, os aceitantes deduzam o pedido dos seus créditos contra o repudiante e contra aquele para quem os bens passaram em virtude do repúdio”
Este preceito legal consagra a faculdade do credor pessoal do sucessível que repudiou a herança, aceitar a herança em nome do repudiante, o que configura um meio de tutela do direito de garantia dos credores.
17 - Os Autores dirigiram contra ambos os Réus o pedido de condenação no reconhecimento de um crédito sobre o 1º Réu no montante de € 23.268,24 e no pedido do seu pagamento.
18 - A sub-rogação é assim, uma medida de proteção dos credores.
19 – Para que os Autores possam lançar mão deste tipo de ação, os mesmos têm de demonstrar que detêm um crédito sobre os Réus, mas diga-se um crédito já determinado, tem de demonstrar que não tem outra possibilidade de receber o seu crédito a não ser ingressando no património que o Réu repudio, mas apenas e só na medida necessária à satisfação do seu crédito;

Ora, consta da douta sentença recorrida - dos fatos provados sob as

20 – Consta da douta sentença, nos fatos dados como provados sob a alínea i): O autor marido instaurou, contra o devedor, no dia 16 de Março de 2016, ação executiva para pagamento de quantia certa de € 12.926,80 (, que corre seus termos sob o Nº1111/16.6T8VCT do Juízo Local Cível de Viana do Castelo – Juiz 1.”
21 – Assim, em 16 de Março de 2016, o primeiro réu devia aos Autores a quantia de € 12.926,80 (valor da execução que intentaram).
22 - Foi no decorrer dessa execução que tomaram conhecimento do repúdio da herança efetuado pelo Réu e da necessidade de lançarem mão da ação de sub-rogação
23 – Este valor de € 12.926,80 é o valor do crédito dos Autores que deve ser atendido na ação de sub-rogação
24 - Os Autores quando intentaram a presente ação de sub-rogação indicam como montante em divida o valor de € 23.268,24 (alínea q) dos fatos provados),
25 – No entanto, nos Autores nos presentes autos não alegaram nem trouxeram aos autos factos que fundamentam tal pedido, nem sequer consta do pedido formulado a condenação de rendas vencidas e vincendas até efetivo e integral pagamento, não explicando o porque da divergência do valor da execução de €12.926,80 e €23.268,24
26 – Sendo certo que, no entender dos Réus /recorrentes a ação de sub-rogação não é o meio processual próprio e adequado para discutir da existência da uma divida que até então nunca havia sido alegada e reclamada;
27 – Os autores alegaram como justificação para lançar mão da ação de sub-rogação foi que intentaram ação de execução contra o Réu peticionando o montante de € 12.926,80 e verificaram a inexistência de bens na esfera jurídica do Réu e tomaram conhecimento do repúdio da herança efetuada por aquele e que, para obterem o pagamento do seu crédito necessitavam de lançar mão da presente ação de sub-rogação por inexistência de mais património do primeiro réu.
28 – Assim, o valor nos presentes autos de sub-rogação a ter em consideração é o valor da execução - € 12.926,80,
29 – Assim, a douta sentença proferida violou o disposto nos artigos 296º, 297º, Nº 1, do artigo 299º, 306º todos do Código de Processo Civil ao não corrigir o valor da ação.
30 - O primeiro réu entregou aos Autores por conta da quantia em divida o montante de €12.903,50 (alíneas r) e u) dos fatos provados)
31 - Assim, caso o valor dos presentes autos tivesse sido corrigido pelo douto Tribunal, o primeiro réu apenas devia aos autores a quantia de € 23,30, sendo que o direito de sub-rogação dos Autores só deveria ser reconhecido na medida do necessário para obtenção da satisfação do crédito no montante de € 23,30 por ser este o montante ainda em divida,
32 – Assim, os Autores têm direito à sub-rogação, executando a sentença proferida contra a herança, ao abrigo do disposto no Nº 2 do artigo 1041º do CPC., mas apenas na medida do necessário para satisfação do seu crédito, que como supra se mencionou e no entendimento do Réus/Recorrentes é no montante de € 23,30.
33 – A sentença recorrida mal andou ao condenar os réus a reconhecerem o crédito dos Autores sobre o primeiro réu no montante de € 22.268,24 e a declarar os autores sub-rogados no direito de aceitar a herança repudiada pelo primeiro réu para se fazerem pagar pelo seu crédito, violando assim o disposto no 606º do Código Civil ao permitir a sub-rogação dos Autores muito para além do necessário para a satisfação do crédito destes.
34 – Assim a sentença proferida violou o disposto no artigo 606º do Código Civil.

No caso de assim não se entender, e se aceite a quantia peticionada nos presentes autos de € 23.268,24 como adequada,

Os Réus/Recorrentes vêm recorrer da matéria de fato com recurso à prova gravada a qual deve ser corrigida no seguinte sentido

35 – Os Réus especificaram já nas alegações supra quais os pontos de facto que julgam incorretamente julgados, e no seu entender qual a redação que lhes deveria ter sido dada bem como
36 – Os meios de prova impõem decisão diversa da recorrida quanto ao facto vertido na alínea v) dos factos dados como provados, tendo por base o depoimento da testemunha M. L. supratranscrito.
37 – Assim, o Tribunal a quo não poderia ter considerado como provado o facto constante da alínea v) dos factos provados nos termos em que o fez, pois tal está em manifesta contradição com o teor do depoimento da testemunha que supra se transcreve e por tal deve ser eliminado dos factos provados e aditado aos factos não
provados.
38– Ou, a manter-se a alínea v) nos factos provados a sua redação deve ser alterada nos seguintes termos:
“Nessa data ficou em divida a quantia de € 10.364,74”
39 – Sob pena da douta sentença violar o disposto no Nº 1 do artigo 609 º - do CPC – Limites da condenação - pois não pode condenar além do que se pede e nem em objeto diverso do pedido.
40 – Assim, a douta sentença proferida pelo Tribunal à quo fez uma aplicação errada das normas de direito ao caso aplicáveis bem como uma incorreta apreciação da matéria de facto, violando o disposto nos artigos 2062º, 2132º e 2133º todos do Código Civil e artigos 573º e aliena e) do artigo 577º ambos do Código de Processo Civil, violou o disposto nos artigos 296º, 297º, Nº 1, do artigo 299º, 306º todos do Código de Processo Civil ao não corrigir o valor da ação bem como violou o disposto no Nº 1 do artigo 609 º - do CPC ao condenar os Réus para além do pedido formulado pelos Autores.

Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exa. doutamente suprirão deve
a douta sentença ser revogada e co e V. Exas. ao considerarem procedente o presente recurso farão verdadeira e sã JUSTIÇA.

Os autores/recorridos contra-alegam terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

a) A douta decisão recorrida quanto ao repúdio das heranças fez correcta interpretação e aplicação da lei;
b) A pretensão dos recorrentes constitui puro artifício;
c) Não se compreenderia que L. N., que repudiou a herança de seu pai, no que foi secundada pelo primeiro réu, seu irmão, reclame agora a qualidade de herdeira de seu irmão, pretendendo receber o que repudiou;
d) Não se verifica qualquer contradição entre o depoimento da testemunha M. L. e os factos dados como provados sob as alíneas r) e u) dos factos provados;
e) A mesma testemunha foi peremptória em afirmar que após os pagamentos efectuados ficou em dívida a quantia de € 22.379,73, a título de renda;
f) A razão de ciência desta testemunha ficou fortalecida pelo facto de além de ser agente de execução, prestar serviços ao autor marido no escritório deste, uma vez por semana.

Pelo exposto e com o douto suprimento de V. Exª deverá ser negado provimento ao recurso, com as legais consequências, assim se fazendo JUSTIÇA.

O recurso foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo – cf. artigos 629.º, n.º 1, 630.º, este a contrario sensu 631.º, n.º 1, 638.º, n.ºs 1 e 7, 641.º, n.º 1, 644.º, n.º 1, alínea a), 645.º, n.º 1, alínea a), e 647.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil.

Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

As questões a resolver, partindo das conclusões formuladas pelos apelantes, como impõem os artºs. 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, do C.P.Civ, serão as seguintes:

- . Saber se a ré C. F. é parte ilegítima;
- . Saber se o meio processual usado é o próprio;
- . Reapreciação da matéria de facto quanto aos pontos impugnados;
- . Saber se existe condenação para além do pedido.

III. FUNDAMENTAÇÃO

DE FACTO:

Na 1ª instância foi proferida a seguinte decisão de facto:

a) Por contrato de arrendamento reduzido a escrito no dia 1 de Outubro de 2013, o autor marido, na qualidade de senhorio, deu de arrendamento ao 1º réu, na qualidade de arrendatário, o rés-do-chão frente do prédio urbano, sito na Rua da …, na cidade de Viana do Castelo, inscrito na actual matriz predial sob o artigo … da União das Freguesias de Viana do Castelo (…) e … e descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº …, pelo prazo de cinco anos, com início no dia 1 de Outubro de 2013, mediante o pagamento da renda mensal de € 1.150,00 (mil cento e cinquenta euros), destinado ao comércio de importação, exportação, representação e comercialização de vestuário, calçado e acessórios de moda.
b) Por contrato de arrendamento reduzido a escrito no dia 1 de Outubro de 2013, o autor marido, na qualidade de senhorio, deu de arrendamento ao 1º réu, na qualidade de arrendatário, a primeira sala para quem entra no rés-do-chão traseiro, do prédio urbano, sito na Rua …, na cidade de Viana do Castelo, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo … da União das Freguesias de Viana do Castelo (…) e … e descrita na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o nº …, pelo prazo de cinco anos, com início no dia 1 de Outubro de 2013, mediante o pagamento da renda mensal de € 130,00 (cento e trinta euros), destinado ao apoio do rés-do-chão frente identificado na alínea anterior.
c). Em ambos os contratos de arrendamento ficou convencionado que as rendas respectivas seriam pagas no primeiro dia útil do mês a que dissessem respeito por transferência bancária para o NIB … ou na Rua …, números … na cidade de Viana do Castelo.
d) Mercê das actualizações a que foram sujeitas as rendas relativas aos contratos de arrendamento acima identificados, são, presentemente, dos seguintes montantes: A do contrato referido na alínea a) é do montante mensal de € 1.161,39 (mil cento e sessenta e um euros e trinta e nove cêntimos); e a do contrato referido na alínea b) é do montante mensal de € 131,29 (cento e trinta e um euros e vinte e nove cêntimos).
e) O 1º réu deixou de pagar pontualmente as rendas devidas pela ocupação dos respectivos locados.
f) Por tal motivo o autor marido, através do seu mandatário, endereçou ao 1º réu, com data de 23/02/2016, uma comunicação por correio registado com aviso de recepção da qual consta, entre o mais, o seguinte: “Com referência à presente data encontram-se vencidas rendas do montante global de € 12.926,80 (doze mil e novecentos e vinte e seis euros e oitenta cêntimos), correspondentes a dez meses de renda de cada um dos locados (€1.161,39 + €131,29), contados desde Maio de 2015, inclusive, até à presente data, estando a renda mensal do montante de € 1.161,39 sujeita à retenção na fonte de IRS (25%). Trata-se de valor muito significativo, cujo protelamento da sua regularização o meu constituinte não está disposto a tolerar por mais tempo. Assim, é-lhe concedido o prazo de oito dias para regularizar a dívida, acrescida da legal indemnização, correspondente a 50% do valor em dívida. Caso não regularize a situação debitória no prazo que agora lhe é concedido, não restará ao meu constituinte outra alternativa que não seja a execução do valor em dívida, o que a suceder só lhe trará incómodos e despesas acrescidas, servindo os contratos de arrendamento acompanhados da presente comunicação de título executivo para o efeito.”
g) A comunicação acima identificada foi recepcionada no dia 25/02/2016.
h) Não obstante ter recebido a comunicação o 1º réu não pagou o valor em dívida.
i) O autor marido instaurou, contra o devedor, no dia 16 de Março de 2016, acção executiva para pagamento de quantia certa de € 12.926,80 (doze mil novecentos e vinte e seis euros e oitenta cêntimos), que corre seus termos sob o nº 1111/16.6T8VCT do Juízo Local Cível de Viana do Castelo – Juiz 1.
j) No âmbito do processo executivo acima identificado, através da apresentação nº 966, de 21/11/2016, foi penhorado o quinhão hereditário do 1º réu na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de seu pai J. M., cuja herança integra, entre o mais, as fracções autónomas individualizadas pelas letras “A”, correspondente a um estacionamento coberto e fechado, com o valor patrimonial tributário de € 18.210,00 (dezoito mil duzentos e dez euros), e “C”, correspondente ao primeiro andar, destinado a habitação, com o valor patrimonial tributário de € 43.160,00 (quarenta e três mil cento e sessenta euros), do prédio urbano sito na Rua …, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo … da freguesia de …, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o número … (cf. informações da Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo juntas com a petição inicial).
k) J. M. faleceu no dia .. de … de 2015, deixando como únicos e universais herdeiros o ora 1º réu e uma neta, C. F., solteira, menor, filha de sua filha L. N., que repudiou a herança de seu pai por escritura pública lavrada no dia 07/05/2015 no Cartório Notarial de L. G. sito na Praça …, Porto (cf. escritura de habilitação de herdeiros exarada de folhas 146 a folhas 146-v do livro de notas para escrituras diversas número … do Cartório Notarial L. G., sito na Praça …, Porto, junta com a petição inicial).
l). Por escritura pública outorgada no dia 21 de Novembro de 2015, exarada de folhas .. do livro de notas para escrituras diversas número … do Cartório Notarial supra identificado, o primeiro Réu repudiou a herança por óbito de seu pai o já referido J. M. (cf. cópia da escritura pública junta com a petição inicial).
m). As fracções identificadas na alínea j) encontram-se inscritas na descrição nº … da Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo, a favor da 2ª Ré (C. F.), através da Ap. 764 de 2017/03/09, as quais foram adquiridas por sucessão hereditária de J. M. e repúdio da herança (cf. consta das informações prediais juntas com a petição inicial).
n) Os Autores tomaram conhecimento em data não concretamente apurada, mas posterior a 09/03/2017, que o primeiro Réu havia repudiado a herança do seu pai.
o). Com referência à data da escritura de repúdio da herança por parte do 1º réu encontravam-se em dívida as rendas desde Maio de 2015 que na sua totalidade perfaziam o valor de € 9.048,76 (nove mil e quarenta e oito euros e setenta e seis cêntimos), sem contar com a indemnização decorrente do atraso no pagamento das rendas.
p) O 1º réu foi efectuando entregas parciais por conta do pagamento em dívida, sendo certo que até à presente data não pagou o legal acréscimo correspondente a 50% do valor das rendas em dívida.
q). Com referência à data da propositura da acção o montante em dívida referente às rendas em sigilo era de € 23.268,24 (vinte e três mil duzentos e sessenta e oito euros e vinte e quatro cêntimos).
r) O primeiro Réu procedeu ao pagamento da quantia de € 10.000,00, por conta dos montantes em dívida, em duas prestações efectuadas, respectivamente, nos meses de Julho e Agosto de 2017.
s) O primeiro Réu fez outros pagamento parciais de montantes não concretamente apurados.
s) O primeiro Réu procedeu à entrega das fracções arrendadas em 03 de Julho de 2018.
t) Nessa mesma data o Réu procedeu ao pagamento da quantia de € 2.903,50, por conta dos montantes em dívida.
u) Nessa data ficou em dívida a quantia de € 22.379,73.
v) Ao primeiro Réu não são conhecidos quaisquer bens móveis ou imóveis.

3.2. Factos não provados

a) O repúdio da herança por parte do primeiro Réu foi um acto simulado, não passando de puro estratagema para que os autores não pudessem penhorar bens da herança.
b) A única intenção foi a de subtrair os bens ou o direito à penhora, visando prejudicar os autores, credores do 1º réu.
c). Nunca foi intenção do 1º réu repudiar a herança.
***
DE DIREITO:

Insurgem-se os apelantes contra a sentença recorrida nos termos que constam das conclusões supra transcritas.

Vejamos se assiste razão aos apelantes.

●. Questão: da ilegitimidade da ré C. F.

A legitimidade traduz-se no interesse directo da parte em demandar ou contradizer e resulta, concretamente para o autor, da utilidade derivada da procedência da acção e, para o réu, do prejuízo que dessa procedência advenha (nº. 1 e 2 do art. 30º do C. P. C.).

Mas, o interesse que assenta, em princípio, na titularidade da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor (nº 3 do citado art. 30), pode dizer respeito a várias pessoas.

Nesta situação, se for permitido que só uma delas intervenha, embora possam participar as restantes, estamos perante um caso de litisconsórcio voluntário (art. 32º do C. P. C.).

Se for exigida a intervenção de todas em conjunto, o litisconsórcio será necessário (art. 33º do C. P. C.), sendo que este tem carácter excepcional dados os graves embaraços que para a parte representa a sua imposição e assim existirá apenas nos contados casos em que a lei pôs acima dos interesses das partes e dos respectivos custos, a unidade da decisão. Vide, Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, 1982, II, pág. 199.

A regra é a do litisconsórcio voluntário em que os sujeitos da relação podem intervir ou não em conjunto, mas neste último caso, o tribunal apenas pode e deve conhecer da quota-parte que o sujeito tenha na relação em litígio, a menos que a este seja permitido exigir tudo.

No caso dos autos, os autores invocando a sua qualidade de credores do réu J. N. que repudiou a herança aberta por óbito de seu pai J. M. e pretendendo fazer valer contra ele tal crédito, instauraram acção sub-rogatória e de aceitação de herança contra aquele repudiante e a chamada à herança C. F., neta do autor da herança, sobrinha do repudiante e filha de L. N., irmã do repudiante e filha do autor da herança também ela repudiante da herança.

Os recorrentes não aceitam este entendimento alegando que a irmã do réu quando renunciou à herança do seu pai, tudo se passou como se não tivesse sido chamada à sucessão do seu pai; no entanto não afecta a sua qualidade de herdeira do seu irmão.

Mais alegando, que quanto o réu repudiou a herança do seu pai é como se este não tivesse existido, sucedendo-lhe o seu herdeiro legal que, atenta a classe de sucessíveis legais, é a sua irmã e não a sua sobrinha.

Quanto a nós, julgamos estar a razão do lado da decisão recorrida.

Senão vejamos.

Dispõe o art. 2.067º do C. Civil que:

“1. Os credores do repudiante podem aceitar a herança em nome dele, nos termos dos artºs. 606º e seguintes.
(...)
3.Pagos os credores do repudiante, o remanescente da herança não aproveita a este, mas aos herdeiros imediatos”.

E estabelece o art. 2039º do mesmo Código que:

“Dá-se a representação sucessória, quando a lei chama os descendentes de um herdeiro (...) a ocupar a posição daquele que (...) não quis aceitar a herança (...)”.

Por sua vez, estabelece o 1041º do C. P. Civil que.

“1. A aceitação da herança por parte dos credores do repudiante faz-se na acção em que, pelos meios próprios, os aceitantes deduzam o pedido dos seus créditos contra o repudiante e contra aqueles para quem os bens passaram por virtude do repúdio.
2. Obtida sentença favorável, os credores podem executá-la contra a herança”.

Resulta, assim, da conjugação destes preceitos legais, que desde que o repúdio da herança prejudique um credor ou credores, ou seja, desde que não existam, no património do devedor/repudiante, bens suficientes para o pagamento dos seus débitos, podem os credores deduzir o pedido dos seus créditos, através de uma acção em que farão a aceitação da herança que fora anteriormente repudiada e que constituirá título executivo.

E embora, conforme refere, Jacinto Bastos In, “Direito das Sucessões”, Vol. I, 1981, pág. 14., o art. 2067º se refira à aceitação em nome do repudiante, a verdade é que se trata de uma ficção legal, por virtude da qual os credores se encontram na mesma situação jurídica em que estariam se o devedor tivesse realmente aceitado; para este, porém, o repúdio foi válido, razão por que ele fica completamente estranho à herança, nada lhe cabendo ainda que depois de pagos os credores exista algum remanescente”.

No fundo, como ensina Oliveira Ascensão In, “Direito das Sucessões”, Faculdade de Direito de Lisboa, 1979, pág. 521., “tudo se resume a uma nova dívida que adere à herança, na sua vida institucional, sem prejuízo das regras normais sobre a hierarquia dos sucessíveis e sobre a aceitação e repúdio. Estes novos credores estão colocados após os credores da herança e os credores de despesas provocadas pelo funeral ou sufrágios do autor da sucessão, mas antes dos credores próprios do herdeiro”.

E conclui.

“Por isso, o art. 1469º/1 do Código de Processo Civil – actual artº 1041º do CPC- manda que estes credores deduzam os seus créditos contra o repudiante “e contra aqueles para quem os bens passariam por virtude do repúdio”.

Isto corrige o desenho do art. 2067º, mostrando que os sucessíveis imediatos estão directamente implicados, não intervindo só ex. post, para receber um remanescente. E nenhuma dificuldade traz o facto de se dever chamar também o repudiante, pois a sua legitimidade é imposta pelo facto de a dívida ter sido constituída com ele, e ficar liberto em consequência desta actuação sobre os bens da herança”.

Significa tudo isto ocorrer, no caso da presente acção, uma situação de litisconsórcio necessário passivo apenas e tão só entre o devedor/repudiante e os seus sucessíveis imediatos que no caso é a ré C. F.. De efeito, revertendo ao caso dos autos como bem salienta a decisão recorrida verificamos que o Autor da sucessão J. M. deixou a suceder-lhe dois filhos, o primeiro Réu J. N. e a L. N.. Ambos os filhos repudiaram à herança, primeiro a L. N., a quem sucedeu a sua filha, a aqui segunda Ré C. F., e posteriormente o Réu J. N., que é solteiro e não tem descendentes.

Ora, tendo ambos os descendentes directos do autor da sucessão repudiado a herança, e considerando que os efeitos dos respectivos repúdios retroagem ao momento da abertura da sucessão, tudo se passa como se tais sucessíveis não tivessem sido chamados à sucessão, pelo que ao falecido sucedeu apenas a neta C. F. (art.º 2133º, nº 1 do Cód. Civil), que passou a ser a sua única e universal herdeira.

Para se perceber a solução jurídica encontrada cumpre tecer as seguintes considerações.

É consabido que os titulares de vocação sucessória não têm, necessariamente que aceitar o chamamento. Podem aceitar a herança e, passam de meros sucessíveis para efectivos sucessores, adquirindo o domínio e posse dos bens da herança (artigo 2050, º, nº 1 do CC).

Mas, também podem não aceitar a herança, o que terá de ser formalizado através de repúdio (artigos 2062º e seguintes do C. Civil), caso em que são chamados os sucessíveis subsequentes, de harmonia com o disposto no artigo 2133.º, nº 1 do C. Civil.

O repúdio da herança é utilizado quando alguém quer afastar-se da sucessão a uma herança da qual não está interessado. Tal sucede por razões de ordem pessoal ou por razões de ordem material, designadamente, para evitar o cumprimento de encargos ou obrigações decorrentes dessa mesma herança.

Trata-se, portanto, de um acto pelo qual o chamado responde negativamente ao chamamento sucessório (artigo 2062º do Cód. Civil). Reconduz-se a um negócio jurídico unilateral não receptício e irrevogável (artigo 2066º do Código Civil), que tem lugar após abertura da sucessão, mas os seus efeitos retroagem a essa data, considerando-se como não chamado o sucessível que a repudia (artigo 2062º do Código Civil). Do que resulta, pois, que os bens que caberiam ao sucessível que a repudia, nunca chegam a ingressar na sua esfera jurídica, ficando a pertencer aos demais herdeiros, que aceitem a herança em causa,

É certo que como bem referem os recorrentes ao abrigo do disposto no artº 2062 do C. Civil mesmo no caso do repúdio pode operar o direito de representação. Todavia como salienta R. Capelo de Sousa, Sucessões I-345 nota 532 só que mesmo aí os representantes terão também de aceitar ou não a sucessão, pois nisso se resolve prima facie a posição jurídica a que são chamados.

A este respeito apenas salientaremos, sinteticamente, o seguinte:

- A qualidade de sucessor implica o acto voluntário da aceitação da sucessão, com efeitos a retroagirem-se à data da abertura (artº 2050º, do CC);
- A aceitação, como manifestação de vontade positiva, pode ser feita expressa ou tacitamente, sendo irrevogável e, na modalidade de expressa não está sujeita à forma exigida para a alienação da herança artigos 2056º e 2063º, “a contrario", e ainda 2061º, do CC);
- A aceitação tácita infere-se do comportamento do sucessível, de procedimento concludente ou factos concludentes (artº 217º, do CC), mas a manifestação de vontade deve ser inequívoca. Por isso, os meros actos de administração não implicam aceitação tácita (nº 3, do artº 2056º, do CC);

No caso em apreço a irmã do réu não só renunciou à herança de seu pai como na qualidade de herdeira do irmão não existe nos autos descrita qualquer manifestação expressa ou tácita que demonstre que tenha aceite a herança do seu irmão.

Ademais como bem referem os recorridos não colhe qualquer sentido nem justificação afirmar que o herdeiro do réu repudiante é sua irmã, a qual, por sua vez, tinha também renunciado à herança de seu pai.

Por força do repúdio da herança de seu pai a renúncia do irmão à mesma herança não abre à irmã as portas à herança que repudiou.

O autor da herança é precisamente o mêsmo.

O repúdio da irmã não lhe permite por via oblíqua aceitar a herança do mesmo autor por via do repúdio de seu irmão.

Estaríamos perante uma contradição insanável, que o nosso ordenamento jurídico não acolhe nem permite, sob pena de total subversão das consequências do repúdio da herança.

Acrescenta-se que se entende que o repudio e a aceitação da herança são por natureza incompatíveis. Assim uma vez repudiada a herança não pode depois ser aceita a mesma herança ainda que na qualidade de sucessor de outro herdeiro repudiante.

Acresce que a acção teria sempre que ser instaurada contra a segunda Ré C. F., porquanto foi ela que recebeu os bens por efeito do repúdio.

Com efeito, resulta dos factos provados que ambas as fracções autónomas que integravam a herança do seu avô encontram-se actualmente inscritas a seu favor, através da Ap. 764 de 2017/03/09 da descrição predial nº … da Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo (cf. consta das informações prediais juntas com a petição inicial).
Impõe-se, por isso, julgar improcedente a invocada excepção de ilegitimidade.

2ª Questão

●. Da acção sub-rogatória

Pretendem os Recorrentes que os autores não podiam exercer em sub-rogação o valor peticionado na acção.

Apreciando.

Em termos breves, diremos que em causa está a faculdade concedida no art.º 2067, do CC, aos credores pessoais do sucessível, no desde logo necessário pressuposto que este repudiou a herança, aceitando aqueles a herança em nome deste último, configurando-se, desse modo como um meio de tutela do direito comum de garantia dos credores consubstanciado na designada ação sub-rogatória, de harmonia com o disposto no art.º 606, também do CC.


Na verdade subjaz ao estipulado, a vontade do legislador em assegurar ao credor do repudiante um instrumento para ver concretizada uma razoável esperança, de à custa do património hereditário que viesse a caber ao devedor, ver satisfeito o seu direito com um exercício do direito de aceitação por parte do credor do sucessível, apesar de este o ter perdido, através do repúdio, tratando-se assim de um direito próprio do credor, como acto de substituição, exercido no interesse do credor que se substitui ao seu devedor, e no âmbito da qual o credor se encontra numa situação jurídica em que estaria se o devedor tivesse realmente aceitado, nada lhe cabendo ainda que depois de satisfeito o credor, exista um remanescente, pois passou a ser completamente estranho à herança.

Admitindo-se, assim, o credor a aceitar a sucessão em nome do devedor repudiante, o meio processual para tanto passa pela instauração de uma acção no qual o credor deduz o pedido de pagamento dos seus créditos contra o repudiante e contra aqueles que receberam os bens por efeito do repúdio, visando a obtenção de uma sentença favorável ao credor, que permita executar a decisão contra a herança, pagando-se à custa dos bens que a integram.

Reportando-nos aos presentes autos, no que concerne à discordância dos Recorrentes diremos apenas que os autores alegaram que o seu crédito era do montante de €23.268,24 (vinte e três mil duzentos e sessenta e oito euros e vinte e quatro cêntimos) tal como consta expressamente do artigo 20º da p.i.

Para além de indicarem expressamente o crédito os autores também alegaram e provaram que relativamente ao réu J. N. não são conhecidos quaisquer bens móveis ou imóveis.

O crédito invocado pelos autores, ora recorridos, estava perfeitamente determinado à data da instauração da acção contra os réus, ora recorrentes.

Crédito esse que corresponde ao valor em divida aquando da execução acrescido do que continuava a ser devido uma vez que os réus continuaram a usufruir dos imóveis sem pagar as rendas que, entretanto, se iam vencendo o que ocorreu até à entrega dos locais arrendados aos autores.

Relembra-se que a fonte das obrigações radica num contrato de arrendamentos que é sem dúvida um contrato de execução continuada (1).

Resultando a divida dos réus do reiterado incumprimento dos contratos de arrendamento não estavam os autores impedidos de submeter à acção sub-rogatória as rendas que, entretanto, se venceram após a renúncia à herança.

3ª Questão:

●. Reponderação da Prova e condenação para além do pedido

Os recorrentes depois de transcreverem parte da gravação da prova concluem que existe manifesta contradição entre o depoimento da testemunha M. L. e os factos dados como provados, nomeadamente o facto dado como provado na alínea v), bem como contradição entre os próprios factos dados como provados.

A resposta a esta questão convoca a seguinte factualidade considerada como provada:

- Com referência à data da escritura de repúdio da herança por parte do 1º réu encontravam-se em dívida as rendas desde Maio de 2015 que na sua totalidade perfaziam o valor de € 9.048,76 (nove mil e quarenta e oito euros e setenta e seis cêntimos), sem contar com a indemnização decorrente do atraso no pagamento das rendas.
- O 1º réu foi efectuando entregas parciais por conta do pagamento em dívida, sendo certo que até à presente data não pagou o legal acréscimo correspondente a 50% do valor das rendas em dívida.
- Com referência à data da propositura da acção o montante em dívida referente às rendas em sigilo era de € 23.268,24 (vinte e três mil duzentos e sessenta e oito euros e vinte e quatro cêntimos).
- O primeiro Réu procedeu ao pagamento da quantia de € 10.000,00, por conta dos montantes em dívida, em duas prestações efectuadas, respectivamente, nos meses de Julho e Agosto de 2017.
- O primeiro Réu fez outros pagamento parciais de montantes não concretamente apurados.
- O primeiro Réu procedeu à entrega das fracções arrendadas em 03 de Julho de 2018.
- Nessa mesma data o Réu procedeu ao pagamento da quantia de € 2.903,50, por conta dos montantes em dívida.
- Nessa data ficou em dívida a quantia de € 22.379,73.

Revisitada a prova confirmou-se que foi com base no depoimento das testemunhas A. S. que exerce a profissão de escriturária sendo seu patrão o autor e M. L., agente de execução no processo executivo instaurado pelos autores ao réu com vista ao pagamento da quantia exequenda devida na altura.

De forma muita clara e demonstrando conhecimento da realidade relataram o valor devido, que tal valor se reportava a rendas devidas e não pagas e que o réu nunca foi pontual no pagamento das rendas razão pelo que apesar dos pagamentos parciais que iam sendo feitos pelo réu nos termos apurados as rendas iam-se vencendo e o valor em divida ia subindo.

Ambas aquando da sua inquirição em sede de audiência de julgamento – 14.06.2018 - afirmaram de forma muito concreta que apesar dos pagamentos o valor devido pelo réu na altura em que estavam a ser devidas era cerca de 24/ 25 mil euros.

Com base nestes depoimentos apurou-se que à data da instauração da acção a dívida era de € 23.268,24.

Considerando o valor em divida aquando da entrada da acção, os pagamentos parciais, a data da entrega efectiva dos locados e o valor das rendas até essa data vencidas concluímos que a sentença recorrida andou bem ao condenar os réus a reconhecerem o crédito dos Autores sobre o primeiro réu no montante de € 22.268,24 e a declarar os autores sub-rogados no direito de aceitar a herança repudiada pelo primeiro réu para se fazerem pagar pelo seu crédito.

Pelo que contrariamente ao alegado pelos recorrentes, a decisão recorrida não condenou para além do que foi pedido e, muito menos, em objecto diverso do pedido.
Destarte, improcede a apelação, mantendo-se nos seus precisos termos a decisão recorrida.

Os apelantes serão responsáveis pelas custas respectivas nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.

Podendo, deste modo, concluir-se, sumariando (art. 663º, nº7 CPC), que:

▪. O repúdio da herança é utilizado quando alguém quer afastar-se da sucessão a uma herança da qual não está interessado. Tal sucede por razões de ordem pessoal ou por razões de ordem material, designadamente, para evitar o cumprimento de encargos ou obrigações decorrentes dessa mesma herança.
▪. Trata-se, portanto, de um acto pelo qual o chamado responde negativamente ao chamamento sucessório.
▪. O repudio e a aceitação da herança são por natureza incompatíveis. Assim uma vez repudiada a herança não pode depois ser aceita a mesma herança ainda que na qualidade de sucessor de outro herdeiro repudiante.
▪. Desde que o repúdio da herança prejudique um credor ou credores, ou seja, desde que não existam, no património do devedor/repudiante, bens suficientes para o pagamento dos seus débitos, podem os credores deduzir o pedido dos seus créditos, através de uma acção em que farão a aceitação da herança que fora anteriormente repudiada e que constituirá título executivo
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IV.DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Condena-se os apelantes no pagamento das custas respectivas.
Notifique
Guimarães, 14 de Março de 2019
(processado em computador e revisto pela relatora antes de assinado)

O presente acórdão é assinado eletronicamente pelos respectivos Desembargadores

Maria Purificação Carvalho (relatora)
Maria dos Anjos Melo Nogueira(adjunta)
José Cravo (adjunto)


1- O contrato de execução contínua ou continuada, consiste numa actividade ou abstenção que se prolonga ininterruptamente, durante um período mais ou menos longo e caracterizam-se pela forma como o seu cumprimento é levado a efeito. O cumprimento prolonga-se ininterruptamente no tempo periódica ou reiteradamente com trato sucessivo.
São exemplo deste tipo de contratos os contratos de locação, de fornecimento de electricidade, de água e gás, em que as prestações se repetem mensalmente recebendo cada uma das partes a respectiva contra-prestação, do uso do imóvel ou do fornecimento do produto respectivo. Como ensina Almeida e Costa: “Verificando-se a resolução de um contrato de arrendamento, não existe a obrigação de restituir as prestações recebidas, dado que estas se ligam ao tempo que passa e em função dele se determinam” – Direito das Obrigações, sgs. 614 e sgs. 7.ª Edição – Almedina –Coimbra.