Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | MIGUEZ GARCIA | ||
Descritores: | PRISÃO PREVENTIVA NULIDADE DE DESPACHO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 07/04/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROVIDO | ||
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Sumário: | I – O arguido em requerimento que apresentou aos autos adiantou uma série de considerações relativamente às suas condições sociais, familiares, económicas e laborais, para que, ponderadas, se lhe aplicasse medida menos gravosa que a de prisão preventiva, referindo a de permanência na habitação com o auxílio de vigilância electrónica, tendo, paralelamente, requerido se diligenciasse junto dos serviços de reinserção social. II – Foi na sequência disso proferido o despacho de que agora se recorre, o qual, todavia, passa por alto as razões adiantadas pelo arguido, que não são minimamente apreciadas, e nenhuma referência adianta quanto ao impetrado relatório social, tendo a decisão assentado fundamentalmente na persistência do alarme social, do perigo de fuga e da perturbação da ordem e da segurança públicas, bem como do perigo de continuação da actividade criminosa. III – A principal ideia que parece estar subjacente à decisão de manter a medida coactiva extrema arranca da pena que previsivelmente irá ser aplicada ao arguido e da ilicitude revelada pelos factos, querendo provavelmente acentuar-se o grau de ilicitude que já se indicia no estado actual do desenvolvimento das averiguações e que nessa medida compromete o arguido. IV - Estas serão certamente razões válidas que apontam para a necessidade da prisão preventiva e para que se considere que outra qualquer medida agravaria o perigo de continuação da actividade criminosa, sendo que, no mesmo sentido, relevaria, ainda, pelo menos, o perigo de fuga . V – Cremos no entanto que as questões sociais, familiares e laborais alegadas pelo arguido merecem ser ponderadas na sua significação concreta, acontecendo que o despacho recorrido não chegou a dar abertura à pretensão formulada, em evidente violação do disposto no artigo 213°, n° 1, do CPP, na medida em que não fez uma apreciação integral da situação do preso preventivo, de modo a incluir nela os factores que este tem por pertinentes à definição ao sua situação processual. VI – O direito de audição reconhecido ao arguido pelo artigo 61°, nº 1, alínea b), do CPP, aparece no artigo 213º, nº 3, limitado pela expressão “sempre que necessário” (sempre que necessário o juiz ouve o MP e o arguido), mas esta limitação compreende-se quando a iniciativa não for do próprio. VII - Ignorando-se, como na realidade aconteceu, o pedido formulado pelo arguido ao juiz de instrução quando este deva tomar decisão que pessoalmente o afecte, é claro que se deixa sem conteúdo um dos direitos que compõem o estatuto de que o mesmo goza, contra o estatuído no artigo 32°. N° 1. da CRP. VIIII – Nesta perspectiva, o despacho recorrido deverá ser substituído por outro que. Analisando a valia das questões que em concreto emergem do requerimento em questão — após as diligências de prova que se entenda dever levar a eleito, eventualmente com a intervenção dos serviços de reinserção social (artigo 213°. n° 4. do CPP) — as confronte no plano das cautelas que até agora têm prevalecido na decisão de manter a prisão preventiva. IX – Logo por aqui se vê que das deficiências apontadas ao despacho recorrido deriva, no presente contexto, a necessidade de o substituir por outro, mas de modo nenhum a restituição do arguido à liberdade, como também se pretendia no recurso. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães Em inquérito preliminar da comarca de Barcelos validou-se em 22 de Abril de 2004 a prisão preventiva de "A" por factos, igualmente imputáveis a outros, que se entendeu indiciarem a prática “de pelo menos um crime de roubo (qualificado) p. e p. pelo artigo 210º, nºs 1 e 2, alínea b), com referência ao artigo 204, nº 2, alíneas a), e) e f), do CP; e de um tentado da mesma natureza, bem de um furto qualificado p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, nº 1, e 204º, nº 2, alíneas a), e) e f). O correspondente despacho alude ainda a um crime tentado de homicídio qualificado p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131º e 132º, nºs 1 e 2, alínea g), do CP, e a um crime de detenção de arma proibida do artigo 275º, nºs 1 e 3, do CP, em termos de envolver o mesmo "A". Em certa altura, o arguido "A" requereu a substituição (alteração) da prisão preventiva por outra ou outras menos graves, sem questionar “a existência de indícios”, ainda que continue “a negar a prática dos crimes”. Fundamentalmente, alegou a existência de uma firma, “a cerca de dois quilómetros da sua residência”, “que está na disposição de [lhe] dar emprego, logo que o mesmo seja restituído à liberdade”; além disso, possui habitação permanente, em casa de sua mãe, com esta e uma irmã, de quem tem apoio financeiro, social, emotivo, psicológico e cultural; e a existência de um filho menor com cerca de 5 anos, que irá no próximo ano iniciar a sua actividade escolar, sendo importante o auxílio do pai. Por outro lado, o arguido sempre foi visto, “e mais ainda hoje, no meio onde habita, como um rapaz educado, recatado e bem conceituado”. Estando o inquérito em fase bastante adiantada, não existe o perigo de perturbação para a aquisição e conservação da prova, nem existe o perigo de continuação da actividade criminosa. Requereu, por fim, que se solicitasse relatório social. O despacho de fls. 45 entendeu que, com excepção do perigo de perturbação do inquérito, que se encontra atenuado, todos os restantes pericula libertatis assinalados no primitivo despacho (alarme social, perigo de fuga e perigo de continuação da actividade criminosa) se mantêm. Por isso não alterou a medida coactiva extrema. É deste despacho que vem interposto recurso pelo arguido "A", alegando deficiente fundamentação: o despacho recorrido, “para além de não ter realizado o relatório social requerido”, não teve em conta o apuramento das condições sociais, familiares, económicas e laborais do arguido, não se tendo feito correcta aplicação dos artigos 27º, 28º e 32º da CRP e dos artigos 97º, 141º, 193º e 202º do CPP. Sendo o despacho “nulo”, “também por esse motivo, deve o arguido ser restituído à liberdade”, diz por fim o recorrente. As razões do arguido são demoradamente contestadas pelo Ex.mo Procurador da República. Também o parecer do ilustre Procurador Geral Adjunto nesta Relação vai no sentido da improcedência do recurso. Colhidos os ‘vistos’ legais, cumpre apreciar e decidir. A lei permite que em certas condições se imponham medidas restritivas ou limitativas da liberdade individual, mas acentuando exigências de legalidade / tipicidade e dos modos de intervenção na esfera da liberdade de quem é arguido no processo. O n.° 2 do artigo 18.° da CRP consigna, quanto aos direitos, liberdades e garantias, só poderem estes ser restringidos nos casos expressamente previstos na Constituição, “devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. A Constituição fundamenta a soberania do Estado na dignidade da pessoa humana e impõe o respeito pelos direitos e liberdades fundamentais (artigos 1º e 2º). Daí a conclusão doutrinária (por ex., Frederico Isasca, “A prisão preventiva e restantes medidas de coacção”, in Jornadas de direito processual penal e direitos fundamentais, 2004, p. 101) de que a protecção dos direitos e garantias fundamentais só é pensável e exequível “à custa da sua própria e inevitável limitação e restrição”; o que por sua vez conduz a uma outra conclusão: “o carácter manifestamente não absoluto dos próprios direitos e garantias fundamentais”. As medidas de coacção admissíveis são as mencionadas nos artigos 196º e ss. do CPP, num crescendo de gravidade de que parecem rodear-se: termo de identidade e residência; caução; obrigação de apresentação periódica; suspensão do exercício de funções; proibição de permanência, de ausência e de contactos; obrigação de permanência na habitação; prisão preventiva. A taxatividade / tipicidade das medidas, obstando a aplicação de outras hipóteses não expressamente previstas, conforta-se com o princípio da legalidade, que se exprime no artigo 191º, nº 1, pela circunstância de a liberdade das pessoas só poder ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coacção e de natureza patrimonial previstas na lei. Para impor a obrigação de permanência na habitação, menos gravosa certamente que a prisão preventiva, exige-se no artigo 201º, nº 1, a existência de fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a três anos. É assim que o juiz pode impor ao arguido a obrigação de se não ausentar, ou de se não ausentar sem autorização, da habitação própria ou de outra em que de momento resida. Para fiscalizar o cumprimento da medida, prevê-se a utilização de meios técnicos de controlo à distância, que acabou por se efectivar com a Lei nº 122/99, de 20 de Agosto, que, com as portarias nº 1462-B/01, de 28 de Dezembro, e nº 1136/2003, de 2 de Outubro, pela primeira vez pôs em prática a vigilância electrónica. Quanto aos requisitos gerais, aplicáveis a todas as medidas coactivas com a excepção do termo de identidade e residência do artigo 196º, considera-os o artigo 204º, sucessivamente: a) Fuga ou perigo de fuga; b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa. Vê-se dos autos que no seu requerimento de 7 de Abril de 2005 o arguido "A" adiantou uma série de considerações relativamente às suas condições sociais, familiares, económicas e laborais, para que, ponderadas, se lhe aplicasse medida menos gravosa, referindo a de permanência na habitação com o auxílio de vigilância electrónica. Paralelamente, requereu se diligenciasse junto dos serviços de reinserção social. Foi na sequência disso proferido o despacho de que agora se recorre. Todavia, o despacho passa por alto as razões adiantadas pelo arguido, que não são minimamente apreciadas, e nenhuma referência adianta quanto ao impetrado relatório social. A decisão assenta fundamentalmente na persistência do alarme social, do perigo de fuga e da perturbação da ordem e da segurança públicas, bem como do perigo de continuação da actividade criminosa. A principal ideia que parece estar subjacente à decisão de manter a medida coactiva extrema arranca da pena que previsivelmente irá ser aplicada ao arguido e da ilicitude revelada pelos factos, querendo provavelmente acentuar-se o grau de ilicitude que já se indicia no estado actual do desenvolvimento das averiguações e que nessa medida compromete o arguido. Estas serão certamente razões válidas que apontam para a necessidade da prisão preventiva e para que se considere que outra qualquer medida agravaria o perigo de continuação da actividade criminosa. No mesmo sentido relevaria, ainda, pelo menos, o perigo de fuga . Cremos no entanto que as questões sociais, familiares e laborais alegadas pelo arguido merecem ser ponderadas na sua significação concreta, acontecendo que o despacho recorrido não chegou a dar abertura à pretensão formulada, em evidente violação do disposto no artigo 213º, nº 1, do CPP, na medida em que não fez uma apreciação integral da situação do preso preventivo, de modo a incluir nela os factores que este tem por pertinentes à definição da sua situação processual. O direito de audição reconhecido ao arguido pelo artigo 61º, nº 1, alínea b), do CPP, aparece no artigo 213º, nº 3, limitado pela expressão “sempre que necessário” (sempre que necessário o juiz ouve o MP e o arguido), mas esta limitação compreende-se quando a iniciativa não for do próprio. Ignorando-se, como na realidade aconteceu, o pedido formulado pelo arguido ao juiz de instrução quando este deva tomar decisão que pessoalmente o afecte, é claro que se deixa sem conteúdo um dos direitos que compõem o estatuto de que o mesmo goza, contra o estatuído no artigo 32º, nº 1, da CRP. Nesta perspectiva, o despacho recorrido deverá ser substituído por outro que, analisando a valia das questões que em concreto emergem do requerimento de 7 de Abril de 2005 — após as diligências de prova que se entenda dever levar a efeito, eventualmente com a intervenção dos serviços de reinserção social (artigo 213º, nº 4, do CPP) — as confronte no plano das cautelas que até agora têm prevalecido na decisão de manter a prisão preventiva. Logo por aqui se vê que das deficiências apontadas ao despacho recorrido deriva, no presente contexto, a necessidade de o substituir por outro, mas de modo nenhum a restituição do arguido à liberdade, como também se pretendia no recurso. Nestes termos, acordam em conceder parcial provimento ao recurso de "A", para que na 1ª instância se proceda nos termos indicados. A cargo do recorrente fixa-se a taxa de justiça em 2 Ucs. Guimarães, |