Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | MARGARIDA SOUSA | ||
Descritores: | CONTA DE CUSTAS CONSIDERADA DISPENSADA PELO CONTADOR MOMENTO OPORTUNO PARA DETERMINAR A REFORMA/ELABORAÇÃO DE CONTA EXTINÇÃO DO PODER JURISDICIONAL | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 05/16/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I – O princípio da extinção do poder jurisdicional, consagrado no art. 613º do CPC, significa que o juiz não pode, por sua iniciativa, alterar a decisão que proferiu, sob pena de não se garantir a existência de um processo justo; II – Não havendo reclamação da conta, o momento oportuno para que o juiz oficiosamente determine a reforma da conta ou a elaboração de conta cuja realização se encontra, segundo o contador, dispensada, será o do despacho a proferir na primeira conclusão que, após realização das tarefas daquele, lhe for aberta nos autos, não o podendo fazer quando o processo, já findo, vai à “correição”; III – Mesmo para quem entenda que, em qualquer circunstância, o poder jurisdicional não se esgota relativamente a questões sobre as quais o julgador não se pronunciou expressamente, o efeito positivo do esgotamento do poder jurisdicional, de vincular o juiz a que, no futuro, se conforme com a decisão anteriormente tomada, veda ao juiz que ordenou o arquivamento dos autos, a possibilidade de ordenar, posteriormente, a elaboração de conta de custas considerada dispensada pelo contador, na medida em que esta ordem acaba por constituir regressão no procedimento expressa e concretamente decidido, qual seja, o do arquivamento do processo; IV – O despacho proferido depois de esgotado o poder jurisdicional é nulo. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO: No processo de insolvência em que é Insolvente M. V., inconformada com o despacho proferido aquando da abertura de visto em correição, interpôs a mesma recurso, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões: 1-O presente recurso é interposto do douto despacho manuscrito proferido em 23.02.2018 a fls. 453, que tem o seguinte teor: “Recuso o visto, não obstante o teor do despacho de fls. 451. Porquanto constatei no dia de hoje que as custas foram calculadas tendo em conta como sujeito devedor a insolvente mas sim a massa insolvente. Assim, e, porque à insolvente não foi concedido exoneração do passivo restante, procede à elaboração de conta de custas a cargo da insolvente pessoa singular.” 2-Decisão esta com a qual discordamos em absoluto. 3-Pois o aludido despacho é violador do principio do caso julgado formal e foi proferido quando já se encontrava esgotado o poder jurisdicional do Tribunal “ a quo” face as decisões anteriores proferidas no processo e já transitadas em julgado para além de ter violado o princípio consagrado no n.º 3 do artigo 3º do Código Processo Civil e no nºs 1 e 4 do art.º 20º da Lei Fundamental. Ora, fazendo um enquadramento cronológico dos presentes autos temos que: 4- Foi elaborada a conta em 11.10.2017 (a fls. 435 e 436) figurando como responsável a massa insolvente, tendo o oficial de justiça que a elaborou lavrado uma cota com o seguinte teor: - “A Insolvente M. V. beneficie do apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo. Assim, nos termos do art.º 29º, nº 1, al. d) do RCP, aprovado pela Lei nº 7/2012, de 13/02, não há lugar à elaboração da conta de custas da sua responsabilidade- Art.º 7ºA da Portaria nº 419-A/2009, de 17/04”. 5- Em 13.10.2017, a insolvente, aqui Recorrente, e o Ministério Público foram notificados de que foi dispensada a elaboração da conta (da responsabilidade da Insolvente, aqui Recorrente) pelos motivos constantes da referida cota, e este último nada disse, pelo que aceitou tal situação. Na mesma data o Administrador da Insolvência foi notificado da conta elaborada (art.º 31º do RCP) para querendo reclamar e pedir a reforma e ainda para depositar o valor existente na conta da fidúcia. Igualmente se notificou em 13.10.2017 a conta ao Ministério Público (fls. 442). Foram juntos aos autos os comprovativos de pagamento da guia e do depósito autónomo efectuado pelo Administrador de Insolvência e a secretaria procedeu aos reembolsos que constam de fls. 449, incluindo o reembolso ao IGFEF pelo apoio judiciário (patrono). 6-O Ministério Público teve vista nos autos e nada opôs ou requereu em 04/12/2017. Posteriormente, em 11.12.2017 foi proferido a fls. 451 dos autos e inserido no Citius o seguinte despacho do Juiz “a quo”: “Visto. Nada tendo sido promovido quanto às custas ainda em falta (não obstante a recusa de exoneração), proceda ao oportuno arquivamento dos autos.” 7-Foi posteriormente aberto vista em fiscalização e visto em correição certificado e elaborado pelo Citius em 18.12.2017. 8- E nesse mesmo documento e posteriormente, -para o grande espanto da aqui Recorrente-com data de 23/02/2018, a Juiz “a quo” exarou a fls. 453 o despacho manuscrito aqui posto em crise, o seguinte: “Recuso o visto, não obstante o teor do despacho de fls. 451. Porquanto constatei no dia de hoje que as custas foram calculadas tendo em conta como sujeito devedor a insolvente mas sim a massa insolvente. Assim, e, porque à insolvente não foi concedido exoneração do passivo restante, procede à elaboração de conta de custas a cargo da insolvente pessoa singular.” 9-Portanto, face a toda a movimentação processual supra identificada e face ao aludido despacho que determinou o arquivamento do presente processo e junto a fls. 451, despacho este, já transitado em julgado quando foi proferido o despacho de fls. 453, verifica-se que está processualmente adquirido que o processo está arquivado por ordem judicial. Pois, todas as partes envolvidas no processo se conformaram com o despacho de fls. 451 que ordenou o arquivamento dos presentes autos, pelo que o mesmo transitou em julgado. 10-Pelo que o despacho que ordenou o arquivamento do processo e que transitou em jugado tem força obrigatória no processo. Cfr. – Artigos 613 e 620º do C.P.Civil. 11- Com o trânsito em julgado do supra referido despacho (de fls. 451) bem como com o trânsito em julgado das contas de fls. 435, 436, 437 e 450, o poder jurisdicional do juiz neste processo ficou esgotado (Cfr. artigo 613º do C.P.Civil). 12- E, tendo o despacho de fls. 451 força obrigatória neste processo, o mesmo fez assim caso julgado formal neste processo (cfr. artigo 620º do C.P.Civil). 13-Sendo certo e como supra referido, o poder jurisdicional do Juiz “a quo” esgotou-se quando proferiu o despacho de fls. 451, e por esse motivo o juiz “a quo” estava vedado de poder proferir o despacho de fls. 453. 14-De facto, o juiz “a quo” ao proferir o despacho de fls. 453 com data de 23.02.2018, violou o princípio do caso julgado formal e por esse motivo o mesmo deverá ser revogado e ser dado sem efeito. 15-Diga-se ainda que, até que se a reforma da conta pode ser oficiosamente determinada, não o pode ser a todo o tempo, pois não estamos perante a situação configurado no artigo 614º, nº 3 do C.P.Civil mas sim do artigo 31º RCP. 16-Mas acresce que, permitir ao juiz “a quo”, proferir o aludido despacho de fls. 453, sem ouvir a insolvente sobre a sua intenção de mandar elaborar uma nova conta de custas em seu nome, depois de toda a movimentação processual supra referenciada, é violador do princípio do contraditório e do princípio do direito a um processo equitativo. 17-Ora, no caso vertente, atenta ao trânsito em julgado do despacho de arquivamento do processo de fls. 451, da conta do processo elaborada a fls. e da cota de dispensa de elaboração da conta em nome da aqui insolvente/Recorrente e junto a Fls., é de todo inusitada e inesperada uma decisão posterior em que se determina que afinal tem que se elaborar uma nova conta em nome da Insolvente singular por que a mesma não lhe foi concedido a exoneração do passivo restante, o que constitui uma decisão surpresa e injusta. 18-Impunha-se pois à Meritíssima Juiz “a quo” o exercício do contraditório antes da tomada de qualquer decisão, o que não se verificou, tendo a mesma violado um princípio basilar em direito, o Princípio do contraditório. 19-Percorrendo toda a tramitação do processo, o qual já estava arquivado e dado como findo em 18/12/2017, verifica-se que o despacho em causa constitui uma decisão surpresa e injusta. 20-A violação do disposto no nº 3 do artigo 3º do CPC é suscetível de consubstanciar a prática de uma nulidade processual, quando a irregularidade cometida se mostre capaz de influir no exame ou decisão da causa, que é o caso dos autos. E estando a nulidade decorrente da violação do princípio do contraditório coberta por um despacho judicial, a respetiva arguição deverá verificar-se em sede de recurso interposto desta mesma decisão. 21- Para além do já referido, o arquivamento do processo, a conta emitida em nome da massa insolvente bem como a cota de dispensa de elaboração da conta em nome da Recorrente (tudo já transitado em julgado) criou a convicção na aqui Recorrente que o processo estava terminado e encerrado. 22- Esta convicção é fundada e legítima e merece, por isso, a tutela do direito. 23- Existe justificação para essa confiança, uma vez que, como se disse, era razoável e plausível que a Recorrente/Insolvente aderisse a essa aparência, que tinha por legítima. Pode dizer-se que estamos perante uma situação de confiança, assente na boa-fé e gerada pela aparência – o modo como o processo foi arquivado (fls. 451). 24-Assim sendo, o despacho do juiz “a quo” de fls. 453 que ordena em 23/02/2018 a elaboração de uma nova conta mas em nome da aqui Recorrente/Insolvente contraria de forma manifesta e ilegítima a segurança jurídica do caso concreto e as legítimas expectativas criadas pelas partes, bem como viola o princípio do direito a um processo equitativo. 25-Não restam portanto dúvidas que, ao proferir aquele despacho o douto tribunal “a quo” violou o princípio constitucional ínsito no artigo 20º nº 1 e nº 4 da Constituição da República Portuguesa e violou o princípio do contraditório ínsito no artigo 3.º, n.º 3 gerando uma nulidade nos termos do artigo 195.º, n.º 1 do CPC pois tal influiu irremediavelmente na decisão dos presentes autos. 26-Concluindo, o Tribunal “a quo”, salvo o devido respeito, não considerou todos os factos constantes dos autos e interpretou e aplicou erradamente normas legais, em manifesta violação dos princípios do contraditório, confiança, da boa-fé processual, da cooperação, da proporcionalidade, do acesso ao direito, bem como do direito a uma tutela efetiva e a um processo equitativo. 27- E repete-se que a fls. 451 foi proferido despacho de arquivamento do aludido processo pela Exma. Sra. Juiz a “quo” em 11/12/2017, e que o mesmo transitou em julgado. 28- Pelo que com esse último despacho esgotou-se o poder jurisdicional do juiz “a quo” quanto a matéria da causa ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 613º do C.P.Civil e sendo um despacho que recai sobre a relação processual o mesmo fez caso julgado no processo pelo que estava vedada ao Exmo. Juiz “a quo” proferir o despacho de fls. 453. Pelo que o aludido despacho posto em crise deverá ser revogado por esse motivo. 29- Sem prescindir, o direito a apoio judiciário de que a aqui Recorrente/Insolvente beneficie neste processo (Cfr. fls. 30 dos autos) porque o mesmo foi pedido e deferido pela entidade competente para a correspondente apreciação do seu pedido de insolvência e exoneração do passivo restante. 30-Pelo que a aqui Recorrente/Insolvente de qualquer forma não tem que pagar qualquer tipo de conta (artigo 527º do nº 1 do C.P.C.), já que esta última está isenta do seu pagamento por força do benefício de apoio judiciário que lhe foi deferido a fls. 30 dos autos. - Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06/03/2018 - Processo nº 24377/11.3T2SNT –B.L1-7 (www.dgsi.pt), 31-E é por esse motivo que a mesma está dispensada da sua elaboração ao abrigo do disposto no artigo 29º, nº 1, al. d) do Regulamento das custas processuais, conforme aliás foi a Recorrente/Insolvente notificada a fls. 437 e 438 dos autos. 32- Pelo que o apoio judiciário concedido e deferido por uma autoridade administrativa não pode sem mais ser desconsiderado pelo Tribunal “a quo”. 33-Só a respetiva autoridade administrativa é que tem competência para revogar a decisão que deferiu a proteção jurídica conforme melhor consta de fls. 30 dos autos. Ora, nos autos a protecção jurídica concedida está em vigor. 34-Diga-se ainda, o sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se, tal como se refere no art.º 1.º da Lei n.º 34/2004, de 29/07, a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos. 35-Pelo que dúvidas não restam que a proteção jurídica de que beneficie a Insolvente/Recorrente desde o início do seu Processo de Insolvência tem que ser tomada em consideração no sentido que a Recorrente está isenta de pagar quaisquer custas e encargos no processo. -Cfr. artigo 29º, nº 1, alínea d) do Regulamento das Custas Processuais. 36- Assim, o douto despacho é violador de normas substantivas designadamente o artigo 29º, nº 1 alínea a) do Regulamento das Custas Processuais e artigo 20º nºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa e de normas adjetivas designadamente os artigos 3º, nº 3, 6º, 7º, 8º, 195º, 613º nº 1 e 620º nº 1 do Código de Processo Civil. 37-Pelo que o despacho de fls. 453, aqui posto em crise deverá ser revogado com todas as consequências legais. TERMOS em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se em conformidade o douto despacho recorrido, seguindo- se os demais termos legais. Não houve contra-alegações. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO:O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do NCPC). No caso vertente, a questão a decidir é a seguinte: - Saber se a decisão recorrida é violadora do princípio do esgotamento do poder jurisdicional. * III. FUNDAMENTOSOs Factos Da consulta dos autos resulta que: 1. Em 21.12.2016 foi proferido a seguinte decisão: Ao abrigo do disposto no artigo 243º, nº 1 al. a) do CIRE, recuso a exoneração do passivo restante requerida por M. V.. Custas pelo insolvente. 2. Desta decisão, a dita insolvente apelou para o Tribunal da Relação de Guimarães, o qual por acórdão de 04.04.2017, confirmou a decisão recorrida. 3. Devolvidos os autos à 1ª instância, aí se determinou a notificação do fiduciário para prestar contas em 16.05.2017. 4. Fixada a remuneração do fiduciário, em 25.09.2017 determinou-se a remessa dos autos à conta e, efetuada a contagem, a notificação do fiduciário para depositar à ordem dos autos o valor existente na conta da fidúcia, a fim de permitir o rateio da conta (cfr. fls. 434 dos autos). 5. Foi elaborada a conta em 11.10.2017 (a fls. 435 e 436) figurando como responsável a massa insolvente, tendo o oficial de justiça que a elaborou lavrado uma cota com o seguinte teor: A Insolvente M. V. beneficia do apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo. Assim, nos termos do art.º 29º, nº 1, al. d) do RCP, aprovado pela Lei nº 7/2012, de 13/02, não há lugar à elaboração da conta de custas da sua responsabilidade- Art.º 7ºA da Portaria nº 419-A/2009, de 17/04. 6. Em 13.10.2017, a insolvente, aqui Recorrente, e o Ministério Público foram notificados de que foi dispensada a elaboração da conta (da responsabilidade da Insolvente, aqui Recorrente) pelos motivos constantes da referida cota, e, o último, nada disse. 7. Na mesma data o Administrador da Insolvência foi notificado da conta elaborada (art.º 31º do RCP) para querendo reclamar e pedir a reforma e ainda para depositar o valor existente na conta da fidúcia. 8. Igualmente se notificou em 13.10.2017 a conta ao Ministério Público (fls. 442). 9. Foram juntos aos autos os comprovativos de pagamento da guia e do depósito autónomo efetuado pelo Administrador de Insolvência e a secretaria procedeu aos reembolsos que constam de fls. 449, incluindo o reembolso ao IGFEF pelo apoio judiciário (patrono). 10. O Ministério Público teve vista nos autos e nada opôs ou requereu em 04/12/2017. 11. Posteriormente, em 11.12.2017 foi proferido a fls. 451 dos autos e inserido no Citius o seguinte despacho da Juíza “a quo”: Visto. Nada tendo sido promovido quanto às custas ainda em falta (não obstante a recusa de exoneração), proceda ao oportuno arquivamento dos autos. 12. Foi posteriormente aberto vista em fiscalização e visto em correição certificado e elaborado pelo Citius em 18.12.2017, 13. Com data de 23.02.2018, foi proferido o seguinte despacho: Recuso o visto, não obstante o teor do despacho de fls. 451. Porquanto constatei no dia de hoje que as custas foram calculadas tendo em conta como sujeito devedor a insolvente mas sim a massa insolvente. Assim, e, porque à insolvente não foi concedido exoneração do passivo restante, procede à elaboração de conta de custas a cargo da insolvente pessoa singular. * O Direito.Assenta a Recorrente o seu recurso na violação do princípio do esgotamento do poder jurisdicional pelo despacho recorrido. Vejamos. De harmonia com o disposto no art. 613º do CPC, proferida uma sentença ou um despacho (nºs 1 e 3 do referido preceito legal) fica imediatamente esgotado o poder do juiz quanto à matéria da causa. “O princípio da extinção do poder jurisdicional, consagrado no citado art. 613º do CPC, significa que o “juiz não pode, por sua iniciativa, alterar a decisão que proferiu; nem a decisão, nem os fundamentos em que ela se apoia e que constituem com ela um todo incindível. Ainda que logo a seguir ou passado algum tempo, o juiz se arrependa, por adquirir a convicção que errou, não pode emendar o suposto erro. Para ele a decisão fica sendo intangível.” (Acórdão desta Relação de 18 de maio de 2017 - Relator Pedro Damião). O juiz da causa não pode, pois, em regra, rever a decisão proferida. Isto é inerente à natureza/essência do processo. Este princípio justifica-se por uma razão doutrinal e por uma razão pragmática. Citando as palavras sábias do Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil anotado, 1981, volume V, pág. 127, em anotação ao art. 666.º do CPC de 1939: “O juiz, quando decide, cumpre um dever – o dever jurisdicional – que é a contrapartida do direito de acção e de defesa. Cumprido o dever, o magistrado fica em posição jurídica semelhante à do devedor que satisfaz a obrigação. Assim como o pagamento e as outras formas de cumprimento da obrigação exoneram o devedor, também o julgamento exonera o juiz; a obrigação que este tinha de resolver a questão proposta, extinguiu-se pela decisão. E como o poder jurisdicional só existe como instrumento destinado a habilitar o juiz a cumprir o dever que sobre ele impende, segue-se logicamente que, uma vez extinto o dever pelo respectivo cumprimento, o poder extingue-se e esgota-se. Justifica-se também por uma razão pragmática. Consiste esta na necessidade de assegurar a estabilidade da decisão jurisdicional. Que o tribunal superior possa, por via do recurso, alterar ou revogar a sentença ou despacho, é perfeitamente compreensível; que seja lícito ao próprio juiz reconsiderar e dar o dito por não dito, é de todo intolerável, sob pena de se criar a desordem, a incerteza, a confusão.” Daí que, com toda a pertinência, se possa dizer que “na arquitectura básica do due processo of law, este princípio de extinção do poder jurisdicional não ocupa um lugar qualquer. Se a lei do processo o não consagrasse, e se se permitisse portanto que o juiz da causa pudesse, sem limites e de motu próprio, rever as decisões ou os fundamentos das sentenças que ele próprio proferisse, não se garantiria por certo a existência de um processo justo. Um poder jurisdicional que se mantivesse para além da emissão da sentença comprometeria o próprio direito a uma solução jurídica dos conflitos.” (acórdão do Tribunal Constitucional de 09.11.2010 – Relatora Maria Lúcia Amaral). É certo que, mesmo depois de proferida a decisão, é lícito “ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença nos termos dos artigos seguintes”- art. 613º, nº 2, do CPC. Todavia, só no que toca aos erros materiais da decisão judicial é que a retificação pode ter lugar a todo o tempo (art. 614º, nº 3, do CPC), o que bem se compreende porquanto, nesse caso, em que estão em causa lapsos manifestos, ao mesmo resultado/sentido se chegará pela mera interpretação da decisão, com recurso a todos os elementos para o efeito disponíveis ao declaratário normal, nenhuma real alteração se estando a introduzir na decisão, o que equivale a dizer ficar intocada, com tal retificação, a estabilidade da decisão proferida. Mas já não assim se, a ter existido lapso, o mesmo não é manifesto. Para melhor compreensão do princípio em análise, importa ainda sublinhar que, segundo Damião da Cunha (Caso Julgado Parcial pág. 143), citado no Acórdão da Relação de Lisboa de 15.02.2018 (Relatora Cristina Neves), “os conceitos de «efeito de vinculação intraprocessual» e de «preclusão» - referidos ao âmbito intrínseco da actividade jurisdicional - querem significar que toda e qualquer decisão (incontestável ou tornada incontestável) tomada por um juiz, implica necessariamente tanto um efeito negativo, de precludir uma «reapreciação» (portanto uma proibição de «regressão»), como um efeito positivo, de vincular o juiz a que, no futuro (isto é, no decurso do processo), se conforme com a decisão anteriormente tomada (sob pena de, também aqui, «regredir» no procedimento)”. Isto assente, analisemos o caso concreto. Em causa está um despacho que determinou a realização de conta considerada dispensada pelo contador, despacho esse proferido quando o processo foi com visto em correição à juíza a quo e depois de já ter sido proferido um despacho a ordenar o arquivamento dos autos. Nos termos do nº 2 do art. 31º do RCP, o juiz deve “oficiosamente”, “reformar a conta se esta não estiver de harmonia com as disposições legais”. Por outro lado, como se sabe, “o Regulamento das Custas Processuais comporta neste momento regras que, a verificarem-se os seus pressupostos, permitem a não realização do ato de contagem, (alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 29.º, no seu segmento final), por razões que assentam na constatação prática de que quanto a este conjunto de situações a realização da conta se revela um ato inútil. Quando se imponha a aplicabilidade da dispensa da conta, a Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, obriga a que, no cumprimento do previsto no artigo 7.º-A, a Secretaria documente no processo a verificação dos respetivos pressupostos” (Guia Prático das Custas Judiciais, 2015, CEJ, pág. 191), fundamentando, desse modo, a tomada de posição quanto à não não realização da conta. E essa “documentação ou demonstração deve ser notificada aos interessados, de modo a permitir eventuais reclamações para o juiz”, não podendo deixar se entender que o juiz, que tem o poder-dever de, oficiosamente, ordenar a reforma da conta feita, possa por maioria de razão, entendendo que não se verificam os pressupostos da dispensa da elaboração de conta, determinar que se proceda à elaboração de conta que o contador entendeu estar dispensado de realizar. Mas, para ambas as decisões referidas, há um momento apropriado, não podendo o juiz ordenar a reforma da conta ou a sua elaboração “a todo o tempo”. Não havendo reclamação da conta, o momento oportuno para que o juiz oficiosamente determine a reforma da conta ou a elaboração de conta cuja realização se encontra, segundo o contador, dispensada, será o do despacho a proferir na primeira conclusão que, após realização das tarefas daquele, lhe for aberta nos autos. Não o fazendo, afigura-se legítima a conclusão do interessado no sentido de que o juiz – que já tinha no processo todos os elementos necessários à tomada de posição a tal respeito -, tacitamente, tem a conta por conforme e/ou a dispensa da sua realização como válida, estando-lhe, pois, vedado pronunciar-se ulteriormente sobre a conta elaborada e/ou sobre os pressupostos da não elaboração da dispensada. E muito menos o poderá fazer quando o processo, já findo, vai à “correição”. Na verdade, é de recordar que a exigência do visto em correição está consagrada no art. 142º, nº 2, Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, segundo o qual, os processos, livros e papéis ingressam no arquivo do tribunal após a fiscalização do Ministério Público e a correição, consoante os casos, do juiz ou do magistrado do Ministério Público, sem prejuízo dos casos em que o arquivamento é assegurado automaticamente pelo sistema informático, sem necessidade de intervenção judicial ou da secretaria O visto em correição é, pois, uma nota do juiz emitida após verificação de que num determinado processo findo e em que foram cumpridas todos os trâmites subsequentes, não existe qualquer irregularidade, fiscalização, esta, que, evidentemente, só abrange as irregularidades suscetíveis de sanação a todo o tempo. Acresce que, mesmo para quem entenda que, em qualquer circunstância, o caso julgado só se forma relativamente a questões concretamente apreciadas (neste sentido, extraindo um princípio geral do preceituado no art. 595º, nº 3, do CPC, acórdão da Relação do Porto de 30.01.2017 - Relator Carlos Gil) não se esgotando, pois, igualmente, o poder jurisdicional relativamente a questões sobre as quais o julgador não se pronunciou expressamente, mesmo para quem assim entenda, dizíamos, o já referido efeito positivo do esgotamento do poder jurisdicional, de vincular o juiz a que, no futuro, se conforme com a decisão anteriormente tomada, sempre conduzirá, no caso em apreço, à conclusão de que o concreto despacho recorrido atenta, no contexto em que foi proferido, contra aquele efeito. Na verdade, no antecedente despacho e depois de ter sido elaborada conta em que figurava como responsável a massa insolvente em 11.10.2017 e de o oficial de justiça que a elaborou ter lavrado cota com a razão pela qual não era elaborada conta das responsabilidades da Insolvente M. V. (por esta beneficiar de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo), a juíza a quo havia ordenado o arquivamento dos autos, não podendo, pois, face à decisão tomada, ordenar, posteriormente, como ordenou, no despacho recorrido, que por ter constatado no dia de hoje que as custas foram calculadas tendo em conta como sujeito devedor (não) a insolvente mas sim a massa insolvente (…), e, porque à insolvente não foi concedido exoneração do passivo restante, o contador procedesse à elaboração de conta de custas a cargo da insolvente pessoa singular, na medida em que esta ordem acaba por constituir regressão no procedimento expressa e concretamente decidido, qual seja, o do arquivamento do processo. Não podemos, aliás, deixar passar a oportunidade para realçar que o despacho recorrido, para além de atentar contra o referido princípio do esgotamento do poder jurisdicional, é, pelo menos na aparência, revelador de uma confusa compreensão do atual sistema de custas. A este respeito, urge recordar que, nos termos do art. 30º, nº 2, do RCP deve elaborar-se uma (só) conta por cada sujeito processual responsável pelas custas, multas, e outras penalidades, que abranja o processo principal e os apensos. Há, portanto, várias contas – tantas quanto os sujeitos processuais responsáveis por custas – e não apenas uma conta, sendo cada uma delas elaborada em função do impulso processual. Por outro lado, como, elucidativamente, se mostra escrito no Acórdão da Relação do Porto de 28.06.2016 (Processo n.º2039/14.0T8PRT.P1), “actualmente, a conta do processo já não determina o que as partes devem pagar em função do vencimento, limitando-se a discriminar o que cada uma das partes deveria ter pago ao longo do processo, apurando-se o saldo dessa relação”, enquanto “o momento da concretização do balanço contabilístico é feito actualmente na nota justificativa das custas de parte e esse é o tempo em que o impulsionador dos autos pode solicitar à parte contrária o ressarcimento das quantias efectivamente pagas por si a título de taxa de justiça. Por isso se diz que a condenação em custas se reflecte nas custas de parte e não na conta”. Daí que possa haver uma conta da massa insolvente e uma conta do insolvente, ainda que seja este o único “vencido”, em nada contendendo as ditas contas, podendo, ainda, ser elaborada uma única conta – a da massa insolvente – e dispensada a conta do insolvente, nos termos do n.º 1 do artigo 29.º do RCP (art.º 7º-A da Portaria nº 419-A/2009, de 17/04), nomeadamente por, nos termos da alínea d) do citado preceito, o responsável pelas custas beneficiar de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos. Fechando o parêntese e assente que o despacho recorrido se mostra viciado por ter sido proferido após o esgotamento do poder jurisdicional do juiz, coloca-se a questão da qualificação do dito vício. Sobre esta matéria, aderimos integralmente à posição assumida no acórdão desta Relação de 02.06.2016 (Relator Jorge Seabra), assim claramente explanada: “A doutrina e a jurisprudência têm perfilhado posições que vão desde a nulidade da sentença, à sua ineficácia ou à sua inexistência – Vide, por todos, sobre a matéria, A. VARELA, “ Manual de Processo Civil “, 2ª edição, pág. 686, nota 3, ALBERTO dos REIS, “ Código de Processo Civil Anotado “, 1984, pág. 113 e segs…, AC RC de 20.10.2015, relator Des. MARIA DOMINGAS SIMÕES, AC RP de 21.02.2013, relator Des. ARISTIDES RODRIGUES de ALMEIDA, AC RP de 26.09.2023, já antes citado, AC STJ de 6.05.2010, relator Cons. ALVARO RODRIGUES, AC RG de 22.05.2014, relator Des. HELENA MELO, todos disponíveis in www.dgsi.pt. Melhor reponderada a questão, e não obstante, de alguma forma se tenha, ainda que «a latere», exprimido a possibilidade de o vício em causa poder configurar a inexistência jurídica, resulta hoje, a nosso ver, e com o devido respeito por opinião em contrário, que, sendo indiscutível que o juiz detém jurisdição e competência no âmbito do processo em apreço (como avulta desde logo do preceituado no art. 614º, n.ºs 1 e 2 do CPC), o vício em apreço não deverá ser o da inexistência jurídica do despacho/sentença, sendo que este outro vício supõe que o autor da sentença/despacho não esteja pessoal ou funcionalmente investido ou provido de jurisdição ou competência, o que, segundo cremos, não é defensável no caso dos autos, pois que dúvidas não existem que o juiz titular do processo detém tais poderes e competência. Vide sobre as hipóteses de inexistência, A. VARELA, op. cit., pág. 686, nota 3, citando a doutrina de Betti in Diritto processuale, 2ª edição, pág. 634 e segs.. De facto, as situações de inexistência do despacho ou sentença deverão ser reservadas apenas às hipóteses em que, de todo e em absoluto, falece ao autor da sentença ou do despacho competência ou jurisdição, como sucederá, por exemplo, se a sentença ou despacho é proferido por um «falso» juiz, por um juiz suspenso de funções ou até por alguém estranho à carreira judicial (v.g., um funcionário judicial, um médico, um pároco, um barbeiro, exemplos invocados por ALBERTO dos REIS, op. cit., pág. 113). Em tais situações, como refere ALBERTO dos REIS, op. cit., pág. 114, «semelhante acto, posto que tenha a forma externa de sentença, não vale como tal. Falta-lhe o requisito essencial: ter sido praticado por pessoa investida de poder jurisdicional.» (sublinhado nosso) Sendo assim, a nosso ver, de excluir a figura da inexistência jurídica, a resposta ao vício em causa haverá de ser colhida, por aplicação analógica ou interpretação extensiva, do preceituado no art. 615º, n.º 1 al. d) - do CPC, enquanto nulidade por excesso de pronúncia, na estrita medida em que o juiz, ao decidir do específico tema em discussão (in casu, litigância de má-fé), fê-lo já, em momento em que, por esgotamento do seu poder jurisdicional (e não por estar desprovido, em termos pessoais ou funcionais e absolutos, da qualidade necessária ao exercício do poder jurisdicional), o não podia fazer, conhecendo, portanto, nesse circunstancialismo, de questão de que não podia tomar conhecimento, decidindo, por isso, «em excesso». O que, portanto, conduz, em nosso julgamento à declaração de nulidade do despacho ora em crise (…) que resta sem efeito, o que se julga.” Também no sentido da nulidade absoluta e não da inexistência, porque apesar de se ter esgotado o poder jurisdicional do Tribunal quanto à matéria da causa, a decisão foi proferida por órgão investido de poder jurisdicional, veja-se Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. 5, pág. 113 e segs. Procede, pois, a apelação. Sem tributação nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil. * Sumário:I – O princípio da extinção do poder jurisdicional, consagrado no art. 613º do CPC, significa que o juiz não pode, por sua iniciativa, alterar a decisão que proferiu, sob pena de não se garantir a existência de um processo justo; II – Não havendo reclamação da conta, o momento oportuno para que o juiz oficiosamente determine a reforma da conta ou a elaboração de conta cuja realização se encontra, segundo o contador, dispensada, será o do despacho a proferir na primeira conclusão que, após realização das tarefas daquele, lhe for aberta nos autos, não o podendo fazer quando o processo, já findo, vai à “correição”; III – Mesmo para quem entenda que, em qualquer circunstância, o poder jurisdicional não se esgota relativamente a questões sobre as quais o julgador não se pronunciou expressamente, o efeito positivo do esgotamento do poder jurisdicional, de vincular o juiz a que, no futuro, se conforme com a decisão anteriormente tomada, veda ao juiz que ordenou o arquivamento dos autos, a possibilidade de ordenar, posteriormente, a elaboração de conta de custas considerada dispensada pelo contador, na medida em que esta ordem acaba por constituir regressão no procedimento expressa e concretamente decidido, qual seja, o do arquivamento do processo; IV – O despacho proferido depois de esgotado o poder jurisdicional é nulo. IV. DECISÃO: Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, anulando a decisão recorrida e determinando que a juíza a quo oportunamente aponha nos autos o necessário visto em correição. Sem custas. Guimarães,16.05.2019 Margarida Sousa Afonso Cabral de Andrade Alcides Rodrigues |