Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1954/21.9T8BRG.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
INTERRUPÇÃO NORMAL DO TRABALHO
TOMA DE REFEIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/19/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
É de qualificar como acidente de trabalho, o acidente ocorrido aquando da interrupção para tomada de refeição a meio da manhã, na cantina do empregador e que consistiu na sinistrada ao colocar sobre a banca o prato em que havia realizado a sua refeição, o mesmo escorregou e partiu-se, atingindo-a no punho direito.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

No Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo do Trabalho ..., AA instaurou ação especial emergente de acidente de trabalho contra EMP01..., S.A. e EMP02... - UNIPESSOAL, LDA.

Tal como alega a autora, sofreu um acidente de trabalho no dia 21.11.2020, quando exercia funções sob as ordens direcção e fiscalização da sua entidade empregadora, que havia transferido parcialmente a sua responsabilidade pela infortunística por acidente de trabalho para a Ré Seguradora. O acidente ocorreu quando se encontrava no tempo e local de trabalho, no momento em que fez uma interrupção para se alimentar e por isso encontrava-se na cantina existente nas instalações da sua entidade empregadora, e em resultado da quebra de um prato, sofreu lesão no punho direito, lesão essa que foi determinante de incapacidade temporária para o trabalho. Ocorrida a respectiva consolidação, ficou com sequelas que a afectam, de forma parcial e permanente, na capacidade geral de ganho.
Peticiona a Autora a condenação das Rés na satisfação das seguintes prestações, todas elas acrescidas de juros de mora, à taxa supletiva legal, desde as respectivas datas de vencimento:
a). Indemnização pelos períodos de incapacidade temporária para o trabalho, no valor global de €3.335,83, da responsabilidade da primeira e da segunda demandadas, na proporção de €2.953,06 e de €382,77; 
b). O capital de remição da pensão anual e vitalícia correspondente ao coeficiente de IPP que, em resultado de junta médica a realizar, lhe vier a ser atribuído;
c). Reembolso das despesas que suportou com deslocações para actos obrigatórios, no montante de €15,00.
Devidamente citadas, apenas a Ré Seguradora contestou, aceitando a transferência da remuneração da sinistrada, mas não aceitando a caracterização do acidente como de trabalho, sustentando, que a factualidade articulada pela autora, cuja ocorrência/veracidade impugnou, mesmo a demonstrar-se, nunca permitiria a caracterização do evento como acidente de trabalho, pois, embora, o mesmo, tenha ocorrido no tempo de trabalho, nenhuma relação apresenta com a actividade laboral nem ocorreu por causa dela, não podendo, sequer, considerar-se verificado o elo de conexão espacial pressuposto por lei, na medida em que o descrito evento não se verificou no seu posto de trabalho nem em local onde, mercê das suas funções, devesse deslocar-se. Concluiu, pugnando pela respectiva absolvição.
Foi ordenado o desdobramento do processo para fixação da incapacidade da sinistrada.

Os autos prosseguiram a sua normal tramitação e por fim foi proferida sentença que julgou a ação procedente e terminou com o seguinte dispositivo:
Pelo exposto, julga-se a presente acção procedente, termos em que se decide:
a).Fixar em 10% o coeficiente de IPP que, em decorrência do sinistro dos autos, afecta a autora AA, desde a data da alta, declarando-se ser-lhe devido, por efeito disso, o capital de remição da pensão anual e vitalícia de € 703,10 [setecentos e três euros e dez cêntimos];
b). Condenar, --- 1. A ré EMP01..., S.A., a pagar-lhe:
 i. Do capital de remição da pensão anual e vitalícia mencionado em a), a parcela de € 622,30 [seiscentos e vinte e dois euros e trinta cêntimos], acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, desde 02.07.2021;
ii. A quantia de € 2.953,06 [dois mil, novecentos e cinquenta e três euros e seis cêntimos], a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária para o trabalho, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, desde 02.07.2021; e 
iii. O valor de € 15,00 [quinze euros], a título de reembolso de despesas com deslocações para actos obrigatórios, acrescido de juros de mora, à taxa supletiva legal, desde 09.02.2022;
2. A ré EMP02... – Unipessoal, Ldª., a pagar-lhe:
i. Do capital de remição da pensão anual e vitalícia mencionado em a), a parcela de € 80,80 [oitenta euros e oitenta cêntimos], acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, desde 02.07.2021; e
ii. A quantia de € 382,77 [trezentos e oitenta e dois euros e setenta e sete cêntimos], a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária para o trabalho, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, desde 02.07.2021.
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Custas a cargo das rés entidades seguradora e empregadora, na proporção da respectiva responsabilidade.
Valor da acção: € 15.745,78 - cfr. artº 120º, nº 1 do CPT.
Registe e notifique. 
Após trânsito em julgado, cumpra-se o disposto nos artºs 148º, nºs 3 e 4, aplicável ex vi do preceituado no artº 149º e, ainda, o que se dispõe no artº 150º, todos do CPT.
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A Ré Seguradora, inconformada, interpôs recurso da sentença e formula as seguintes conclusões:

“1 – Salvo o muito e, in casu, mais que devido respeito, crê-se ter ocorrido erro na decisão de mérito na sentença em crise.
2 – Começa-se por se dizer que deve ser expurgada da alínea c) da matéria de facto assente a expressão “e porque tivesse necessidade de se alimentar, por se sentir enfraquecida,” a qual é, manifestamente, conclusiva, pelo que o texto de tal alínea deve passar a ser apenas o seguinte: c). Cerca das 11h00m, a autora, como era seu hábito, interrompeu, por cerca de 10 minutos, a actividade que estava a desenvolver, para comer alguma coisa/lanchar na cantina providenciada por aquela sociedade. ---
3 – Se é certo que não há dúvidas de que o evento dos autos ocorreu em tempo de trabalho da Apelada, tal não basta para se poder dizer que estamos perante um acidente de trabalho.
4 – Na verdade, nem sequer nos casos em que não haja dúvidas de que determinado evento danoso ocorreu no tempo e no local de trabalho podemos dizer, sem mais, que tal situação se possa qualificar como um acidente de trabalho.
5 – A própria Mma. Juiz a quo o reconhece – e bem - tem que existir, para além daqueles elementos espacial e temporal, uma relação, uma conexão entre o acidente e o trabalho.
6 – Na verdade, como é hoje unanimemente aceite pela doutrina e jurisprudência, tem de haver uma conexão entre o acidente e os riscos próprios quer da atividade, quer do local ou do ambiente de trabalho, quer, ainda, os determinados pela própria relação laboral.
7 – Nesse sentido, o Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/09/2015 (Proc. n° 112/09.5TBVP.L2.S1), os ensinamentos de VITOR RIBEIRO (“…se esse elo causal se interromper em algum dos momentos do encadeado fáctico acima descrito, não poderemos sequer falar – pelo menos em relação àquela morte ou àquela incapacidade – em acidente de trabalho. Razão porque esse nexo causal entre a relação de trabalho e a morte ou incapacidade (desdobrável em vários e sucessivos elos causais intermédios) deve, ele também, considerar-se como elemento integrador essencial do conceito legal de acidente de trabalho.» - in Acidentes de Trabalho, Rei dos Livros, 1984, pág. 191 ss.
8 – A conclusiva – e por isso a carecer de parcial eliminação – asserção da Mma. Juiz a quo ao afirmar “A autora, reitera-se, deslocou-se à cantina existente nas instalações da sua entidade empregadora para satisfação da emergente necessidade de se alimentar, necessidade essa que, apenas, se verificou por causa do exercício da prestação a que estava adstrita e que, no dia em questão, desenvolvia desde o início da manhã.” – sic – para além de indevida, atento o seu caráter conclusivo, não tem suporte na prova produzida nem nos factos assentes – note-se que nem sequer foi alegada pela Apelada.
9 – A existência de um claro nexo de causalidade entre o acidente e o trabalho é um dos elementos caracterizadores do acidente de trabalho, o qual, embora não plasmado na letra da lei, resulta claramente do seu espírito – cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 23/10/2013, Proc.º 291/11.1TTVFX.L1-4, o já invocado Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/09/2015 (Proc. n° 112/09.5TBVP.L2.S1).
10 – Da alegação da Apelada em 24º PI (ao desviar um prato da banca, o mesmo escorregou tendo partido, resultando ferida do punho direito, atingindo tendão e nervo mediano face anterior ao punho” – factualidade vertida alíneas c) e f) dos Factos Assentes resulta claro que o evento dos autos se deu quando a Apelada estava na cantina, a fazer uma pequena pausa para lanchar ou comer algo – o mesmo é dizer, sem nenhuma conexão com a sua relação ou actividade laboral da A.
11 – Tudo não passou de um acidente doméstico – que por mero acaso se deu nas instalações da entidade patronal mas que poderia até ter acontecido em casa, num ambiente totalmente familiar.
12 - Deixar cair e partir um prato, sofrendo um corte, quando se está a comer não tem a mínima conexão com a actividade ou relação laboral – pelo menos, de uma operadora de registos de dados, como é a A.
13 – Ou seja, falta em absoluto a conexão entre o evento e a prestação laboral da Apelada, pelo que o evento dos autos não pode ser qualificado como um acidente de trabalho.
14 – Mais: nem sequer se deve considerar que o evento aconteceu no local de trabalho da A.
15 - A Apelada é operadora de registos de dados, sendo o seu local na área administrativa/escritórios da R. Patronal - o evento não aconteceu em qualquer dos locais a que a mesma devesse eventualmente deslocar-se por força das suas funções, de resto, como plasmado na al. g) dos Factos Assentes.
16 – A Apelada apenas se deslocou à copa ou cozinha para tomar um pequeno lanche, algo que poderia ter feito num jardim próximo da empresa ou num qualquer café ou pastelaria próximo.
17 – O local em que se deu o evento – mesmo que integrado nas instalações da R. Patronal - não é o seu local de trabalho - a Apelada, como operadora de registos de dados, não presta o seu trabalho numa copa ou cozinha, mera área de descanso/para tomar refeições da sua entidade empregadora.
18 - Ora, a lei 98/2009 é muito clara, na al. a) do nº 2 do seu Art. 8º - em que estabelece, precisamente, o conceito de acidente de trabalho – ao dizer expressamente o seguinte:
a) «Local de trabalho» todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir- se em virtude do seu trabalho e em que esteja, directa ou indirectamente, sujeito ao controlo do empregador;
19 – A Apelada alegou e foi dado como assente (cfr. alíneas c), f) e g) dos Factos Assentes) que apenas foi à cantina para tomar um pequeno lanche, ou seja, não se trata de um local a que tenha tido que se dirigir em virtude do seu trabalho.
20 – Sendo patente que a situação dos autos não se enquadra em nenhuma das hipótese com que o Art. 9º da Lei 98/2009 opera a extensão do conceito de acidente de trabalho.
21 – Assim sendo, como é, a situação dos autos não pode ser qualificada como um acidente de trabalho, seja porque lhe falta o elemento espacial – não ocorreu no local de trabalho nem em nenhum local onde a Apelada devesse dirigir-se por virtude do seu trabalho – e, muito especialmente, falta em absoluto qualquer tipo de conexão com a actividade ou relação laboral da Apelada.
Nestes termos, nos mais de Direito e sempre com o mui Douto suprimento de V. Exas., deve a Douta Sentença ser substituída por outra que altere a decisão de mérito nos moldes propostos e absolva a Apelante na medida em que os factos apurados não preenchem o conceito de acidente de trabalho, ainda que com a extensão operada pelo art.º 9 da Lei 98/2009, pelo que deve a Apelante ser absolvida de todos os pedidos contra si formulados, com o que se fará sã e serena JUSTIÇA.”
Não foi apresentada contra-alegação.
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Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a esta 2ª instância.
Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 87.º n.º 3 do C.P.T., tendo a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitido douto parecer no sentido da total improcedência da apelação.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da Recorrente (artigos 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87º n.º 1 do CPT), as questões trazidas à apreciação deste Tribunal da Relação são as seguintes:
- Modificação da decisão sobre a matéria de facto;
- Impugnação da decisão de direito;

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

FACTOS PROVADOS:
a). À data de 21.11.2020, a autora AA, nascida aos .../.../, exercia funções como Operadora de Registo de Dados, sob as ordens, direcção e fiscalização da sociedade EMP02... - Unipessoal, Ldª., com sede na freguesia ..., concelho ..., mediante o pagamento da retribuição ilíquida de € 635,00 x 14 meses, acrescida de € 4,77 x 22 x 11 meses, a título de subsídio de alimentação, a perfazer o valor anual global de € 10.044,34. –
b). Na data mencionada em a), a autora iniciou a sua prestação laboral pelo início da manhã, nas instalações da sociedade EMP02... - Unipessoal, Ldª., sitas no local da sua sede. ---
c). Cerca das 11h00m, a autora, como era seu hábito e porque tivesse necessidade de se alimentar, por se sentir enfraquecida, interrompeu, por cerca de 10 minutos, a actividade que estava a desenvolver, para comer alguma coisa/lanchar na cantina providenciada por aquela sociedade.
d). O que estava autorizada a fazer e recomendado que fizesse pela EMP02... - Unipessoal, Ldª., sem prejuízo da possibilidade, se necessário, de vir a ser chamada para retomar a sua actividade.
e). A cantina situava-se nas instalações da própria sociedade.
f). Quando aí se encontrava, ao colocar sobre a banca o prato em que havia realizado a sua refeição, o mesmo escorregou e partiu-se, atingindo-a no punho direito.
g). As funções que a autora, no desenvolvimento da sua actividade, estava adstrita a desempenhar não eram realizadas na cantina.
h). Em decorrência do evento descrito em f), a autora sofreu ferida cortante na face anterior do punho direito, com atingimento tendinoso e do nervo mediano.
i). Em resultado dessas lesões, a autora esteve em situação de:
 - ITA, desde 22.11.2020 até 01.05.2021;
- ITP de 20%, desde 02.05.2021 até 01.07.2021.
 j). As lesões que sofreu ficaram clinicamente consolidadas aos 01.07.2021, data da alta, tendo delas resultado sequelas, em particular perda funcional parcial, motora e sensitiva ao nível dos músculos da eminência tenar e hipestesia dos três primeiros dedos da mão direita, sequelas essas determinantes de IPP, com o coeficiente de 10%. ---
 l). Em resultado da pendência dos presentes autos, a autora teve que deslocar-se ao GML e às instalações deste Juízo do Trabalho, no que despendeu a quantia de € 15,00.
m). Na data referida em a), a responsabilidade infortunística por acidentes de trabalho de que a autora fosse vítima encontrava-se transferida para a ré EMP01..., S.A., através de contrato de seguro titulado pela apólice nº ...54 e pelo valor da retribuição ilíquida de € 635,00 x 14 meses.
FACTOS NÃO PROVADOS
Inexiste, com relevo para a decisão a proferir. -

IV - APRECIAÇÃO DO RECURSO

1. Da impugnação da matéria de facto
A Recorrente impugna a decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, defendendo que seja expurgada da alínea c) dos pontos de facto provados a expressão “e porque tivesse necessidade de se alimentar, por se sentir enfraquecida”, a qual é manifestamente, conclusiva.
Vejamos se lhe assiste razão
Como prescreve o art.º 607.º, n.º4 do C.P.C. “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados….”
Daqui decorre que na fundamentação de facto só devem constar factos e não matéria de direito e/ou conclusões.
Com efeito, o tribunal só deve responder aos factos que julga provados e não provados, não envolvendo esta pronúncia aqueles pontos que contenham matéria conclusiva, irrelevante ou de direito. 
A este propósito refere Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 6ª edição, pág. 350-351: “A decisão de facto pode apresentar patologias que não correspondem verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento. Umas poderão e deverão ser solucionadas de imediato pela Relação; outras poderão determinar a anulação parcial do julgamento.
(…)
Outro vício que pode detetar-se (...), pode traduzir-se na integração na sentença, na parte em que se enuncia a matéria de facto provada (e não provada), de pura matéria de direito (…).
(…)
Por isso, a patologia da sentença neste segmento apenas se verificará, em linhas gerais, quando seja abertamente assumida como “matéria de facto provada” pura e inequívoca matéria de direito.”
Atualmente não existe nenhum normativo idêntico ao antigo artigo 646º, n.º 4 do CPC revogado, que determinava terem-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e que se aplicava, por analogia, à matéria conclusiva.
Mas o princípio que estava subjacente ao preceito não desapareceu, como tem vindo a decidir a jurisprudência.
Conforme se decidiu no Ac. do STJ de 28.09.2017, proc. 809/10.7TBLMG.C1.S1( Relatora Fernanda Isabel Pereira) “Muito embora o art. 646.º, n.º 4, do anterior CPCivil tenha deixado de figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no art. 607.º, n.º 4, do CPC, devem constar da fundamentação da sentença os factos julgados provados e não provados, deve expurgar-se da matéria de facto a matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos.
E se decidiu no Acórdão desta RG de 20.09.2018, proc. 778/16.0T8BCL.G1, consultável in www.dgsi.no: “O Código do Processo Civil de 2013 eliminou o citado preceito [646º n.º 4 do CPC de 1961], no entanto é de considerar que se mantém tal entendimento, interpretando a contrario sensu o n.º 4 do art. 607.º, segundo o qual, na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados. Ou seja, o tribunal só pode e deve considerar como provado em resultado da prova produzida “os factos” e não as conclusões ou juízos de valor a extrair dos mesmos à luz das normas jurídicas aplicáveis, o que é uma operação intelectual bem distinta.
Ora, apurar se um concreto facto integra um conceito de direito ou assume feição conclusiva ou valorativa constitui questão de direito, uma vez que tal exercício não envolve qualquer juízo sobre a idoneidade da prova produzida para a demonstração ou não desse mesmo facto.
Os factos alegados pelas partes e atendíveis pelo Tribunal, neles se incluindo os factos fundamentais ou instrumentais, devem ser aptos a descrever a realidade concreta da vida, de forma individualizada, situada no espaço e no tempo e devem distinguir-se de matéria de direito, de matéria genérica e conclusiva, salvo se esta tiver transitado para a linguagem corrente e não constitua o próprio thema decidendum da causa.
 Refere Abrantes Geraldes na obra citada que devem ser erradicadas da decisão sobre a matéria de facto «as alegações com conteúdo técnico-jurídico, de cariz normativo ou conclusivo, a não ser que, porventura, tenham simultaneamente uma significação corrente e da qual não dependa a resolução das questões jurídicas que no processo se discutem (v.g. renda, contrato, proprietário, residência permanente, etc.)».
E por fim como refere HELENA CABRITA, em “A Fundamentação de Facto e de Direito da Decisão Cível”, Coimbra Editora, Coimbra, 2015, pp. 106-107. “os factos conclusivos são aqueles que encerram um juízo ou conclusão, contendo desde logo em si mesmos a decisão da própria causa ou, visto de outro modo, se tais factos fossem considerados provados ou não provados toda a ação seria resolvida (em termos de procedência ou improcedência) com base nessa única resposta” 
Em suma, está vedado ao julgador da matéria de facto a formulação de juízos sobre questões de direito, sendo certo que “factos são não só os acontecimentos externos, mas também os estados emocionais e os eventos do foro interno, psíquico” (cfr. Acórdão do STJ de 17/12/2019, processo n.º 756/13.0TVPRT.P2.S1, relatora GRAÇA TRIGO), razão pela qual não se vê qualquer obstáculo a que os factos psicológicos e os estados emotivos possam ser alegados e objecto de prova.
Retornando ao caso dos autos teremos de dizer que não assiste qualquer razão à recorrente, pois quer a necessidade de alimento, quer a sensação de fraqueza, não é matéria de cariz conclusivo, pois traduz apenas o estado anímico do visado, ou o evento do foro interno ou psíquico. Acresce ainda dizer que a questão jurídica que no processo se discute não depende de tais expressões, nem tais expressões só por si determinam a solução do litigio.
Em suma, para além das expressões em causa não terem cariz conclusivo, no caso não assumem relevância para a solução jurídica do litígio, como aliás a Recorrente reconhece, sendo por isso de manter a redacção do ponto c) dos pontos de facto provados
Improcede nesta parte a apelação.

2. Errada qualificação do acidente como de trabalho
A 1.ª instância qualificou o acidente a que os autos se reportam como acidente de trabalho.
No recurso a Recorrente insurge-se precisamente quanto ao facto do Tribunal a quo ter caracterizado o acidente dos autos como de trabalho, defendendo que apesar de reconhecer que o acidente ocorreu no tempo de trabalho, entende que não existe qualquer conexão entre o evento e actividade laboral da autora, nem pode ser entendido que o evento ocorreu no local de trabalho, já que não ocorreu em qualquer um dos locais a que a sinistrada se devesse deslocar por força das suas funções.
O Tribunal a quo entendeu que o acidente ocorrido aquando da interrupção do trabalho para a trabalhadora se alimentar na cantina do seu empregador é de caracterizar como de trabalho
Vejamos:
Na sentença recorrida escreveu-se o seguinte sobre esta matéria:
“A questão posta, nesta sede, consiste em saber se assiste, ou não, à autora o direito à reparação que das rés reclamou, apreciando-se, muito em particular, da caracterização como acidente de trabalho do evento que a vitimou. ---
Enunciado, no seu aspecto nuclear, o objecto do presente litígio, importa ter presente que, em conformidade com o que vai disposto no artº 8º, nº 1 da L. nº 98/2009, de 04.09 – diploma doravante designado, de forma abreviada, por NLAT [Nova Lei dos Acidentes de Trabalho] -, constitui acidente de trabalho todo o evento com respeito ao qual se verifiquem, cumulativamente, os seguintes requisitos: ---
a). Ocorrido no local e no tempo de trabalho; ---
b). Que produza, directa ou indirectamente, lesão corporal, perturbação funcional  ou doença; -
c). De que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou morte. ---
É no nº 2 do artº 8º da LAT que se contêm, para os efeitos previstos no diploma sob consideração, os conceitos relevantes de local e de tempo de trabalho. ---
Desse modo, por local de trabalho, entende-se todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, directa ou indirectamente, sujeito ao controlo do empregador, sendo que, por seu turno, o conceito de tempo de trabalho abrange, para além do respectivo período normal, todo o lanço temporal que precede o seu início, em actos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe segue, em actos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas de trabalho – cfr. als. a) e b) do citado nº 2 do artº 8º da LAT. ---
Efectuada, na medida do necessário até ao momento, o pertinente enquadramento legal, e descendo, desde já, ao caso que nos toma, logrou demonstrar-se, com relevância para a matéria que ora nos toma, que, no dia 21.11.2020, estando a autora ao serviço da respectiva entidade empregadora, desde o início da manhã desse dia, veio a interromper, cerca das 11h00m, a respectiva prestação para, como era seu hábito e porque tivesse necessidade de se alimentar, por se sentir enfraquecida, comer alguma coisa/lanchar na cantina providenciada por aquela sociedade e localizada nas respectivas instalações. ---
Mais se demonstrou que a autora tinha autorização, e recomendação, até, para o fazer, pela sua entidade empregadora, sem prejuízo da possibilidade de esta, se necessário, a chamar para retomar a actividade a que estava adstrita e que não era realizada na cantina. ---
Demonstrou-se, igualmente, que, quando a autora se encontrava no referido espaço reservado a cantina, ao colocar sobre a banca o prato em que havia realizado a sua refeição, o mesmo escorregou e partiu-se, atingindo-a no punho direito. ---
Apurou-se, finalmente, com relevância, que, em resultado do sobredito evento, a autora veio a sofreu lesões na região do seu corpo atingida, que afectaram, temporária e permanentemente, na respectiva capacidade de trabalho/ganho. ---
Isto posto, não contestou a ré entidade seguradora que, vindo a comprovar-se, como se comprovou, a alegação da autora, o evento que a vitimou deve considerar-se como tendo tido verificação no tempo de trabalho, considerada a amplitude conceitual proporcionada pela previsão da antedita al. b) do artº 8º da NLAT, que abrange as denominadas interrupções normais ou forçosas de trabalho, entre as quais não podem, evidentemente, deixar de incluir-se as necessárias para a realização de refeições. ---
O que a ré entidade seguradora se apresentou, isso sim, a contestar é que o evento em causa possa ser caracterizado como acidente de trabalho, para o que argumentou que a sua ocorrência nenhuma relação teve com a actividade laboral a que a autora estava adstrita nem, tampouco, teve verificação no seu posto de trabalho nem em local onde, mercê das suas funções, tivesse tido que deslocar-se. ---
Não podemos, adianta-se já, estar em maior desacordo com a posição manifestada pela ré entidade seguradora. ---
Passaremos a explicar porquê. ---
É ponto assente – aspecto em que à ré assiste razão - que, de facto, exercendo a autora as funções de Operadora de Registo de Dados, não se encontrava a mesma, no momento da ocorrência que a vitimou, a desempenhar essas específicas funções nem o seu posto de trabalho se localizava no concreto local das instalações da sua empregadora onde veio a ter verificação do evento que a vitimou. -
Contudo, é a própria ré que, no seu douto articulado, e, nesse particular, bem, reconhece que, exigindo-se, para o efeito da caracterização pressuposta pelo artº 8º da NLAT, a existência de conexão entre o acidente e o trabalho, este não pode ser tomado na restrita acepção da execução das tarefas que, materialmente, conformam a categoria/funções que o sinistrado está adstrito a desenvolver, abrangendo-se, outrossim, no conceito de trabalho relevante as actividades que emergem da relação laboral ou que a têm como causa e, por conseguinte, as ocorrências verificadas nesse enquadramento. ---
Registe-se, aliás, que a al. a) do nº 2 do artº 8º da NLAT fornece, por referência ao conceito de local de trabalho, um importante subsídio para a definição do que deva entender-se por trabalho, ao apelar à subordinação/controlo em que o sinistrado carece de encontrar-se relativamente ao empregador. ---
Ora, na circunstância, demonstrou-se que a autora, estando a desempenhar a actividade para que foi contratada, teve, por causa desse exercício, que vinha realizando desde o início da manhã do dia em causa, a necessidade de, cerca das 11h00m, interromper, por alguns minutos, a sua prestação, para se alimentar, procedimento a que estava autorizada, tendo, até, recomendação para o fazer, sem prejuízo de, mantendo-se sujeita, mesmo durante essa interrupção, ao controlo por banda da sua entidade empregadora, poder, a qualquer momento e por determinação desta, ser chamada para retomar, de imediato, o seu posto de trabalho. ---
Assim enquadrada, que é como se impõe, a situação que nos toma, não apresenta a mesma qualquer similitude ou aproximação no seu recorte com a exemplificação de que a ré entidade seguradora, na sua retórica argumentativa, se socorre no artº 25º do articulado de contestação que apresentou, e no qual chamou, em particular, à colação situações em que a interrupção da prestação laboral nenhuma relação, sequer remota, apresenta com o desenvolvimento da actividade – interrupção para satisfação de vício ou realização de fins pessoais totalmente estranhos à prestação laboral. ---
A autora, reitera-se, deslocou-se à cantina existente nas instalações da sua entidade empregadora para satisfação da emergente necessidade de se alimentar, necessidade essa que, apenas, se verificou por causa do exercício da prestação a que estava adstrita e que, no dia em questão, desenvolvia desde o início da manhã. Para além disso, e como se disse também já acima, a autora, durante a interrupção em causa, mantinha-se subordinada ao controlo da sua entidade empregadora, podendo, a qualquer momento, ser-lhe por esta determinado que retomasse a prestação a que estava obrigada. ---
Tendo a deslocação que realizou e a sua permanência na cantina emergido da relação laboral mantida com a sua empregadora, ou tido esta como causa, não pode deixar de considerar-se que a ocorrência que veio a ter lugar – e que se verificou quando a autora pousava o prato em que se alimentara sobre uma banca e não quando realizava uma qualquer outra acção sem qualquer conexão com a interrupção que realizou [como, socorrendo-nos dos exemplos da ré, fumar ou realizar chamada particular] – integra, para os fins que nos tomam, o conceito de trabalho. ---
Mas não é, apenas, no aspecto de que antecedentemente tratámos que falece razão à ré entidade seguradora. ---
É que o evento em causa, ao contrário do que a ré sustenta, teve verificação no local de trabalho, valendo, a esse propósito, chamar, novamente, à colação a previsão da al. a) do nº 1 do artº 8º da NLAT, no qual se estabelece que como tal deve entender-se todo o lugar em que o trabalhador se encontra, ou deva dirigir-se, em virtude do seu trabalho – como vimos já ter sido o caso – e em que esteja, directa ou indirectamente, sujeito ao controlo do empregador – requisito este com igual verificação. ---
E estando, como estava, a autora, com o antedito alcance, no seu local de trabalho – ainda que não no seu concreto posto –, de pouco valem as chamadas comparativas que a ré faz no artº 48º do articulado de contestação e que partem de pressupostos sem qualquer verificação no caso, a saber: que a autora estivesse fora do seu local de trabalho e que tivesse aplicação a previsão do artº 9º da NLAT, no segmento dele em que se confere protecção aos denominados acidentes in itinere, protecção essa que só abrange os eventos verificados nesses percursos. --
Por todas as razões vindas de expor, não tem este tribunal hesitação de qualquer ordem em considerar que, no caso, se mostram verificados, e em plenitude, os requisitos de que, nos termos previstos pelo artº 8º da NLAT, depende a caracterização como acidente de trabalho do evento que vitimou a autora. ---
Partindo da antecedente premissa, vejamos, então, a que prestações tem a autora direito e da medida da responsabilidade das rés pela sua satisfação. ---“
Desde já diremos que estamos totalmente de acordo com a decisão recorrida e com a fundamentação que a sustenta.
Importa desde já referir que no nosso ordenamento jurídico o conceito de acidente de trabalho não se reduz apenas ao acidente ocorrido na execução do trabalho, podendo até verificar-se em situações que nem sequer se exige uma relação causal entre o acidente e essa execução do trabalho.
Prescreve o artigo 8.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro (doravante NLAT) que é acidente de trabalho todo aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
O conceito de acidente de trabalho de trabalho integra três requisitos cumulativos a saber:
- o local de trabalho – elemento espacial;
- o tempo de trabalho – elemento temporal;
- o nexo de causalidade entre o evento e a lesão, perturbação ou doença – elemento causal.
Em conformidade com o n.º 2 do citado preceito - Local de trabalho é todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja direta ou indiretamente, sujeito ao controlo do empregador e o - Tempo de trabalho é o período normal de trabalho, bem como o tempo que precede o seu início, em atos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe segue, em atos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas do trabalho.
Daqui resulta inequívoco que o acidente de trabalho não é apenas o que ocorre precisamente "no local e tempo de trabalho", mas também é aquele que ocorre nas “interrupções normais ou forçosas do trabalho”, designadamente para o trabalhador descansar e se alimentar.
O conceito de acidente de trabalho é também extensivo aos locais e situações expressamente previstas no artigo 9.º da NLAT.
Retornando ao caso em apreço e tendo em atenção a factualidade apurada temos por certo que o acidente ocorreu quando a sinistrada se encontrava a realizar uma pausa de descanso para se alimentar, que habitualmente ocorria por volta das 11 da manhã e por isso estava na cantina do seu empregador, sita nas suas instalações. A autora estava autorizada a fazer a pausa para se alimentar, sem prejuízo de ser chamada para retomar a actividade. Quando se encontrava a colocar sobre a banca o prato em que havia comido o mesmo partiu-se e atingiu-a no punho direito, vindo a autora a sofrer ferida cortante na face anterior do punho direito, com atingimento tendinoso e do nervo mediano. As funções que a autora, no desenvolvimento da sua actividade, estava adstrita a desempenhar não eram realizadas na cantina.
Sendo esta a factualidade relevante, podemos afirmar não só que o acidente ocorreu no tempo de trabalho, inserindo-se o espaço em que ocorreu o acidente na noção de local de trabalho abrangida pela cobertura dos acidentes de trabalho, como melhor se explanará. A autora encontrava-se na cantina do empregador para se alimentar, tendo o consentimento deste para o efeito, sendo certo que as funções para as quais havia sido contratada não se realizavam na cantina.
Como escreve Carlos Alegre em “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais – Regime Jurídico anotado” 2.ª edição, pág. 42, “o local de trabalho não é, apenas, o que se circunscreve ao posto de trabalho, mas todo o espaço em que a empresa labora ou explora, próprio ou alheio, separado ou não fisicamente, porque é ali que o empresário exerce a sua direta autoridade, o seu controle e fiscalização.”
Deste modo, o facto de o acidente sofrido pela sinistrada ter ocorrido na cantina do empregador, durante a interrupção para se alimentar com o consentimento do empregador, integra o seu local de trabalho no sentido mais amplo consagrado na NLAT, pois sinistrada encontrava-se num espaço do empregador mais concretamente sujeita ao exercício da autoridade e controle e fiscalização do empregador, pois caso fosse necessário teria de interromper a refeição para satisfazer as necessidades do empregador.
 Por conseguinte, bem andou o tribunal a quo ao considerar, face aos factos demonstrados, verificado o elemento espacial exigido para o preenchimento do conceito de acidente de trabalho.
Quanto ao elemento temporal, resultou apurado que a sinistrada estava a fazer uma pausa para refeição a meio da manhã, como era habitual, devendo, por isso, tal pausa, ser considerada uma interrupção normal no trabalho, na medida em que visava satisfazer necessidades alimentares e físicas (descanso) da sinistrada. Ou seja, tratava-se de uma interrupção da sequência normal da jornada laboral, pelo que tal pausa não poderá deixar de considerar-se como abrangida pelo conceito legal de "tempo de trabalho".
Por conseguinte, bem andou o tribunal a quo ao considerar que o acidente se deu no tempo de trabalho.
Por fim, quanto ao nexo causal entre o acidente a relação laboral, noção que está subjacente a qualquer acidente de trabalho, consideramos que da factualidade provada resulta a sua verificação.
No caso apurou-se que a sinistrada encontrava-se presente no local, dia e hora em que se verificou o acidente, por causa da sua atividade profissional subordinada contratada com o apelante, ainda que estivesse numa interrupção normal do trabalho.
A circunstância de se encontrar na cantina e o evento estar relacionado com o facto de se estar a alimentar, não afasta o nexo causal entre o acidente e a relação laboral.
Tanto mais que resultou provado que a sinistrada estava autorizada a fazer a interrupção para se alimentar, sendo tal até recomendado pelo empregador, EMP02...-Unipessoal, Ldª., sem prejuízo da possibilidade, se necessário, de vir a ser chamada para retomar a sua actividade.
A aludida “pausa” tem por fim o refazer e restaurar o bem psico-físico dos trabalhadores, sendo estabelecida em função do trabalho prestado, para que este seja desempenhado e executado com maior segurança e rentabilidade.
Como se escreveu no Acórdão do STJ de 24.06.2014, proc. 04B1318, relator: Ferreira de Almeida “Tal como bem observa a Relação - “a lei não define o que se entende por refeição, nem qual deve ser a sua duração. No seu âmbito haverá, pois, de caber não apenas a refeição do almoço, mas qualquer acto de ingestão de alimentos durante as interrupções normais de trabalho, independentemente da sua duração” (sic).
Não temos dúvidas em afirmar que o acidente, ocorreu em consequência de um risco conexo com o local e ambiente de trabalho, onde o poder de direção e controlo do empregador se mantinham, direta ou indiretamente.
Existe, pois, uma manifesta conexão entre o acidente e a relação laboral.
Destarte, o acidente ocorrido na interrupção para tomada de refeição a meio da manhã, na cantina do empregador e que consistiu na sinistrada ao colocar sobre a banca o prato em que havia realizado a sua refeição, o mesmo escorregou e partiu-se, atingindo-a no punho direito, mostra-se bem qualificado, como acidente de trabalho pelo que mais não resta do que julgar improcedente o recurso.

V - DECISÃO

Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 87.º do CPT. e 663.º do CPC., acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso de apelação interposto por EMP01..., S.A., confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.
Custas a cargo da Recorrente.
Notifique.
19 de Dezembro de 2023

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Francisco Sousa Pereira