Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3259/09.4TBGMR.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
SOLO APTO PARA CONSTRUÇÃO
RESERVA AGRÍCOLA NACIONAL
LAUDO
ARBITRAGEM
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/07/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I.- Em sede de expropriação, o valor da indemnização é o valor de mercado normal da coisa expropriada.
II.- Em face da classificação constante do artº. 25º., nº. 1, do Cód. Das Expropriações, nada obsta a que se considere como “terreno apto para a construção” uma parte da parcela expropriada onde já havia, de facto, uma construção, ainda que a referida parcela esteja dentro da área de RAN/REN, para mais se na zona envolvente existem outras habitações construídas também em área de RAN/REN, e a parcela expropriada se integra em núcleo urbano, existindo rede de água e saneamento a uma distância de 150 metros dela.
III.- Havendo discordância entre os laudos dos peritos deverá dar-se prevalência aos que foram nomeados pelo tribunal por se presumir que, estando, pelo menos, igualmente habilitados para a peritagem, o facto de não terem sido indigitados pelas partes, lhes concede maior imunidade aos interesses delas.
IV.- Entendendo-se que a arbitragem funciona também como primeira avaliação, sendo divergentes os valores apurados pelos árbitros e pelos peritos nomeados pelo tribunal, o valor da indemnização pode obter-se pela média aritmética entre eles.
Decisão Texto Integral: - ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES –
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A) RELATÓRIO
I.- Por despacho do Secretário de Estado das Obras Públicas, publicado no DR II Série n.º 150 de 28/06/2004, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação da parcela 740A, pertencente a E…, residente na Rua de…, em Serzedo, Guimarães e a Outros, parcela que se destinou à construção da obra da “Concessão Norte – A7-IC5 – Lanço Guimarães-Fafe – Sublanço Selhos -Calvos (do km 6+189 ao km 10+548)”.
A entidade expropriante, “Instituto das Estradas de Portugal (IEP)”, actual “EP – Estradas de Portugal S.A.”, tomou posse administrativa do terreno em 26/10/2004.
Em sede de arbitragem foi fixado em € 39.160,58 o valor da justa indemnização a atribuir aos expropriados.
A entidade expropriante recorreu daquela decisão arbitral e, feita a peritagem, não foi obtida a unanimidade no laudo.
Com efeito, os Peritos nomeados pelo tribunal fixaram o valor indemnizatório em € 18.235,15, o Perito nomeado pela Expropriante quantificou esse valor em € 13.578,67 e o Perito nomeado pelos Expropriados defendeu o valor de € 34.598,94.
Cumpridas as diligências julgadas pertinentes, foi proferida douta sentença que fixou a indemnização aos expropriados no valor de € 12.969,07.
Inconformados, os Expropriados trazem o presente recurso propugnando que a indemnização seja fixada pelos valores encontrados pelos Árbitros.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II.- Os recorrentes formulam as seguintes conclusões:
1.- Os Expropriados não podem, com o devido respeito, concordar com a avaliação do solo como “para outros fins”.
2.- É aplicável o que dispõe o artigo 26.º, nº. 12, do CE.
3.- Atento o questionar da inserção da parcela em sede de PDM existe insuficiência da matéria de facto quando o Tribunal a quo - ignorando o requerido pelos Expropriados – não se faz valer da informação do Município única entidade legítima para definir com total certeza a implantação.
4.- O valor das benfeitorias deve ser o subsumido na decisão arbitral atenta a natureza desta e a inexistência de razões de fundo e sustentadas para opção distinta.
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Não há questões de que deva conhecer-se oficiosamente pelo que são as conclusões que definem e delimitam o objecto do presente recurso, como se extrai do disposto nos artº.s 684º., nº. 3; 685º.-A, nº.s 1 e 3 e 685º.-C, nº. 2, alínea b), todos do C.P.Civil, e vem sendo invariavelmente reafirmado pela jurisprudência.
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B) FUNDAMENTAÇÃO
III.- Nos termos que ficaram consignados na sentença impugnada, julgou-se provado que:
a) Por despacho do Exmo. Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas, publicado no DR II Série n.º 150 de 28.06.2004, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação da parcela 740A, pertencente a E…, M…, J…, Ma…, Maria…, Maria R…, R… e A…, para construção da obra da “Concessão Norte – A7-IC5 – Lanço Guimarães - Fafe – Sublanço Selhos - Calvos (do km 6+189 ao km 10+548)”, a favor do Instituto das Estradas de Portugal (IEP), actual EP – Estradas de Portugal SA;
b) A IEP tomou posse administrativa da parcela referida em a) em 26.10.2004 (cfr. auto de posse administrativa a fls. 82);
c) A parcela referida em a) tem a área de 899 m2 e foi destacada de um prédio de maiores dimensões sito na freguesia de Serzedo, concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob os n.os 230/19940302, 231/19940302, 232/19940302, 233/19940302 e 234/19940302 e omisso na matriz predial rústica, prédio esse a confrontar do Norte e do Sul com Caminho e do Nascente e do Sul com IEP – J… (cfr. auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam a fls. 112ss, certidões a fls. 181ss, laudo arbitral de fls. 6ss e relatório pericial de fls. 331ss);
d) A parcela expropriada confronta do Norte com Caminho Público (Rua…), do Sul com IEP – J… (Parcela n.º 738.01A), do Nascente com restante prédio e do Poente com IEP (cfr. auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam a fls. 112ss, laudo arbitral de fls. 6ss e relatório pericial de fls. 331ss);
e) À data da declaração de utilidade pública a parcela expropriada tinha configuração irregular e era plana, onde existiam 30 m2 de bardos de vides, 400 m2 de ramada de vides, uma charca com 40 m2 e um telheiro com 45 m2 (cfr. auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam a fls. 112ss);
f) A Rua… encontra-se pavimentada a cubos de granito, dispondo de redes de electricidade em baixa tensão, de iluminação pública e de telefones (cfr. auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam a fls. 112ss e laudo arbitral de fls. 6ss);
g) A parcela expropriada encontra-se enquadrada, para efeitos de PDM, em “Zona de Salvaguarda Estrita – Reserva Agrícola Nacional e Reserva Ecológica Nacional” (cfr. auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam a fls. 112ss, laudo arbitral de fls. 6ss e relatório pericial de fls. 331ss);
h) A parcela sobrante encontra-se cultivada com árvores de fruto e não fica afectada no uso dos cómodos por força da expropriação (cfr. auto de vistoria ad perpetuam rei memoriam a fls. 112ss e laudo arbitral de fls. 6ss);
i) Na zona envolvente existem habitações construídas em zonas enquadradas, para efeitos de PDM, quer em Zona de Construção de Transição, Tipo III, quer em Zona de Salvaguarda Estrita – Reserva Agrícola Nacional e Reserva Ecológica Nacional (relatório pericial de fls. 331ss);
j) Na sua confrontação norte, a parcela expropriada integra-se em núcleo urbano (relatório pericial de fls. 331ss);
k) As redes de água e saneamento situam-se a cerca de 150m da parcela expropriada (esclarecimentos de fls. 367ss).
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Pela importância que reveste e por constar de laudo dos peritos, introduz-se um esclarecimento na alínea c), nestes termos: “segundo a vistoria ad perpetuam rei memoriam, a parcela referida em a) tem a área de 899 m2, sendo 699 m2 de cultura arvense e 200 m2 de terreno urbano e foi destacada de um prédio …”.
E também se acrescenta à matéria de facto a alínea:
l) O prédio de que foi destacada a parcela expropriada foi adquirido em data anterior à da aprovação do PDM de Guimarães (cfr. fls. 340, resposta ao quesito 8º., dos Expropriados).
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IV.- Como resulta das conclusões acima transcritas, o thema decidenduum circunscreve-se ao cálculo e fixação do montante da indemnização a atribuir aos Expropriados.
Com efeito, a conclusão 3ª., que refere “insuficiência da matéria de facto” retoma a invocada necessidade de se solicitar à Câmara Municipal de Guimarães informação sobre a inserção, em sede de PDM, da parcela expropriada.
Contudo, esta questão foi decidida pela Meritíssima Juiz a quo pelo despacho de fls. 393, que os Expropriados não impugnaram e, por isso, fez caso julgado formal.
Cumpre, pois, passar ao cerne do recurso.
O artº. 17º. da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, que o Tratado de Lisboa integrou, consagra o jus fruendi e o jus utendi como fazendo parte do direito de propriedade, reconhecendo a quem for privado do seu direito de propriedade por razões de utilidade pública, o direito a “uma justa indemnização pela sua perda, em tempo útil”.
Também o artº. 62º. da nossa Constituição, reconhecendo o direito universal à propriedade privada, reconhece ainda aos proprietários o direito a transmiti-la “em vida ou por morte”, e, bem assim, o direito a receberem uma “justa indemnização” em caso de requisição ou expropriação por utilidade pública.
O Trib. Constitucional vem entendendo que o direito à justa indemnização, em casos de expropriação, se traduz num direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias pelo que só pode sofrer as restrições previstas na Constituição, as quais devem limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (cfr., por todos, o Ac. nº. 194/97, proferido no Procº. 225/96 (Messias Bento)).
Igualmente se extrai da jurisprudência daquele Tribunal que “o conceito constitucional de justa indemnização leva implicado três ideias: a proibição de indemnização meramente nominal, irrisória ou simbólica; o respeito pelo princípio da igualdade de encargos; a consideração de interesses públicos da expropriação”.
Considera-se que o critério mais adequado para a fixação da indemnização aos expropriados é o do valor de mercado, entendido em sentido normativo, ou seja, “o valor de mercado normal ou habitual, não especulativo” (Cfr. Fernando Alves Correia, in “A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código de Expropriações de 1999”, apud “Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 132, nº.s 3905 e 3906, págs. 232 a 241).
O Ac. da Rel de Lisboa, de 30/11/2006, fundando-se naquele entendimento do T.C. e no do S.T.J., afirma: “o direito à justa indemnização, que não pode ser irrisória nem pode atender a valores especulativos, é um direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias constitucionais tutelados, devendo as restrições ao mesmo limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”, devendo o expropriado ser indemnizado “de molde a ver ressarcido o prejuízo que lhe advém da expropriação, medido pelo valor do bem expropriado tendo em consideração todas as circunstâncias e condições de facto existentes na data da declaração de utilidade pública, designadamente o valor de mercado normal ou habitual” (in C.J., ano XXXI, Tomo V/2006, pág. 132 e 133).
Os critérios para o cálculo do montante da indemnização constam dos nº.s 1 e 5 do artº. 23º., do Código das Expropriações (Cód. Exp.) (aprovado pela Lei nº. nº. 168/99, de 18/09): esta não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, e há-de corresponder “ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data”, valor esse que deve ser calculado de acordo com os critérios referenciais constantes do artº. 26º. e seguintes, devendo “corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado”, sem prejuízo de o tribunal determinar, quer a requerimento do expropriante ou do expropriado, quer oficiosamente, que na avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor.
Como nos dá conta J. A. Santos, o critério “do valor venal ou do justo preço resultante de um livre contrato de compra e venda é também o adoptado na generalidade das legislações estrangeiras e aí defendido pela respectiva doutrina” (in “Código das Expropriações”, Anotado e Comentado, 5ª. edição, pág. 306).
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V.- A primeira questão a dirimir no presente recurso é saber se a parcela expropriada se deve integrar na categoria de solo “apto para construção” (como o fizeram os Árbitros e o Perito dos Expropriados quanto à sua totalidade e os Peritos do Tribunal quanto a uma parte) ou na de “para outros fins” (como o fez o Perito da Expropriante e foi acolhido na sentença impugnada).
O Código das Expropriações (C.E.), quanto à classificação dos solos para efeitos de cálculo da indemnização derivada da expropriação por utilidade pública parte de uma dicotomia – solo apto para a construção / solo para outros fins – cfr. artº. 25º..
Há ainda uma espécie de tertium genus que é o nº. 12 do artº. 26º. – se o prédio tiver sido adquirido em data anterior à sua integração na Reserva Agrícola Nacional (RAN)ou na Reserva Ecológica Nacional (REN) ou em data anterior à da entrada em vigor do Plano Director Municipal (PDM) que o integre numa ou na outra, o valor do solo será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 metros do limite da parcela expropriada.
O direito ao uso e fruição dos bens conhece limitações. Umas decorrentes da situação de vizinhança e outras decorrentes de normas de direito público – os interesses públicos que estas normas pretendem salvaguardar sobrepõem-se aos interesses particulares do proprietário.
É o que sucede, desde logo, em matéria de uso dos solos, com os terrenos integrados em RAN ou em REN, que condicionam fortemente a construção de edifícios nos terrenos que se situem dentro do seu perímetro, já que tais terrenos, pelas suas características geomorfológicas e climáticas, apresentam maior aptidão para a actividade agrícola (RAN) ou por se situarem em áreas que, pelo valor e sensibilidade ecológicos ou pela exposição e susceptibilidade perante riscos naturais, merecerem uma protecção especial (REN).
O Ac. Uniformizador de Jurisprudência nº. 6/2011, do S.T.J. (publicado no D.R. I Série, de 04/07/2011, págs. 2776 a 2788) decidiu que os terrenos integrados em RAN ou em REN não podem ser classificados como «solo apto para construção» ainda que preencham os requisitos enunciados no nº. 2 do artº. 25º. do C.E..
Considerou o S.T.J. que assim fica salvaguardado o princípio da igualdade já que coloca o proprietário expropriado na mesma posição que os demais proprietários cujos terrenos também pertencem à RAN e à REN.
Sem embargo, aquele AUJ não considerou, na sua fundamentação, a hipótese de no terreno expropriado já existirem construções urbanas aquando da declaração de utilidade pública.
Ora, a existirem tais construções, os terrenos em que assentam perderam as características que lhes conferiam especiais aptidões para a actividade agrícola, com o que deixa de haver razão para que sejam especialmente protegidos.
Na situação sub judicio, considerando o que ficou a constar da vistoria ad perpetuam rei memoriam, (que tem por finalidade perpetuar a descrição do bem expropriado), integrada na parcela expropriada havia uma parte que era “terreno urbano”, existindo lá uma construção que foi referenciada na(s) avaliação(ões).
Por outro lado, ficou provado que na zona envolvente à parcela expropriada existem habitações construídas também em zonas de RAN e REN (cfr. supra, alínea i)), e na sua confrontação norte a parcela expropriada integra-se em núcleo urbano (supra, alínea j)), existindo rede de água e saneamento a uma distância de 150 metros (supra, alínea k)).
Deste modo, o princípio da igualdade há-de entender-se com referência aos proprietários dos outros terrenos que, apesar de integrados em áreas de RAN/REN, conseguiram erigir neles as suas construções, tanto mais quanto ficou provado que a aquisição do terreno pelos Expropriados ocorreu em data anterior ao da aprovação do PDM.
Ora, esta situação de facto não pode deixar de ser considerada já que ela influi decisivamente no que deve entender-se por valor de mercado da dita parcela.
Com efeito, um comprador normal, mesmo sabendo que este terreno estava integrado em área de RAN/REN, ao deparar-se com uma construção nele erigida não deixaria de valorar a compra em função dessa construção que, deste modo, se assume como um factor de valoração.
Acresce que, como ficou provado, a parcela de terreno em causa foi adquirida anteriormente à sua integração em RAN/REN, pelo que, para o cálculo do valor do terreno sempre haveria de recorrer-se ao que dispõe o nº. 12 do artº. 26º., do Cód. Das Expropriações.
E assim, como consta da vistoria ad perpetuam rei memoriam, temos de considerar que a parcela expropriada era composta por terreno de cultura arvense de regadio, com uma área de 699 m2 e por terreno urbano, com a área de 200 m2.
A classificação que o Perito fez desta área como “terreno urbano” só significa, como se extrai com clareza dos diversos laudos, que, embora a parcela expropriada tenha sido destacada de um prédio destinado ao cultivo, existia nela uma construção urbana, que ocupa aquela área de 200 m2 .
Ora, se a construção de edifícios somente é excepcionalmente permitida nos terrenos integrados na Reserva Agrícola Nacional (RAN) ou na Reserva Ecológica Nacional (REN) os requisitos que se aplicam à erecção de novos edifícios não são aplicáveis à reconstrução de edifícios já existentes, pelo que, para efeitos de indemnização, ou a área que ocupam deve ser considerada excluída da Reserva ou não deve ser levada em consideração a existência de restrições, questão que o Perito que procedeu à vaprm resolveu ao classificar o solo ocupado pela construção como “terreno urbano”.
De resto, só perfilhando este entendimento é que se encontra coerência com a classificação da parcela expropriada como prédio “urbano”, que lhe deu a Expropriante, como se extrai da certidão do registo na Conservatória do Registo Predial, de fls. 240 dos autos.
Acresce que, assim se considerando, não sai ofendida a doutrina do AUJ do S.T.J. nº. 6/2011, de 7 de Abril (publicado no D.R., Iª. Série, nº. 95, de 04/07/2011) que não versou a hipótese da pré-existência de uma construção no terreno integrado na RAN ou na REN e na sua fundamentação excluiu mesmo os casos em que o expropriado faça a prova de haver adquirido o prédio expropriado antes da entrada em vigor do PDM.
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VI.- Isto posto, cumpre passar a abordar o tema da determinação do valor indemnizatório.
Como é jurisprudência uniforme, a indemnização deve fundamentalmente basear-se nos valores dados nos laudos e relatórios dos peritos escolhidos pelo tribunal, quando haja disparidade entre eles e quaisquer outros, não só pelas melhores garantias de imparcialidade que oferecem, como pela existência de competência técnica, que o julgador ao escolhê-los lhes reconhece (cfr., por todos, o Ac. da Rel. do Porto, de 17/09/2009, in C.J., ano XXXIV, Tomo IV/2009, pág. 173) mas, entendendo-se que a arbitragem funciona também como primeira avaliação, sendo divergentes os valores apurados pelos árbitros e pelos peritos nomeados pelo tribunal, o valor da indemnização pode obter-se pela média aritmética entre eles (cfr. Ac. desta Rel. de Guimarães de 14/12/2010, Procº. 3213/06.8TBFLG.G1 (Manso Rainho).
De facto, devendo ser criticamente apreciados quer a decisão de arbitragem, quer o laudo dos peritos, se estes não encontrarem a unanimidade, divergindo os nomeados pelo tribunal dos outros dois, sem se pretender pôr em causa a sua idoneidade, pensa-se que deverá dar-se prevalência àqueles por se presumir que, estando, pelo menos, igualmente habilitados para a peritagem, o facto de não terem sido indigitados pelas partes, concede-lhes maior imunidade aos interesses delas.
a) Na situação sub judicio os Árbitros, que consideraram todo o terreno expropriado como sendo apto para a construção, atribuíram o valor de € 34,63 ao m2, e os Peritos, que consideraram apenas os 200 m2, acharam o valor de € 25,44.
Aqueles e estes não são coincidentes nos valores de área útil/área bruta e da percentagem referida no nº. 6 do artº. 26º., do Cód. das Expropriações, sendo que, nos esclarecimentos que prestaram, os Peritos – cfr. fls. 368, resposta ao ponto 5 – disseram que os seus valores se fundaram em critérios subjectivos.
Ora, esta subjectividade dá maior acuidade ao juízo acima formulado, de se considerar o valor da média entre ambos os laudos.
E, assim, temos para a parte urbana, o valor de € 30,04/m2, com o que a indemnização respectiva é de € 6.008,00 (seis mil e oito euros).
b) No que concerne à parte rústica, aceita-se o raciocínio subjacente à avaliação dos Peritos e, com a correcção do erro de cálculo na parcela relativa ao milho forrageiro (que a Meritíssima Juiz detectou), atribui-se a indemnização respectiva no valor de € 5.543,07 (cinco mil quinhentos e quarenta e três euros e sete cêntimos) - (699m2 x € 7,93).
c) Quanto à depreciação da parte sobrante, os Peritos atribuem-lhe uma percentagem de 10% “correspondente ao aumento de encargos por diminuição da área de cultivo”.
A Meritíssima Juiz a quo discorda por “não vir minimamente justificada esta afirmação da depreciação”.
Com o devido respeito, porém, não perfilhamos este entendimento.
A explicação dada pelos Peritos é cabal se ajuizarmos os encargos associados ao cultivo de terrenos agrícolas.
Com efeito, a diminuição da área de cultivo pode, por exemplo, implicar a impossibilidade do uso das máquinas agrícolas no amanho das terras, impondo que todo o trabalho tenha de ser braçal, o que, como é notório, faz aumentar os seus custos. E mesmo que se possa continuar a utilizar uma máquina agrícola, esta, que pela exiguidade do terreno tem de ser ligeira, é obrigada a trabalhar mais lentamente atenta a necessidade de efectuar um maior número de manobras (atente-se na fotografia de fls. 114, ao fundo, que retrata a parte sobrante!).
De resto, os Árbitros não consideraram haver desvalorização da parte sobrante porque classificaram o terreno como sendo apto para a construção.
Impõe-se, pois, que se mantenha a indemnização de € 1.208,68 que foi calculada pelos Peritos.
d) No que se refere às benfeitorias, de quanto acima já se deixou dito, decorrentemente da classificação do terreno ocupado pelo “telheiro” como sendo de natureza urbana, não deve ser considerado o valor desta construção, porque ou fica aproveitada numa reconstrução ou terá de ser demolida para dar lugar a um edifício novo.
Sem embargo, pensamos que o valor desta construção podia ser calculado com recurso aos critérios estabelecidos no artº. 28º., do C.E..
Como defende Salvador da Costa “o vocábulo construções deve ser concretizado … como abrangendo, por exemplo, os armazéns, as adegas, os celeiros, os palheiros, as arrecadações, os galinheiros e os currais para o gado” (in “Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores”, Almedina, 2010, pág. 208).
Porém, como, não sabemos que tipo de construção existia no terreno, e porque, sem prejuízo (pelo menos aparente) para os Expropriados, o terreno foi avaliado como sendo de natureza urbana, segundo os critérios determinados para o solo “apto para a construção”, não há que cuidar de atribuir valor ao mencionado “telheiro”.
Como ficou a constar da vaprm, na parcela expropriada existiam 30 m2 de bardos de vides; 400 m2 de ramadas de vides; um tanque de retenção de águas provenientes de uma mina - as “charcas” são próprias dos terrenos onde a pluviosidade é pouca intensa e por isso se costuma fazer conduzir as águas das chuvas para uma depressão no terreno, a fim de poderem ser utilizadas mais tarde. No Minho, a água é captada em minas e é represada em poços (empoçada). E se há poços simples, com um rebordo em terra, e apenas com a parte por onde sai a água, a buzanheira, em granito, há-os que têm o chão e as paredes todas em granito e estes tomam a designação corrente de tanques.
Esta explicação serve para significar que, existindo na parcela expropriada um tanque, se ele foi demolido os Expropriados sofreram o consequente prejuízo e daí que devam ser indemnizados. E serve ainda para significar que o tanque (dita “charca”) não se pode confundir com a mina (lapso em que caíram os Peritos, como se vê das explicações que prestaram a fls. 367).
Ora, quanto a esta parte, não foi posta em causa a “informação” dos Expropriados quanto à existência de uma mina, toda encapelada, com cerca de 30 m de extensão e 1,30 m de altura e 0,60 m de largura, assim como se aceitou a existência do poço, ou tanque (dita “charca”), como ficou a constar da vistoria ad perpetuam rei memoriam.
No que se refere aos bardos e às ramadas entendemos que os valores encontrados pelos Árbitros são os que mais se coadunam com a realidade do prejuízo que é, não só o valor das uvas que deixam de se colher, como ainda as próprias vides, assim como, acrescentaremos nós, os materiais que constituem os bardos e as ramadas e que ficam inaproveitados, depois da demolição.
Assim sendo, atribuem-se aos 400 m2 de ramadas o valor de € 4.000,00 e aos 30 m2 de bardos o valor de € 225,00.
No que se refere à “charca” e à mina, pelas explicações que dão a fls. 367, os Peritos do Tribunal parece que não tiveram em consideração que se trata de construções humanas distintas.
Deste modo, porque na realidade o são, como se induz da explicação acima adiantada, adopta-se o critério dos Árbitros, atribuindo-se à mina o valor de € 1.500,00 e ao tanque (dita “charca”) o valor de € 500,00.
Com o que o valor total a considerar para as benfeitorias é de € 6.225,00 (seis mil duzentos e vinte e cinco euros).
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O valor da indemnização ascende, tudo somado, aos € 18.984,75 (dezoito mil novecentos e oitenta e quatro euros e setenta e cinco cêntimos).
Este valor deve ser actualizado de acordo com o disposto no artº. 24º., nº. 1, do Cód. das Expropriações.
De acordo com o AUJ, do S.T.J., nº. 7/2001, e uma vez que os Expropriados não procederam ao levantamento de qualquer quantia, a actualização deverá ser feita desde a data da publicação da Declaração de Utilidade Pública (DUP) até à data do trânsito em julgado do presente acórdão.
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C) DECISÃO
Considerado quanto acima se expõe, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelos Expropriados fixando em € 18.984,75 (dezoito mil novecentos e oitenta e quatro euros e setenta e cinco cêntimos) o valor da indemnização a pagar pela Expropriante pela parcela nº. 740A, valor que deve ser actualizado nos termos artº. 24º., nº. 1, do Cód. das Expropriações, desde a data da publicação da DUP até à data do trânsito em julgado do presente acórdão.
Custas em ambas as Instâncias pela Expropriante e pelos Expropriados, na proporção do vencido.
Notifique.
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Guimarães, 07/Fevº./2012