Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
488/20.3T8BGC.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: OBRIGAÇÃO FUTURA
FIANÇA
EXTINÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/19/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - A reforma da sentença (ou de acórdão da Relação, por força da remissão estabelecida no art. 666º, n.º 1, do Cód. de Processo Civil) está prevista, entre o mais, quando “por manifesto lapso do juiz” tenha “ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos” (al. a) do n.º 2 do art. 616º do CPC), sendo pressuposto não caber recurso da decisão (n.º 2 do citado artigo).
II - O lapso manifesto a que se reporta o n.º 2 do art. 616º do CPC tem de ser evidente e incontroverso, revelado por elementos que são exteriores à sentença, não se reconduzindo à mera discordância quanto ao decidido.
III - Se a fiança prestada respeitar a uma obrigação futura, enquanto a obrigação não se constituir, o fiador pode liberar-se da garantia passados cinco anos a contar da prestação da fiança ou outro prazo porventura convencionado (art. 654.º, 2ª parte final, do Cód. Civil).
IV - Contudo, para que se efective a liberação do fiador é necessária uma declaração do fiador dirigida ao credor tendente a esse efeito, sem necessidade de invocar justa causa, não bastando o mero decurso do prazo, pois este não extingue automaticamente a fiança.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

AA e BB, apelantes nestes autos, ao abrigo do disposto nos arts. arts. 613º, n.º 2, 616º, n.º 2, e 666º, ambos do CPC, deduziram reclamação do acórdão proferido em 19 de outubro de 2023, que julgou improcedente o recurso de apelação por si interposto (ref.ª ...31), de modo a que:

- Determine que a sentença recorrida não conheceu da factualidade invocada nos artºs 8º a 12º da contestação (conclusões 29ª e 30ª da apelação), que traduz exceção da extinção da fiança pelo decurso de cinco anos sobre a respetiva prestação, com previsão legal na segunda parte do art. 654º do Código Civil, e, por via disso, considerar pela verificação de omissão de pronúncia e nulidade da douta sentença, nos termos do artº 615º, n.º 1, al. d), do CPC.
- Sem prescindir e caso assim não se entenda, o Tribunal ad quem conheça agora daquela factualidade e exceção invocada pelos recorrentes, ora requerentes.
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Não consta que a apelada tenha apresentado resposta.
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Nos termos do art. 666º, n.º 2, do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, a retificação ou reforma do acórdão, bem como a arguição de nulidade, são decididas em conferência.
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II - DOS FACTOS

Para a apreciação da requerida reforma atende-se ao teor do nosso acórdão de 19 de outubro de 2023, ao conteúdo da sentença recorrida, bem como ao das conclusões do recurso de apelação.
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III – Fundamentação de direito       
                
1.1. O art. 666º do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, estabelece, no seu n.º 1, que é aplicável à 2ª instância o que se acha disposto nos artºs 613º a 617º do mesmo diploma legal.
Prevendo sobre o princípio da extinção do poder jurisdicional e suas limitações, diz-nos o n.º 1 do art. 613º do CPC que, “[p]roferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa”. 
Quer isto dizer que, após a sentença, o juiz não pode, por regra, independentemente do trânsito em julgado, proferir nova decisão sobre a causa.
O enunciado princípio da intangibilidade da decisão, como resulta do n.º 2 do art. 613º do CPC, não é absoluto, uma vez ser lícito “ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença nos termos dos artigos” nos termos dos arts. 614º a 616º do CPC.
Além da reforma quanto a custas e multas (n.º 1), o art. 616.º do CPC admite, no seu n.º 2, reforma da sentença quando “por manifesto lapso do juiz” (i) tenha “ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos” ou (ii) “constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida”.
Como referem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[1], o «erro de julgamento, quer respeite ao apuramento dos factos da causa, quer respeite à aplicação do direito aos factos apurados, faz-se normalmente valer em recurso de apelação da sentença (art. 644-1). Tem assim lugar a reapreciação da causa pelo tribunal da relação, sob indicação, pelo recorrente, em alegação, dos fundamentos por que pede a alteração da decisão proferida (art. 639). Mas, não havendo lugar a recurso, pode o juiz da causa alterar, ele próprio, a decisão, sob reclamação (nunca oficiosamente, sob pena de ineficácia da decisão modificativa por violação do princípio do esgotamento do poder jurisdicional do juiz consagrado no art. 613 (…)), que o n.º 2 faculta quando tenha ocorrido lapso manifesto na determinação da norma aplicável, na qualificação jurídica dos factos ou na omissão de considerar documento ou outro meio de prova plena que, só por si, implicasse necessariamente decisão diversa da proferida. É o caso quando o juiz aplique uma norma revogada, omita aplicar norma existente, qualifique os factos com ofensa de conceitos ou princípios elementares de direito ou não repare que está feita a prova documental, por confissão ou por admissão de certo facto, incorrendo assim em erro grosseiro que determine a decisão por ele tomada.
A expressão “lapso manifesto” (…) não se trata já de erros revelados pelo próprio contexto da sentença ou das peças do processo para que ela remete, nem de omissões sem consequência no conteúdo da decisão, mas de erro revelado por recurso a elementos que lhe são exteriores».
Identicamente, nas palavras de António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa[2], o «lapso manifesto a que se reporta o n.º 2 tem de ser evidente e incontroverso, revelado por elementos que são exteriores ao despacho, não se reconduzindo à mera discordância quanto ao decidido».
Também Carlos Lopes do Rego[3], sobre a alínea a) do art. 669º do pretérito CPC (correspondente ao actual art. 616º do CPC), refere:
«Na alínea a) aparece previsto o erro manifesto de julgamento de questões de direito – que pressupõe obviamente, para além do seu carácter evidente, patente e virtualmente incontrovertível, que o juiz se não haja expressamente pronunciado sobre a questão a dirimir, analisando e fundamentando a (errónea) solução jurídica que acabou por adoptar (v.g. aplicou-se norma inquestionável e expressamente revogada, por o julgador se não haver apercebido atempadamente da revogação)».
A reforma por manifesto lapso apenas é admissível, conforme prescreve o n.º 2 do art. 616.º do CPC, “[n]ão cabendo recurso da decisão”. Falecendo esse pressuposto negativo, não pode ser pedida ao tribunal que deu a decisão a reforma da mesma; o respetivo vício terá de ser alegado como fundamento de recurso.
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1.2. De forma esquemática, como se impõe na presente sede, em que apenas está em equação decisão acerca da peticionada reforma de acórdão, cumpre referenciar o seguinte:
Aduzem os recorrentes terem invocado nas conclusões 29ª e 30ª da apelação que:
29ª. Com os fundamentos que também se dão por integralmente reproduzidos e integrados, nos artºs 8º a 12º da contestação os RR invocaram ainda a “extinção da fiança pelo decurso do prazo”.
30ª. Ocorre que a douta sentença não se pronunciou minimamente sobre tal factualidade e questões invocadas, o que traduz omissão de pronúncia e causa de nulidade da douta sentença, nos termos do artº 615º, nº 1, al. d), do CPC, que expressamente se invoca.”
Nos arts. 8º a 12º da contestação apresentada os requerentes haviam invocado a seguinte factualidade:
“b. Da extinção da fiança pelo decurso do prazo:

A referida extinção do referido contrato de comércio determina a extinção da fiança dos Réus contestantes, nos termos do artº 651º, do Código Civil, que expressamente se invoca.

Mesmo que assim se não considere, a verdade é que, como se disse, o contrato de comércio nº 244/05/32 celebrado em 28-10-2005 alude a uma promessa de compra e venda de café ... de 1.200 kg de café “em frações mensais mínimas mensais de vinte e cinco (25) quilos”.
10º
Tal contrato promessa alude por isso a uma obrigação futura assumida pela Ré “Casa do Futebol Clube ...” (Casa do Futebol Clube ...) em 28-10-2005, data em que os RR contestantes assinaram tal contrato e, com isso, embora não sabendo (como infra se justificará), assumiram uma responsabilidade pessoal e solidária com aquela Ré, prestando fiança.
11º
Como se disse, o contrato promessa foi celebrado pelo período de quatro anos, para vigorar entre 28-10-2005 e 28-10-2009 e a Autora invoca que a Ré Casa do Futebol Clube ... deixou de comprar café / incumpriu a sua obrigação em setembro de 2011 (cfr. artº 11º da PI).
12º
Tendo tal fiança sido prestada para cumprimento de obrigação futura por parte da Ré Casa do Futebol Clube ..., a mesma extinguiu-se decorridos cinco anos a contar daquela data de 28-10-2005 em que foi prestada, o que expressamente se invoca nos termos do artº 654º, do Código Civil».
Por referência aos citados arts. 9º a 12º da contestação afirmam os requerentes terem expressamente invocado factualidade que integra a exceção da extinção da fiança pelo decurso do prazo a que alude a segunda parte do art. 654º do Código Civil.
Mais referem que a Mm.ª Juíza “a quo” conheceu da exceção invocada no que diz respeito ao agravamento da situação patrimonial do devedor a que alude a primeira parte do art. 654º do CC, mas não conheceu daquela factualidade invocada nos arts. 9º a 12º da contestação, que respeita à exceção da extinção da fiança pelo decurso de cinco anos sobre a respetiva prestação, com previsão legal na segunda parte daquele art. 654º do CC.
Delineada a argumentação dos requerentes, ter-se-á de reconhecer assistir-lhes razão.
Isto porque, tendo tomado posição e decidido a questão atinente à alegada liberação da fiança, a sentença da 1ª instância omitiu pronúncia sobre a invocada exceção da extinção da fiança pelo decurso de cinco anos sobre a respetiva prestação, com previsão na segunda parte do art. 654º do CC, o que, como invocado na apelação, traduz omissão de pronúncia e causa de nulidade da sentença, nos termos do art. 615º, n.º 1, al. d), do CPC.
Por sua vez, a verificação dessa omissão de pronúncia não foi atendida no acórdão de 19 de outubro de 2023, na medida em que se pressupôs, por lapso, que a apreciação e decisão sobre a alegada liberação da fiança abrangeria a questão atinente à extinção da fiança.
Procedendo a invocada nulidade da sentença arguida pelos recorrentes, nada obsta a que este Tribunal de recurso, substituindo-se ao Tribunal recorrido (art. 665º do CPC), conheça do objeto do recurso (o que será feito de seguida), sendo certo que as partes tiveram já oportunidade de exercer o direito ao contraditório [uma vez que a questão foi colocada em sede de alegações de recurso pelos recorrentes, tendo a recorrida pugnado, nas contra-alegações de recurso apresentadas, pela inverificação da apontada nulidade da sentença), razão por que decide-se pela não observância da audição enunciada no n.º 3 do art. 665º[4].
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1.3. Da extinção da fiança pelo decurso de cinco anos sobre a respetiva prestação (art. 654º, 2ª parte, do Código Civil - CC).
A fiança é o vínculo jurídico pelo qual um terceiro (fiador) se obriga pessoalmente perante o credor, garantindo com o seu património a satisfação do direito de crédito deste sobre o devedor; é o contrato pelo qual uma pessoa se obriga para com o credor a cumprir a obrigação de outra pessoa, no caso de esta o não fazer.
Prescreve o art. 627º, n.º 1, do CC, que o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor.
Como se explicita no Ac. do STJ de 4/12/2003 (relator Salvador da Costa), in www.dgsi.pt.,  a obrigação do fiador derivada do contrato de fiança é de natureza pessoal ou fidejussória, no sentido de que consiste na assunção pessoal por um terceiro, com todo o seu património, da obrigação de satisfação, a título subsidiário, do direito de crédito do credor.
Trata-se, pois, de uma garantia pessoal das obrigações, por via da qual o fiador vincula todo o seu património à satisfação do direito do credor.
Ao contrário do que sucede com o terceiro que constitui uma hipoteca ou um penhor sobre os seus bens a favor do credor, o fiador é verdadeiro devedor do credor. A obrigação que ele assume é a obrigação do devedor. Após a constituição da fiança passa assim a haver uma obrigação principal, a que vincula o (principal) devedor, por cima dela, a cobri-la, tutelando o seu cumprimento, uma obrigação acessória, a que o fiador fica adstrito[5].
Deste modo, à garantia patrimonial que incide sobre os bens do devedor acresce uma outra garantia patrimonial sobre os bens do fiador; o credor passa a ter como garantia de cumprimento dois patrimónios: o do devedor e o do fiador.
A fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor (art. 634º do CC). E, quanto ao seu âmbito, a fiança não pode exceder a dívida principal nem ser contraída em condições mais onerosas (art. 631º, n.º 1, do CC), sendo que a responsabilidade do fiador abrange tudo aquilo a que o devedor principal está obrigado, não só a prestação devida, mas também a reparação dos danos resultantes do incumprimento culposo (art. 798º do CC) ou a pena convencional que, porventura, se haja estabelecido (art. 810º do CC).
São duas as características fundamentais deste instituto: a acessoriedade e a subsidiariedade.
Por sua vez, a fiança de obrigações futuras é válida, tal como prescrevem os arts. 628º, n.º 2, e 654º do CC. Esta modalidade de fiança serve para que o credor, antes de conceder o crédito, sendo este ainda indeterminado, esteja melhor garantido quanto ao pagamento do mesmo. Mas, por seu lado, o garante, no momento em que celebra o contrato, tem de estar em condições de saber aquilo que vai afiançar[6].
A lei regula a extinção da fiança nos arts. 651.º a 654.º do CC.
Ao caso interessa a hipótese de extinção da fiança prevista na 2ª parte do art. 654.º do CC.
Sob a epígrafe “Obrigação futura”, prescreve o citado normativo:
Sendo a fiança prestada para garantia de obrigação futura, tem o fiador, enquanto a obrigação se não constituir, a possibilidade de liberar-se da garantia, se a situação patrimonial do devedor se agravar em termos de pôr em risco os seus direitos eventuais contra este, ou se tiverem decorrido cinco anos sobre a prestação da fiança, quando outro prazo não resulte da convenção”.
Nos termos do indicado fundamento em análise, se a fiança prestada respeitar a uma obrigação futura, enquanto a obrigação não se constituir, o fiador pode liberar-se da garantia passados cinco anos a contar da prestação da fiança ou outro prazo porventura convencionado.
Januário Gomes[7] afirma que «a razão de ser do regime estabelecido no artigo 654 é clara; pretende-se, sem abdicar das vantagens da prestação de garantia para obrigações futuras, proteger o fiador de três ordens de perigos: da sujeição a um excessivo tempo de espera pela constituição da obrigação, do agravamento da situação patrimonial do devedor e da eventual sucessiva acumulação da dívida. O primeiro perigo é afastado pelo artigo 654, ao permitir ao fiador libertar-se da garantia prestada decorrido o prazo que, para o efeito, tenha sido acordado aquando da fiança, ou o prazo de cinco anos, no caso de a declaração fidejussória não “estabelecer” um prazo diverso. Compreende-se que o legislador tenha querido colocar nas mãos do fiador a possibilidade de, decorrido um prazo razoável sem que a obrigação (principal) tenha sido constituída, libertar-se do peso inerente à sua posição de garante. Por um lado, não é razoável sujeitar o fiador a um tempo de espera e incerteza, com as consequentes desvantagens que daí podem advir a nível patrimonial; por outro, nem o credor nem o devedor ficam prejudicados com uma eventual liberação, já que terão tido tempo suficiente para a constituição da obrigação e podiam ter imposto ao fiador um tempo mínimo de vinculação superior a cinco anos».
No tocante ao modo como se dá a liberação do fiador, entende-se ser necessária uma declaração do fiador dirigida ao credor para que se efective a liberação, não bastando o mero decurso do prazo, pois este não extingue automaticamente a fiança. Decorrido o prazo a lei apenas confere ao credor o direito potestativo de liberação (“tem o fiador, (…), a possibilidade de liberar-se da garantia”)[8]. Dito por outras palavras, o fiador pode liberar-se da garantia, decorridos cinco anos sobre a prestação de fiança, muito embora, nesse caso, a extinção da fiança não é automática mas potestativa[9].
Por fim, dizer que a extinção da fiança só opera para o futuro, quanto às obrigações ainda não constituídas. Para eventuais obrigações afiançadas já existentes no momento em que a declaração extintiva opera, a fiança mantém-se[10].
No caso sub júdice mostra-se provado que a autora, no exercício da sua atividade, no dia 28 de outubro de 2005 celebrou com os Réus, Casa do Futebol Clube ..., CC e DD, um contrato escrito, intitulado “Contrato de Comércio 244/05/32”, que se encontra a fls. 16 e 16v.º, nos termos do qual resulta uma multiplicidade de direitos e obrigações para cada uma das partes, abrangendo elementos de diversos tipos de contrato, entre os demais, contrato de promessa e compra e venda, prestação de serviços, sendo comummente denominado “contrato de fornecimento”.
No referido contrato de comércio alude-se a uma promessa de compra e venda de 1.200 kg de café ..., “em fracções mensais mínimas mensais de vinte e cinco (25) quilos”.
Tal promessa alude por isso a uma obrigação futura assumida pela Ré “Casa do Futebol Clube ...” (Casa do Futebol Clube ...) em 28-10-2005, data em que os recorrentes assinaram tal contrato e, com isso, assumiram uma responsabilidade pessoal e solidária com aquela Ré (cfr. cláusula 14ª do contrato), prestando fiança.
Ora, não obstante o decurso do prazo de cinco anos a contar da prestação da fiança, a verdade é que os recorrentes não alegaram, nem comprovaram, qualquer declaração dirigida ao credor tendente a manifestar-lhe o direito de liberação da fiança.
E, como já vimos, o mero decurso do prazo de cinco anos não extingue automaticamente a fiança, pois a extinção da fiança é potestativa.
Mas ainda que se considerasse a posição assumida na contestação pelos RR. como declaração tendente à liberação da fiança pelo decurso do prazo, a mesma sempre seria inócua, posto que apenas valeria para o futuro, quanto às obrigações ainda não constituídas, não abrangendo as obrigações afiançadas já existentes no momento em que a declaração extintiva opera.
Termos em que, sem mais considerações, improcede o referido fundamento da apelação.
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IV - DELIBERAÇÃO

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em:
i) atender o pedido da reforma do acórdão;
ii) julgar improcedente o indicado fundamento do recurso da apelação (extinção da fiança por mero decurso do prazo).
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Custas a cargo dos requerentes, cuja taxa de justiça se fixa em 0,25 UC (art. 7º, n.º 4, do Regulamento das Custas Processuais e respetiva tabela II anexa).
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Guimarães, 19 de dezembro de 2023

Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)



[1] Cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, 2017, p. 742.
[2] Cfr. Código de Processo Civil Anotado, Vol. I - Parte Geral e Processo de Declaração, Almedina, p. 739.
[3] Cfr. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 2ª ed., 2004, Almedina, p. 559.
[4] Como refere Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª ed., Almedina, p. 322, «a anulação da decisão (v.g por contradição de fundamentos ou por omissão de pronúncia) não tem como efeito invariável a remessa imediata do processo para o tribunal a quo, devendo a Relação proceder à apreciação do objeto do recurso, salvo se não dispuser dos elementos necessários. Só nesta eventualidade se justifica a devolução do processo para o tribunal a quo».
[5] Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 4ª ed., Almedina, p. 467.
[6] Cfr. Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, Garantias de Cumprimento, 2ª ed., 1997, Almedina, p. 55.
[7] Cfr. Assunção Fidejussória de Dívida, Sobre o sentido e o âmbito da vinculação como fiador, Colecção Teses, Almedina, p. 765 e ss.
[8]  Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed., revista e atualizada, com a colaboração de Henrique Mesquita, Coimbra Editora, 1987, p. 672 e Miguel Pestana de Vasconcelos, Direito das Garantias, 2017, 2ª ed., Almedina, p. 98.
[9]  Na hipótese do decurso do prazo de cinco anos a contar da prestação da fiança ou de prazo, maior ou menor, que tenha sido estipulado, o fiador poderá libertar-se da sua obrigação, deixando de garantir obrigações ainda não constituídas, mediante simples declaração tendente a esse efeito, dirigida ao credor, sem necessidade de invocar justa causa (cfr. Januário Gomes citado por Evaristo Mendes, in Comentário ao Código Civil Direito das Obrigações Das obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, 2018, p. 857).
[10] Evaristo Mendes, in Comentário ao Código Civil Direito das Obrigações Das obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, 2018, p. 857.