Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1291/23.4T8BGC-A.G1
Relator: GONÇALO OLIVEIRA MAGALHÃES
Descritores: NOTIFICAÇÕES
PATROCÍNIO JUDICIÁRIO
CONSTITUIÇÃO DE ADVOGADO
APOIO JUDICIÁRIO
PATRONO OFICIOSO
OBJECTO DO RECURSO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/24/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
(i) O advogado nomeado pela Ordem dos Advogados para propor uma ação em nome de um beneficiário do apoio judiciário na modalidade nomeação de patrono não tem poderes de representação deste numa ação que nesse momento já se encontra pendente e no âmbito da qual não foi formulado qualquer pedido de nomeação de patrono.
(ii) Por isso, não tem de ser notificado, nessa qualidade (de representante da parte), dos atos processuais praticados na ação pendente, ainda que nela tenha apresentado requerimento a pedir a respetiva consulta com fundamento na norma (art. 27/4 Portaria n.º 280/2013, de 26.08) que permite o acesso aos autos aos advogados que neles não exercem o mandato judicial.
Decisão Texto Integral:
I.
AA (Reclamante) apresentou reclamação, ut art. 643/1 do CPC, do despacho, datado de 16 de março de 2025, proferido pela Exma. Sra. Juíza de Direito do Juízo Local Cível de ..., Lugar ..., pelo qual foi rejeitado, com fundamento na sua intempestividade, o recurso por si interposto da sentença proferida na ação tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais que corre termos sob o n.º 1291/23...., relativa às crianças BB e CC.
Distribuída a reclamação, o relator proferiu decisão, datada de 25 de março de 2025, que manteve o despacho reclamado.
Inconformado, o Reclamante requereu que sobre a matéria recaia acórdão, nos termos previstos no art. 652/3, ex vi do art. 643/4, parte final, ambos do CPC, alegando, com utilidade para a questão jurídica a apreciar, que a decisão do relator padece de erro quando considera que o Reclamante não estava representado por advogado nos autos no momento em que foi pessoalmente notificado da sentença de que interpôs recurso e considera que o prazo para a prática deste ato teve início com essa notificação, desconsiderando, assim, que nesse momento o Reclamante estava já representado pelo patrono que lhe havia sido nomeado, no âmbito do apoio judiciário, para propor uma ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais, pelo que a notificação devia ter sido feita na pessoa deste, atento o disposto no art. 249 do CPC.
Não foi apresentada resposta.
Realizou-se a conferência, previamente à qual foram colhidos os vistos dos Exmos. Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos.
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II.
Como resulta do relatório que antecede, a questão colocada à apreciação deste coletivo consiste em saber se, ao contrário do sustentado na decisão reclamada, o recurso foi apresentado tempestivamente.
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III.
1) Os factos relevantes, decorrentes do iter processual, para dar resposta à questão enunciada são os seguintes, tal como enunciados na decisão do relator em termos que o Reclamante não colocou em causa:

1. No dia 25 de outubro de 2023, AA intentou, contra DD, ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas às filhas comuns de ambos, BB e CC, nascidas a ../../2020 e ../../2022, respetivamente.
2. A petição inicial foi instruída com procuração através da qual o Reclamante declarou conferir poderes forenses à Dra. EE, ilustre advogada que a subscreveu, cf. ref. Citius 2335226.
3. No dia 28 de novembro de 2024, esta advogada apresentou nos autos declaração a renunciar ao mandato que lhe havia sido conferido pelo Reclamante AA, cf. ref. Citius 2606166.
4. O Reclamante foi notificado dessa renúncia através de carta registada, que recebeu no dia 13 de dezembro de 2024, cf. ref.’s Citius 26554091 e 2622712.
5. No dia 17 de janeiro de 2025, o Dr. FF, ilustre advogado, apresentou requerimento nos autos com o seguinte teor: “(…) nos termos do disposto no artigo 27.º, n.º 4 da Portaria 280/2013, de 26 de agosto, lhe seja permitido consultar o processo n.º 1291/23.... através da respetiva disponibilização na área reservada do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais do mandatário aqui Reclamante e por um período não inferior a dez dias”, cf. ref. Citius 2636827
6. Esse requerimento foi indeferido, por despacho de 21 de janeiro de 2025, do seguinte teor: “O artigo 33.º, n.º 2, RGPTC estabelece a natureza reservada dos processos tutelares cíveis por remissão para o regime fixado no artigo 88.º, da LPCJP. / É permitida a consulta apenas aos pais, o representante legal e as pessoas que detenham a guarda de facto pessoalmente ou através de advogado – cf. artigo 88.º, n. º2, da LPCJP. / Assim sendo, porque a consulta é requerida por advogado, indefere-se o requerido.”
7. Na mesma data, foi proferida a sentença, que procedeu à regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas às duas identificadas crianças, cf. ref. Citius 26640124.
8. No dia 23 de janeiro de 2025[1], o mesmo ilustre advogado, Dr. FF, apresentou requerimento do seguinte teor: “[t]endo sido designado patrono do beneficiário AA com vista a, no prazo de 30 dias - que decorre aceleradamente - , propor ação de regulação do Poder paternal – Cf. DOC. 1 que se junta – tendo sido informado pelo próprio estar já a decorrer esta ação judicial em concreto, entende ser da máxima utilidade poder consultar o processo para avaliar da necessidade (utilidade) de dar ou não estrito cumprimento ao ofício de nomeação. Razão pela qual se permite reiterar o pedido para que, nos termos do disposto no artigo 27.º, n.º 4 da Portaria 280/2013, de 26 de agosto, lhe seja permitido consultar o processo n.º 1291/23.... através da respetiva disponibilização na área reservada do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais do mandatário aqui requerente e por um período não inferior a dez dias.”
9. Com esse requerimento, juntou cópia do ofício com a ref. ...25, da Ordem dos Advogados, a si dirigido, do seguinte teor: “[n]os termos e para os efeitos na Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais, informamos V. Exa. de que foi designado patrono do Sr. Beneficiário AA (…) com o qual deverá estabelecer contacto. / O apoio judiciário concedido destina-se a propor ação (fm) Regulação do Poder Paternal, dispondo V. Exa. de um prazo de 30 dias para o efeito”, tudo cf. ref. Citius 2641644.
10. No dia 27 de janeiro de 2025, foi registada a expedição de carta destinada à notificação dessa sentença ao próprio Reclamante (AA), cf. ref. Citius 26673405.
11. No dia 20 de fevereiro de 2025, foi apresentado o requerimento de interposição de recurso, subscrito pelo ilustre advogado, Dr. FF, cf. ref. Citius 2663492.
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2) Aos factos acabados de enunciar, acrescentamos que o recurso interposto foi rejeitado, pelo despacho reclamado, sendo este do seguinte teor (transcrição):

“O Requerente foi notificado da sentença por via eletrónica no dia 27-01-2025, devendo iniciar-se a contagem do prazo em 31-01-2025.
O prazo de interposição de recurso e alegações no processo de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais é de 15 dias, ao qual acrescem 10 dias quando for impugnada a decisão em matéria de facto e houver apelo a reapreciação de prova gravada – cf. artigo 32.º, n. º3, do RGPTC.
Assim, o Requerente dispunha para interpor recurso o prazo de 15 dias que terminava no dia 14-02-2025, sem prejuízo do ato ser praticado nos três dias úteis posteriores ao termo do prazo mediante pagamento de multa - que terminaria no dia 19-02-2025.
O Requerente apresentou as suas alegações de recurso no dia 20-02-2025 (referência Citius 2663492).
Assim, por intempestivas, não admito as alegações do Requerente e, em consequência, determino o seu desentranhamento e a sua devolução ao mesmo.”
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IV.
1). Tal como se pode ler na decisão do relator, para rejeitar o recurso, com fundamento na sua intempestividade, o Tribunal de 1.ª instância teve em consideração que: o Reclamante foi notificado da sentença recorrida por via eletrónica no dia 27 de janeiro, pelo que o prazo de interposição de recurso teve o seu termo inicial no dia 31 de janeiro; sendo esse prazo de 15 dias, o seu termo final ocorreu no dia 14 de fevereiro; quando o recurso foi apresentado, no dia 20 de fevereiro, já estava esgotado o prazo e, bem assim, o prazo suplementar para a prática do ato mediante o pagamento de multa.
Na reclamação é colocada em causa a ocorrência do facto – notificação da sentença – que marca o termo inicial do prazo.
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2). Feito este enquadramento, acrescentamos, seguindo a decisão singular do relator, que o art. 32 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8.09, estabelece, no seu n.º 1, que “cabe recurso das decisões que se pronunciem definitiva ou provisoriamente sobre a aplicação, alteração ou cessação de medidas tutelares cíveis” e acrescenta, no seu n.º 3, que o prazo de apresentação das alegações é de 15 dias. Este prazo pode ser acrescido de 10 dias, se o recurso tiver por objeto a impugnação da decisão da matéria de facto com recurso a prova gravada, por aplicação do disposto no n.º 7 do art. 638 do CPC, ex vi do art. 33/1 do RGPTC, o que, vistas as conclusões do recurso, não sucede no caso, em que o recurso se baseia unicamente na nulidade da sentença recorrida, que procedeu à regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas às identificadas crianças, com fundamento em omissão de pronúncia sobre o incumprimento da obrigação de alimentos fixada à progenitora em sede de regulação provisória e sobre a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores.
O termo inicial é marcado pela notificação da decisão recorrida (art. 638/1 do CPC).
Quando as partes estão representadas por advogado, seja constituído, através da celebração de um contrato de mandato judicial, exteriorizado através da procuração, seja nomeado, no quadro do apoio judiciário, as notificações judiciais são feitas, em regra, na pessoa do representante, independentemente de o patrocínio ser obrigatório ou facultativo, conforme resulta do n.º 1 do art. 247 do CPC. Apenas assim não sucede quando se trate de ato cuja notificação a lei imponha que seja feita pessoalmente à parte (representado).
De acordo com o n.º 1 do art. 248 do CPC, tais notificações observam “a via eletrónica nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, devendo o sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais certificar a data da elaboração da notificação, presumindo-se esta feita no terceiro dia posterior ao do seu envio, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.”
Assim, a data da elaboração da notificação é certificada pela plataforma Citius e presume-se que foi feita no terceiro dia posterior ao do seu envio, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja (n.º 1, 2.ª parte). A notificação presume-se realizada no terceiro dia posterior ao do seu envio, mesmo que este ocorra em férias judiciais, dado que aquele dia não marca o fim de um prazo dilatório, mas antes o momento em que opera a presunção (RC 13.12.2023, 296/04.9TBPMS-H.C1, Vítor Amaral).
Trata-se de uma presunção ilidível pela prova do contrário (art. 350/2 do Código Civil), mais concretamente pela prova de que a notificação se deve considerar efetuada em data posterior. No dizer de Miguel Teixeira de Sousa (CPC Online, CPC: art. 130.º a 361.º, Versão de 2024/09, p. 127), “a presunção pode ser ilidida pela parte que é destinatária da notificação (eventualmente, para alargamento de um prazo que tem o ónus de cumprir), mas não pode ser ilidida pela parte que não é a destinatária da notificação (nomeadamente, para encurtar um prazo relativo à prática de um ato pela outra parte).”
Já se as partes não estiverem representadas por advogado, tem aplicação o disposto no n.º 1 do art. 249 do CPC, onde se diz que “as notificações são efetuadas nos termos previstos no n.º 5 do artigo 219.º, quando aplicável, ou por carta registada, dirigida para a sua residência ou sede ou para o domicílio escolhido para o efeito de as receber, presumindo-se, nestes casos, feita no terceiro dia posterior ao do registo da carta ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.”
Esta presunção é em tudo semelhante à do n.º 1 do art. 248.
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3). No caso dos autos, constata-se, por um lado, que a sentença foi notificada pessoalmente ao Reclamante, por carta registada – e não por via eletrónica, como equivocamente se escreve na decisão reclamada – e, por outro, que não foi notificada a qualquer advogado – mais concretamente ao Dr. FF – enquanto representante do Reclamante.
Deste modo, continuando a seguir a decisão do relator, diremos que a resposta à questão enunciada passa, desde logo, por saber se o Reclamante estava, no momento em que ela foi feita, representado por advogado. Se a resposta for afirmativa, teremos de concluir que a notificação feita é ineficaz e, em consequência, de considerar que quando foi apresentado o recurso ainda não havia sido praticado o ato que marca o início do prazo processual.
Vejamos.
Como é sabido, apenas os licenciados em direito inscritos na Ordem dos Advogados podem intitular-se advogados e praticar os denominados atos próprios da advocacia, cf. art. 66/1 do Estatuto da Ordem dos Advogados (EAO), aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 09.09.
A intervenção em juízo de um advogado assenta, em regra, num contrato de mandato judicial que é uma subespécie do contrato de mandato forense (art. 67/1, a), do EAO), este pertencente ao género do contrato de mandato que o art. 1157 do Código Civil diz ser aquele pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta da outra.
Não se confunde com a procuração que é definida pelo art. 262/1 do Código Civil como o ato pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos. Trata-se daquilo que a maioria da doutrina qualifica como um negócio jurídico unilateral[2], do qual nasce, como efeito jurídico típico, o conferimento dos poderes representativos, com o que isso implica ou significa para a esfera jurídica do dominus que assim fica num estado de recetividade aos efeitos jurídicos dos atos praticados pelo representante (cf. Ferrer Correia, “A procuração na teoria da representação voluntária”, Boletim da Faculdade de Direito, XXIV (1948), p. 289). A procuração, sendo embora uma relação entre o representante e o procurador, projeta-se para o exterior, uma vez que os poderes são atribuídos a este último para representar o primeiro perante terceiros. Ela surge normalmente integrada, justificada, no seio de outra relação, dita causal ou substancial, entre representante e representado, a qual tem como fonte um outro negócio jurídico, designadamente os contratos típicos de mandato, trabalho, mediação, agência ou sociedade, todos eles caracterizados por um dos sujeitos desenvolver uma atividade a favor do outro, vinculando-se também este e aceitando as consequências da atividade do primeiro. A esta segunda relação, o Código chama “relação jurídica que determina a procuração” (art. 264/1) e “relação jurídica que serve de base à procuração” (art. 265/1). Não existindo esta relação, a procuração não envolve, para o procurador, o dever de usar os poderes representativos que lhe foram conferidos.
Ora, o mandato judicial deve ser conferido por uma das formas previstas no art. 43 do Código de Processo Civil, a saber: por instrumento público ou por documento particular, nos termos do Código do Notariado e da legislação especial; por declaração verbal da parte no auto de qualquer diligência que se pratique no processo. Como vimos, o contrato de mandato não se confunde com a procuração.
A figura do mandato implícito, que resultava da assinatura da parte na petição ou no articulado de defesa, era admitida no domínio do Código de Processo Civil de 1939 e na redação originária do Código de Processo Civil de 1961 (cf. José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, I, Coimbra: Coimbra Editora, reimpressão, 1980, pp. 116 a 118), mas desapareceu com o DL n.º 47 690, de 11 de maio de 1967.
Significa isto que a lei exige, para o contrato de mandato judicial, que a declaração de vontade do mandante revista uma forma especial, o que constitui um desvio ao princípio da liberdade de forma previsto no art. 219 do Código Civil. Tenha-se presente, aliás, que o Código Civil não exige forma especial para o contrato de mandato, como conclui Januário Gomes (“Mandato”, AAVV, Direito das Obrigações, III, Lisboa: AAFDL, 1991, pp. 288 e ss.). Quando o mandato esteja associado à procuração, como sucede no mandato com representação (arts. 1178 e ss.), naturalmente que tem de ser adotada a forma exigida para este negócio jurídico por força do disposto no n.º 2 do art. 262. Mas nestes casos é o mandato e não a procuração que tem de obedecer à forma especial. O mandato pode respeitar essa forma se constar do mesmo instrumento, como normalmente sucede, mas tal acontecerá por arrastamento e não por necessidade.
O que acabamos de escrever assume importância: limitando-se o art. 43 do CPC a exigir certo documento como forma de declaração negocial do mandante, sem dizer mais nada, é de observar a regra do n.º 1 do art. 364 do Código Civil, qual seja, a de que a forma especial é exigida como formalidade ad substantiam. A lei é exigente e rigorosa para autorizar o intérprete a admitir a exceção, prevista no n.º 2 do art. 364, no sentido de se tratar de uma formalidade meramente ad probationem: tem de se estar em presença de uma norma que, de modo claro, restrinja o tipo a que alude unicamente a um simples meio de prova da declaração negocial. E isso não acontece com o art. 43 do Código de Processo Civil.
Deste modo, o âmbito do mandato – e, por decorrência, dos poderes de representação conferidos ao mandatário – é definido pelo que consta do documento (cf. art. 44 do CPC), não sendo a mesma coisa atribuírem-se poderes para a propositura de uma ação ou para a intervenção numa ação que está já pendente.
Mas a intervenção em juízo de um advogado, com poderes de representação da parte, pode assentar também na sua nomeação pela Ordem dos Advogados, no quadro do apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, sendo que o art. 98/1 do EOA estabelece uma fundamental igualdade entre o patrocínio com origem convencional ou decorrente de nomeação legal.
Quando assim sucede, os poderes de representação não têm a sua fonte na vontade do representado, mas no ato de nomeação – que compete, atualmente, à Ordem dos Advogados, e na aceitação deste pelo advogado. São demonstrados pelo ofício pelo qual aquele é comunicado ao patrono nomeado pela entidade competente – a Ordem dos Advogados, cf. art. 45/1 da Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais (LADT), aprovada pela Lei n.º 34/2004, de 29.07.
É, assim, o ato de nomeação que define os termos e o âmbito do patrocínio e dos inerentes poderes.
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4). Isto dito, sempre seguindo a decisão do relator, temos que o Reclamante conferiu mandato a uma advogada para a propositura da ação, outorgando, a favor dela, a competente procuração.
Esse mandato cessou por efeito da renúncia da mandatária, notificada ao Reclamante (mandante) no dia 13 de dezembro de 2024 (cf. art. 47/2 do CPC).
Na sequência, o Reclamante não constituiu novo mandatário nem nada requereu nos autos. Designadamente, não requereu a interrupção dos prazos processuais em curso mediante a demonstração de ter requerido apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono (cf. art. 24/4 da LADT).
Assim, não sendo um caso de patrocínio obrigatório – do art. 18/1 do RGPTC resulta que nos processos de regulação do exercício das responsabilidades parentais apenas é obrigatória a constituição de advogado na fase de recurso –, a instância prosseguiu.
No decurso dela, foi apresentado, pelo ilustre causídico que, depois, veio a subscrever o recurso da sentença, um pedido de consulta dos autos, estribado no disposto no art. 27/4 da Portaria n.º 280/2013, de 26.08, norma onde se diz que “[a] consulta por advogados, advogados estagiários e solicitadores de processos nos quais não exerçam o mandato judicial, quando admitida por lei, é solicitada à respetiva secretaria através do sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais, que disponibiliza o processo por um período de 10 dias para consulta na área reservada do mandatário naquele sistema.”
Como se vê, nesse requerimento, não foi mencionado qualquer ato de onde resultasse que ao advogado subscritor tinham sido atribuídos poderes para representar o Reclamante nos presentes autos por qualquer uma das duas vias que analisámos no ponto anterior. Apenas foi feito apelo (genérico) à qualidade de advogado, o que se conjuga com a norma jurídica em que foi arrimada a pretensão de consulta dos autos.
A instância prosseguiu, assim, com a prolação da sentença e só depois desta é que o mesmo advogado formulou novo requerimento em que reiterou a pretensão de consulta dos autos, alegando, desta vez, que foi nomeado, pela Ordem dos Advogados, no âmbito do apoio judiciário, para propor uma ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais em representação do Reclamante, o que comprovou através da apresentação do ofício pelo qual lhe foi comunicado o ato de nomeação.
Não alegou – nem comprovou –, porém, que foi nomeado para representar o Reclamante na ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais já pendente, relativa às crianças supra identificadas.
Isto conduz-nos à conclusão, retirada na decisão do relator, de que, afinal, o advogado subscritor dos requerimentos de 17 não tinha, na data em que a sentença foi pessoalmente notificada ao Reclamante, poderes para intervir nos autos em representação deste.
Deste modo, para todos os efeitos, o Reclamante não tinha advogado constituído nem nomeado, o que impunha que a notificação da sentença fosse feita, como foi, nos termos já analisados do art. 249/1 do CPC.
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5). No requerimento de submissão do caso à conferência, o Reclamante insurge-se contra o entendimento ora exposto, partindo, porém, salvo o devido respeito, que é elevado, de patentes equívocos.
Em primeiro lugar, no que tange à entidade que o nomeou e definiu o âmbito e a finalidades dos seus poderes de representação: não foi “um qualquer funcionário do Instituto da Segurança social” (sic), mas a Ordem dos Advogados, no exercício das competências que lhe estão atribuídas pelo art. 30/1 da LADT.
Em segundo lugar, quando esquece que essa nomeação foi necessariamente precedida do deferimento do pedido de apoio judiciário formulado pelo próprio Reclamante e que, presumivelmente – posto que nada foi alegado em contrário –, ter-se-á limitado a dar resposta ao que lhe foi pedido – a atribuição de apoio judiciário com vista à propositura de uma ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais e não com a finalidade de intervir em ação pendente.
Em terceiro lugar, quando sustenta que é indiferente que o patrono seja nomeado para intervir numa ação pendente ou para propor uma ação: a distinção entre as duas situações é claramente evidenciada pelos efeitos que delas decorrem, como se pode constatar da simples leitura dos arts. 26/4 e 31/1 da LADT e, bem assim, pelo teor das informações que o advogado nomeado está obrigado a prestar à entidade nomeante – que, percute-se, é a Ordem dos Advogados (art. 10.º, e) e f), do Regulamento n.º 330-A/2008, de 24.06).
Em quarto lugar, quando pretende retirar da decisão singular do relator a afirmação de que um patrono nomeado para propor uma ação ao abrigo do apoio judiciário deve “atuar nos estritos limites conferidos pelo ofício de nomeação”, propondo a ação, ainda que já esteja pendente uma idêntica, em lugar de intervir nesta. Na verdade, o que ali se afirma é coisa diversa e, mais concretamente, que, numa situação desse tipo, o patrono nomeado deve, previamente à intervenção, para a qual não tem poderes, providenciar pela correção dos termos da sua nomeação junto da entidade nomeante. Concomitantemente, a mais elementar diligência, aconselhará que comunique a situação ao tribunal onde a causa está pendente, para que este, no ínterim, suspenda a instância. Assim se respeita, a um tempo, a autonomia do advogado nomeado – a quem cabe, “de acordo com a sua consciência profissional e deveres deontológicos, conforme bem escreve o Reclamante, decidir a forma mais adequada de agir – e, a outro, a competência da entidade que pratica o ato de que vão resultar os poderes de representação da parte beneficiária do apoio judiciário. Assim se assegura também que não ocorrem perturbações que, de outra forma, sem o rigor que deve ser exigido, poderiam ocorrer. Basta que se pense na hipótese de o beneficiário estar já representado na ação pendente por outro advogado (constituído ou nomeado) ou de, concomitantemente com o pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono com a finalidade de propor uma ação ter formulado, em requerimento autónomo, um outro a pedir idêntica benefício, mas para intervenção em ação que já está pendente.
Sintomático de tudo que acabamos de escrever é o facto de o patrono nomeado para propor uma ação em nome do Reclamante, nas intervenções que, previamente à apresentação do recurso, teve nos autos, nunca ter invocado a sua nomeação para a ação pendente nem ter pedido que fosse admitido nela nessa qualidade, mas apenas que lhe fosse “permitido consultar o processo (…) através da respetiva disponibilização na área reservada do sistema informático de suporte à atividade dos tribunais (…), “por um período não inferior a dez dias”, invocando em apoio o disposto no art. 27/4 Portaria n.º 280/2013, de 26.08.
Se considerarmos que nesta norma se diz – repetimos – que “[a] consulta por advogados, advogados estagiários e solicitadores de processos nos quais não exerçam o mandato judicial, quando admitida por lei, é solicitada à respetiva secretaria através do sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais, que disponibiliza o processo por um período de 10 dias para consulta na área reservada do mandatário naquele sistema”, temos necessariamente de concluir que o próprio advogado nomeado para propor uma ação em nome do Reclamante estava ciente de que os poderes que lhe tinham sido conferidos pela Ordem dos Advogados não tinham essa finalidade e, por isso, que não representava o beneficiário do apoio judiciário na ação pendente, a cujos autos dirigiu o requerimento.
Perante semelhante requerimento, a secretaria judicial, obrigada que estava a notificar a sentença, nunca poderia considerar – como não considerou – o advogado subscritor como representante do Reclamante nos autos e, em decorrência, tinha de assumir – como assumiu – que o Reclamante não estava representado por advogado.
Por todo o exposto, apresenta-se como correta a conclusão do relator no sentido de que o tribunal não pode, pura e simplesmente, presumir que um advogado foi nomeado para patrocinar a parte numa determinada ação (pendente) quando, como sucede no caso, do ato de nomeação resulta inequivocamente que a nomeação visou a propositura de uma ação. Acrescentamos que muito menos assim pode suceder quando o próprio advogado nomeado para esta última finalidade não invoca, nos requerimentos que dirige aos autos, que os poderes que lhe foram conferidos abrangem também a primeira, antes os negando de forma implícita, conforme sucedeu.
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6). Aqui chegados, resta concluir, como na decisão do relator, que tendo a carta destinada a notificar a sentença ao Reclamante sido registada no dia 27 de janeiro, presume-se que cumpriu a sua função no dia 30 de janeiro.
Assim, o prazo para a interposição do recurso da sentença teve o seu termo a quo no dia 31 de janeiro e ficou exaurido no dia 14 de fevereiro.
Deste modo, quando o requerimento de interposição do recurso foi apresentado já a sentença estava transitada em julgado, pelo que a reclamação deve improceder.
Apenas se acrescenta que o objeto da presente reclamação é circunscrito à questão supra elencada. Não cabe nele a apreciação de outras questões decorrentes de decisões do Tribunal de 1.ª instância para além daquela, nem tão pouco aferir se o ilustre causídico que subscreveu o recurso e a reclamação adquiriu, entretanto, poderes para praticar atos processuais em representação do Reclamante. Esta é uma questão cujo controlo cabe ao Tribunal de 1.ª instância, respeitando-se o que por este foi entendido. Entendimento contrário teria como resultado a total ausência de poderes de tal advogado para praticar os atos em questão, situação equivalente à da falta de procuração.
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7). As custas devem ser suportadas pelo Reclamante (art. 527/1 e 2 do CPC), que está dispensado do seu pagamento, atento o apoio judiciário de que beneficia, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
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V.
Nestes termos, acordam os Juízes Desembargadores da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar a presente reclamação improcedente.
Custas a cargo do Reclamante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia, na modalidade de dispensa de encargos e taxa de justiça.
Notifique.
Considerando que no requerimento de submissão do caso à conferência o Reclamante alegou que os alimentos devidos às crianças, de acordo com a regulação provisória do exercício das responsabilidades parentais, não estão a ser pagos pela progenitora, sinaliza-se esta situação ao Tribunal de 1.ª instância para que, sendo o caso, providencie pela abertura oficiosa do incidente de incumprimento (cf. art. 41 do RGPTC), sede própria (e exclusiva) para o tratamento dessa questão e para a adoção das medidas adequadas à efetivação do direito ou, não sendo estas viáveis, a desencadear, necessariamente a requerimento, a intervenção do FGADM, se verificados os pressupostos de que esta depende, e depois de observados trâmites previstos no art. 3.º, do DL n.º 164/99, de 13.05.
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Guimarães, 24 de abril de 2025

Os juízes Desembargadores,
Relator: Gonçalo Oliveira Magalhães
1.º Adjunto: Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício
2.ª Adjunta: Maria Gorete Morais


[1] Corrige-se o lapso de escrita contido na decisão do relator quanto à data de apresentação deste requerimento.
[2] Cf., inter alia, Pires de Lima / Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 3.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1982, pp. 243 – 244; Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª ed., 6.ª reimpressão, Coimbra: Coimbra Editora, 1992, ps. 534 e ss.; Enzo Roppo, O Contrato cit., ps. 112 e ss.; Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, t. 4, Coimbra: Almedina, 2005, p. 89; Heinrich Ewald Hörster, A Parte Geral do Código Civil Português, Coimbra: Almedina, 1992, p. 484; Rui Pinto, Pinto, Falta e Abuso de Poderes na Representação Voluntária, Lisboa: AAFDL, 1994, p. 18; Januário Gomes, Em Tema de Revogação do Mandato Civil, Coimbra: Almedina, 1989, ps. 230 – 231). Na jurisprudência, vide os Acs. do STJ de 7.07.2009, no processo n.º 63/2001.C1.S1, e de 13.05.2005, no processo n.º 03ª314, ambos disponíveis em www.dgsi.