Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5046/24.0T8GMR-A.G1
Relator: PAULA RIBAS
Descritores: CONTRATO DE TRANSAÇÃO JUDICIAL
MODIFICAÇÃO POR ALTERAÇÃO SUPERVENIENTE DAS CIRCUNSTÂNCIAS
IMPUTAÇÃO DO CUMPRIMENTO
JUROS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/23/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
O que poderia legitimar que se convocasse o regime do art.º 437.º do C. Civil, em relação a acordo escrito de transação extrajudicial que constitui título executivo, seria a alteração das circunstâncias em que fundaram a decisão de o celebrar e não aquelas, como as alegadas, que fundamentaram o que acordaram naquela transação.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório:

Por apenso aos autos de execução, vieram os executados EMP01... – Unipessoal, Lda, AA e marido BB deduzir embargos de executado contra a exequente EMP02..., Lda.
Alegaram, em síntese, que no âmbito do acordo outorgado e que constitui título executivo, procederam ao pagamento parcial da quantia em dívida, em mais € 2.587,76 do que a quantia que a exequente aceita ter já recebido, entendendo que não é devida a cláusula penal fixada pelas partes ou que, pelo menos, deve esta ser reduzida equitativamente.
Na contestação apresentada, a exequente reconheceu que se verificou o pagamento parcial da quantia referida, mais alegando não ter sido definida qualquer cláusula penal, sendo, por isso, inócua a alegação dos executados embargantes.
Foi proferido despacho saneador nos seguintes termos; “julgo parcialmente procedente a presente oposição à execução mediante embargos de executado e, em consequência, determino a prosseguimento da execução apensa, com exceção da quantia de € 2587,76, acrescido de juros moratórios vigentes para as obrigações comerciais, até efetivo e integral pagamento”.
Inconformados vieram os executados apresentar o pressente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
1ª – Vem o presente recurso interposto da, aliás, douta sentença de fls. …, que julgou parcialmente procedente a presente oposição à execução mediante embargos de executado e, em consequência, determinou o prosseguimento da execução apensa, com exceção da quantia de € 2587,76, acrescido de juros moratórios vigentes para as obrigações comerciais, sem fixar a data de vencimento.
2ª – Tal decisão enferma, contudo, de erro de julgamento e na aplicação do Direito, concretamente, no tocante à análise e interpretação do título dado a execução e dos institutos jurídicos convocados para a solução propugnada, redundando numa decisão que, por injusta e legalmente infundada, repugna ao Direito.
3ª – Relativamente à matéria inserta nos artºs 13º a 18º da petição de embargos, omitida do probatório, por ser relevante para a solução de direito propugnada pelos Recorrentes, constituindo por um lado matéria não impugnada e demonstrada documentalmente e, por outro, factos de conhecimento geral, constituindo facto notório que, como tal, não carece de alegação e prova, deve transitar para o probatório, expurgada naturalmente da matéria conclusiva e de direito.
4ª – Ao assim selecionar a matéria de facto não considerou o Julgador as várias soluções plausíveis de direito, mas apenas a visão por si partilhada.
5ª – A Sentença recorrida ao concluiu que o texto constante da transação não corrobora a tese da embargante que o referido valor se trata de uma cláusula penal, incorreu em erro de julgamento, interpretando incorretamente os artigos 810º e 812º do Código Civil.
6ª – Ao fixar-se na transação que constituiu o título executivo uma indemnização pelo incumprimento de aviso prévio na denúncia de um contrato de arrendamento do montante de € 27 137,76, fixou-se antecipadamente a indemnização devida pelo incumprimento contratual, isto é, uma cláusula penal indemnizatória.
7ª – Ao prever-se no título que, se parte dessa indemnização fosse paga integral e pontualmente, ficariam os Recorrentes desobrigados do pagamento de igual montante de € 13 568,88, estar-se-ia a fixar uma cláusula penal compulsória, tendo por finalidade compelir o devedor ao cumprimento e sancionar o não cumprimento.
8ª – Considerando o contexto e os pagamentos realizados que decorrem do probatório deveria a indemnização reclamada ser reduzida equitativamente a um valor simbólico, nos termos do disposto no artigo 812º do CC, na medida em que o valor reclamado revela-se manifestamente excessivo e desproporcional, impondo a intervenção do Tribunal em nome da equidade.
9ª – Se assim se não entendesse, a factualidade apurada justifica a modificação do contrato por alteração normal das circunstâncias, tal como previsto no art.º 437.º do Código Civil, modificação segundo juízos de equidade, sendo que as obrigações assumidas afetam gravemente os princípios da boa-fé e não estão cobertas pelos riscos próprios do contrato.
10ª – E, aliás, extensa a jurisprudência que advoga que a pandemia da Covid 19 consubstancia uma “grande alteração das circunstâncias”, criando a necessidade de reconformação do quadro em que se desenvolve a generalidade das relações jurídicas de carácter patrimonial.
11ª – Ainda sem prescindir, perante o contexto económico e social particularmente penoso e excecional, manter a exigência do prazo de um ano de pré-aviso para a denúncia do contrato de arrendamento, considerando que estava já há muito cumprido o prazo mínimo da vigência do contrato e que o locado ficou de imediato na disponibilidade do senhorio para o rentabilizar como bem lhe aprouvesse, excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, impondo-se o recurso à disciplina contida no art.º 334º do Código Civil.
12ª – Ainda atendendo ao que decorre do probatório, o valor reclamado pela Recorrida no requerimento executivo padece de erro de cálculo, estando à data em dívida, segundo a versão carreada para os autos, € 16 156,64 e não € 20 871,20, impondo-se a sua retificação, nos termos conjugados do art.º 249º do Cód. Civil e artigo 614.º do CPC, uma vez que se trata de um mero erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração e das grandezas convocadas através de mera operação aritmética.
12ª – Quanto ao vencimento de juros pela mora no cumprimento de obrigação prestaccional, sendo a sentença omissa, dever-se-á cumprir o disposto no artigo 785.º do CC, que determina que a prestação que não chegue para cobrir tudo o que é devido presume-se feita por conta, sucessivamente, das despesas, da indemnização, dos juros e do capital.
13ª – Por todo o exposto, ao assim decidir incorreu a sentença recorrida em erro de julgamento da matéria de facto e na subsunção dos factos ao Direito, violando, dentre o mais, as disposições contidas nos artigos 334.º, 437º, 810.º e 812º do Código Civil, pelo que não pode manter-se”.
A exequente embargada respondeu, pugnando pela manutenção da decisão proferida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II – Questões a decidir:

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes – arts.º 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do C. P. Civil -, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber:
1. se foi acordada pelas partes cláusula penal que não seja devida ou possa ser objeto de redução;
2. se pode ser convocado o regime legal da alteração anormal das circunstâncias e, nesse contexto, se devem ser aditados à matéria de facto provada os factos 13.º a 18.º alegados na petição de embargos;
3. se existe lapso material na indicação do valor em dívida a título de capital que possa ainda ser retificado;
4. se foi devidamente efetuada a imputação dos pagamentos realizados, considerando os juros reclamados.

III – Fundamentação de facto:

Foram considerados provados os seguintes factos:
1º - EMP02..., Lda., intentou contra EMP01... - Unipessoal, Lda., BB e AA a execução com o nº 5046/24.0T8GMR, a que o presente está apenso, para cobrança da quantia de € 27 426,47, acrescida de juros de mora vencidos à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.
2º - A exequente deu à execução um documento autenticado, em que constam como outorgantes as partes dos autos, constando, entre o mais:
3º “ (…)

4º -

5º -

6º -
  
(…)”
7º - A 27.04.2021, a Executada pagou €2.000,00;
- A 17.05.2021, a Executada pagou €2.000,00;
- A 03.06.2021, a Executada pagou €500,00;
- A 20.07.2021, a Executada pagou €2.250,00;
- A 04.08.2021, a Executada pagou €1.250,00;
- A 20.09.2021, a Executada pagou €1.000,00;
- A 15.10.2021, a Executada pagou €2.000,00;
- A 02.11.2021, a Executada pagou €1.000,00;
- A 26.11.2021, a Executada pagou €1.000,00;
- A 06.12.2021, a Executada pagou €1.000,00;
- A 21.01.2022, a Executada pagou €2.250,00;
- A 31.01.2022, a Executada pagou €2.300,00.
8º - A embargada emitiu os recibos de quitação.
9º - Em 04.02.2022, foi efetuado um último pagamento, no valor de € 2587,76.
10º - Recebendo a embargante o respetivo recibo de quitação.
11º - Através de comunicação de 02.02.2022, a embargante sociedade comunicou à embargada “

(…).
12º - Em 10.03.2022, a embargada respondeu, entre o mais, “(…)

(…)”.
 
IV - Objeto do litígio:

1. Reiteram os embargantes nesta apelação que no acordo escrito que constitui o título apresentado à execução foi estabelecida uma cláusula penal entendendo que o valor fixado não é devido ou deve, pelo menos, ser reduzido.
Esta questão foi exaustivamente apreciada na sentença proferida, de modo que não merece qualquer reparo, considerando o texto do documento apresentado como título executivo e que está reproduzido na matéria de facto provada.
Referindo-se ao disposto nos arts.º 810.º a 812.º do C. Civil e ao princípio da autonomia privada, escreveu-se que: “em matéria de interpretação e integração das declarações negociais dispõe o artigo 236º, do Código Civil, no seu nº 1 que "A declaração negocial vale com o sentido que um declaratório normal colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele", acrescentando o nº2 que "Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida."
O mencionado artigo 236º formula duas regras: a da interpretação objetivista ou normativa da declaração negocial, nos termos da chamada “doutrina da impressão do destinatário” (nº 1), e a da interpretação, segundo a vontade real do declarante quando o declaratário tenha conhecido essa vontade (nº 2).
O preceito consignado no nº 2 do citado preceito legal é o do recurso à da vontade real das partes: a declaração vale de harmonia com a vontade real do declarante sempre que esta seja conhecida do declaratário. Mesmo que a declaração negocial seja equívoca e aponte até para um outro sentido, quando objetivamente considerada, é de acordo com a vontade real do declarante que ela valerá, sempre que o declaratário a conheça, ou devesse conhecê-la agindo com a diligência requerida.
O segundo critério é o fixado no nº 1 do artigo 236º: não conhecendo o declaratário nem devendo razoavelmente conhecer, a vontade real do declarante, a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na situação do declaratário real puder deduzir do comportamento do declarante.
Seguindo o Prof. Mota Pinto, in Teoria Geral, 3ª ed., pág. 447 "Segundo o nº 1 do artigo 236º releva o sentido que seria considerado por uma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente em face dos termos da declaração e de todas as circunstâncias situadas dentro do horizonte concreto do declaratário, isto é, em face daquilo que o concreto destinatário da declaração conhecia e daquilo até onde podia conhecer".
Posto isto, e retomando o caso que nos ocupa, concluímos que a interpretação de uma declaração negocial, quando se esteja face a declarações reptícias de vontade em que as partes não tenham entendido do mesmo modo a declaração, desconhecendo os contraentes a vontade real do declarante, a interpretação do negócio jurídico deve fazer-se no sentido em que o declaratário normal colocado na sua posição, podia e devia entender.
Entre os elementos a tomar em conta para a interpretação destacam-se os posteriores ao negócio, elementos estes que são “os modos de conduta porque posteriormente se prestou observância ao negócio concluído” (Rui Alarcão, BMJ, nº 84, pág. 334). O Prof. Manuel de Andrade refere a título exemplificativo, “os termos do negócio, os usos de outra natureza que possa interessar, a finalidade prosseguida pelo declarante” (Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, 1960, pág. 313, nota 1).
Assim, considerando todos os elementos apurados, verificamos que, desde logo, o elemento literal, não suporta a interpretação dada pela embargante, não sendo consentânea com a sua versão.
Com efeito, basta considerar consta da transação que a embargante sociedade se confessa devedora da quantia global de € 34.706,64, acordando ainda que no caso do embargante proceder ao pagamento pontual das prestações acordadas, a embargada perdoava o valor de € 13.568,88.
Ora, considerando o acabado de expor, verificamos que o texto constante da transação vinda a referir não corrobora a tese da embargante que o referido valor se trata de uma cláusula penal.
Deste modo, resulta que tal quantia não é devida a título de cláusula penal, mas é devida uma vez que foi confessada pela embargante, que não cumpriu as condições acordadas para que ocorresse a remissão (artigo 863º, do Código Civil), de tal valor.
Assim sendo, mostra-se desnecessária a análise da não aplicação ou redução da alegada cláusula penal”.
Não vemos como possa ser outro o enquadramento legal do que foi acordado pelas partes e que exigia o pagamento pontual de cada uma das prestações acordadas – e que não se verificou –, para que fosse perdoada a quantia de € 13.565,88, de que os executados se confessaram devedores, ainda que esta corresponda a metade da quantia que era devida pelo não cumprimento do prazo de aviso prévio pela denúncia do contrato de arrendamento.
O pagamento pontual das prestações era, assim, a condição suspensiva para que não fosse devida a quantia referida e, não se tendo verificado, a quantia de € 13.565,88 continua a ser devida.
Improcede, assim, este fundamento dos embargos deduzidos.
**
2. Entendem os embargantes que a aplicação do disposto no art.º 437.º do C. Civil permite tornar inexigível a quantia de € 13.565,88 e que se reporta a metade do valor que, no acordo apresentado como título executivo, seria devido a título de indemnização pelo não cumprimento do aviso prévio na denúncia do contrato de arrendamento efetuada pela executada sociedade.
Os embargantes alicerçaram a sua oposição por embargos na alegação relativa ao pagamento parcial da quantia reclamada a título de capital – facto que foi confessado pela exequente – considerando que a quantia restante – no valor de €13.565,88 – configurava uma cláusula penal e não era devida ou deveria ser reduzida.
Na sua petição de embargos a questão relativa ao citado art.º 437.º do C. Civil consta apenas da jurisprudência que foi citada (“acolhemos o entendimento vertido no Acórdão….”) que, reportando-se ao período da pandemia Covid 19, num contexto de obrigações reciprocas, justificava que a participação de cada uma das partes nas perdas fosse fixada em 50% para cada uma.
E, concluíam, então os embargantes: “tal foi precisamente a repartição operada na prática pelas partes e que, na realidade, se afigurava já excessivamente gravosa considerando as circunstâncias reais, mas que a Embargante cumpriu”.
Agora, nas suas alegações de recurso, para além de questionar o que foi decidido quanto à alegada cláusula penal, os recorrentes invocam jurisprudência e doutrina relativa à alteração anormal das circunstâncias por via daquela situação de pandemia, considerando que, nesse contexto, não pode ser devida a totalidade da referida cláusula penal.
E, ao abrigo da apreciação desta questão, pretendem que sejam aditados factos que foram por si alegados e que, na sua versão, não foram impugnados e sempre seriam notórios.
Está em causa a seguinte alegação da petição de embargos:
13º De salientar, já que a memória tende a ser oportunista, que a denúncia do contrato de arredamento e a outorga do acordo em apuramento tiveram como contexto a crise pandémica da Covid 19,
14º e a necessidade por parte da Executada, através da denúncia do contrato de arrendamento e a desocupação do locado, de reduzir os custos e minorar os prejuízos decorrentes dos constrangimentos causados pela pandemia,
15º Sendo consabido que as medidas necessárias à sua contenção representaram um choque muito severo no tecido empresarial português,
16º através de uma quebra bastante expressiva da atividade das empresas no segundo trimestre de 2020 e, por conseguinte, com efeitos muito adversos sobre a sua liquidez.
17º No caso concreto da Embargante a falta de encomendas e a consequente carestia e liquidez determinou a necessidade de reduzir custos e encerrar uma unidade de produção,
18º O que foi devidamente explicado à Exequente, mas que ainda assim não prescindiu de ser indemnizada pela falta de cumprimento do aviso prévio aquando da denúncia, apesar de bem saber que inexistia qualquer culpa por parte da Embargante na falta de cumprimento desse prazo”.
Não assiste aos embargantes qualquer razão, sem que se mostre sequer necessário perceber se tal alegação constitui matéria de facto e, se assim fosse entendido, se tais factos poderiam considerar-se provados.
O que foi apresentado como título executivo foi o acordo de transação extrajudicial celebrado em ../../2021 – art.º 1248.º do C. Civil
No âmbito de um contrato de arrendamento que vinculava ambas as partes, estas, existindo rendas em dívida e tendo a arrendatária procedido à sua cessação unilateral sem cumprimento do aviso prévio, acordaram em que termos se faria o pagamento das quantias que então a devedora confessou estarem em dívida e para cujos termos, alegam os embargantes, foi determinante o momento pandémico vivido na vigência do contrato.
 Assim, a alegação dos embargantes para fundamentar uma eventual alteração das circunstâncias reporta-se às vicissitudes do contrato de arrendamento (e aos fundamentos que levaram a arrendatária a não pagar as rendas, fazer cessar o contrato e acordar com o senhorio o pagamento das quantias em dívida) e não ao acordo de transação que constitui título executivo.
O que poderia legitimar que se convocasse o regime do art.º 437.º do C. Civil, em relação ao acordo que constitui título executivo, seria a alteração das circunstâncias em que fundaram a decisão de o celebrar e não aquelas, como as alegadas, que estiveram na origem do não pagamento das rendas e da vontade de fazer cessar o contrato de arrendamento.
Conclui-se, assim, que a circunstâncias a que os recorrentes fazem apelo naquela alegação dos art.ºs 13.º a 18.º da sua petição de embargos são unicamente aquelas em que fundaram a sua vontade de transigir e, em relação a estas, em momento temporal posterior, nenhuma alteração foi alegada que justifique a aplicação do disposto no art.º 437.º do C. Civil que, assim, não pode ser convocado, improcedendo, nesta parte, a apelação.
*
3. Quanto ao valor do capital em dívida, começa por dizer-se que assiste razão aos recorrentes quando referem a existência de um lapso manifesto resultante de uma errada operação aritmética que tem repercussão significativa no desfecho destes embargos de executado, considerando a forma como foi proferida a decisão e em particular o seu dispositivo.
Os executados não alegavam apenas que, para além dos pagamentos já referidos pela exequente no requerimento executivo, haviam também pago, em 04/02/2022, a quantia de € 2 587,76.
Alegavam também que pagaram o valor total de € 21.137,76 do montante inicial de € 34.706,64 e que, por isso, o capital em dívida era apenas de € 13.568,88.
A exequente embargada reconheceu que aquele pagamento de 04/02/2022 estava efetivamente realizado, aceitando que tal quantia fosse abatida ao montante de capital por si reclamado.
Ora, o capital inicialmente reclamado pela exequente era de € 20.871,20.
Assim, quando o Tribunal proferiu decisão determinando o prosseguimento da execução apensa com exceção da quantia de € 2.587,76, na sua literalidade, tal significou que àquela quantia de € 20.871,20 seria apenas deduzida esta quantia de € 2.587,76 e, assim, que a execução poderia prosseguir para exigir o valor de capital de € 18.283,44.
Ora, se analisarmos o título executivo e o que foi alegado pela exequente no requerimento executivo quanto às quantias já pagas à data da sua apresentação, facilmente percebemos que aquele valor de € 20.871,20 resulta de um erro de cálculo matemático (e estranha-se que a exequente nada tenha dito quanto a este erro de cálculo quando foi notificada das alegações de recurso apresentadas).
Com efeito, estando os executados obrigados ao pagamento de € 34.706,64, logo no requerimento executivo a exequente reconheceu que havia sido paga a quantia total de € 18.550,00 (é este o valor da soma das quantias parcelares indicadas) e, assim, na alegação da própria exequente, o valor que estava então em dívida era de € 16.156,64 e não € 20.871,20.
E daí que, quando se julgaram parcialmente procedentes estes embargos no que se reporta ao pagamento da quantia de € 2.587,76, tal implique deduzir este montante não ao valor indicado de € 20.871,20, mas ao valor que deveria então tê-lo sido de € 16.156,64.
Assim, considerando o título executivo e os valores que a exequente alegou no requerimento executivo terem sido recebidos, retifica-se o valor de capital então em dívida para € 16.156,64, nos termos do art.º 249.º do C. Civil, sendo a este valor que tem de ser imputado o pagamento que se reconheceu existir na sentença proferida de € 2.587,76.
Resulta do exposto que, retificando-se o valor de capital que de forma errada, por lapso aritmético, foi indicado no requerimento executivo, deveria ter ficado claro que a execução prossegue apenas para pagamento da quantia de capital de € 13.568,88, atento o valor da quantia exequenda - € 34.706,64 -, os pagamentos parciais efetuados e referidos na execução, no valor total de € 18.550,00, e o pagamento que, na sequência dos embargos deduzidos, resultou ainda demonstrado, de € 2.587,76.
Claro que esta redefinição do valor devido a título de capital tem relevo para a contagem dos juros devidos (se é inferior o valor do capital, é necessariamente inferior o valor dos juros de mora em dívida e que se contabilizam a partir daquele).
E assiste razão aos recorrentes quando referem que, nos termos em que foi proferida a decisão, não se sabe ao certo desde quando são os juros devidos, e sobre que quantia, considerando que foram efetuados pagamentos parciais da quantia inicial de € 34.706,64 (dúvidas que infra se ultrapassarão).
*
4. A propósito desta questão dos juros devidos pretendem os recorrentes questionar a imputação que foi efetuada no que se refere aos pagamentos parciais realizados.
Esta questão não foi suscitada em sede de embargos, sendo claro que a exequente havia imputado os pagamentos parciais efetuados no valor de capital em dívida.
Foi também essa a imputação efetuada pelos embargantes quando deduziram ao valor do capital todos os pagamentos efetuados – art.º 11.º da petição de embargos -, sendo que lhe competiria essa escolha, nos termos do art.º 783.º do C. Civil
Não pode, agora, discutir-se diversa imputação.
Mas se assim é, nos termos do acordo celebrado, a falta de pagamento pontual de cada uma das prestações acordadas implicava o imediato vencimento das restantes, sem necessidade de qualquer interpelação.
Quer isto dizer que logo em 23/04/2021, quando a executada não pagou a prestação de € 2.250,00 que estava acordada, se venceram as restantes, no valor total de € 34.706,64.

Assim, os juros comerciais são devidos:
- sobre o valor de € 34.706,64 desde 24/04/2021 e até 26/04/2021, pois que em 27/04/2021 foi paga a quantia de € 2.000,00;
- sobre o valor de € 32.706,64 desde 27/04/2021 até 16/05/2021, pois que em 17/05/2021 foi paga a quantia de € 2.000,00;
- sobre o valor de € 30.706,64 desde 17/05/2021 até 02/06/2021, pois que em 03/06/2021 foi paga a quantia de € 500,00;
- sobre o valor de € 30.206,64 desde 03/06/2021 até 19/07/2021, pois que em 20/07/2021 foi paga a quantia de € 2.250,00;
- sobre o valor de €27.956,64 desde 20/07/2021 até 03/08/2021, pois que em 04/08/2021 foi paga a quantia de € 1.250,00;
- sobre o valor de € 26.706,64 desde 04/08/2021 até 19/09/2021, pois que em 20/09/2021 foi paga a quantia de 1.000,00;
- sobre o valor de € 25.706,64 desde 20/09/2021 até 14/10/2021, pois que em 15/10/2021 foi paga a quantia de 2.000,00;
- sobre o valor de € 23.706,64 desde 15/10/2021 até 01/11/2021, pois que em 02/11/2021 foi paga a quantia de 1.000,00;
- sobre o valor de € 22.706,64 desde 02/11/2021 até 25/11/2021, pois que em 26/11/2021 foi paga a quantia de 1.000,00;
- sobre o valor de € 21.706,64 desde 26/11/2021 até 05/12/2021, pois que em 06/12/2021 foi paga a quantia de 1.000,00;
- sobre o valor de € 20.706,64 desde 06/12/2021 até 20/01/2022, pois que em 21/01/2022 foi paga a quantia de 2.250,00;
- sobre o valor de € 18.456,64 desde 21/01/2022 até 30/01/2022, pois que em 31/01/2022 foi paga a quantia de 2.300,00;
- sobre o valor de € 16.156,64 desde 31/01/2022 até 03/02/2022, pois que em 04/02/2024 foi paga a quantia de € 2 587,76;
- sobre o valor de € 13.568,88 desde 04/02/2022 e até integral pagamento.
A taxa aplicável é a que resulta do art.º 102.º, parágrafo 5, e Portaria n.º 277/2013, de 26/08, pois que foi a esta taxa que foram calculados os juros constantes do requerimento executivo, nada tendo os embargantes alegado a esse respeito.
Decorre do exposto que, daquele lapso relativo ao valor do capital em dívida, resulta que não só não é devido o valor de capital reclamado como não sejam devidos todos os juros peticionados, mas apenas os que se indicaram, o que terá sempre de ficar claro na decisão proferida quando se ordena o prosseguimento da execução para a sua cobrança coerciva.
A apelação procede, assim, parcialmente, sendo os embargos procedentes no que se refere ao valor de capital que excede o montante de € 13.568,88 e os juros de mora referidos, à taxa comercial referida, determinando-se, quanto ao referido valor excedente a extinção da execução.
As partes suportarão na proporção do decaimento, nos termos do art.º 527.º do C. P. Civil, as custas da execução, dos embargos de executado e deste recurso.

V – Decisão:

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação apresentada pelos embargantes executados e, em conformidade, julgam-se:

1. procedentes dos embargos deduzidos quanto ao valor em dívida, e que era, à data da propositura da execução, a título de capital, de € 13.568,88 (treze mil quinhentos e sessenta e oito euros e oitenta e oito cêntimos);
2. procedentes os embargos deduzidos quanto aos juros comerciais devidos que são apenas devidos, nos seguintes termos:
- sobre o valor de € 34.706,64 (trinta e quatro mil setecentos e seis euros e sessenta e quatro cêntimos) desde 24/04/2021 e até 26/04/2021, pois que em 27/04/2021 foi paga a quantia de € 2.000,00;
- sobre o valor de € 32.706,64 (trinta e dois mil setecentos e seis euros e sessenta e quatro cêntimos) desde 27/04/2021 até 16/05/2021, pois que em 17/05/2021 foi paga a quantia de € 2.000,00;
- sobre o valor de € 30.706,64 (trinta mil setecentos e seis euros e sessenta e quatro cêntimos) desde 17/05/2021 até 02/06/2021, pois que em 03/06/2021 foi paga a quantia de € 500,00;
- sobre o valor de € 30.206,64 (trinta mil duzentos e seis euros e sessenta e quatro cêntimos) desde 03/06/2021 até 19/07/2021, pois que em 20/07/2021 foi paga a quantia de € 2.250,00;
- sobre o valor de € 27.956,64 (vinte e sete nil novecentos e cinquenta e seis euros e sessenta e quatro cêntimos) desde 20/07/2021 até 03/08/2021, pois que em 04/08/2021 foi paga a quantia de € 1.250,00;
- sobre o valor de € 26.706,64 (vinte e seis mil setecentos e seis euros e sessenta e quatro cêntimos) desde 04/08/2021 até 19/09/2021, pois que em 20/09/2021 foi paga a quantia de 1.000,00;
- sobre o valor de € 25.706,64 (vinte e cinco mil setecentos e seis euros e sessenta e quatro cêntimos) desde 20/09/2021 até 14/10/2021, pois que em 15/10/2021 foi paga a quantia de 2.000,00;
- sobre o valor de € 23.706,64 (vinte e três mil setecentos e seis euros e sessenta e quatro cêntimos) desde 15/10/2021 até 01/11/2021, pois que em 02/11/2021 foi paga a quantia de 1.000,00;
- sobre o valor de € 22.706,64 (vinte e dois mil setecentos e seis euros e sessenta e quatro cêntimos) desde 02/11/2021 até 25/11/2021, pois que em 26/11/2021 foi paga a quantia de 1.000,00;
- sobre o valor de € 21.706,64 (vinte e um mil setecentos e seis euros e sessenta e quatro cêntimos) desde 26/11/2021 até 05/12/2021, pois que em 06/12/2021 foi paga a quantia de 1.000,00;
- sobre o valor de € 20.706,64 (vinte mil setecentos e seis euros e sessenta e quatro cêntimos) desde 06/12/2021 até 20/01/2022, pois que em 21/01/2022 foi paga a quantia de 2.250,00;
- sobre o valor de € 18.456,64 (dezoito mil quatrocentos e cinquenta e seis euros e sessenta e quatro cêntimos) desde 21/01/2022 até 30/01/2022, pois que em 31/01/2022 foi paga a quantia de 2.300,00;
- sobre o valor de € 16.156,64 (dezasseis mil cento e cinquenta e seis euros e sessenta e quatro cêntimos) desde 31/01/2022 até 03/02/2022, pois que em 04/02/2024 foi paga a quantia de € 2 587,76;
- sobre o valor de € 13.568,88 (treze mil quinhentos e sessenta e oito euros e oitenta e oito cêntimos) desde 04/02/2022 e até integral pagamento.
3. Em conformidade, a execução deverá prosseguir apenas para cobrança da quantia referida a título de capital e juros acima fixados, extinguindo-se a instância executiva quanto à restante quantia peticionada a título de capital e demais juros de mora comerciais.
As custas da execução, dos embargos e de deste recurso são devidas por ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento.
Guimarães, 23 de outubro de 2025
(elaborado, revisto e assinado eletronicamente)

Relator: Paula Ribas
1.º Adjunto: Luís Miguel Martins
2.ª Adjunta: Sandra Melo