Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | HELENA MELO | ||
Descritores: | EMBARGOS DE EXECUTADO COMPENSAÇÃO EXTINÇÃO DOS CRÉDITOS | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 12/03/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | Sumário (da responsabilidade da relatora – artº 663º, nº 7 do CPC): . A compensação, embora dependa da declaração e vontade de um dos interessados, os seus efeitos, uma vez emitida a declaração, retroagem ao momento em que os créditos se tornaram compensáveis. . Os créditos consideram-se extintos com as respectivas garantias e acessórios, desde que se tornaram compensáveis, e não apenas desde o momento em que o compensante manifeste a intenção de os extinguir. E os créditos tornaram-se compensáveis a partir da data em que se verificaram os requisitos da compensação. .Embora na decisão definitiva na ação 2134/08, já se tenha reconhecido créditos a ambas as partes, tornando-se ambas reciprocamente devedoras e credoras, não sendo o contra crédito dos executados líquido, só com a decisão sobre a liquidação que complementou a decisão principal condenatória e que fixou a indemnização em 30.000,00, se pode considerar que os créditos se tornaram compensáveis, não obstante a pretensão de compensação ter sido apenas dada a conhecer mediante requerimento posterior dos executados. . A partir do momento em que os créditos se consideram compensáveis, o crédito dos executados/embargantes extinguiu-se, não sendo devidos juros de mora sobre a indemnização de 30.000,00. . As decisões judiciais constituem actos jurídicos a que se aplicam, por analogia, as normas que regem os negócios jurídicos (art. 295º CC), valendo, na respectiva interpretação, as normas do n.º 1 dos arts. 236º e 238º do CC.. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório J. P. (entretanto falecido, e já habilitados em seu lugar M. C., A. L. e P. J.) e M. C., Executados nos autos de execução de que os presentes constituem apenso, deduziram oposição à execução intentada por J. B., Unipessoal, Lda e F. V., Exequentes pedindo, a final, que: [i] se proceda à rectificação da identificação e domicílio da Embargada/insolvente sociedade; [i] se reconheça o crédito dos Embargantes sobre os Embargados no montante de €261.522,63; [iii] se declare que sobre esse valor se vencem juros de mora à taxa legal desde a notificação para contestar a presente oposição; [iv] se declare que os Embargantes têm direito a recusar o pagamento da quantia exequenda, enquanto os embargados não efectuarem o pagamento daquele crédito e juros vencidos até então. Alegam para tanto, em síntese, que a sociedade Exequente foi declarada insolvente, devendo ser representada pela Massa Insolvente, e que a morada do Exequente F. V. não é a que consta no requerimento executivo. Prosseguem, invocando que na sentença proferida no âmbito do Processo n.º 2134/08.4TBBRG (e que constitui o título executivo) foi decidido, ao que interessa: - condenar a ré sociedade (ora Exequente) a indemnizar o autor (ora Executado) do custo que vier a ser necessário para a eliminação dos defeitos e do valor que este tiver que pagar a mais pela conclusão e construção das moradias em relação aos valores fixados no contrato da empreitada, em montantes a fixar em liquidação posterior; e - condenar os autores (ora Executados) a pagar à ré (sociedade ora Exequente) a quantia de € 146.000,00, sendo que parte desse valor no montante de € 95.000,00 deverá ser entregue directamente ao réu F. V.. Mais referiram que no acórdão que sobre aquela decisão recaíu – processo 2134/08.4TBBRG - proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 15/11/2012, ficou consignado que o valor de €146.000,00 cujo pagamento é reclamado pelos exequentes, só deverá ser pago depois de apurada a indemnização que a sociedade ré foi condenada a pagar aos AA; e bem assim que se a R. vier a exigir o pagamento da quantia de euros 146.000,00 sem oferecer simultaneamente a sua prestação, os AA. poderão invocar a excepção de não cumprimento. E como a Exequente J. B., Unipessoal, Lda instaurou execução sem antes efectuar o pagamento da indemnização devida aos Embargantes, indemnização essa que liquidam em €261.522,63, acrescida de juros de mora a contar da notificação da oposição aos embargados. assiste-lhes o direito de recusarem o pagamento da quantia exequenda. Os Embargados/exequentes J. B., Unipessoal, Lda e F. V. apresentaram articulado de contestação, pugnando pela improcedência dos Embargos de Executado. Alegam que as quantias que os Executados pretendem receber são ilíquidas e indeterminadas, já que a sociedade Exequente foi condenada a indemnizar o Autor (aqui Executado) do custo que vier a ser necessário para a eliminação dos defeitos e do valor que este tiver que pagar a mais pela conclusão e construção das moradias em relação aos valores fixados no contrato de empreitada, em montante a fixar em liquidação posterior. Acrescentam ainda que a lei prevê o meio próprio para obter aquele efeito, que é o incidente de liquidação (artigo 358º e 359º do NCPC), não podendo a liquidação ser efectuada no âmbito dos Embargos de Executado. Concluem, assim, que a iliquidez da obrigação, por seu turno, além de impedir a exigibilidade da mesma, torna os presentes embargos meio inepto ao fim pretendido: operar a compensação com o contracrédito dos Exequentes. Argumentam também os Embargados que a sentença exequenda condenou os AA/Executados a pagarem, à Ré/Exequente, a quantia de € 146.000,00, sendo que parte desse valor no montante de € 95.000,00 deverá ser entregue directamente ao Réu (aqui Exequente) F. V., sobre o qual não impende qualquer obrigação perante os Executados, pois não se encontra condenado a efectuar qualquer pagamento, donde não é possível operar a pretendida compensação. No dia 09/01/2014, no âmbito da audiência prévia, as partes requereram a suspensão dos embargos de executado, bem como da execução apensa, até que fosse decidido o incidente de liquidação a intentar pelos aqui executados e autores da acção principal; mais se tendo comprometido os executados/embargantes a intentar o referido incidente no prazo de 20 dias. Por despacho proferido nessa diligência foi decidido suspender a presente instância, bem como a instância executiva, até que fosse decidido o incidente de liquidação a propor pelos executados/embargantes. Instaurado o referido incidente foi o mesmo decidido e foi junta a estes autos a certidão extraída do processo nº 2134/08.4TBBRG, com a decisão do incidente de liquidação bem como do Acórdão da Relação de Guimarães que sobre aquela recaiu, já transitado em julgado. Nessa sequência, vieram os Embargantes, por requerimento junto a este apenso em 13/03/2017 e junto aos autos de execução em 20/03/2017, requerer ao Tribunal que, descontado o valor da indemnização que foi fixada naquele incidente de liquidação (no valor de €30.000,00) seja reduzida a quantia exequenda ao valor de €116.000,00. Os Exequentes responderam, em 27/03/2017 nos autos de execução que a quantia de €146.000,00 fixada na sentença proferida na acção principal vence juros desde a data da mesma até ao dia em que foi proferida a sentença no incidente de liquidação de sentença; sendo que a partir dessa data existe o vencimento de juros sobre o montante de €116.000,00 (€146.000 - €30.000,00), concluindo, assim, que a quantia exequenda deve, a essa data, ser fixada em €172.278,59. Após foi proferido saneador/sentença, por se entender que os autos já reuniam todos os elementos para ser proferida decisão final com o seguinte teor dispositivo: “Nestes termos, julga-se a presente oposição à execução por embargos deduzida pelos Embargantes/executados parcialmente procedente e em consequência: A) Reduz-se, por força da compensação do contra-crédito dos Embargantes sobre a Exequente sociedade, a quantia exequenda ao montante de €116.000,00 (cento e dezasseis mil euros), a que acrescem juros de mora contados, sobre esse valor, desde 11/02/2017 até integral pagamento; B) Mais se esclarece que parte da quantia exequenda, no valor de €95.000,00 e juros proporcionais, deverá ser entregue directamente ao Exequente F. V.. C) Absolvem-se, no mais os Executados/ Embargantes. D) Condenam-se os Embargantes e os Embargados nas custas, na proporção dos respectivos decaimentos.” Tanto a exequente J. B. Unipessoal, Lda. como os executados vieram interpor recurso da sentença que decidiu os embargos de executado. Os embargantes concluíram as suas alegações do seguinte modo: 1.ª - Em sede do incidente de liquidação deduzido pelos recorrentes na acção ordinária n.º 2134/08.4TBBRG, o tribunal fixou o valor da indemnização devida pela exequente sociedade aos recorrentes em € 30 000,00, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a data da decisão definitiva sobre a liquidação 2.ª - O tribunal a quo na sentença proferida não considerou esses juros de mora vencidos desde 11.02.2017 e que, até ao dia de hoje, ascendem ao valor global de € 3 849,86, impondo-se, pois, para determinação da quantia exequenda em dívida, fixar o valor da indemnização devida pela exequente aos recorrentes em € 33 849,86 - vd. art.º 619.º e 621.º CPC 3.ª - Não obstante os recorrentes, logo após o trânsito em julgado do incidente de liquidação, terem requerido nos presentes autos e na execução apensa que se descontasse à quantia exequenda aquela indemnização a que tinham direito a receber da exequente, a verdade é que, até à prolação da sentença recorrida tal questão não foi decidida 4.ª - Por conseguinte, dado que só agora, com a prolação da douta sentença recorrida se considerou compensado o contra-crédito dos recorrentes no crédito exequendo e, na sequência, se apurou e fixou o valor da quantia exequenda a pagar pelos recorrentes, só agora se poderão vencer juros de mora até efectivo e integral pagamento dessa quantia - vd. n.º 1 art.º 428.º e 1.ª parte , n.º 3 art.º 805.º CC 5.ª - Em virtude da compensação do contra-crédito dos recorrentes sobre a sociedade recorrida, no valor de € 33 849,86, impõe-se reduzir a quantia exequenda ao montante de € 112 150,14, a que acrescerão juros de mora contados, sobre esse valor, desde o trânsito em julgado da decisão definitiva dos presentes embargos até integral pagamento 6.ª - Na sentença dada à execução apensa o tribunal fez depender o recebimento da quantia de € 95 000,00 por parte do ora recorrido F. V., à eventualidade dos recorrentes terem de pagar à recorrida sociedade o valor de € 146 000,00 7.ª - Assim, em virtude da redução desse valor inicial para a quantia de € 112 150,14, resultante da compensação dos créditos dos recorrentes e da recorrida, entendemos que essa redução deve reflectir-se também, proporcionalmente, no montante a entregar ao recorrido F. V. 8.ª - Com efeito, se aquele valor inicial de que aquele tribunal partiu é agora de apenas € 112 150,14 (ou seja: € 146 000,00 - € 33 849,86), desse valor, proporcionalmente, deverá ser entregue pelos recorrentes ao recorrido F. V., apenas o valor de € 72 974,40 [(€ 112 150,14 x € 95 000,00): € 146 000,00] . De harmonia com as razões expostas deve conceder-se provimento ao recurso e, por tal efeito, revogar-se a sentença proferida, e em consequência, deliberar-se: a) a redução, por força da compensação do contra-crédito dos embargantes / recorrentes sobre a sociedade recorrida, da quantia exequenda ao montante de € 112 150,14, a que acrescem juros de mora contados, sobre esse valor, desde o trânsito em julgado da decisão definitiva dos presentes embargos até integral pagamento b) que dessa quantia exequenda, deverá ser entregue directamente ao recorrido F. V. apenas o valor de € 72 974,40 E são as seguintes as conclusões do recurso interposto pela exequente: 1.ª - Da sentença dada à execução de que estes autos são apenso, decorre que os embargantes não foram diretamente condenados a pagar a quantia de € 95 000,00 ao embargado F. V., antes foram, outrossim, condenados a pagar à ora recorrente a quantia de € 146 000,00 e dessa quantia, retirar € 95 000,00 para a entregarem diretamente ao embargado F. V. 2.ª - Face a estes concretos termos da sentença dada à execução apensa, resulta que o recebimento por parte do embargado F. V. da referida quantia de € 95 000,00, diretamente pelos embargantes, ficou condicionado à circunstância de estes terem de pagar à ora recorrente a aludida quantia de € 146 000,00 - vd. n.º 1 art. 236º do C.C., aplicável ex vi do art.º 295º do CC 3.ª - Sucede que, conforme requerido pela recorrente, pelo embargado F. V. e pelos embargantes, o tribunal “a quo” procedeu ao desconto da indemnização de € 30 000,00 devida aos embargantes na quantia exequenda de € 146 000,00, reduzindo-a, assim, ao montante de € 116 000,00 4.ª - Deste modo, atendendo a que era daquele concreto valor de € 146 000,00 (e não de outro inferior) que teria de sair o valor de € 95 000,00 a entregar diretamente pelos embargantes ao embargado F. V., tendo-se aquela quantia reduzido a € 116 000,00, deve também o montante a entregar diretamente ao embargado F. V., reduzir-se, na mesma proporção, ou seja, ao valor de € 75 479,45 [(€116 000,00 x € 95 000,00) : 146 000,00]. Termos em que, revogando a douta decisão recorrida e substituindo-a por outra que determine que o montante a entregar diretamente ao embargado F. V., deve reduzir-se, na proporção da redução da quantia exequenda, à quantia de € 75 479,45. II – Objeto do recurso Considerando que: . o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e, . os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, as questões a decidir são as seguintes: Recurso dos executados/embargantes: . 1ª: se à quantia exequenda, além da quantia de capital de euros 30.000,00 devem ser deduzidos os juros de mora contados sobre a quantia de 30.000,00, desde a data do trânsito em julgado da decisão que decidiu definitivamente o incidente de liquidação até à data da apresentação do presente recurso; .2ª: se apenas serão devidos juros de mora sobre a diferença entre o crédito reclamado pelas exequentes e o contra crédito dos executados, desde a data do trânsito em julgado da decisão definitiva sobre os embargos de executado; e, . 3ª: se a quantia a entregar pelos executados ao exequente F. V. deve ser reduzido proporcionalmente à redução do crédito devido à sociedade exequente, em consequência da compensação, devendo fixar-se em 72.974,40. Recurso interposto pela exequente/embargada: . se a quantia a entregar pelos executados ao exequente F. V. deve ser reduzido proporcionalmente à redução do crédito devido à sociedade exequente, devendo fixar-se em 75.479,45. III – Fundamentação Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos (compulsados os autos de execução, o apenso de Embargos de Executado e o Proc. nº 2134/08.4TBBRG): 1. J. B., Unipessoal, Lda e F. V. intentaram, em 05/04/2013, por apenso ao Proc. nº 2134/08.4TBBRG do extinto Tribunal Judicial de Braga - Vara de Competência Mista, contra J. P. e M. C. a execução de que os presentes Embargos de Executado são apenso, para pagamento da quantia de 163.631,00 € (Cento e Sessenta e Três Mil Seiscentos e Trinta e Um Euros). 2. Por sentença proferida, em 14/03/2012, no âmbito do Proc. 2134/08.4TBBRG do extinto Tribunal Judicial de Braga - Vara de Competência Mista, em que figuravam como AA. os ora Executados/ Embargantes J. P. e M. C. e como RR. os ora Exequentes/ Embargados J. B., Unipessoal, Lda e F. V., foi decidido: «A) Julgo parcialmente procedente a acção e, em consequência: - declaro resolvido o contrato celebrado entre as partes; - condeno a ré sociedade a indemnizar o autor do custo que vier a ser necessário para a eliminação dos defeitos e do valor que este tiver que pagar a mais pela conclusão e construção das moradias em relação aos valores fixados no contrato da empreitada, em montantes a fixar em liquidação posterior; - condeno o réu F. V. a desocupar o apartamento identificado na cláusula 5ª do aditamento, entregando-o aos autores; - absolvo os réus do restante peticionado; - condeno provisoriamente os autores, a ré sociedade e o réu F. V. no pagamento das custas da acção, em partes iguais, procedendo-se a rateio após a liquidação. B) Julgo parcialmente procedente a reconvenção e, em consequência: - declaro que os autores não cumpriram os prazos de pagamento do preço fixados no contrato de empreitada e respectivos aditamentos; - condeno os autores a pagar à ré a quantia de € 146.000,00, sendo que parte desse valor no montante de € 95.000,00 deverá ser entregue directamente ao réu F. V., absolvendo-se os autores do restante pedido;» 3. A sentença referida em 2, foi confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15/11/2012, que transitou em julgado em 19/12/12. 4. No dia 09/01/2014, foi realizada nestes autos a audiência prévia, no âmbito da qual as partes requereram a suspensão dos presentes embargos de executado, bem como da execução até que fosse decidido o incidente de liquidação a intentar pelos aqui executados, o que foi deferido. 5. Os AA., ora Embargantes, deduziram, nos autos principais (declarativos, que correm agora sob o mesmo n.º pelo Juízo Central Cível de Braga - Juiz 2) o competente incidente de liquidação de sentença com vista à fixação do valor da indemnização devida pela Ré (ora Exequente J. B., Unipessoal, Lda) àqueles, tendo aí sido proferida, em 12/05/2016 a seguinte decisão: «Pelo exposto, julgando o pedido de liquidação relativo à indemnização pelo custo acrescido para a conclusão da obra parcialmente procedente, fixo em 30.000 € o valor da referida indemnização, ao qual acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a data da decisão definitiva sobre a liquidação, absolvendo os Réus do remanescente do aludido pedido.» 6. A sentença referida em 4 foi confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, transitado em julgado em 11/02/2017 – cfr. certidão junta aos autos em 07/11/2019, sob a ref.ª 9341763. 7. Os Embargantes, por requerimentos juntos a este apenso em 13/03/2017 e aos autos de execução em 20/03/2017, requereram ao Tribunal que, fosse descontado o valor da indemnização que foi fixada naquele incidente de liquidação (no valor de €30.000,00) e, assim, reduzida a quantia exequenda ao valor de €116.000,00. 8. Os Exequentes/ Embargados responderam, por requerimento de 27/03/2017 junto aos autos de execução, que a quantia de €146.000,00 fixada na sentença proferida na acção principal venceu juros desde a data da mesma até ao dia em que foi proferida a sentença no incidente de liquidação de sentença; sendo que a partir dessa data existe o vencimento de juros sobre o montante de €116.000,00 (€146.000 - €30.000,00), concluindo, assim, que a quantia exequenda deve, a essa data, ser fixada em €172.278,59. Recurso dos apelantes executados/embargantes (1ª e 2ª questões): Na sentença dada à execução, proferida no processo 2134/08.4TBBRG, do extinto Tribunal Judicial de Braga - Vara de Competência Mista, em que figuravam como AA., os ora Executados/ Embargantes J. P. e M. C. e como RR., entre outros, os ora Exequentes/ Embargados J. B., Unipessoal, Lda e F. V., foi decidido: «A) Julgo parcialmente procedente a acção e, em consequência: - declaro resolvido o contrato celebrado entre as partes; - condeno a ré sociedade a indemnizar o autor do custo que vier a ser necessário para a eliminação dos defeitos e do valor que este tiver que pagar a mais pela conclusão e construção das moradias em relação aos valores fixados no contrato da empreitada, em montantes a fixar em liquidação posterior; - condeno o réu F. V. a desocupar o apartamento identificado na cláusula 5ª do aditamento, entregando-o aos autores; - absolvo os réus do restante peticionado; - condeno provisoriamente os autores, a ré sociedade e o réu F. V. no pagamento das custas da acção, em partes iguais, procedendo-se a rateio após a liquidação. B) Julgo parcialmente procedente a reconvenção e, em consequência: - declaro que os autores não cumpriram os prazos de pagamento do preço fixados no contrato de empreitada e respectivos aditamentos; - condeno os autores a pagar à ré a quantia de € 146.000,00, sendo que parte desse valor no montante de € 95.000,00 deverá ser entregue directamente ao réu F. V., absolvendo-se os autores do restante pedido;» A referida decisão foi confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15/11/2012, que transitou em julgado em 19/12/12. Após, vieram os RR. instaurar execução contra os ora embargantes para pagamento da quantia de 146.000,00, mais juros que à data do requerimento executivo (5.04.2013) fixaram em 17.580,00, acrescida dos juros vincendos até integral pagamento. Os executados vieram deduzir embargos de executado, tendo sido deduzida oposição. Foram suspensos os embargos de executado até decisão final do incidente de liquidação que visou apurar o valor da indemnização que a sociedade J. B.-Unipessoal,Lda fora condenada a pagar aos embargantes, relativa ao custo que vier a ser necessário para a eliminação dos defeitos e do valor que o autor (embargante) tiver de pagar a mais pela conclusão e construção das moradias em relação aos valores fixados no contrato da empreitada. De acordo com o disposto no n.º 2 do art. 358º do C.P.C, quando o incidente de liquidação é deduzido depois de proferida a sentença de condenação genérica, nos termos do n.º 2 do art. 609º do CPC, como aconteceu no caso, a instância extinta da ação declarativa renova-se. Significa isto que o incidente de liquidação não pode ser considerado um processo autónomo relativamente à ação declarativa propriamente dita, mas antes está dependente desta, não existindo o incidente sem a ação. A finalidade prosseguida pelo incidente de liquidação é a de obter a concretização do objeto da condenação da decisão proferida na ação declarativa, dentro dos limites do caso julgado desta, cfr se defende no Ac. do TRG de 19.04.2018, proc. 75/08.4TBFAF.G1. No mesmo sentido o acórdão também desta Relação de 12/02/2015, processo nº 2698/05.4RJVNF-A.G1, onde se entendeu que, a propósito do incidente de liquidação que “o incidente em causa não goza autonomia nem subsiste sem a ação originária. O incidente de liquidação não pode ser considerado como um processo autónomo, que tem existência por si só, antes resulta da tramitação inerente ao processo declarativo. Daí que, o incidente de liquidação só exista porque na ação declarativa foi decidido condenar o réu a pagar à autora a quantia que se vier a apurar em execução de sentença. Ou seja, o referido incidente tem, em relação à ação declarativa uma dependência funcional, sendo mero trâmite da ação declarativa”. No mesmo sentido se defendeu no Ac. do TRL de 24.06.2012, onde se pode ler: “O instituto da liquidação de sentença visa quantificar uma condenação anterior, estribada, por um lado, nos pedidos e causa de pedir enunciados pelo Autor ou pelo Réu, e, por outro, pela factualidade dada como provada e não provada, e pela aplicação à mesma do direito (sublinhado nosso), sendo dentro dessas precisas e estritas fronteiras que a determinação quantitativa perseguida pelo incidente de liquidação se pode movimentar e emergir, não podendo tal figura ter uma abrangência tal que, apesar da sua índole declarativa, se permita discutir, de novo e com idêntica amplitude, matéria essencial e constitutiva de direitos, que deveria ter sido debatida e demonstrada na acção declarativa propriamente dita e não foi” (sublinhado nosso). No incidente de liquidação foi decidido fixar em 30.000,00 o valor da indemnização devida pela sociedade J. B.-Unipessoal, Lda. ao executado, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da decisão definitiva sobre a liquidação, decisão que foi confirmada pelo Tribunal da Relação, por acórdão de 26.01.2017, transitado em 11.02.2017. A decisão ora recorrida que julgou os embargos, deduziu por força do contra-crédito dos executados, à quantia exequenda de capital 146.000,00, o montante de 30.000,00 que a exequente sociedade foi condenada a pagar aos executados, após liquidação, acrescendo à quantia de 116.000,00 assim obtida, juros de mora, desde a data do trânsito em julgado da decisão do TRG, proferida no incidente de liquidação. No entender dos apelantes embargantes à quantia de 146.000,00 deveriam ter sido deduzidos não apenas euros 30.000,00, mas sim euros 33.849,86 – correspondentes à quantia de 30.000,00 acrescida de juros vencidos desde a data do trânsito em julgado da decisão do TRG que julgou a liquidação até ao dia da apresentação das alegações no presente recurso – sendo assim a quantia exequenda de apenas 112.150,14 (146.000,00 – 33.849,86). Na sentença recorrida entendeu-se que ”tendo-se concluído supra que até à data em que transitou em julgado a sentença que fixou o valor da indemnização a pagar pela Exequente e esta manifestou a vontade de compensar, era legítimo aos Embargantes recusar o cumprimento da quantia exequenda, operando a paralização do direito daquela ou suspendendo a sua exigibilidade; Parece-nos que, por força da operabilidade da excepção de não cumprimento não poderá a quantia exequenda vencer juros de mora até essa data. Na verdade, se os Embargantes se podiam recusar legitimamente a pagar a quantia exequenda até ao momento em que a Embargada ofereceu a sua prestação (através da declaração de compensação), então, até esse momento não pode falar-se em mora dos Embargantes. E sendo os juros uma indemnização pela mora do devedor, necessariamente, inexistindo mora não há lugar a qualquer indemnização. Assim, conforme punam os Embargantes o valor do seu contra-crédito – de €30.000,00 - deve considerar-se compensado no crédito exequendo, na data do trânsito em julgado da sentença proferida no incidente de liquidação (11/02/2017), fixando-se, a essa data a quantia exequenda em €116.000,00 a que acrescem juros contados dessa mesma data até integral pagamento”. Assim, considerou-se não serem devidos quaisquer juros sobre a quantia de 146.000,00 desde a data do trânsito em julgado da decisão proferida no processo 2134/08, enquanto não foi liquidado o contra-crédito e nada se disse expressamente porque é não tinham sido considerados juros de mora sobre a quantia de 30.000,00. Afigura-se-nos que na sentença recorrida não se terão contabilizado quaisquer juros de mora sobre a quantia de 30.000,00 porque se entendeu que o valor do contra-crédito dos embargantes se devia considerar “compensado no crédito exequendo, na data do trânsito em julgado da sentença proferida no incidente de liquidação (11.02.2017), fixando-se a essa data a quantia exequenda em 116.00. Ora, tendo na data do trânsito em julgado se considerado compensado o crédito, não se iniciou a contagem de juros de mora que tem como pressuposto a mora que não ocorreu. Os embargantes vieram por requerimento de 13.03.2017 requerer que fosse descontado o valor da indemnização que foi fixada no incidente de liquidação e assim reduzida a quantia exequenda ao valor de 116.000,00 e os exequentes embargados responderam por requerimento de 27.03.2017, aceitando a redução da dívida exequenda, divergindo embargantes e embargados, relativamente ao cálculo dos juros de mora. No entender dos primeiros não deveriam ser contados quaisquer juros sobre a quantia de 146.000,00 até à data da decisão definitiva sobre a liquidação e no entender dos embargados, deveriam ser contabilizados juros de mora, sobre a quantia de 146.000,00 desde a data do trânsito em julgado da decisão proferida na ação 2134/08 até à data em que foi proferida a decisão definitiva no incidente de liquidação e sobre a quantia de 116.000,00, a partir dessa data. Note-se que no seu requerimento de 13.03.2017, os embargantes não vieram requerer a dedução de quaisquer juros de mora sobre a quantia de 30.000,00 à quantia exequenda, como agora reclamam. A consideração de juros de mora até à data da apresentação do recurso não tem qualquer fundamento, não tem apoio na decisão que julgou o incidente de liquidação, sendo que até é contraditória com o que os apelantes também alegam, quando defendem que só com a prolação da sentença recorrida foi reconhecida e efetuada a compensação e fixado o montante da quantia exequenda, pelo que, o corolário lógico do que alegaram, a serem devidos juros de mora sobre a indemnização no montante de 30.000,00, era a contagem de juros até ao momento da sentença proferida nos embargos e não até à data da apresentação das suas alegações. Vejamos: No âmbito do processo executivo, a compensação pode atuar como fundamento de oposição à execução baseada na sentença, quer ao abrigo do disposto na al. g) do art.º 729º do CPC quer ao abrigo da al. h) do referido preceito legal. Se é invocado que teve lugar a compensação, que se operou já a notificação de um contracrédito, desde que seja judicialmente reconhecido, que acarretou a extinção do crédito exequendo, a situação fáctica encontra acolhimento na al. g), consubstanciando a invocação de exceção perentória; se invoca o contracrédito judicialmente reconhecido com vista à compensação com o crédito exequendo, enquadra-se na previsão da al. h) (cfr.se defende no Ac. do TRC de 28.01.2020, proc. 51796/18.1YIPRT-B.C1, acessível em https://www.direitoemdia.pt/search/show/97036d76fe297ec2a7195a6683e676707e3e6f1d58f29843f8c32ad4b1cbdc41). A compensação torna-se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra (artº 848º do CC). A compensação reveste a configuração de um direito potestativo que se exercita através de um negócio jurídico unilateral. É uma declaração é uma declaração receptícia que pode ser efectuada através da via judicial ou extrajudicialmente. Por via judicial poderá ser efectuada através de notificação judicial avulsa (artº 261º do CC), exclusivamente destinada a levar ao conhecimento da outra parte a intenção do compensante, ou por via da ação judicial, quer seja através da petição inicial quer seja através da contestação (Antunes Varela, Das obrigações em geral, II volume, 7ªa edição, Almedina, p.215). A compensação não opera assim ipso jure. Carece de uma declaração de vontade nesse sentido, declaração essa que, sendo receptícia, como se referiu, só se torna eficaz quando chega ao conhecimento da outra parte ou quando dela é conhecida - art. 224.º, n.º 1, do C.C.. A compensação, embora dependa da declaração e vontade de um dos interessados, os seus efeitos, uma vez emitida a declaração, retroagem ao momento em que os créditos se tornaram compensáveis. Os créditos consideram-se extintos com as respectivas garantias e acessórios, desde que se tornaram compensáveis, e não apenas desde o momento em que o compensante manifeste a intenção de os extinguir. E os créditos tornaram-se compensáveis a partir da data em que se verificaram os requisitos da compensação. Ora, como decorre dos disposto no n.º 1 do art.º 847.º do C.C., os créditos tornam-se compensáveis quando duas pessoas se tornam reciprocamente credor e devedor, verificados que sejam os outros requisitos previstos nas alíneas a) e b) do referido n.º 1, ou seja, desde que o crédito do compensante seja exigível judicialmente, desde que contra ele não proceda excepção, perentória ou dilatória, de direito material (al. a) ), e desde que as duas obrigações tenham por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade (al. b)). Por outras palavras, os créditos tornam-se compensáveis quando as duas partes ficam simultaneamente credoras e devedoras uma da outra e esse momento tem a ver com a data de constituição do respectivos direitos e não com a data em que os mesmos sejam judicialmente reclamados.( cfr. se defende no Ac. do STJ de 06.07.2006, proc. nº 06S1067). A solução escolhida pelo legislador confere uma vital importância à situação de compensabilidade concreta dos créditos, porquanto é a partir do momento em que ela se verifica que os créditos mutuamente se extinguem. Assim, se um dos créditos ou ambos vencerem juros, deixam de contar-se esses juros a partir do referido momento e não a partir somente da declaração de compensação (Antunes Varela, obra citada, ps.225 e 226). No caso, embora na decisão definitiva na ação 2134/08, já se tenha reconhecido créditos a ambas as partes, tornando-se ambas reciprocamente devedoras e credoras, não sendo o crédito dos executados líquido, afigura-se-nos que só com a decisão sobre a liquidação, que fixou a indemnização em 30.000,00, se pode considerar que os créditos se tornaram compensáveis, não obstante a pretensão de compensação ter sido apenas dada a conhecer mediante requerimento de 13.03.2017, atenta a retroactividade consagrada no artº 854º do CC. A decisão do incidente que liquidou o montante da indemnização (antes não apurado) complementou a decisão principal condenatória. A partir desse momento, o crédito dos apelantes/embargantes no montante de 30.000,00 extinguiu-se e como tal, não são devidos juros de mora sobre essa quantia. E a não contabilização de juros sobre a quantia de 30.000,00 não viola o decidido na decisão que julgou os embargos, pois que não se verificou o retardamento do pagamento, pressuposto do vencimento de juros de mora. Como se referiu, o crédito dos embargantes extinguiu-se no momento em que se tornou compensável e a partir daquele momento, começaram a vencer-se juros de mora sobre a diferença a pagar, não sendo apenas devidos a partir do trânsito em julgado da decisão que decidir definitivamente os embargos, porque os créditos não se tornaram só compensáveis com essa decisão, como reclamam os apelantes. 3ª questão do recurso dos embargantes e recurso da embargada sociedade Deverá ser feita a redução proporcional à quantia a entregar ao exequente F. V., como defendem ambas as partes? Na tese dos embargantes, a quantia de 95.000,00 que a decisão que constitui o título executivo mandou entregar ao exequente F. V., deve ser reduzida à quantia de 72.974,00, em vez de 95.000,00, porque é o valor proporcional à quantia inicial de 146.000,00. Se em 146.000,00 que os executados foram condenados a pagar à exequente, os executados deviam entregar 95.000,00 ao exequente F. V., prosseguindo a execução apenas para pagamento da quantia de 112.150,14, a quantia a entregar ao F. V. deve ser reduzida para o referido montante de 72.974,40. Na tese da embargada J. B.-Unipessoal, Lda. a quantia que deverá ser entregue a F. V., deve ser reduzida para 75.479,45, pois é a que é proporcional à quantia de 116.000,00, montante para o qual, em seu entender, deve ser reduzida a quantia exequenda. Tendo a decisão exequenda condenado a entregar 95.000,00 euros ao réu F. V., não pode este montante ser diminuído. A leitura da decisão não permite a interpretação defendida pelos apelantes – redução proporcional da importância a entregar ao F. V.. A sentença recorrida deve ser interpretada segundo as regras dos artigos 236º e ss do CC, sendo pacífica a jurisprudência. Nesse sentido, v.g. as seguintes decisões (1): - Ac. do STJ, de 28-01-1997 (2): “I – A sentença proferida em processo judicial constitui um verdadeiro acto jurídico, a que se aplicam as regras regulamentadoras dos negócios jurídicos. II – A interpretação da sentença – enquadrável na esfera de competência do STJ – exige que se tome em consideração a fundamentação e a parte dispositiva, factores básicos da sua estrutura. III – Embora o objecto da interpretação seja a própria sentença, nessa tarefa há que ter em conta, ainda, outras circunstâncias, mesmo que posteriores, que funcionam como meios auxiliares de interpretação, na medida em que daí se possa retirar uma conclusão sobre o sentido que se lhe quis emprestar.” -Ac. do STJ, de 05-11-1998 (3): “I - Não obstante a decisão judicial exprimir a vontade da lei, e não a vontade pessoal do juiz, deve ser interpretada de acordo com os princípios que regem a interpretação da lei e as declarações negociais. II - Pedindo-se na acção a declaração de propriedade sobre um prédio e a sua restituição, bem como a perda do sinal pago pelo réu, promitente-comprador, e procedendo apenas quanto ao primeiro pedido, a apelação em que o autor insiste no reconhecimento da perda do sinal contém implícito o pedido de restituição do prédio. III - A Relação não extravasa, pois, o âmbito objectivo do recurso se conhecer então deste pedido de restituição. IV - A invocação, em recurso, de um vício que é causa de nulidade da decisão sem aludir a este consequência constitui, em todo o caso, uma arguição implícita da mesma.” -Ac. do STJ, de 09-03-2005 (4): “1ª A sentença (ou um acórdão) constitui um acto de jurisdição com destinatários aos quais é imediatamente dirigido, e deve ter um conteúdo decisório preciso na definição do direito do caso e das respectivas consequências. 2ª Funcionalmente adstrita à produção de efeitos (e a ser executada), a sentença, como qualquer outro acto com destinatários que produz efeitos externos (e internos ao processo), deve ser precisa e clara no conteúdo da decisão, e não susceptível de interpretações plurais não convergentes; por isso, podem ser invocadas obscuridades da sentença quando não seja clara, precisa e unívoca de sentido. 3ª A sentença, designadamente a sua parte decisória, é um acto jurídico declarativo e formal, dirigido às partes e, portanto, susceptível de interpretação, de harmonia com as regras, devidamente adaptadas, consignadas nos artigos 236° e ss. do C. Civil. 4ª A interpretação dos termos de uma sentença (e especialmente, do conteúdo da sua parte decisória) há-de partir da análise e consideração do sentido da linguagem empregue, passar pelo significado dos seus termos na perspectiva conceptual em que o sistema normativo (substancial e processual) os acolhe, até à coerência de sentido no plano funcional, vista a finalidade e os efeitos que a decisão projecta.” - Ac. do STJ, de 22-03-2007 (5): “- As decisões judiciais constituem actos jurídicos a que se aplicam, por analogia, as normas que regem os negócios jurídicos (art. 295º C. Civil), valendo, na respectiva interpretação, as normas do n.º 1 dos arts. 236º e 238º C. Civil; - Importa, porém, ter em consideração que, não se estando de um verdadeiro negócio jurídico, a decisão judicial não traduz uma declaração pessoal de vontade do julgador, antes exprimindo “uma injunção aplicativa do direito, a vontade da lei” no caso concreto, que o declarante se situa “numa específica área técnico jurídica”, investido na função de aplicador da lei, que, por sua vez, está obrigado a interpretar, em conformidade com as regras estabelecidas no art. 9º C. Civil, dirigindo-se outros técnicos de direito.” -Ac. do STJ, de 08-06-2010 (6): “I – Deve-se interpretar a sentença tomando em consideração os seus antecedentes lógicos, a fundamentação, sem deixar de ter em conta outras circunstâncias, mesmo posteriores à respectiva elaboração, que são qualificados como meios auxiliares. II – Condenada a R. Seguradora a pagar ao A. o que viesse a ser liquidado relativo a despesas médicas e hospitalares, medicamentosas e de deslocações para tratamentos e consultas e tendo-se apurado, em sede de liquidação, que este necessitava de efectuar fisioterapia e natação, com vista a uma total recuperação, há que interpretar a sentença de molde a incluir na obrigação de indemnizar o pagamento destas despesas: só assim se cumprirá a verdadeira finalidade da obrigação imposta à parte lesante, no caso à Seguradora, por força do contrato de seguro com esta celebrado.” - Ac. do STJ, de 03-02-201 (7): “1. Num recurso fundado em violação do caso julgado, tem necessariamente o Tribunal «ad quem» de começar por determinar qual é – segundo os critérios interpretativos que devem ser utilizados para determinar o sentido de uma sentença – o âmbito possível de tal operação interpretativa, excluindo aqueles sentidos normativos que extravasem o âmbito consentido a uma actividade interpretativa, levando a alcançar e imputar-lhe sentidos decisórios que a sentença interpretada manifestamente não pode comportar. 2. Sendo as decisões judiciais actos formais, - amplamente regulamentados pela lei de processo e implicando uma «objectivação» da composição de interesses nelas contida –tem de se aplicar à respectiva interpretação a regra fundamental segundo a qual não pode a sentença valer com um sentido que não tenha no documento ou escrito que a corporiza um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. 3. Por força da função limitativa ou excludente do caso julgado, não é possível à parte que, formulando um pedido global não individualizado, o viu proceder apenas em parte, obtendo um valor ou montante inferior ao pretendido, alcançar, através de decisão jurisdicional ulterior, aquilo que não logrou obter através da sentença primeiramente proferida e transitada em julgado.” -Ac. desta Relação de Guimarães, de 05-11-2018 (8): “I - As normas que disciplinam a interpretação da declaração negocial (arts. 236º a 238º do C. Civil) são válidas para a interpretação de uma decisão proferida em processo judicial, por esta constituir um verdadeiro acto jurídico, a que se aplicam as regras regulamentadoras dos negócios jurídicos (art. 295º do C. Civil). II - O que significa que a concreta declaração de uma sentença tem de ser interpretada com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição dos reais declaratários, possa deduzir do seu contexto, embora não possa valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto daquela, devendo salientar-se, ainda, que, em caso de dúvida sobre tal sentido, terá de prevalecer o menos gravoso para o arguido, o que exprime o reconhecimento dum princípio geral que se impõe em todos os planos da aplicação do direito penal.” Na sentença que constitui o título executivo nestes autos foi dado como provado, entre outro factos, que as partes acordaram na cláusula 5ª do aditamento ao contrato de empreitada que para pagamento parcial dos trabalhos a realizar pela R (a exequente sociedade), o A.(o embargante) prometia-lhe vender, designadamente, o prédio urbano tipo T3 sito na R. ..., na freguesia de …, em Braga ao qual os outorgantes atribuíram valor de euros 95.000,00. Mais se apurou que os AA. entregaram à R. sociedade o apartamento tipo T3 referido na cláusula 5ª do aditamento, para que a R. angariasse interessado que o adquirisse por compra, revertendo para a R.sociedade o preço, de modo a obter o pagamento da obra realizada, o que a R. fez (cfr factos 39 a 41), tendo a R. recebido do R. F. V., na outorga do contrato promessa de compra e venda do referido apartamento, a quantia de 95.000,00 que imputou no preço a pagar pelos AA. (cfr pontos 44, 45, 47 e 55). Essa quantia de 95.000,00 foi entregue à sociedade exequente, pelo R. F. V., com vista à compra da referida fração que nunca se concretizou, montante que foi imputado no preço de construção das moradias, a suportar pelo A./embargante. Escreveu-se na decisão recorrida: “Finalmente e no que concerne ao pedido de restituição ao réu do valor de euros 95.000,00 por si entregues, afigura-se-nos que deverá proceder, desde logo, por força dos efeitos da aludida resolução contratual. Todavia, e em face do alegado e peticionado pelos próprios réus, tal montante deverá ser descontado ao valor que os autores estão obrigados a pagar relativamente ao preço em falta. Na verdade, tendo a ré sociedade recebido daquele réu o aludido valor de euros 95.000,00 e sendo imputado esse valor no preço devido pelos autores, não pode receber novamente esse valor sob pena de duplicação indevida.” Ora, da interpretação da sentença, não resulta qualquer relação proporcional entre a quantia de 146.000,00 que os executados foram condenados a pagar aos exequentes e a quantia de 95.000,00 a destacar desse preço para ser entregue ao exequente F. V., o qual a tinha pago à sociedade ré, ora exequente, no âmbito de um contrato promessa de compra e venda da fração que não era pertença da sociedade vendedora, mas sim do autor, ora executado, mas que lhe tinha sido entregue para que a vendesse para pagamento de parte do preço da construção das moradias. Tendo o F. V. entregue a quantia de 95.000,00 à sociedade exequente que a descontou no preço devido pelos autores, é esta a quantia que deve ser entregue ao referido F. V. e não outra menor. Qualquer declaratário na posição do real declaratário iria retirar este entendimento da decisão. Assim, não assiste razão aos apelantes em ver reduzido o valor a entregar ao exequente F. V., não merecendo censura a decisão recorrida. IV – Decisão Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar improcedente ambas as apelações, confirmando a decisão recorrida. Custas pelos apelantes. Notifique. Guimarães, 3 de dezembro de 2020 1. Apud Ac. do TRG de , proc. 6374/16.4T8GMR-A.G2 – 1.ª, não publicado, relatado pelo desembargador José Amaral, no qual a relatora deste acórdão interveio como adjunta. 2. Processo 96A422, relatado pelo Consº J. Silva Paixão, in CJ (S), 1997, Tomo I, página 83. 3. Processo 98B712, relatado pelo Consº Pereira da Graça. 4. Processo nº 04P4747, relatado pelo Consº Henriques Gaspar. 5. Processo 06A4449, relatado pelo Consº Alves Velho. 6. Processo 25.163/05.5YYLSB.L1.S1, relatado pelo Consº Urbano Dias. 7. Proferido no processo 190-A/1999.E1.S1, relatado pelo Consº Lopes do Rego. 8. Proferido no Processo 70/10.3IDVCT.G1, relatado pela Desemb. Ausenda Gonçalves, |