Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4202/17.2T8BRG-B.G1
Relator: MARGARIDA GOMES
Descritores: PRESTAÇÃO ESPONTÂNEA DE CAUÇÃO
NULIDADE PROCESSUAL
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
EFEITO DO RECURSO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/23/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Não estando em causa questão sobre o estado das pessoas e sendo requerida, a coberto de um futuro recurso de revista, a prestação de caução com vista a que a requerida fique impedida de executar as decisões proferidas na ação e de que o incidente de caução é apenso, pretende-se obter o efeito suspensivo de tal recurso.

II. Tal efeito suspensivo não tem acolhimento no disposto no nº 1 do artº 676º do Código de Processo Civil, do qual resulta que o recurso de revista só tem efeito suspensivo em questões sobre o estado das pessoas.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório:

A Banco 1..., CRL deduziu incidente de prestação espontânea de caução, alegando, em suma que, por sentença proferida em 19 de abril de 2022 foi condenada a pagar à requerida “EMP01...” o montante de € 1.371.367,04, acrescido de juros de mora, contados desde a data da decisão até efetivo e integral pagamento, decisão que veio a ser confirmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em acórdão proferido em 30 de novembro de 2022.
A requerente irá apresentar recurso de revista dessa decisão, tendo sérias expectativas de o mesmo vir a ser julgado procedente, sendo que o prazo para interposição do recurso se encontra a correr termos e o recurso terá efeito meramente devolutivo.
Ora, a requerida “EMP01...” tem vindo a encetar diversos esforços no sentido de forçar a requerente a proceder imediatamente ao pagamento da importância em causa, não se vedando de dirigir ameaças de execução das decisões proferidas
A requerente não se pretende furtar a cumprir qualquer responsabilidade que lhe seja imputada mas receia que, realizando o pagamento a favor da “EMP01...”, e em caso de procedência do recurso, exista o sério risco de a importância paga não lhe vir a ser restituída e isto porque a “EMP01...” ainda se encontra numa situação de insolvência, a cumprir o respetivo plano e numa situação financeira seriamente deficitária.
Ora, a assim ser, a requerente não tem qualquer garantia de que, pagando agora aquela importância de € 1.371.367,04, venha a mesma a ser-lhe restituída no caso de provimento do recurso que irá interpor no Supremo Tribunal de Justiça e isto porque caso a requerente entregue tal valor à requerida “EMP01... -..” certamente esta o utilizará para fazer face a compromissos assumidos e já vencidos, sem que disponha de autonomia para depois, em caso de procedência do recurso, assegure a respetiva devolução.
Por outro lado, será de salientar que mesmo que a requerida “EMP01...” executasse as decisões proferidas, nunca poderia obter o pagamento de tal montante na execução até que fosse proferida decisão judicial definitiva, a não ser que ela própria prestasse caução.
Com a prestação espontânea de caução nos termos em que se indicará, a requerente crê que todos os interesses das partes envolvidas ficarão salvaguardados: não só a requerida “EMP01...” fica garantida no recebimento de tal importância em caso de improcedência do recurso de revista; como a requerente ficará garantia na restituição desse montante no caso de provimento desse recurso.
Propõe-se a prestar caução mediante depósito em dinheiro a favor da “EMP01...”, no valor total de € 1.434.637,78 (um milhão quatrocentos e trinta e quatro mil seiscentos e trinta e sete euros e setenta e oito cêntimos).

Notificada, a autora/recorrida/requerida EMP01..., Ldª ofereceu oposição, na qual, entre o mais, discorda do montante da caução proposta que a requerente logo constituiu mediante depósito autónomo.

Porquanto se entendeu que a decisão do apenso de prestação de caução dispensava a produção de qualquer prova, e que o tribunal estava em condições de decidir foi, de imediato, saneado o processo e proferida sentença que julgou totalmente improcedente o presente apenso de prestação de caução requerido por Banco 1..., CRL contra EMP01..., Ldª, mais condenando a primeira no pagamento da totalidade das custas processuais.

Inconformada com a decisão veio a Banco 1..., CRL, da mesma recorrer, formulando as seguintes conclusões:

1.ª - A sentença impugnada está ferida de nulidade porque foi proferida quando corria ainda prazo para a recorrente exercer o seu direito ao contraditório, contraditório esse que, a ter sido exercido, poderia influir na tomada de decisão
- vd. art. 3.º, n.º 3 do CPC
- vd., a título meramente exemplificativo, o Ac. do TRG de 19.04.2018, proc. n.º 533/04.0TMBRG-K.G1
2.ª - Sem prescindir do que se afirmou no ponto antecedente, a recorrente não concorda com a decisão proferida, julgando que a mesma assentou no pressuposto erróneo de que com a prestação da caução pretenderia alterar os efeitos do recurso de revista que viria a interpor, contornando o regime legal que apenas possibilita a atribuição de tal efeito aos processos que versem sobre o estado de pessoas
É que em circunstância alguma a recorrente pretendeu contornar o quadro legal, atribuindo efeitos suspensivos a um recurso relativamente ao qual, legalmente, só podem ser atribuídos efeitos meramente devolutivos
- vd. art. 676.º, n.º 1 do CPC
3.ª - Tal é comprovado pelo facto de em momento algum a recorrente ter invocado a atribuição de tal efeito, mas também porque a prestação de caução, nos termos em que foi prestada, não tem a virtualidade de produzir as mesmas consequências que seriam produzidas caso tivesse sido atribuído efeito suspensivo ao recurso apresentado
4.ª - Efetivamente, a atribuição de efeitos suspensivos ao recurso de revista teria como resultado a impossibilidade de a recorrida, até decisão final transitada em julgado, obter qualquer pagamento ou garantia de pagamento da indemnização que lhe foi reconhecida; já a prestação de caução apenas evita que a recorrida tenha que dar entrada de uma ação executiva para obter o recebimento/garantia de recebimento de tal indemnização, pois que o respetivo valor já se encontra depositado
Assim, se na primeira situação a recorrida nada poderia reclamar e a recorrente nada teria que pagar antecipadamente, na segunda situação a recorrida fica com o seu crédito garantido, pois que a recorrente tem que cumprir os termos das decisões proferidas, pagando não só a indemnização reconhecida à recorrida, como antecipando o pagamento de juros de mora vincendos.
5.ª - Foi esta segunda situação a que se verificou nos autos: a recorrente já cumpriu as decisões proferidas, depositando a indemnização reconhecida à recorrida que, por sua vez, já dispõe de garantia do recebimento de tal montante
6.ª - A prestação de caução nos termos propostos/efetivados não prejudica a recorrida que assim dispõe da garantia de que irá receber a indemnização que lhe foi reconhecida caso o recurso de revista venha a ser julgado improcedente e se mantenha o reconhecimento do seu direito à indemnização em tal importância
Além disso, mesmo que no imediato desse entrada de uma ação executiva para obter o pagamento da indemnização em causa, nunca poderia obter o pagamento de tal montante até que fosse proferida decisão judicial definitiva, a não ser que ela própria prestasse caução
- vd. art. 733.º, n.º 4 do CPC
7.ª - A decisão do Tribunal a quo releva-se mais prejudicial à recorrida porque coloca sobre si o ónus do recebimento, com custos acrescidos e maior pendência judicial
E, nessa medida, conforme se antevê, diferentemente do que parece decorrer da sentença impugnada, o pedido de prestação de caução não teve qualquer finalidade de atribuir efeitos ao recurso de revista que legalmente não lhe podem ser atribuídos: o pedido teve tão só e apenas por finalidade assegurar o cumprimento da decisão que reconheceu um direito à recorrida
8.ª - Esta é também a única solução que permite assegurar à recorrente que, no caso de procedência do recurso se revista, o montante agora pago lhe será restituído porque a recorrida encontra-se a cumprir um plano de recuperação, mantendo ainda pendente um avultado volume de responsabilidades perante credores sociais
9.ª - À recorrente não restava outra solução porque não poderia ter pedido a atribuição de efeitos suspensivos ao recurso de revista que interpôs, pois que tais efeitos apenas poderiam ser atribuídos no caso de a ação versar sobre o estado de pessoas (o que não sucede) e mesmo que tivesse prestado caução aquando da interposição do recurso de apelação para atribuição de efeitos suspensivos, tal incidente e respetivos efeitos restringir-se-iam ao recurso de apelação, sem se comunicarem ou prolongaram para o recurso de revista
- vd. art. 676.º, n.º 1 do CPC
- vd. Ac. do TRG de 08.03.2012, proc. 4959/10.1TBBRG-A.G1
10.ª - Mais sucede que a figura da prestação espontânea de caução não conhece qualquer limite temporal para ser oferecida, pelo que não tem fundamento legal dizer-se que não seja este o momento processual adequado para a sua apresentação
- vd. art. 913.º do CPC
11.º - Por fim, a recorrente considera que a sentença deve ainda ser revogada porque desconsiderou o facto de a recorrida ter concordado e aceite a caução oferecida pela recorrente, apenas discordando do seu valor e que, por força do princípio do dispositivo, o Tribunal a quo deveria ter apenas decidido quanto à razoabilidade do valor a depositar pois que esse é o único ponto de discordância entre as partes - decisão que seria aquela que melhor salvaguardaria o interesse das partes e garantiria a melhor composição do litígio
- vd. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, p. 372.

DE HARMONIA COM AS RAZÕES EXPOSTAS DEVE CONCEDER-SE PROVIMENTO AO RECURSO E, POR TAL EFEITO, REVOGAR-SE A SENTENÇA PROFERIDA ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA!

Após se pronunciar sobre a invocada nulidade, entendendo não se verificar a mesma, o Tribunal a quo, admitiu o recurso.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.
*
II. Objeto do recurso:

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, impondo-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes, bem como as que sejam de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas, cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, sendo certo que o tribunal não se encontra vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e que visam sustentar os seus pontos de vista, isto atendendo à liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.
Assim sendo, atentas as conclusões apresentadas importa aos autos aferir se a sentença se mostra nula porquanto proferida quando corria ainda prazo para a recorrente exercer o seu direito ao contraditório, contraditório esse que, a ter sido exercido, poderia influir na tomada de decisão e se, no caso em concreto, seria de admitir a prestação de caução, nos termos requeridos.
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III. Fundamentação de facto:

A) Factos assentes:
 
1. Por sentença proferida a 19 de abril de 2022, a ré Banco 1..., CRL foi condenada a pagar a autora EMP01..., Ldª «o montante de € 1.371.367,04 (um milhão trezentos e setenta e um mil, trezentos e sessenta e sete euros e 4 cêntimos), acrescida de juros de mora, contados desde a data da presente decisão até efectivo e integral pagamento»;
2. No dia 3 de junho de 2022, a ré interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, não tendo requerido a atribuição de efeito suspensivo ao mesmo;
3. Por despacho de 7 de setembro de 2022, o recurso foi admitido com efeito devolutivo;
4. Por acórdão de 30 de novembro de 2022, a apelação interposta pela recorrente Banco 1..., CRL foi julgada improcedente e, como tal, confirmada a sentença proferida em 1.ª instância.
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IV. Do direito:

a) da nulidade arguida

Veio em sede de recurso, a recorrente arguir a nulidade da sentença porquanto foi a mesma proferida quando corria ainda prazo para a recorrente exercer o seu direito ao contraditório, contraditório esse que, a ter sido exercido, poderia influir na tomada de decisão.

Vejamos.

Antes de mais se diga que a questão suscitada pela recorrente, a saber, da nulidade da decisão proferida, por alegada violação do princípio do contraditório, convocando, para o efeito, o disposto no nº 1 do artº 195º, do Código de Processo Civil, que prevê que “fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa” – não se enquadra no regime das nulidades processuais (previstas nos artºs 195º e ss. do CPC).
A propósito deste normativo, que no Código de Processo Civil pretérito tinha correspondência no artigo 201º, nº 1 (com a mesma redação hoje consagrada no art.º 195º do atual CPC), anota Lebre de Freitas (“Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, pág. 350), que “A nulidade de acto processual, de que cuida em geral o artigo 201º, distingue-se das nulidades específicas das sentenças e dos despachos (artigos 668-1, alíneas b) a e), e 663-3), bem como do erro material (artigo 667º), da ambiguidade da decisão (artigo 669-a)) e do erro de julgamento (de facto ou de direito). Enquanto estes casos respeitam a vícios de conteúdo, o vício gerador da nulidade do artigo 201º, bem como os que geram as nulidades previstas nos artigos 194º a 200º (…), respeitam à própria existência do acto ou às suas formalidades. Assim também, quando um despacho judicial aprecia a nulidade de um acto processual ou, fora do âmbito da adequação formal do processo, admite a prática dum acto que não podia ter lugar, ordena a prática dum acto inadmissível ou se pronuncia no sentido de não dever ser praticado certo acto prescrito por lei, a questão deixa de ter o tratamento das nulidades para seguir o regime do erro de julgamento, por a infracção passar a ser coberta pela decisão, expressa ou implicitamente, proferida, ficando esgotado, quanto a ela o poder jurisdicional (artigo 666-1). É o que usa ser traduzido com o aforismo “das nulidades reclama-se; dos despachos recorre-se”.
No mesmo sentido se pronunciava já, há muito, o Prof. José Alberto dos Reis, no seu Comentário ao Código de Processo Civil (Vol. II, pág. 507), onde pode ler-se o seguinte trecho: “A reclamação por nulidade tem cabimento quando as partes ou os funcionários judiciais praticam ou omitem actos que a lei não admite ou prescreve; mas se a nulidade é consequência de decisão judicial, se é o tribunal que profere despacho ou acórdão com infracção de disposição da lei, a parte prejudicada não deve reagir mediante reclamação por nulidade, mas mediante interposição de recurso. É que, na hipótese, a nulidade está coberta por uma decisão judicial e o que importa é impugnar a decisão contrária à lei; ora as decisões impugnam-se por meio de recursos (art. 677º) e não por meio de arguição de nulidade do processo”.
Dito isto, na situação presente, a recorrente ao invocar a nulidade processual, invoca a nulidade da decisão por violação do direito ao contraditório, arguindo que, exercido o mesmo, a decisão a proferir poderia ser distinta.

Ora, decorre do nº 3 do artº 3º do Código de Processo Civil que “o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta necessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Este preceito consagra o principio do contraditório, segundo o qual, conforme referem os Drs Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol I, 2ª edição, pág. 21, “(…) repugnam ao nosso sistema processual civil decisões tomadas à revelia de algum dos interessados, regra que apenas sofre desvios quando outros interesses se sobreponham.”
Efetivamente, continuam aqueles autores, a pág. 22 da referida obra, “A liberdade de aplicação das regras do direito (art. 5º, nº3) ou a oficiosidade no conhecimento de determinadas exceções, sem outras condicionantes, potenciariam decisões que, em divergência com as posições jurídicas assumidas pelas partes, constituiriam verdadeiras decisões surpresa (SJJ 17-6-14, 233/2000). A regra do nº 3 pretende impedir que, a coberto desse principio, as partes sejam confrontadas com soluções jurídicas inesperadas ou surpreendentes, por não terem sido objeto de qualquer discussão (STJ 15-3-18, 2057/11, STJ 19-5-16, 6473/03 e STJ 27-9-11, 2005/03;”.
A audição das partes pode porém, ser dispensada, em casos de manifesta desnecessidade, quando, como enunciam os autores na obra citada, se trate de indeferimento de nulidades (artº 201º) e sempre que as partes não possam, objetivamente e de boa fé, alegar o desconhecimento das questões de direito ou de facto a decidir ou as respetivas consequências.
Perante uma decisão que tenha sido proferida com desrespeito pelo principio do contraditório e se trate, assim, de uma verdadeira decisão surpresa, deve a sua impugnação ser feita através da interposição de recurso, a ser este admissível, ou mediante a arguição da nulidade da decisão, nos restantes casos.
Ora, no caso sub judice, sendo admissível o recurso, foi no âmbito deste que se suscitou a nulidade, nulidade essa que se encontra regulada no nº 1 do artº 195º do Código de Processo Civil e que, o é, em termos abstratos, pois resulta da omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve e que pode influir no exame ou na decisão da causa.
Aqui chegados importa aferir se, no caso concreto se verifica ou não a omissão invocada.

Nos presentes autos veio a Banco 1..., CRL, ora recorrente, deduzir incidente de prestação espontânea de caução, alegando, em suma que, por sentença proferida em 19 de abril de 2022 foi condenada a pagar à requerida “EMP01... -..” o montante de € 1.371.367,04, acrescido de juros de mora, contados desde a data da decisão até efetivo e integral pagamento, decisão que veio a ser confirmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em acórdão proferido em 30 de novembro de 2022.
Ora, pretendendo a mesma apresentar recurso de revista dessa decisão, tendo sérias expectativas de tal recurso vir a ser julgado procedente, sendo que o prazo para interposição do recurso encontra-se a correr termos e o recurso terá efeito meramente devolutivo, sendo certo que, a mesma não tem qualquer garantia de que, pagando agora aquela importância em que foi condenada, venha a mesma a ser-lhe restituída no caso de provimento do recurso que irá interpor no Supremo Tribunal de Justiça e isto porque caso a requerente entregue tal valor à requerida “EMP01... -..” certamente esta o utilizará para fazer face a compromissos assumidos e já vencidos, sem que disponha de autonomia para depois, em caso de procedência do recurso, assegure a respetiva devolução.
Por outro lado, mesmo que a requerida “EMP01... -..” executasse as decisões proferidas, nunca poderia obter o pagamento de tal montante na execução até que fosse proferida decisão judicial definitiva, a não ser que ela própria prestasse caução.
Com a prestação espontânea de caução nos termos em que se indicará, a requerente crê que todos os interesses das partes envolvidas ficarão salvaguardados: não só a requerida “EMP01... -..” fica garantida no recebimento de tal importância em caso de improcedência do recurso de revista; como a requerente ficará garantia na restituição desse montante no caso de provimento desse recurso.
Propõe-se a prestar caução mediante depósito em dinheiro a favor da “EMP01... -..”, no valor total de € 1.434.637,78 (um milhão quatrocentos e trinta e quatro mil seiscentos e trinta e sete euros e setenta e oito cêntimos).

Notificada, a autora/recorrida/requerida EMP01..., Ldª ofereceu oposição, na qual, entre o mais, discorda do montante da caução proposta que a requerente logo constituiu mediante depósito autónomo.

Porquanto se entendeu que a decisão do apenso de prestação de caução dispensava a produção de qualquer prova, e que o tribunal estava em condições de decidir foi, de imediato saneado o processo e proferida sentença que julgou totalmente improcedente o presente apenso de prestação de caução requerido por Banco 1..., CRL contra EMP01..., Ldª, mais condenando a primeira no pagamento da totalidade das custas processuais.

Antes de mais se diga que entendemos que, a decisão proferida não configura uma decisão surpresa para a requerente, uma vez que em sede de oposição o requerido suscitou a questão arguindo ter o recurso em causa efeito meramente devolutivo e permitir a execução da decisão.
Acresce que, face ao pedido, apenas poderia o mesmo ser deferido na totalidade, em parte, fixando-se valor ou meio de prestação distinto, ou indeferido, por não admissível.
Acresce que, o Tribunal a quo teve por base os factos alegados pelas partes e não foi além dos mesmos.
Por último, diga-se estarmos de acordo com a posição assumida pelo Tribunal a quo, em sede de apreciação da invocada nulidade.
Vejamos.
Estabelece o nº 1 do artº 915º do Código de Processo Civil que “o disposto nos artigos anteriores é também aplicável quando numa causa pendente haja fundamento para uma das partes prestar caução a favor da outra, mas a requerida é notificada, em vez de ser citada, e o incidente é processado por apenso”.
Como referem os Drs. Drs Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol II, 2021 reimpressão, pág. 353 “A via incidental é aquela que com mais frequência veicula uma pretensão no sentido de ser deferida a prestação de caução e avaliada a sua modalidade ou idoneidade, surgindo nos casos em que a prestação de caução constitui uma condição para a obtenção de uma vantagem processual”.
Ora, da leitura do disposto no artº 913º do Código de Processo Civil, conjugado com o preceito atrás citado, resulta que, após a apresentação da petição inicial é notificado o requerido e, havendo oposição quanto ao valor ou à idoneidade da caução, há lugar a aplicação, com as devidas adaptações, do disposto nos artºs 908º e 909º daquele diploma legal.
No caso sub judice, veio a requerida opor-se ao montante da caução oferecida, sendo certo que, tendo a mesma sido oferecida pelo “devedor” a tramitação processual em causa não prevê qualquer articulado de contraditório destinado a rebater a oposição daquela quanto ao alegado por esta acerca da idoneidade da caução, pelo que não ocorreu a violação do principio do contraditório ao prolatar-se a decisão sindicada.
Por outro lado, também não houve lugar à realização das diligências necessárias para apreciar a idoneidade da caução, porquanto, pelas razões já mencionadas na decisão, não há fundamento legal para, na presente fase processual, prestar incidente de caução em 1ª instância.

Nestes termos, entende-se improceder a invocada nulidade.
*
b) da admissibilidade de prestação de caução.

Porquanto alega a recorrente pretender recorrer de revista, veio a mesma requerer a prestação de caução, oferecendo depósito em dinheiro a favor da “EMP01...”, no valor total de € 1.434.637,78 (um milhão quatrocentos e trinta e quatro mil seiscentos e trinta e sete euros e setenta e oito cêntimos).

Em sede de 1ª instância julgou-se, no entanto, improcedente o presente incidente com fundamento no facto de, não se tratando de uma questão sobre o estado de pessoas, não admite a revista o efeito suspensivo, objetivo último daquela prestação de caução.
Insurge-se a apelante contra tal decisão invocando os seguintes argumentos:
a) o seu objetivo não é obter o efeito suspensivo do recurso e isto porque não o invocou;
b) a prestação de caução, nos termos em que foi prestada, não tem a virtualidade de produzir as mesmas consequências que seriam produzidas caso tivesse sido atribuído efeito suspensivo ao recurso apresentado.
Efetivamente, se assim fosse estaria a recorrida impedida até decisão final de obter o pagamento, sendo que com a prestação da caução pode a mesma executar a decisão, ficando o seu crédito garantido.
c) se, no imediato a recorrida instaurasse ação executiva para obter o pagamento da indemnização em causa, nunca poderia obter o pagamento de tal montante até que fosse proferida decisão judicial definitiva, a não ser que ela própria prestasse caução, nos termos do nº 4 do artº 733º do CPC.
d) o pedido de prestação de caução não teve qualquer finalidade de atribuir efeitos ao recurso de revista que legalmente não lhe podem ser atribuídos: o pedido teve tão só e apenas por finalidade assegurar o cumprimento da decisão que reconheceu um direito à recorrida e permite assegurar à recorrente que, no caso de procedência do recurso se revista, o montante agora pago lhe será restituído porque a recorrida encontra-se a cumprir um plano de recuperação, mantendo ainda pendente um avultado volume de responsabilidades perante credores sociais
e) a prestação espontânea de caução não conhece qualquer limite temporal para ser oferecida, pelo que não tem fundamento legal dizer-se que não seja este o momento processual adequado para a sua apresentação
f) a sentença desconsiderou o facto de a recorrida ter concordado e aceite a caução oferecida pela recorrente, apenas discordando do seu valor e que, por força do princípio do dispositivo, o Tribunal a quo deveria ter apenas decidido quanto à razoabilidade do valor a depositar pois que esse é o único ponto de discordância entre as partes.

Vejamos.

Estabelece o artº 913º do Código de Processo Civil que:

1. Sendo a caução oferecida por aquele que tem a obrigação de a prestar, deve o autor indicar, na petição inicial, além do motivo por que a oferece e do valor a caucionar, o modo por que a quer prestar.
2. A pessoa a favor de quem deve ser prestada a caução é citada para, no prazo de 15 dias, impugnar o valor ou a idoneidade da garantia.
3. Se o citado não deduzir oposição, devendo a revelia considerar-se operante, é logo julgada idónea a caução oferecida; no caso contrário, aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 908º e 909º.

Decorre, pois, do citado preceito, que cabe ao autor/requerente “indicar na petição inicial, além do motivo por que a oferece e do valor a caucionar, o modo por que a quer prestar”.
Se, notificado o requerido, para impugnar o valor ou a idoneidade da garantia, deduzir oposição, “aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 908º e 909º”.
Assim, de acordo com o nº 1 do artº 908º do Código de Processo Civil (adaptado conforme a remissão do nº 3 do artº 913º), perante a oposição do requerido, “o juiz, após realização das diligências probatórias necessárias, decide da procedência do pedido e fixa o valor da caução devida”, e, porque o requerente já teve de indicar o modo como pretende prestar a caução (conforme a parte final do nº 1 do artº 913º, nº 1, do referido diploma) e o requerido já teve de se pronunciar sobre a idoneidade da garantia (conforme o nº 2 daquele mesmo preceito legal), o juiz deve, na mesma decisão, determinar se a caução oferecida é ou não idónea.
O Dr. Lopes do Rego, In Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, 2ª edição, Almedina, pág. 178, formula a propósito da situação em que, na prestação provocada de caução, o caucionante declare logo como pretende prestar a caução, impugnando apenas o valor da caução, e o beneficiário da caução já se tenha pronunciado sobre a idoneidade da garantia (hipótese prevista no nº 3 do art. 908º): nesse caso, segundo esse autor, a lei consente, por «razões de celeridade» e de «concentração dos termos do litígio», que a mesma decisão judicial fixe qual o valor a caucionar (controvertido entre as partes) e, ao mesmo tempo, determine se a caução oferecida é ou não idónea.
Perante tal quadro normativo, a questão que então se coloca é a de saber se as invocadas determinações legais foram observadas na situação sub judicio.
Como se referiu, a requerente/recorrente formulou a pretensão de prestar caução mediante depósito em dinheiro a favor da “EMP01...”, no valor total de € 1.434.637,78 (um milhão quatrocentos e trinta e quatro mil seiscentos e trinta e sete euros e setenta e oito cêntimos).
Dado cumprimento ao disposto no nº 1 do artº 913º do Código de Processo Civil, a requerida/recorrida tomou posição discordando da prestação de caução uma face ao efeito legalmente previsto para o recurso de revista e do montante da caução proposta e porquanto a requerente logo constituiu mediante depósito autónomo.
Foi, pois, impugnado o valor nos termos do disposto nos nºs 2 e 3, 2ª parte do artº 913º, do Código de Processo Civil, devendo seguir-se a tramitação prevista nos artºs 908º e 909º do referido diploma, com as devidas adaptações, nos termos do disposto na parte final do nº 3 do artº 913º do Código de Processo Civil.
Decorre daqui que, após realização das diligências necessárias, deveria ter sido proferida pelo tribunal de 1ª instância decisão que apreciasse da procedência do pedido, fixasse o valor da caução devida e julgasse da idoneidade da caução oferecida (pelo modo que a requerente se dispunha a prestá-la).
Ora, no caso em crise, a decisão recorrida é uma decisão de indeferimento do pedido de prestação espontânea de caução, cujo sentido decisório se ancora fundamentalmente no facto, invocando como motivo primeiro para a sua prestação, o pretendido recurso de revista, este não o admitir.

Vem a requerente/recorrente alegar/concluir que o seu objetivo nunca foi o de obter o efeito suspensivo do recurso e isto porque não o invocou e que a prestação de caução, nos termos em que foi prestada, não tem a virtualidade de produzir as mesmas consequências que seriam produzidas caso tivesse sido atribuído efeito suspensivo ao recurso apresentado.
Refere que se assim fosse estaria a recorrida impedida até decisão final de obter o pagamento, sendo que com a prestação da caução pode a mesma executar a decisão, ficando o seu crédito garantido.

Antes de mais se diga, que da leitura do requerimento de caução resulta ter a requerente, ora recorrente, requerido que “NESTES TERMOS E PELO EXPOSTO DEVE CITAR-SE A REQUERIDA PARA, NO PRAZO DE 15 DIAS, QUERENDO, IMPUGNAR O VALOR OU A IDONEIDADE DA GARANTIA E, SEGUIDAMENTE, JULGAR-SE IDÓNEA A CAUÇÃO OFERECIDA E ADEQUADO O VALOR DEPOSITADO, E, POR TAL EFEITO, DECLARAR-SE QUE A REQUERIDA FICA ASSIM IMPEDIDA DE EXECUTAR AS DOUTAS DECISÕES PROFERIDAS NA AÇÃO DE QUE ESTE INCIDENTE É APENSO” (negrito nosso).
Ou seja, se em termos formais, a requerente/recorrente não veio requerer a fixação do efeito suspensivo ao recurso, o mesmo é tacitamente requerido e isto porque do pedido atrás reproduzido, resulta que a mesma pretende ver declarado pelo Tribunal a impossibilidade da requerida/recorrida, executar as decisões proferidas, o que não é mais, do que obter o efeito suspensivo do recurso.
Na verdade, o objetivo último da requerente/recorrente é que, enquanto não for apreciado o recurso de revista, não execute as decisões e consequentemente, não obtenha a requerida/recorrente o pagamento.
Cai assim por terra a razão invocada sob a alínea a).

Acresce que, a prestação de caução mais não é do que um incidente, com regulamentação específica.
Foi requerida a sua prestação pela requerente/recorrente, ao abrigo do estatuído no artº 915º, do Código de Processo Civil, porquanto pretendendo futuramente recorrer de revista, pretende, como atrás se referiu, “(…)DECLARAR-SE QUE A REQUERIDA FICA ASSIM IMPEDIDA DE EXECUTAR AS DOUTAS DECISÕES PROFERIDAS NA AÇÃO DE QUE ESTE INCIDENTE É APENSO” (negrito nosso).
Assim e ao contrário do invocado pela recorrente deferida a prestação de caução, nos termos em que foi requerida, tinha a mesma a virtualidade de produzir as mesmas consequências que seriam produzidas caso tivesse sido atribuído efeito suspensivo ao recurso apresentado e isto porque se encontraria a recorrida impedida até decisão final de obter o pagamento uma vez que impedida de, como pretendia a requerente, de executar as decisões proferidas.
Caem assim por terra as razões invocadas sob as alíneas b), c) e d).

Diga-se que, efetivamente, a prestação espontânea de caução não conhece qualquer limite temporal para ser oferecida, porém, a mesma não pode ser admitida quando o que se pretende é obter um efeito que a lei, designadamente, no artº 676º do Código de Processo Civil, não permite.
Assim sendo, improcede, nos termos atrás expostos, a razão invocada sob a alínea e).

Diga-se, por último, que ao contrário do invocado na alínea f), o facto de a recorrida ter concordado e aceite a caução oferecida pela recorrente, apenas discordando do seu valor, não permite que o Tribunal seja obrigado a decidir em conformidade, designadamente, contra a lei.

Nestes termos e atentos os motivos invocados, julga-se improcedente o recurso.
*
V. Decisão:

Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, manter a decisão recorrida.

Custas pela requerente/recorrente.
Guimarães,

Relatora: Margarida Gomes
Adjuntas: Maria da Conceição Bucho
Raquel Rego.