Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | MARGARIDA PINTO GOMES | ||
Descritores: | BENFEITORIAS ÚTEIS INDEMNIZAÇÃO POR BENFEITORIAS ÓNUS DA PROVA | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 04/24/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 3.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I. De acordo com os nºs 2 e 3 do artº 216º do Código Civil, as benfeitorias podem ser necessárias quando tem por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, aumentam o valor da coisa e voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante. II. No que às benfeitorias úteis diz respeito, entende-se que o incremento ou aumento do valor deve ser avaliado de forma objetiva, sendo certo que, o que está em causa é o aumento do valor da coisa depois da benfeitoria, por oposição ao seu valor no momento anterior e já não o valor da despesa efetuada. III. A colocação de uma vedação (rede de malha metálica) ao redor do campo; a colocação de três depósitos de mil litros cada um para armazenamento da água de rega; a implantação de tubagem e canalização para condução da água desde a nascente até aos depósitos; a plantação de 31 pés de vinha nova em redor do campo, permitem aferir do incremento e valorização do prédio em causa, uma vez que o mesmo passou a estar vedado, o que garante maior segurança, passou a dispor de sistema de tubagem e canalização que liga a água da nascente até aos depósitos que a armazenam e que não é difícil admitir facilitam a rega, dispondo, ainda de uma nova vinha, concluindo-se pela existência de benfeitorias úteis. IV. Do disposto no nº 1 do artº 1273º do Código Civil ao possuidor é atribuído o direito de indemnização pelas benfeitorias necessárias e o direito a levantar as benfeitorias úteis, desde que tal seja possível sem detrimento da coisa e, se tal não for possível, tem direito ao respectivo valor, calculado pelas regras do enriquecimento sem causa. V. Sendo as benfeitorias úteis, caberia à parte que requer a indemnização alegar e demonstrar que o seu levantamento não se mostra possível sem o detrimento da coisa. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório: Nos presentes autos de acção declarativa sob a forma de processo comum deduzida por AA e BB (esta última chamada) contra CC e esposa DD, todos melhor identificados nos autos, formularam aqueles os seguintes pedidos: a)declarar-se que o autor é dono e legítimo Proprietário do Prédio Rústico denominado “Campo ...”, sito no Lugar ..., ... (composto por terreno de cultura arvense de regadio, com a área de 1.350m2, a confrontar de Norte com EE, de Sul com FF com Estrada e de ... com GG, inscrito na matriz predial sob o art.º...81.ºR e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo ...53...); b)condenarem-se os réus a reconhecer e respeitar o que se pede que seja declarado, abstendo-se da prática de quaisquer factos que ofendam, impeçam ou dificultem o direito de propriedade do autor sobre o referido Prédio; c)serem os réus condenados a entregar ao autor, livre e devoluto de pessoas e bens e reposto a estado em que se encontrava o terreno identificado em a) que vêm ocupando; d)condenarem-se os réus a pagar ao autor uma indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, nunca inferior a €13.000,00 (treze mil e quinhentos euros), sendo - €5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros), relativos aos danos não patrimoniais; - €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) a título de danos patrimoniais; e)no caso de os réus persistirem na violação dos direitos do autor sobre o Campo ..., serem estes solidariamente condenados a pagar àquele a quantia que vier a apurar-se em Execução de Sentença, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais com referência à data mais recente que puder ser atendida e acrescida de juros, à taxa legal, até integral pagamento; f)serem os réus condenados a pagar ao autor e ao Estado, em partes iguais, a quantia de €50,00 (cinquenta euros) a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso ao autor, livre e devoluto de pessoas e bens e reposto ao estado em que se encontrava o prédio identificado em a) que vêm ocupando, bem como na eliminação dos obstáculos físicos ao exercício do normal direito de propriedade do autor sobre o Campo .... Alegaram os autores que serem proprietários do prédio em causa, prédio que os réus vieram a ocupar, sem para tal terem autorização e que originou àqueles prejuízos. Citados os réus deduziram contestação e formulam o seguinte pedido reconvencional: aa)serem os réus reconhecidos como únicos e legítimos proprietários do prédio identificado em n.º1 da p.i. por o terem adquirido por usucapião; - em alternativa, conforme o que se vier a provar em sede judicial, bb)ser o(s) autor(es) condenados no pagamento aos réus da quantia de 4.000,00€, a título de violação da boa-fé pré-contratual, acrescido de juros de mora vincendos desde a citação até efetivo e integral pagamento; cc)condenação do(s) autor(es) a indemnizar os réus por todas as benfeitorias realizadas no prédio em causa que, por nesta fase não ser possível contabilizar, deverá ser relegada para liquidação em execução de sentença; dd)julgar procedente a invocada litigância de má fé e, em consequência, ser o(s) autor(es) condenado(s) no pagamento aos réus da quantia de € 2.500,00. Para além de impugnarem os factos alegados pelos autores vieram os réus alegar que celebraram com aqueles um acordo mediante o qual lhes era confiada a posse do prédio em causa no qual vieram a realizar benfeitorias. O autor deduziu réplica impugnando os factos alegados pelos réus. Por despacho de 14 de janeiro de 2022 foi admitida a intervenção principal provocada ativa de BB, chamada editalmente nos termos do artº 319º, do Código de Processo Civil. Citado o Magistrado do Ministério Público, em representação da chamada BB, aquele deduziu contestação. Realizou-se audiência prévia onde foi proferido despacho saneador e despacho que identificou o objecto da acção e os seguintes temas da prova: a) Aquisição por parte do Autor do prédio rústico (...81.º R) e os atos de posse por este praticado quanto ao mesmo; b) Ocupação do prédio mencionado em a) por parte dos RR.; c) Danos sofridos pelo A. (patrimoniais e não patrimoniais), em consequência da conduta dos RR.; d) Negócio celebrado entre A. e R., tendo por objeto o prédio com o art.º ...81.º; e) Atos de posse praticados pelos RR., relativamente ao prédio ...81.º; f) Benfeitorias realizadas pelos RR. Em tal prédio e valores; g) Conduta do A., relativamente, ao negócio celebrado com os RR., quanto ao prédio em causa; Realizou-se audiência de julgamento tendo sido proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente por provada e, consequentemente: a.declarou que o autor é dono e legítimo Proprietário do Prédio Rústico denominado “Campo ...”, sito no Lugar ..., ... (composto por terreno de cultura arvense de regadio, com a área de 1.350m2, a confrontar de Norte com EE, de Sul com FF com Estrada e de ... com GG, inscrito na matriz predial sob o art.º...81.ºR e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo ...53...), condenando-se os réus a absterem-se da prática de quaisquer factos que ofendam, impeçam ou dificultem o direito de propriedade do autor sobre o referido Prédio; b.absolveu os réus do demais pedido; Julgou a reconvenção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, consequentemente: c)condenou os autores no pagamento aos réus do valor despendido com obras/benfeitorias elencadas em 6; d)absolveu os autores do demais pedido reconvencional. Fixaram-se as custas processuais na proporção do decaimento. Notificado da decisão e inconformado com a mesma veio o autor recorrer formulando as seguintes conclusões: […] XXVI – Sendo esta a formulação e conclusão de Manuel de Andrade, no que a benfeitorias úteis concerne, “Quanto às benfeitorias úteis, o possuidor é admitido a levantá-las (ius tollendi), se o puder fazer sem detrimento da coisa principal (art. 99.º), ou então deverá ser indemnizado pelo proprietário (§ 2.º). Neste concurso alternativo de direitos e tensões, a escolha compete ao proprietário e não ao possuidor. Que se trata aqui duma verdadeira escolha - de uma apreciação discricionária a fazer pelo proprietário, e não de um juízo pelo tribunal ou por outra terceira entidade, é o que parece resultar claramente do art. 499.º, § 3.º, em confronto com o art. 500.º § 2.º. Pelo que toca à indemnização devida ao possuidor, não autorizado a levantar as benfeitorias – levantamento a que aliás nunca pode ser obrigado (cfr. o art. 2 307.º) –, o seu montante (art. 499.º, §§ 2.º e 4.º) será o do valor objectivo e actual delas, isto é, do incremento de valor que deram à coisa, em que tal efeito subsista, ou então do seu custo real, consoante a importância que for menos avultada (minus inter impensum et melioratum)” XXVII – Nessa medida, o Tribunal a quo ostensivamente não compreendeu nem interpretou correctamente a prova produzida e menos o preceituado pelo art.º1273.º do CC, resultando grosseiramente errado o julgamento nesse particular, impondo-se a adequada correcção por esse Venerando Tribunal. TERMOS EM QUE, Revogando a douta sentença recorrida e substituindo-a por douto acórdão que declare a procedência total da acção e a improcedência total do pedido reconvencional farão V. Exas. Venerandos Juízes Desembargadores, boa e sã JUSTIÇA. Não foram apresentadas contra alegações. Colhidos os vistos cumpre apreciar. * II. Objeto do recurso: O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, impondo-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes, bem como as que sejam de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas, cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, sendo certo que o tribunal não se encontra vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e que visam sustentar os seus pontos de vista, isto atendendo à liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito. Assim sendo, tendo em atenção as alegações/conclusões apresentadas pela requerente/recorrente, importa aos autos aferir se, houve violação do principio do contraditório previsto no artº 3º e da estabilidade da instância previsto no artº 260º ambos do CPC ao estabelecerem-se, em sede de sentença, sob questões a decidir, questões distintas dos temas de prova fixados em sede de saneador; da verificação de contradição entre os factos provados sob os nºs 4 e 6 e os não provados sob os nºs 1 e 2, o que acarreta a nulidade da sentença nos termos do disposto na al. c), do nº 1 do artº 615º do referido diploma legal e não provados; da ausência de exame critico das provas, designadamente quanto ao facto dado como provado sob o nº 6, Importa ainda decidir do direito a indemnização pelas benfeitorias realizadas pelos réus/recorridos. * III. Fundamentação de facto: a)Factos provados: Após discussão da causa, nos termos do disposto nos artigos 567º e 568º do Código de Processo Civil, resultaram provados os seguintes factos, com relevância para a questão decidenda e segundo as regras de repartição do ónus da prova (excluindo-se qualquer referência a afirmações conclusivas, de direito e/ou irrelevantes, designadamente com base na sua natureza meramente instrumental): 1. Por partilha verbal ocorrida em 1969, por óbito dos seus pais, HH e II, o Autor adquiriu o prédio rústico denominado “Campo ...”, sito no Lugar ..., ..., composto por terreno de cultura arvense de regadia, com área de 1.340m2, a confrontar do Norte com EE, de Sul com FF com Estrada e de ... com GG, inscrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo ...53... e inscrito na matriz predial sob o art.º...81.ºR; 2. Sobre o prédio identificado em 1., o Autor celebrou escritura de Justificação, realizada no Cartório Notarial ..., no dia 29 de Julho de 2002, exarada a Fls. 39 e 40 do livro de notas n.º101E, que vieram à sua posse por partilha verbal, ocorrida em 1969, por óbito dos seus pais, HH e II; 3. O A., há mais de 20, 30 e mais anos, sem interrupção, por si e pelos seus antecessores (de quem herdou por partilha verbal), detém materialmente aquele prédio rústico, como coisa sua, cultivando o terreno, colhendo os seus frutos, cortando pinheiros, pagando as contribuições, à vista e com o conhecimento de toda a gente, sem qualquer oposição; 4. No ano de 1993, o Autor (representado pelo seu procurador JJ) entregou aos Réus o prédio rústico referido em 1., para que estes passassem a cuidar do terreno, designadamente para o limpar, lavrar e cultivar, colhendo depois os seus frutos, sem obrigação de pagamento de qualquer renda, apenas com a obrigação de o manter conservado; 5. Durante o ano de 1996, o autor questionou os Réus se estariam interessados na aquisição do terreno identificado em 1., pelo preço de 700.000$00 (setecentos mil escudos) - 3.500,00€ - ao que aqueles responderam afirmativamente; 6. Desde o ano de 1996, os Réus-Reconvintes estão na posse do prédio identificado em 1 na expectativa de o adquirirem, e por isso procederam às seguintes obras de construção, sempre à vista de toda a gente, nomeadamente vizinhos, e principalmente à vista do Autor sem oposição ou embaraço de quem quer que seja, que importou o custo que se refere: a. colocação de vedação (rede de malha metálica) ao redor do campo……….… 693,00€ b. implantação de tubagem e canalização para condução da água desde a nascente até aos depósitos …………..………………………………………..6.180,00€ c. colocação de três depósitos de mil litros cada um para armazenamento da água de rega …………………..……………………………….….………1.437,00€ d. plantação de 31 pés de vinha nova em redor do campo (que regaram, trataram, podaram e colheram os respectivos frutos)…………….……………. 310,00€ Total ………………………………………………………..……… 8.620,00€ 7. Em Janeiro de 2019 o Autor comunicou aos Réus que já não pretendia vender o terreno 1., interpelando-os para que o desocupassem; 8. Pelo menos desde a data referida em 7., que os Réus desocuparam o prédio 1.. b) Factos não provados: 1. Desde o ano de 1996 que os Réus estão na posse plena do citado prédio, como sendo sua propriedade, quer por si, quer por antecessores, antepossuidores e anteriores proprietários; 2. Os Réus estão na posse e fruição do prédio identificado em 1 há mais de 20, 30, 40 e 50 anos, convictos de que exercem um direito que é próprio e exclusivo, e que nunca lesaram nem lesam direito de outrem; 3. Acontece que, desde então e até agora, sempre que o Autor se desloca a Portugal e, como habitualmente, faz uso do serviço de táxi dos Réus que estes questionam o Autor sobre a data da realização da escritura para efetuarem o pagamento situação à qual o Autor sempre respondeu que o negócio estava feito; 4. O prédio 1. foi vendido pelo Autor aos Réus e estes compraram, no ano de 1996/1997 mas o Autor sempre protelou a assinatura da competente escritura porquanto estaria em processo de divórcio; 5. Mais acrescentou que logo que o prédio passasse para o seu nome, porque ainda estava em processo de partilhas com os seus familiares, então promoveriam a realização da escritura para formalizar o negócio realizado; 6. Em meados do mês de Agosto de 2018, o A. deslocou-se ao Campo ..., para proceder à limpeza do terreno e, quando lá chegou verificou que os RR., de forma abusiva, sem o conhecimento e contra a vontade do legítimo proprietário do referido Campo, se haviam introduzido na propriedade e aí cultivando couves, batatas e outros hortícolas, podando a vinha e vedando o terreno com rede; 7. O A. tratou então de interceder junto dos RR. no sentido de desocuparem o Campo propriedade do A., pessoalmente e por via de carta registada com aviso de recepção remetida pelo seu Mandatário; 8. Os RR., sempre que lhes apetece, se introduzem na propriedade do A., que retiraram e fizeram suas as plantações que existiam no terreno (vinha) que ocupam e que pertence ao A., aí plantando o que muito bem lhes apeteceu (produtos hortícolas) vedando a propriedade do A. não devolvendo, quando interpelados para tanto, o terreno livre e devoluto; 9. Actuando desta forma, como se fossem proprietários do Campo ..., que não lhes pertence, usando e dispondo, livremente deste prédio e das respectivas utilidades que sabem não ser deles, locupletando-se, indevidamente à custa do património do A., com os frutos que aquele campo produz, em total desconformidade face aos princípios e normas da ordem jurídica; 10. Os RR. actuaram com culpa e de forma dolosa, porquanto ao introduzirem-se no terreno do A., ao ocuparem o terreno, ao vedá-lo com rede, ao retirarem e fazerem suas as plantações que pertenciam ao A., ao plantarem no terreno que vêm ocupando e que não lhes pertence, ao não retirarem o que, de forma abusiva, sem o conhecimento e contra a vontade do legítimo proprietário do Campo ..., colocaram no prédio e ao não o devolverem livre e devoluto, o que não lhes pertence; 11. Agiram de forma consciente e não leviana ou negligente, já que, estando o Campo ... perfeitamente delimitado, não poderiam sequer ter confundido os prédios e muito menos não se terem apercebido de haver transposto os limites dos mesmos; 12. O que fizeram com a intenção de ofender a posse e o direito de propriedade do A. e de lhe causar danos patrimoniais e não patrimoniais; 13. Os danos, que constituem a medida da indemnização, causados ao A. pelos RR. traduzem-se desde logo nos transtornos e aborrecimentos que aquele sofreu e sofre por o seu prédio ter sido invadido e continuar a sê-lo pelos RR. que por lá entram e circulam quando querem, sem o seu conhecimento ou autorização e mesmo contra a sua vontade e por se ver privado de usar o prédio que lhe pertence, já que os RR., ao ocuparem indevidamente o Campo ..., aí colocando uma vedação sem autorização e pelas plantações que aí têm levado a cabo, bem como pela colheita dos frutos, nomeadamente da uva, sem o consentimento do A., impede-o de fruir de forma exclusiva e plena a sua propriedade; 14. Com a actuação dos RR. vêm estes comprometendo a saúde do A. e o seu bem estar físico e psíquico; 15. Mas igualmente nos prejuízos que o A. sofreu por terem os RR. retirado e feito suas as plantações ali existentes, privando-o de por si ou por interposta pessoa, por si mandatada, de ali plantar, tratar da vinha e vindimar; 16. E ainda os decorrentes do facto de o A. se ver impedido de alcançar o rendimento que poderia obter do prédio que foi indevidamente ocupado pelos RR. com a plantação, porquanto estas retiram nutrientes e fertilidade ao solo, no valor de €1.500,00 (mil e quinhentos euros); 17. Tendo em conta que o A. interpelou os RR. no sentido de retirarem a rede, bidons de água e tubos, deixando o seu prédio livre e devoluto de pessoas e bens, sem que estes tenham atendido à interpelação; 9. Os RR apresentaram candidaturas a financiamentos agrícolas, indicando aquele prédio como sua propriedade, agindo sobre aquele prédio e perante todos e assim são reconhecidos por todos como os seus legítimos proprietários por o terem adquirido por contrato de compra e venda que ainda não foi formalizado, comportando-se como donos, e por todos assim são considerados, sendo que a sua posse é e sempre foi contínua, pública, pacífica, contínua e de boa-fé; * III. Do direito: a) da violação do principio do contraditório e do principio da estabilidade da instância: Em sede de recurso vem o recorrente atacar a sentença proferida porquanto em sede da mesma foram fixadas as questões a decidir distintas dos temas de prova o que consubstancia na violação do principio do contraditório e do principio da estabilidade da instância. Vejamos. Estabelece o artº 595º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe de Despacho Saneador” que: “1 - O despacho saneador destina-se a: a) Conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente; b) Conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória. 2 - O despacho saneador é logo ditado para a ata; quando, porém, a complexidade das questões a resolver o exija, o juiz pode excecionalmente proferi-lo por escrito, suspendendo-se a audiência prévia e fixando-se logo data para a sua continuação, se for caso disso. 3 - No caso previsto na alínea a) do n.º 1, o despacho constitui, logo que transite, caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas; na hipótese prevista na alínea b), fica tendo, para todos os efeitos, o valor de sentença. 4 - Não cabe recurso da decisão do juiz que, por falta de elementos, relegue para final a decisão de matéria que lhe cumpra conhecer. 5 - Nas ações destinadas à defesa da posse, se o réu apenas tiver invocado a titularidade do direito de propriedade, sem impugnar a posse do autor, e não puder apreciar-se logo aquela questão, o juiz ordena a imediata manutenção ou restituição da posse, sem prejuízo do que venha a decidir-se a final quanto à questão da titularidade do direito”. Por outro lado, de acordo com o disposto no artº 596º do mesmo diploma legal, sob a epigrafe “Identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova”, estabelecido ficou que: “1 - Proferido despacho saneador, quando a ação houver de prosseguir, o juiz profere despacho destinado a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova. 2 - As partes podem reclamar do despacho previsto no número anterior. 3 - O despacho proferido sobre as reclamações apenas pode ser impugnado no recurso interposto da decisão final. 4 - Quando ocorram na audiência prévia e esta seja gravada, os despachos e as reclamações previstas nos números anteriores podem ter lugar oralmente”. Resulta pois da leitura destes dois preceitos que, em todas as ações de processo comum é proferido despacho saneador destinado a decidir questões de índole técnico processual, a saber, conhecer de exceções dilatórias e nulidades processuais, como a apreciar do mérito da causa se o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas. Uma das inovações do Código de Processo Civil de 2013 é a de, como refere o Dr Paulo Pimenta in Processo Civil Declaratório, 3ª edição, Almedina, pág 306, “(…) nas ações que não devam terminar na fase intermédia do processo, ser proferido despacho destinado a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova (…)”. Ora, por objeto do litígio deve entende-se o thema decidendum, definido face aos pedidos deduzidos, ou pretensões formuladas que continuem em controvérsia. Relativamente aos temas de prova a enunciar e como refere o referido autor, a pág. 326 da obra citada “(…) não se trata mais da quesitação atomística e sincopada dos pontos de facto que (…) caracterizou o nosso processo civil durante mais de sete décadas. O que está em jogo é permitir que a instrução, dentro dos limites definidos pela causa de pedir e pelas exceções deduzidas, decorra sem barreiras artificiais e sem quaisquer constrangimentos, com isso se assegurando a livre investigação e consideração de toda a matéria com atinência para a decisão da causa.” Assim, no regime do Código de Processo Civil, deve o juiz, após o saneamento do processo, nos casos em que a ação prossiga, enunciar os temas de prova balizados estes pelos limites que decorrem da causa de pedir e das exceções invocadas, havendo pois, tantos temas de prova quantos os elementos integradores do tipo ou tipos legais invocados pelas partes, nos sus articulados. Ora, como refere o Acórdão da Relação de Évora de de 6 de abril de 2017, relatado pela Srª Desembargadora Isabel Peixoto Imaginário, in www.dgsi.pt e citado pelo recorrente, “A enunciação dos temas da prova constitui um instrumento ou ferramenta processual que permite orientar os sujeitos processuais no desenvolvimento da fase de produção de prova, com vista a que se alcance o verdadeiro fim desta: o apuramento da verdade e a justa composição do litígio, conforme plasmado no art.º 411.º do CPC. Tal instrumento, no entanto, assume-se como orientador do rumo da instrução, das questões factuais que importa demonstrar, sem prejuízo de, por respeito à realidade histórica, em face de elementos e dados entretanto adquiridos, ou por via de uma mais criteriosa análise das posições e alegações das partes plasmadas nos articulados apresentados no processo, tal instrumento admitir alterações e adaptações em conformidade à perspectiva então alcançada. Consiste, assim, numa ferramenta ao serviço do apuramento da verdade e à justa composição do litígio, não revestindo um cariz estanque e castrador dos factos a submeter a instrução”. Ora, foi em cumprimento do disposto nestes preceitos que o juiz à quo fixou como temas de prova os seguintes: a) Aquisição por parte do Autor do prédio rústico (...81.º R) e os atos de posse por este praticado quanto ao mesmo; b) Ocupação do prédio mencionado em a) por parte dos RR.; c) Danos sofridos pelo A. (patrimoniais e não patrimoniais), em consequência da conduta dos RR.; d) Negócio celebrado entre A. e R., tendo por objeto o prédio com o art.º ...81.º; e) Atos de posse praticados pelos RR., relativamente ao prédio ...81.º; f) Benfeitorias realizadas pelos RR. Em tal prédio e valores; g) Conduta do A., relativamente, ao negócio celebrado com os RR., quanto ao prédio em causa; Sendo estes os temas sobre que versará a prova a produzir em sede de audiência de discussão e julgamento, verifica-se que, face aos factos provados e não provados, tal ocorreu no caso sub judice, uma vez que não foram submetidos a instrução elementos factuais relevantes e que extravasam os referidos temas da prova que forma previamente enunciados. Questão distinta é a das questões a decidir, que, nos termos do disposto no nº 2 do artº 607º do Código de Processo Civil, devem, após a identificação das partes e do objeto do litígio, deve o juiz à quo, enunciar em sede de sentença. Efetivamente a sentença apresenta a seguinte estrutura: o relatório, os fundamentos e a decisão. Ora, em é em sede de relatório que, nos termos do preceito referido, são as partes e o objeto do litígio identificados, devendo ainda proceder-se à enunciação das questões que ao tribunal cumpre solucionar. Quanto às questões a decidir, como refere o autor atrás citado, na obra referida, a pág. 357 “As questões a solucionar pelo tribunal são as respeitantes à causa de pedir e às exceções, aqui se incluindo tanto as que hajam sido invocadas pelas partes como as que sejam do conhecimento oficioso”. Daqui resulta que, ao contrário do entendimento do recorrente, não cabe em sede de sentença identificar os temas de prova, cabendo sim, responder aos mesmos, a saber, na fundamentação de facto; em sede de relatório de sentença cabe identificar as questões jurídicas que, não só tenham sido levantadas pelas partes em sede de articulados mas também aquelas que caiba ao tribunal apreciar oficiosamente. E foi o que fez o tribunal a quo, quando no relatório da sentença enunciou como questões a decidir: a. Saber se o autor é dono e legítimo proprietário do prédio reivindicado, identificado em 1. (infra); b. Saber se foi celebrado um contrato de compra e venda entre as partes tendo por objecto o prédio rústico identificado em 1. (infra); ou c. Se as partes acordaram que o prédio identificado em 1. (infra) seria vendido pelo Autor aos Réus; d. Sendo a resposta afirmativa, se têm direito a ser ressarcidos o valor de 4.000,00€, a título de violação da boa-fé pré-contratual, por não se ter concretizado tal negócio jurídico; e. Se os Réus precederam à realização de benfeitorias no terreno; f. Sendo a resposta afirmativa, se têm direito a ser ressarcidos do valor correspondente ao seu custo; Daqui resulta que, ao contrário do alegado pelo recorrente, em nenhuma altura foram alterados os temas de prova e, assim sendo, não ocorreu qualquer violação do principio do contraditório e do principio da estabilidade da instância. Acresce que, lido o Acórdão da Relação de Évora de 6 de abril de 2017, acima referido, do mesmo resulta caso distinto do ora apreciado uma vez que aí, porque por despacho se entendeu assente que a entrega do locado ocorreu no final do mês de abril de 2013, a produção de prova não versou a questão da data da entrega do locado. No entanto, na sentença, veio a fixar-se como provado que no decorrer do mês de outubro de 2013 a 1ª ré entregou à autora o locado, o que viola o princípio do contraditório, já que, atento o versado facto assente, nem sequer se discutiu, na audiência, a data da entrega do locado nem a falta de pagamento de rendas de abril em diante. Nestes termos, e porque apenas foram submetidos a instrução elementos de facto alegados pelas partes e que se subsumiam aos temas de prova elencados, julga-se, nesta parte, improcedente o recurso. b) da nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artº 615º do Código de Processo Civil. Nos termos do nº 1 do artº 613º do Código de Processo Civil com a prolação da sentença esgota-se o poder jurisdicional quanto à matéria da causa. Mas de acordo com o disposto no nº 2 do citado preceito, é licito, porém, ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades , e reformar a sentença, nos termos dos artºs 614º, 615º e 616º, todos do Código de Processo Civil. No caso em apreço, vem o recorrente invocar a nulidade da sentença nos termos do disposto na al. c), do nº 1 do artº 615º do Código de Processo Civil. Decorre do nº 1 do artº 615º, do Código de Processo Civil que é nula a sentença quando: a)não contenha a assinatura do juiz; b)não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c)os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d)o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e)o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido. Assim, resulta do citado preceito serem as nulidades da sentença vícios formais e intrínsecos da mesma os que taxativamente se encontram previstos no citado preceito legal. Os referidos vícios, designados como error in procedendo, respeitam unicamente à estrutura ou aos limites da sentença, sendo os relativos à estrutura os previstos sob as alíneas b) e c) e os relativos aos limites da sentença os previstos nas alíneas d) e e), conforme referem os Drs José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição Almedina, pág 735. As nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológico ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento estes a sindicar noutro âmbito (nestes termos, o Acórdão desta Relação de Guimarães de 4 de outubro de 2018 in www.dgsi.pt). Refere o Dr Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, págs 326, 355 e 425, 4ª edição que, mostrando-se admissível recurso de revista a arguição de nulidades só poderá ter lugar no âmbito da própria revista, sem prejuízo do prévio (relativamente ao momento de subida do recurso) conhecimento da nulidade arguida através de novo acórdão. Não sendo admissível recurso ordinário, as nulidades terão de ser arguidas mediante reclamação perante o próprio tribunal que proferiu a decisão, conforme decorre do disposto no nº 4 do artº 615º e nº 6 do artº 617º, ambos do Código de Processo Civil. Apreciemos pois a invocada nulidade. Ora, a recorrente aponta à sentença proferida, o vício consagrado na al. c) do nº 1 do artº 615º do Código de Processo Civil, segundo o qual é nula a sentença quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”, ou seja, quando os fundamentos invocados devessem, logicamente, conduzir a uma decisão diferente e ainda quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Ora, a nulidade a que se reporta a 1ª parte da al. c), do nº 1 do artº 615º do Código de Processo Civil ocorre quando existe incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, ou seja, apontando a fundamentação num sentido que contradiz o resultado final. Conforme refere o Acórdão da Relação de Guimarães de 28 de setembro de 2023, relatado pela Srª Desembargadora Conceição Bucho, in processo 1385/22.3T8FAF-G1, “Conforme jurisprudência do S.T.J. tem-se entendido que essa nulidade está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos artºs154º e 607º nºs. 3 e 4), de o Juiz fundamentar os despachos e as sentenças e, por outro, pelo facto de a Sentença dever constituir um silogismo lógico-jurídico, em que a decisão deverá ser a conclusão lógica da norma legal com os factos, e que não ocorre essa nulidade se o julgador errou na subsunção que fez dos factos à norma jurídica aplicável, ou se errou na indagação de tal norma ou da sua interpretação. No que concerne à contradição entre fundamentos e decisão temos que tal sucede quando a análise da lei e/ou a subsequente argumentação jurídica estão em oposição com a resolução jurídica do caso, mais precisamente a sua parte dispositiva. Tais situações correspondem a antinomias jurídicas entre a tese e a conclusão, porquanto a primeira aponta para um caminho e a segunda acaba por seguir e findar noutro, gerando um paradoxo decisório, tornando este absurdo ou despropositado. “Por sua vez, e no que diz respeito à ambiguidade ou obscuridade conducente à ininteligibilidade decisória, podemos desde logo assentar que estas características tanto dizem respeito à fundamentação, como à decisão. A ambiguidade ocorre quando estamos perante uma argumentação ou decisão duvidosa, em virtude da mesma conter ou possibilitar dois ou mais sentidos, apresentando, por isso, plurissignificações argumentativas ou decisórias. Já no que concerne à obscuridade é aquela que conduz a uma decisão ininteligível, o que acontece quando a fundamentação ou decisão não exteriorizam, respetivamenteu, o que foi argumentado ou deliberado, bloqueando qualquer compreensão analítica do seu substrato legal ou da racionalidade do seu discernimento jurídico, tendo repercussões tanto a nível declarativo, como da sua consequência prática ” – Ac da Rel. do Porto de 6/02/2020 in www.dgsi.pt”. Fundamenta o recorrente, a referida nulidade invocada no facto de da sentença contarem como factos provados: 4.“No ano de 1993, o Autor (representado pelo seu procurador JJ) entregou aos Réus o prédio rústico referido em 1., para que estes passassem a cuidar do terreno, designadamente para o limpar, lavrar e cultivar, colhendo depois os seus frutos, sem obrigação de pagamento de qualquer renda, apenas com a obrigação de o manter conservado;” 6.“Desde o ano de 1996, os Réus-Reconvintes estão na posse do prédio identificado em 1(…)”. Entendendo que, tais factos são contraditórios com os seguintes factos não provados: “1. Desde o ano de 1996 que os Réus estão na posse plena do citado prédio, como sendo sua propriedade, quer por si, quer por antecessores, antepossuidores e anteriores proprietários;” “2. Os Réus estão na posse e fruição do prédio identificado em 1 há mais de 20, 30, 40 e 50 anos, convictos de que exercem um direito que é próprio e exclusivo, e que nunca lesaram nem lesam direito de outrem;” Será que desta alegação se poderá concluir pela contradição, ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível? Ou seja será que entre os fundamentos e a decisão existe uma contradição lógica? É que seguindo o julgador na decisão uma linha de raciocínio que aponta para determinada conclusão, aquela contradição e consequente nulidade da sentença verificar-se-á se a conclusão retirada seja oposta ou divergente daquela. Ora, salvo o devido respeito por contrária opinião entendemos que não se verifica qualquer contradição entre os factos provados e não provados. Na verdade, não há dúvida que os réus estão na posse do prédio identificado em a), desde 1996, o que não ficou provado é que, apesar de tal posse os mesmos a exerçam como se de proprietários se tratassem, e que nunca lesaram direito de outro. Assim sendo, entende-se não existir contradição entre os factos provados e não provados. Nestes termos, julga-se, não verificada a nulidade invocada, e, consequentemente, improcedente, nesta parte o recurso. * c) da impugnação da matéria de facto: Vem o recorrente, invocar que, ao contrário do que resulta dos articulados, a saber, da réplica, no seu todo, o Tribunal a quo incluiu nos Factos Provados o ponto 6, entendendo encontrar-se o mesmo assente por acordo e fazendo menção ao artº 36º daquele articulado. Entende o recorrente que tal não pode dar-se por assente nos termos ali constantes uma vez que a réplica se trata de um todo e da mesma resulta a não admissão de tal facto. Ou seja, vem o recorrente impugnar a matéria dada como provada naquele nº 6, porquanto entende não se verificar qualquer confissão. Vejamos se lhe assiste razão. Em termos gerais, são os seguintes os contornos em que a prova deve ser apreciada em 2ª instância. De acordo com o disposto no nº 1 do artº 662º, do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Assim, os recursos da decisão da matéria de facto podem visar objetivos distintos, a saber: a)a alteração da decisão da matéria de facto, considerando provados factos que o tribunal a quo considerou não provados, e vice-versa, com base na reapreciação dos meios de prova ou quando os elementos constantes do processo impuserem decisão diversa (no caso de ter sido apresentado documento autêntico, com força probatória plena, para prova de determinado facto ou confissão relevante) ou em resultado da apreciação de documento novo superveniente (nº 1 do artº 662º do Código de Processo Civil); b)a ampliação da matéria de facto, por ter sido omitida dos temas da prova, matéria de facto alegada pelas partes e que se mostre essencial para a boa resolução do litígio (art. al. c) do nº 2 do artº 662º, do Código de Processo Civil); c)a apreciação de patologias que a decisão da matéria de facto enferma, que, não correspondendo verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento, se traduzam em segmentos total ou parcialmente deficientes, obscuros ou contraditórios (também nos termos da al. c) do nº 2 do artº 662º, do Código de Processo Civil). Ora, no caso sub judice, invoca a recorrente, o erro de julgamento por parte do Tribunal a quo, pretendendo, que, ao contrário do que resulta da matéria de facto se não dê como assente com base na confissão o facto vertido sob o nº 6 dos factos provados. Conforme refere o D. Acórdão desta Relação de Guimarães, de 7 de abril de 2016, in www.dgsi.pt, “Incumbe à Relação, enquanto tribunal de segunda instância, reapreciar, não só se a convicção do tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os outros elementos constantes dos autos revelam, mas também avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto”. Ora, sem prejuízo de uma valoração autónoma dos meios de prova, não pode em tal operação esquecer a Relação esquecer os princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas. Como refere o Dr Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª ed ,pág. 245, “(…) ao nível da reapreciação dos meios de prova produzidos em 1ª instância e formação da sua própria e autónoma convicção, a alteração da decisão de facto deve ser efectuada com segurança e rodeada da imprescindível prudência e cautela, centrando-se nas desconformidades encontradas entre a prova produzida em audiência, após a efectiva audição dos respectivos depoimentos, e os fundamentos indicados pelo julgador da 1ª instância e nos quais baseou as suas respostas, e que habilitem a Relação, em conjunto com outros elementos probatórios disponíveis, a concluir em sentido diverso, quanto aos concretos pontos de facto impugnados especificadamente pelo recorrente; Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida - que há de ser reanalisada pela Relação mediante a audição dos respetivos registos fonográficos -, deverá prevalecer a decisão proferida em 1ª instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso, nessa parte.” Ou seja, a reapreciação da prova pela 2ª instância, não visa obter uma nova e diferente convicção, mas antes apreciar se a convicção do Tribunal a quo tem suporte razoável, à luz das regras da experiência comum e da lógica, atendendo aos elementos de prova que constam dos autos, aferindo-se, assim, se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto. De todo o modo, necessário se torna que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo recorrente, impondo, pois, decisão diversa da proferida pelo tribunal recorrido, conforme a parte final da al. a) do nº 1 do artº 640º, do Código de Processo Civil. Competirá assim, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, atendendo ao conteúdo das alegações dos recorrentes, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre o ponto da matéria de facto impugnado. Em suma, a este tribunal da Relação caberá apurar da razoabilidade da convicção probatória do tribunal de primeira instância, face aos elementos de prova considerados, sem prejuízo de, como supra referido, com base neles, formar a sua própria convicção. Aqui chegados importa aferir se o recorrente, que veio impugnar a decisão da matéria de facto, cumpriu os requisitos de ordem formal que permitem a este Tribunal apreciar aquela impugnação, a saber, se especifica, como impõe o artº 640º do Código de Processo Civil, os concretos pontos da matéria de facto que pretende ver apreciada e os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa para cada um dos pontos da matéria de facto impugnada, indicando com exatidão os concretos meios de prova em que se funda o recurso bem como a sua apreciação critica. A este propósito, estabelece o atrás referido artº 640º do Código de Processo Civil que: “1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”. Da leitura do preceito atrás citado resulta que, sem embargo da arguição de nulidades da sentença que visem a matéria de facto, o recurso pode versar a impugnação da decisão da matéria de facto provada ou não provada, devendo o recorrente concretizar quer os segmentos que entende erradamente julgados, quer os meios de prova que determinam uma decisão diversa. Como refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de outubro de 2015, in www.dgsi.pt “Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus: Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento; Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa; Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas. Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão”. Também o Acórdão de 19 de fevereiro de 2015, daquele mesmo Tribunal, in www.dgsi.pt, refere que “(...), a exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objeto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto. (…) Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, serve sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no nº 1 do artigo 662º do CPC. (…) É, pois, em vista dessa função, no tocante à decisão de facto, que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afetada, nos termos do artigo 640º, nº 1, proémio, e nº 2, alínea a), do CPC”. (…) Não sofre, pois, qualquer dúvida que a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº 1 do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada”. Como refere o recente Acórdão desta Relação de Guimarães, de 30 de março de 2023, relatado pela Srª Desembargadora Fernanda Proença Fernandes, in www.dgsi.pt e que aqui de perto seguimos, “Com este novo regime, em contraposição com o anterior, pretendeu-se que fosse rejeitada a admissibilidade de recursos em que as partes se insurgem em abstracto contra a decisão da matéria de facto. Nessa medida, o recorrente tem que especificar os exactos pontos que foram, no seu entender, erradamente decididos e indicar, também com precisão, o que entende que se dê como provado. A imposição de tais indicações precisas ao recorrente, visou impedir “recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, restringindo-se a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.” (cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., p.153)”. A fim de evitar impugnações abstratas e genéricas da matéria de facto, incumbe ainda ao recorrente especificar os concretos meios de prova que entende serem determinantes para a impugnação de cada um dos factos que reputa erradamente decididos (neste sentido Dr Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª Edição, pág. 155), Assim, ao recorrente que impugna a decisão da matéria de facto incumbe, quanto a cada um dos factos que entende ter sido erradamente decidido e pretende ver decidido de forma distinta, indicar, com detalhe, como se refere no último dos Acórdãos citado, “(…) os meios de prova deficientemente valorados, criticar os mesmos e, discriminadamente, concluir pela resposta que deveria ter sido dada, evitando-se assim que sejam apresentados recursos inconsequentes, e sem fundamentação que possa ser apreciada e analisada. Ou seja, não são admissíveis impugnações em bloco que avolumem num ou em vários conjuntos de factos diversos a referência à pertinente prova que motiva a pretendida alteração das decisões e que, na prática, se reconduzem a uma impugnação genérica, ainda que parcelar”. Neste sentido decidiram os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de dezembro de 2017 e 5 de setembro de 2018, in www.dgsi.pt., quando, respetivamente, nos pontos II e III - IV dos respetivos sumários referem que “II. Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três “blocos distintos de factos” e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.” (o primeiro) e “III - Limitando-se o impugnante a discorrer sobre os meios de prova carreados aos autos, sem a indicação/separação dos concretos meios de prova que, relativamente a cada um desses factos, impunham uma resposta diferente da proferida pelo tribunal recorrido, numa análise crítica dessa prova, não dá cumprimento ao ónus referido na al. b) do n.º 1 do art. 640.º do CPC”. e “IV - Ou seja, o apelante deve fazer corresponder a cada uma das pretendidas alterações da matéria de facto o(s) segmento(s) dos depoimentos testemunhais e a parte concreta dos documentos que fundou as mesmas, sob pena de se tornar inviável o estabelecimento de uma concreta correlação entre estes e aquelas.” (o segundo). Acresce que incumbe, a quem pretende impugnar a decisão da matéria de facto, pondo em causa a convicção do Tribunal, sustentada na livre apreciação da prova e nas regras da experiência, em sede de motivação e conclusões, fazer uma análise crítica da prova, apresentando razões objectivas para contrariar a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário, não sendo suficiente para o efeito a mera transcrição de excertos de alguns dos depoimentos prestados (neste sentido Acórdão da Relação de Guimarães de 11 de julho de 2017, in www.dgsi.pt). E a este ónus de impugnação, acresce o ónus de conclusão, previsto no nº 1 do artº 639º, do Código do Processo Civil, que estabelece que o “recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”, definindo-se assim o objecto do recurso. Assim, nas conclusões cabe ao recorrente indicar, de forma resumida, através de proposições sintéticas, os fundamentos de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão, para que seja possível delimitar o objecto do recurso de forma clara, inteligível, concludente e rigorosa (neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de junho de 2013, in www.dgsi.pt). Ora, da leitura das alegações e das conclusões dadas supra por reproduzidas, somos levados a concluir que, efetivamente o recorrente cumpre o triplo ónus da impugnação identificando o item que pretende impugnar, atacando a motivação do Tribunal a quo e pretendendo que aquele facto não seja considerado assente com base na confissão ou admissão de factos. Vejamos a propósito a motivação do Tribunal a quo: “O Tribunal baseou a sua livre convicção na análise crítica e conjugada de todos os meios de prova produzidos nos autos, independentemente da parte de que emanaram (art. 413.º do CPC), designadamente os seguintes: (…) FACTOS PROVADOS 6: As obras/benfeitorias que foram realizadas no campo pelos Réus encontram-se admitidos por acordo (cfr. art. 36 da réplica); (…)”. Lancemos mão dos articulados apresentados pelas partes. Em sede de reconvenção e com relevo para a questão ora em apreciação, vieram os réus alegar: (…) 42. Nessa convicção, os Réus, quer por si como por seus antepossuidores, retiram e sempre retiraram daquele prédio todas as utilidades e proveito, nomeadamente cultivando-o, limpando-o, cuidando-o, fazendo obras de construção, nomeadamente a implantação de canalização e colocação de três depósitos de mil litros, cada um, para rega. 43. sempre à vista de toda a gente, nomeadamente vizinhos, 44. e principalmente à vista do Autor. 45. sem oposição ou embaraço de quem quer que seja, 46. comportando-se como donos, e por todos assim são considerados, 47. sendo que a sua posse é e sempre foi contínua, pública, pacífica, contínua e de boa-fé. (…) 54. E desse modo, trataram daquele terreno como seu, 55. colocaram vedação ao redor do campo, 56. implantaram canos para irrigar o campo, 57. colocaram depósitos para armazenamento dessa água de rega, 58. plantaram vinha nova em redor do campo, 59. regaram, trataram, podaram e colheram os frutos dessa vinha, 60. apresentaram candidaturas a financiamentos agrícolas, indicando aquele prédio como sua propriedade. (Docs. 1 e 2). 61. Em suma, agindo sobre aquele prédio e perante todos e assim são reconhecidos por todos como os seus legítimos proprietários por o terem adquirido por contrato de compra e venda que ainda não foi formalizado. (…)” Em sede de réplica, a saber, no artº 26º da mesma veio o autor alegar o seguinte: “Em suma, dir-se-á, ponto por ponto da Reconvenção dos RR. o seguinte, i) São irrelevantes os factos alegados pelos RR. nos seus articulados, 26. a 28., 31., 32. até (…)” contratados para efectuar o transporte de e para o aeroporto do Porto, sempre que o Autor se deslocava a Portugal. ”, 37., 52., 53., pelo que vão desde já impugnados; ii) São falsos os factos alegados pelos RR. nos seus articulados, 29., 30., 25. (?!?!), 32. a 41., 43. a 51., 55. a 59., 61. a 71. e 73., pelo que vão igualmente impugnados; iii) São abusivos… dizemos conclusivos os factos alegados pelos RR. nos seus articulados, 42., 60., 72., 74. e 76., pelo que também estes vão impugnados”; Alega ainda o mesmo mais à frente: “35ºUsam e abusam sem autorização do A., do prédio de sua propriedade; 36.Ali plantando e colhendo os RR. frutos, colocando tubos e depósitos de água e vedando a propriedade do A. sem o necessário consentimento deste; 37.ºTentando enriquecer-se, por via de alegada usucapião, que não se verificou nunca, às custas do empobrecimento do A.; Ou seja, do confronto destes articulados e apesar de numa fase inicial o autor, na réplica, impugnar os factos alegados pelos réus na sua contestação/reconvenção e acima reproduzidos, posteriormente, nos artºs 35 e 36, acaba por admitir que os réus vem, sem sua autorização, plantando e colhendo os frutos, colocando tubos e depósitos de água e vedando a propriedade do Autor. Daqui e uma vez que o autor não prestou depoimento do qual resultasse a confissão, resulta que o acordo deste, decorrente da réplica se limita a que os réus, vem plantando e colhendo frutos, e à realização de obras por parte dos mesmos, colocando tubos e depósitos de água e vedando a propriedade do Autor. No demais, tem razão o recorrente no sentido de que o mesmo não resulta da sua aceitação ou confissão. Ora, aqui chegados importa aos autos aferir se estes fornecem prova que permita concluir nos demais termos daquele facto provado. Vejamos. Nos autos, mais propriamente, em sede de audiência prévia, requereram as partes, a realização de perícia, prova que foi ordenada pelo tribunal, tendo sido junto aos autos relatório a 31 de março de 2023. Da leitura deste relatório resulta que o prédio foi vedado, com rede metálica, numa extensão de 110 m e com um custo de € 693,00; que existe uma latada no lado nascente e norte, constituída por 16 esteios de granito, 16 unidades de ferro e arame, numa extensão de 82,6m, com um custo de € 300,00; existem três depósitos de água no valor de € 1.437,00; tubagem para condução de água da nascente aos depósitos, num percurso de 500 metros, com um custo de € 6.180,00 e 31 pés de vinha plantada no valor de 310,00. Ora, diga-se que foi ouvida a prova testemunhal e ainda as declarações de parte da ré. Dos depoimentos das testemunhas GG (irmão do autor), KK (cunhada do autor), LL (sobrinho do autor e vizinho dos réus), MM (vizinho), NN (vizinha), OO (jornaleira dos réus), PP (jornaleira dos réus), QQ (jornaleiro dos réus), RR (vizinha) e SS (filha da ré) resulta, sem mais que há já muitos anos, os réus tratavam dos campos sub judice, que semeavam com produtos consumíveis vários que depois colhiam, terreno que lhes entregue pelo Sr. JJ, que era cunhado e Procurador do Autor. Destes depoimentos e declarações foi ainda possível reter que, das obras referidas em sede de perícia, designadamente pela testemunha PP atrás identificada como jornaleira da ré há 27 anos quando ali começou a trabalhar já existia a latada e as videiras velhas que foram substituídas por novas, plantadas pelos réus. Ora, não tendo sido impugnados os factos vertidos sob os nºs 4 e 5 dos factos provados e face aos depoimentos atrás referidos, temos de concluir, como fez o Tribunal, apesar de sem a nossa motivação, que, desde que tomaram posse do terreno e na expectativa de o adquirirem, os réus nele trabalharam e construíram, nos termos referidos no ponto 6 dos factos provados, à vista de toda a gente, designadamente os vizinhos e jornaleiros dos réus, e ainda do autor e sem oposição ou embaraço deste, uma vez que dos autos nada resulta, para além da carta junta com a petição inicial datada de 7 de janeiro de 2019, que permita concluir que o mesmo desconhecia aquela posse e utilização e à mesma se opôs. Assim sendo, por motivos distintos e que aqui acima se referiram, entende-se dar como provado, sob o nº 6, o seguinte facto: 6. Desde o ano de 1996, os Réus-Reconvintes estão na posse do prédio identificado em 1 na expectativa de o adquirirem, e por isso procederam às seguintes obras de construção, sempre à vista de toda a gente, nomeadamente vizinhos, e principalmente à vista do Autor sem oposição ou embaraço de quem quer que seja, que importou o custo que se refere: a. colocação de vedação (rede de malha metálica) ao redor do campo……….… 693,00€ b. implantação de tubagem e canalização para condução da água desde a nascente até aos depósitos …………..………………………………………..6.180,00€ c. colocação de três depósitos de mil litros cada um para armazenamento da água de rega …………………..……………………………….….………1.437,00€ d. plantação de 31 pés de vinha nova em redor do campo (que regaram, trataram, podaram e colheram os respectivos frutos)…………….……………. 310,00€ Total ………………………………………………………..……… 8.620,00€ Nestes termos e apesar de ser a motivação do facto dado como provado sob o nº 6, distinta da do Tribunal a quo, julga-se improcedente a impugnação apresentada, mantendo-se os factos provados e não provados já atrás enunciados. * d) da reapreciação do direito: Aqui chegados importa aos autos aferir se, como refere o recorrente procedeu o Tribunal a quo, a incorreta aplicação do disposto no artº 1217º do Código Civil, ao entender pela existência de benfeitorias, benfeitorias úteis e que não poderiam ser levantadas sem o detrimento da coisa, uma vez que se tratam de depósitos em plástico e tubos para a rega, sendo neste casos, ao proprietário, aqui recorrente e não aos possuidores, aqui recorridos que compete a escolha da retirada das benfeitorias úteis. Vejamos. De acordo com o nº 1 do artº 216º do Código Civil, consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa, podendo, como refere o Prof Oliveira Ascenção, in Direito Civil, Reais, 5ª edição (reimp), Coimbra Editora, 2000, pág 109, estar em causa a realização de obras, a incorporação de outras coisas ou simplesmente trabalho. Nas palavras do D. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de maio de 2008, relatado pelo Sr Conselheiro Sebastião Póvoas, in www.dgsi.pt, “Estes trabalhos integram o conceito genérico de benfeitorias, constante do artigo 216.º do Código Civil, por se tratarem de melhoramentos feitos por quem detém a coisa, em consequência de um vínculo ou de uma relação jurídica (v.g. proprietário, enfiteuta, possuidor, locatário, comodatário, usufrutuário) – cf. “inter alia”, Prof. Vaz Serra, RLJ 106.º-109). Visam a coisa em si e a melhoria da sua utilização permanente, como refere o Prof. Manuel de Andrade, in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, 1964, 1.º, 274 (cf. ainda, Prof. Pires de Lima – “Das coisas”, BMJ, 91-221; note-se que para o Prof. Oliveira Ascensão – “Direitos Reais”, 2000, 48, I – o termo “despesas” constante do citado artigo 216.º do Código Civil é de interpretação lata podendo incluir, apenas, “trabalhos”)”. Ora, como resulta dos nºs 2 e 3 do preceito atrás referido, as benfeitorias podem ser necessárias quando tem por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, aumentam o valor da coisa e voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante. No que às benfeitorias úteis diz respeito, entende-se que o incremento ou aumento do valor deve ser avaliado de forma objetiva, sendo certo que, o que está em causa é o aumento do valor da coisa depois da benfeitoria, por oposição ao seu valor no momento anterior e já não o valor da despesa efetuada (neste sentido o comentário ao artigo 216º, de Armando Triunfante, a pág. 70, do Comentário ao Código Civil, Direito das Coisas, da Universidade Católica Portuguesa. Conforme refere o Acórdão do STJ atrás citado “A qualificação é feita mediante a discriminação das obras efectuadas e das consequências do seu levantamento, em termos de detrimento da coisa, que não só das benfeitorias em si”. Se a despesa, embora não indispensável para a conservação, ou evitar o detrimento do bem, lhe aumentar o valor ou a capacidade de gozo, o levantamento é possível se não deteriorar a coisa, já que, se o fizer, o benfeitor tem direito ao respectivo valor (das benfeitorias) calculado nos termos do enriquecimento sem causa (artigos 216.º, n.º3 e 1273.º do Código Civil). Mas tratando-se de melhorias para mero deleite ou recreio, o possuidor só as levantará se tal não lesar a coisa (se lesando-a, terá proceder à respectiva reparação) ou, se de má fé, não terá qualquer direito”. Acrescente-se ainda que tal como refere este D. Acórdão “Como a benfeitoria encerra um conceito de direito, a qualificação dos factos que a integram e a sua nominação, não é matéria de facto, podendo o Supremo Tribunal de Justiça conhecê-la em sede de revista, excepto quanto às consequências do levantamento, que é puro facto (detrimento ou perda da coisa)”. Ou seja, cabe a quem, como os réus ora recorridos, invoca a existência de benfeitorias, alegar os factos que a integram, os factos que permitem a sua nominação como necessárias, úteis ou voluptuárias e ainda os factos relativos ao detrimento ou perda da coisa (e não da benfeitoria). Aqui chegados revertamos ao caso sub judice. Alegaram e provaram os réus/recorridos que durante o período em que estiveram na posse do prédio dos autores aí procederam às seguintes obras de construção, que importou o custo que se refere: a. colocação de vedação (rede de malha metálica) ao redor do campo……….… 693,00€ b. implantação de tubagem e canalização para condução da água desde a nascente até aos depósitos …………..………………………………………..6.180,00€ c. colocação de três depósitos de mil litros cada um para armazenamento da água de rega …………………..……………………………….….………1.437,00€ d. plantação de 31 pés de vinha nova em redor do campo (que regaram, trataram, podaram e colheram os respectivos frutos)…………….……………. 310,00€ Total ………………………………………………………..……… 8.620,00€ Ora, salvo o devido respeito por contrária opinião, as obras realizadas e atrás referidas permitem a este Tribunal aferir do incremento e valorização do prédio em causa, uma vez que o mesmo passou a estar vedado, o que garante maior segurança, passou a dispor de sistema de tubagem e canalização que liga a água da nascente até aos depósitos que a armazenam e que não é difícil admitir facilitam a rega e ainda dispõe de uma nova vinha. Assim sendo, se nada permite a este Tribunal, face aos factos apurados concluir pela existência de benfeitorias necessárias, na medida em que também nada foi alegado e demonstrado quanto à sua indispensabilidade para a conservação do bem, ou para evitar o detrimento do mesmo, já o mesmo não se poderá dizer quanto às mesmas serem úteis, o que se afirma. Assim, importa agora aferir se aos réus/recorridos caberia, como fez o Tribunal a quo, uma indemnização correspondente às despesas suportadas. Da matéria de facto resulta ainda serem os réus/recorridos até janeiro de 2019 (data em que desocuparam o prédio em causa) meros possuidores e, como tal, sujeitos ao regime do nº1 do artº 1273º do Código Civil, segundo o qual “Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela”. Ou seja, ao possuidor é atribuído o direito de indemnização pelas benfeitorias necessárias e o direito a levantar as benfeitorias úteis, desde que tal seja possível sem detrimento da coisa e, se tal não for possível, tem direito ao respectivo valor, calculado pelas regras do enriquecimento sem causa. Ora, como vimos atrás as benfeitorias realizadas pelos réus/recorridos são benfeitorias úteis, que, conforme resulta do preceito citado, atribuem o direito ao seu levantamento, sendo certo que, aqueles não alegaram, como lhes incumbia, a impossibilidade do seu levantamento inócuo para a coisa. Não tendo sido alegada e demonstrada a impossibilidade de sem produzir dano na coisa, serem levantadas as benfeitorias, necessariamente tem de improceder o pedido formulado pelos réus ora recorridos, no sentido de serem os mesmos indemnizados. Diga-se ainda que, não tendo os réus ora recorridos peticionado o levantamento das benfeitorias, impedido está este Tribunal de sobre o levantamento das benfeitorias se pronunciar. Assim sendo, entende-se, nesta parte, procedente o recurso. * V. Decisão: Considerando quanto vem exposto acordam os Juízes desta Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação, revogando-se a decisão da primeira instância, no que ao pedido reconvencional diz respeito e, em consequência, julgando-se o mesmo improcedente, absolvendo-se do mesmo os autores ora recorrentes e com as custas por aqueles réus. Custas pela recorrente (uma vez que não foram produzidas contra alegações). Guimarães, 24 de abril de 2025 Relatora: Margarida Gomes Adjuntas: Fernanda Proença Fernandes. Sandra Melo. |