Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
235/17.7T8EPS.G1
Relator: PAULO REIS
Descritores: DELIBERAÇÃO DE ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
IMPUGNAÇÃO DE DELIBERAÇÃO
LEGITIMIDADE PASSIVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/28/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Apesar da referência feita pelo artigo 1433.º, n.º 6, do CC, a propósito da legitimidade passiva para as ações de anulação de deliberação de assembleia de condóminos, que alude à possibilidade de a representação judiciária dos condóminos (contra quem as ações são propostas), poder caber ao administrador ou a pessoa que a assembleia designar para esse efeito, tal não confere ao condomínio ou ao respetivo administrador o estatuto de parte, devendo ser identificados e demandados os condóminos que votaram favoravelmente as deliberações.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

1. B. S. e C. S., na qualidade de proprietários da fração .. - apartamento … do lote …; 2. C. B. e M. B., proprietários do lote …; instauraram ação declarativa sob a forma de processo comum contra:
2.
A) Condomínio Geral da Quinta ..., representado pela sua administração eleita - Condomínios & Companhia de L. M. - Administração de Imóveis, Lda; e
B) contra todos os demais condóminos presentes e/ou representados na Assembleia Geral de Condóminos de 29 de abril de 2017, designadamente:
1. C. F. e mulher E. M., proprietários do Lote ..; 2. L. S. e mulher M. G., proprietários do Lote ..; 3. C. J. e mulher M. T., proprietários do Lote ..; 4. X - Equipamentos de Protecção Contra Incêndios, Limitada, proprietário do Lote ..; 5. J. C. e mulher E. A., proprietários do Lote ..; 6. R. A. e mulher C. M., proprietários do Lote ..; 7. M. F. e mulher O. P., proprietários do Lote .. fração “AP”; 8. J. F. e mulher A. F., proprietários do Lote …; 9. J. M., Lda, proprietário do Lote ..; 10. Y, S.A, proprietário do Lote ..; 11. D. M. e mulher O. M., proprietários do Lote ..-A fração “P”; 12. M. N. e mulher M. I., proprietários do Lote .. fração “AE”; formulando os seguintes pedidos:
«a) Serem declaradas inexistentes, nulas, anuladas ou ineficazes as declarações e deliberações tomadas na Assembleia Ordinária de Condóminos realizada no dia 29-04-2017, nomeadamente dos pontos 1, 3, 6. - do relatório de contas relativo ao período de 1 de janeiro de 2016 a 31 de dezembro de 2016; - das propostas de orçamento para o período de 1 de janeiro de 2017 a 31 de dezembro de 2017; - da proposta de comparticipação do Condomínio Geral nas obras de reabilitação da praça da marina, na percentagem de 21% (Aprox. 41.500,00€) do valor global da obra.
b) E por via dela serem os RR. condenados a reconhecer tal invalidade dessas deliberações parciais».

O réu Condomínio Geral da Quinta ... contestou, suscitando, além do mais, a exceção dilatória de ilegitimidade passiva, arguindo a sua própria ilegitimidade, por esta pertencer aos próprios condóminos, não sendo o condomínio nem a sua administração sujeitos das deliberações cuja anulação se peticiona na presente ação, e por preterição de litisconsórcio natural necessário passivo. Sustenta que a presente ação visa a impugnação de deliberações tomadas em sede de assembleia de condóminos devendo a mesma ser proposta contra os condóminos que votaram as deliberações impugnadas, individualmente considerados, e não contra o condomínio, em obediência ao estatuído no artigo 1433.º, n.º 6, do Código Civil (CC), não sendo este, nem a sua administração, sujeitos das deliberações cuja anulação se peticiona. Alega que não foram demandados na presente ação todos os condóminos que votaram favoravelmente as deliberações impugnadas na presente ação, como sucede com os proprietários das frações 3, 5, D79, G79, 13, 15, 26, 28, 35, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 76, 77, 80, 82, 87, 99, AH79, AJ79, AU79, 102, 104, 110, 122, 134, 135, 140, 143, 160, 162, 163, 167, 179, E78, I78, J78, M69, O69, Q182, R78, X182, AA69, AC182, AE69, AF78, AG78, AO78, AQ69, AS78, AT7D, AU78, os quais não são réus na ação, assim derrogando as regras do litisconsórcio necessário passivo, o que, segundo alega, determinará a absolvição da instância dos demais réus. Procede à indicação das concretas frações do condomínio cujos proprietários votaram favoravelmente cada uma das três deliberações impugnadas nos presentes autos - com referência aos respetivos pontos 1 (Apresentação, discussão e votação do Relatório e Contas relativos ao período de 1 de janeiro de 2016 a 31 de dezembro de 2016), 3 (Apresentação, discussão e votação da proposta de orçamento para o período de 1 de janeiro de 2017 a 31 de dezembro de 2017); e 6 [da proposta de comparticipação do Condomínio Geral nas obras de reabilitação da praça da marina, na percentagem de 21% (Aprox. 41.500,00€) do valor global da obra], todos da ata de Assembleia Geral Ordinária do Condomínio Geral da “Quinta ...”, realizada no dia 29-04-2017.
Juntou documentos, entre os quais cópias certificadas da Ata n.º 26 da Assembleia Geral Ordinária do Condomínio Geral da “Quinta ...”, realizada no dia 29-04-2017, e lista de presenças desta assembleia, Ata 26 A, da Assembleia Geral Ordinária do Condomínio Geral da “Quinta ...”, realizada em 6-05-2017 em continuação da Assembleia de 29-04-2017, e lista de presenças desta assembleia.
Também os réus L. S., J. C., E. A., R. A., C. M., J. M., Lda., Y, S.A, D. M., O. M., M. N. e M. I., contestaram, suscitando, além do mais, a exceção dilatória de ilegitimidade passiva, por preterição de litisconsórcio natural necessário passivo. Sustentam que a legitimidade passiva para a presente ação de impugnação de deliberações tomadas em sede de assembleia de condóminos deve ser proposta contra os condóminos que votaram as deliberações, sendo que apenas as deliberações que constam dos pontos 1 e 3 da ordem de trabalhos foram votadas favoravelmente pelos réus contestantes, e destes só os réus M. S. e M. I. votaram favoravelmente a deliberação constante do ponto 6 da ordem de trabalhos; acresce que os autores não demandaram todos os condóminos que votaram favoravelmente as deliberações constantes dos pontos 1, 3 e 6 da ordem de trabalhos, não podendo prosseguir este processo judicial enquanto os autores não corrigirem esta falha, através do chamamento aos autos dos condóminos em falta, para o que juntam documento que sustentam ter solicitado à Administração do Condomínio para terem os elementos de quem votou, e em que sentido, cada um dos pontos da Assembleia Geral, e onde se podem averiguar os factos invocados. Juntaram documentos.
Os autores foram notificados das contestações e respetivos documentos, bem como para responderem à matéria de exceção invocada pelos réus na contestação, ao abrigo do disposto nos artigos 3.º, n.º3, 6.º, n.º 1, e 547.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), conforme determinado no despacho de 20-09-2019 (ref.ª 164790450), nada tendo dito.
Atenta a falta de resposta à matéria de exceção, o Tribunal a quo proferiu despacho - de 5-11-2019 (Ref.ª Citius 165594516) - convidando os autores a corrigirem a petição inicial, devendo proceder à identificação dos réus por referência à fração de que são proprietários, indicando, relativamente a cada um deles que deliberação votaram favoravelmente.

Os autores responderam a tal convite por meio de requerimento apresentado a 21-11-2019 (ref.ª Citius 9411999), no qual requerer o seguinte:

«…tendo em conta a ata 26 e 26A, em relação aos pontos 1, 3 e 6 das referidas Atas e, em relação às deliberações e aprovações por maioria aí espelhadas.
Pelo que se junta a referida identificação da parte passiva com a respectiva identificação da propriedade e do seu sentido de voto de aprovação nas respectivas deliberações.
Requer a V. Exa se digne mandar juntar aos autos, tendo em conta a respectiva propriedade e o seu sentido de voto nas deliberações ns. 1, 3 e 6.
Junta: 1 (um documento)».

No documento que juntaram com o requerimento apresentado a 21-11-2019 (ref.ª Citius 9411999), os autores identificam como réus na presente ação os mesmos que já figuravam na petição inicial, especificando o seguinte: que os 1.ºs réus votaram a favor nas deliberações com os n.ºs 1, 3 e 6, e são proprietários do Lote 12; que os 2.ºs réus votaram a favor nas deliberações com os n.ºs 1 e 3 e são proprietários do Lote 27; que os 3.ºs réus votaram a favor nas deliberações com os n.ºs 3 e 6, e são proprietários do Lote 29; que o 4.º réu votou a favor nas deliberações com os n.ºs 1 e 3, e é proprietário do Lote 56; que os 5.ºs réus votaram a favor nas deliberações com os n.ºs 1 e 3, e são proprietários do Lote 74; que os 6.ºs réus votaram a favor nas deliberações com os n.ºs 1 e 3, e são proprietários do Lote 81; que os 7.ºs réus votaram a favor nas deliberações com os n.ºs 1, 3 e 6, e são proprietários da Fração “AP” Lote 79; que os 8.ºs réus votaram a favor nas deliberações com os n.ºs 1 e 3, e são proprietários do Lote 121; que o 9.º réu votou a favor nas deliberações com os n.ºs 1 e 3, e é proprietário do Lote 137; que o 10.º réu votou a favor nas deliberações com os n.ºs 1 e 3, e é proprietário do Lote 180; que os 11.ºs réus votaram a favor nas deliberações com os n.ºs 1 e 3, e são proprietários da fração “P” no lote 69-A; que os 12.ºs réus votaram a favor nas deliberações com os n.ºs 1, 3 e 6, e são proprietários da fração “AE” no lote 78.
Constatando haver discrepância entre os réus na ação e os representantes das frações que votaram favoravelmente as deliberações impugnadas nos autos (nomeadamente, por não terem sido demandados nos autos todos os condóminos que votaram favoravelmente), o Tribunal a quo proferiu novo despacho, de 16-01-2010, em que por ser essencial à decisão a proferir quanto à questão da (i)legitimidade passiva, determinou a notificação dos autores para juntarem aos autos as certidões prediais comprovativas de que os réus são proprietários das frações e para se pronunciarem quanto ao facto de nem todos os proprietários das frações que votaram favoravelmente as deliberações serem demandados como réus nos autos, esclarecendo e/ou requerendo o que tivessem por conveniente quanto a tal.
Em resposta ao convite formulado pelo Tribunal a quo, os autores apresentaram requerimento aos autos, de 15-06-2020, em que juntam as certidões prediais comprovativas de que os réus são proprietários das frações identificadas nos autos. Quanto ao mais sustentam, no essencial, que nas atas 26 e 26A não estão devidamente identificados os presentes que votaram a favor nas deliberações 1, 3 e 6, por só estão deviamente identificados e discriminados os votos dos presentes que participaram na abstenção e nos votos contra, para alem de que a soma das percentagens, tal como constam descritas na ata não coincidem nos 3 pontos com a unidade - referindo que as percentagens declaradas no ponto 1 a soma (92,10+5,20+2,69) = 99,99%; que as percentagens declaradas no ponto 3 a soma (75,51+5,47+19,02) =100%; as percentagens declaradas no ponto 6 a soma (8,19+86,67+5,17) =100,03% - concluindo não ser possível identificar os presentes que votaram a favor das deliberações.
Foi então proferido despacho saneador no qual o Tribunal a quo começou por apreciar a questão que referenciou como «Da Ilegitimidade processual passiva não suprida», julgando procedente a exceção de ilegitimidade dos réus por preterição de litisconsórcio necessário passivo não suprida, nos termos do artigo 278.º, n.º 3, do CPC, determinando a absolvição dos réus da instância e julgando prejudicado, por inútil, o conhecimento da restante matéria de exceção invocada.

Inconformados, os autores vieram recorrer, pugnando no sentido da revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que admita o prosseguimento dos autos que determine o prosseguimento dos autos também relativamente à 3.ª ré, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1. Os recorrentes não concordam com a decisão de primeira instância que decidiu absolver da instância os RR. por preterição de litisconsórcio necessário passivo, mesmo tendo em conta o lote 3.
2. A decisão recorrida, é ilegal, por violação do artº 1433º, nº 6 do CC.
3. A decisão recorrida deverá ser substituída por outra que admita o prosseguimento dos autos.
4.Não pode a ata, por falta de identificação dos condóminos que exerceram o voto e de discriminação do seu sentido de voto, constituir uma limitação à sua impugnação, mesmo não sendo a ata forma nem formalidade ad substatiam.
5.Mas teriam as votações das deliberações estar devidamente discriminadas, ou terem uma melhor explicação na identificação dos votos, o que não foi o caso nas presentes atas.
6. Neste caso a ata apresenta-se como uma formalidade ad probationem, com a consequência prevista no nº 1 do artº 364, pois não a podemos substituir, pelo que o Tribunal a quo não deverá deixar de prosseguir com os autos pela não existência da preterição de litisconsórcio necessário passivo.
7. Também o não prosseguimento dos autos contra o condomínio na pessoa do seu administrador ou para decisão sobre o ponto 3 da ordem de trabalhos, dar-se-á assim razão à desnecessidade de bem elaborar uma ata e de bem discriminar os votos, não havendo afinal necessidade da sua redação, por violação do DL. 268/94.
8. Bem como de não haver necessidade de dar certeza e relevância acerca do que se passou na assembleia.
9. E assim se impedindo que qualquer condómino, nomeadamente os AA. De promover os atos necessários nos termos do artº 1433º do CC., porque não se identificam os condóminos que votaram favoravelmente.

Nestes termos, julgando V. Exas. totalmente procedente o presente recurso e substituindo a decisão recorrida por outra que admita o prosseguimento dos autos, nos termos identificados, pelo que farão V. Exas, INTEIRA JUSTIÇA».
O réu Condomínio Geral da Quinta ... apresentou contra-alegações na qual defende a manutenção do decidido.
O recurso foi então admitido como apelação, com subida imediata e efeito meramente devolutivo.
Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, tendo o recurso sido admitido nos mesmos termos.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações da recorrente, e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC - o objeto do presente recurso circunscreve-se a aferir se estão verificados os pressupostos da procedência da exceção de ilegitimidade dos réus, por preterição de litisconsórcio necessário passivo não suprida, nos termos do artigo 278.º, n.º 3, do CPC, tal como entendeu a decisão recorrida.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos
1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra.

2. Apreciação sobre o objeto do recurso

A lei procede à classificação das exceções entre dilatórias e perentórias (artigo 576.º, n.º 1 do CPC), estabelecendo que as primeiras obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal (n.º 2 do citado preceito), enquanto as exceções perentórias importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor (artigo 576.º, n.º 3 do CPC).
A legitimidade das partes, incluindo em todas as situações em que se considere que existe preterição de litisconsórcio necessário ativo ou passivo, configura um pressuposto processual que a lei classifica expressamente como exceção dilatória, de conhecimento oficioso, e cuja verificação dá lugar à absolvição do réu da instância, sem prejuízo dos casos em que tal exceção é sanável, nos termos conjugados dos artigos 30.º, 33.º, 261.º, 576.º, nºs 1 e 2, 577.º, al. e), todos do CPC.
A questão da legitimidade tem que ser apreciada e decidida à luz do que dispõe o artigo 30.º do CPC, que reporta a legitimidade do autor ao interesse direto em demandar (n.º 1 do referido preceito), o qual, por sua vez, se exprime pela utilidade derivada da procedência da ação (n.º 2 do referido preceito).
Tal como resulta claro da redação do n.º 3 do artigo 30.º do CPC, o legislador consagrou sem restrições o critério da determinação da legitimidade em função da titularidade da relação material controvertida com a configuração que lhe foi dada unilateralmente na petição inicial, ao dispor que na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.
Porém, tal como decorre do segmento inicial do n.º 3 do artigo 30.º do CPC, a par do critério residual em que assenta a legitimidade direta, pautado pela titularidade da relação controvertida, tal como esta é configurada pelo autor, hipóteses há em que o próprio legislador indica quais os titulares do direito de ação ou de defesa.
Tal como resulta enunciado em I. supra, está em causa na presente ação a impugnação das deliberações tomadas na Assembleia Ordinária de Condóminos realizada no dia 29-04-2017, concretamente dos pontos 1, 3, 6 (- do relatório de contas relativo ao período de 1 de janeiro de 2016 a 31 de dezembro de 2016; - das propostas de orçamento para o período de 1 de janeiro de 2017 a 31 de dezembro de 2017; - da proposta de comparticipação do Condomínio Geral nas obras de reabilitação da praça da marina, na percentagem de 21% Aprox. 41.500,00€) do valor global da obra), pretendendo os autores, na qualidade de condóminos do conjunto de edifícios “Quinta ...” devidamente registada como uma Operação de Transformação Fundiária, sejam declaradas inexistentes, nulas, anuladas ou ineficazes tais deliberações e, por via dela, serem os réus condenados a reconhecer tal invalidade dessas deliberações parciais.
Atento o objeto da ação tal como delimitado pelos autores no âmbito da petição inicial apresentada mostra-se concretamente aplicável à situação dos autos, com as necessárias adaptações, o regime previsto para a impugnação das deliberações das assembleias de condóminos contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados, o qual decorre do artigo 1433.º do CC - cf. o artigo 1438.º-A, do CC.
Como se vê, o n.º 1 (1) do citado preceito atribui desde logo a legitimidade para instaurar a ação de impugnação das deliberações das assembleias de condóminos a qualquer condómino que as não tenha aprovado, prevendo ainda o respetivo n.º 6 que a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as ações compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito.
Não desconhecendo que a questão atinente à legitimidade passiva para as ações de anulação de deliberação de assembleia de condóminos não é pacífica na doutrina e também na jurisprudência dos tribunais superiores, entendemos que a letra da lei é muito clara no sentido de que a legitimidade passiva na ação de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos cabe aos condóminos que votaram favoravelmente as deliberações, pois são estes que têm interesse em contradizer atento o prejuízo que lhes pode advir da anulação das deliberações, não subsistindo assim, em nosso entender, margem relevante para a possibilidade de uma interpretação atualista do citado artigo 1433.º, n.º 6, do CC.

Com efeito, e seguindo de perto a corrente jurisprudencial que julgamos maioritária a propósito desta questão (2) em moldes que julgamos de sufragar inteiramente, importa considerar o que vem enunciado de forma eloquentemente no referido Ac. do STJ de 6-11-2008:

«Fora do âmbito demarcado nos dois mencionados preceitos – o art. 6º/e) do CPC e o art. 1437º – e, designadamente, no campo da impugnação das deliberações tomadas em assembleia de condóminos, a questão, em termos de legitimidade, não respeita directamente ao condomínio a se – ente sem personalidade jurídica própria, e com a limitada personalidade judiciária assinalada, e, por isso, não dotado da possibilidade de requerer ou de contra si ser requerida, em nome próprio, fora dos casos acima aludidos, qualquer das providências de tutela jurisdicional reconhecidas na lei – antes envolve os próprios condóminos, enquanto membros do órgão deliberativo que é a dita assembleia dos condóminos, à qual cabe, em primeira linha, a administração das partes comuns do edifício, e cujas deliberações, uma vez aprovadas e exaradas em acta, representam a vontade colegial e são vinculativas para todos eles, mesmo para os que na reunião não hajam participado, ou para os que, tendo participado, se hajam abstido na votação ou votado contra.
A questão da impugnação das deliberações é, pois, uma questão entre condóminos: a legitimidade para impugnar e para defender a deliberação radica, sem dúvida, nos próprios condóminos.
Tal resulta, parece-nos que de modo claro, do disposto no art. 1433º.
(…)
E contra quem deve ser intentada a acção? Ou – o que vale o mesmo – quem tem legitimidade passiva para a demanda?
O art. 1433º não o refere expressamente; mas fornece uma pista importantíssima, ao aludir, no seu n.º 6, aos «condóminos contra quem são propostas as acções». Este n.º 6 é, desde logo, decisivo no afastar da legitimidade do próprio condomínio, e no afirmar da legitimidade dos condóminos, apenas suscitando algumas dúvidas quanto a saber quais os condóminos contra quem a acção deve ser proposta.
Uma coisa parece, porém, inquestionável: a acção terá, necessariamente, de ser proposta contra todos aqueles que votaram a favor da aprovação da deliberação cuja anulação se pretende.
(…)
Neste pano de fundo, entendemos que só devem ser demandados, na acção de anulação da deliberação, os condóminos que, estando presentes ou representados na assembleia em que foi tomada a deliberação anulanda, votaram a favor da sua aprovação.
Nenhum dos demais tem legitimidade passiva para a acção.
A deliberação formou-se com a votação; na sua formação apenas intervieram os condóminos presentes e votantes, e o seu sentido ficou definido com os votos dos que votaram favoravelmente à sua aprovação. E é a deliberação, então nascida e assim gerada, que é objecto da acção de anulação».
Daí que a decisão recorrida não mereça reparo quando conclui que «só faz sentido uma decisão judicial de anulação de um ato que a todos obriga igualmente se for oponível a todos os condóminos, sendo um caso de litisconsórcio necessário passivo (artºs. 30º, nºs 1 e 2 e 33º, ambos do C. P. Civil)».
No caso, a presente ação foi instaurada quer contra condóminos individualmente considerados quer contra o Condomínio Geral da Quinta ..., representado pela sua administração eleita - Condomínios & Companhia de L. M. - Administração de Imóveis, Lda.
Porém, como se viu já a propósito do regime previsto no artigo 1433.º, n.º 6, do CC, nas ações como a presente em que está em causa a impugnação de deliberações tomadas em assembleia de condóminos, enquanto órgão deliberativo composto por todos os condóminos, a legitimidade passiva não pertence ao condomínio, já que se trata de ações que se situam fora do âmbito dos poderes do administrador - cf. artigos 1436.º e 1437.º do CC - e para as quais o condomínio não dispõe de personalidade judiciária, tal como resulta do disposto no artigo 12.º, al. e), do CPC.
Deste modo, apesar da referência feita pelo artigo 1433.º, n.º 6, do CC, que alude à possibilidade de a representação judiciária dos condóminos (contra quem as ações são propostas), poder caber ao administrador ou a pessoa que a assembleia designar para esse efeito, tal não confere ao condomínio ou ao respetivo administrador o estatuto de parte, sendo obrigatória a intervenção singular dos condóminos.
Ora, no caso verifica-se que o administrador do condomínio intervém nos presentes autos apenas na qualidade de representante do condomínio, sem que se mostre justificado qualquer interesse do condomínio na presente ação à luz do seu objeto.
Tal como salienta o Ac. TRP de 2-03-2013, antes referenciado: «[n]o que se refere à legitimidade passiva para este tipo de acções, têm-na todos os condóminos que votaram tais deliberações estando-se perante um litisconsórcio necessário passivo cuja preterição gera a ilegitimidade dos demandados.
Ao administrador do condomínio, ou à pessoa pela assembleia designada para o efeito, cabe somente a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas tais acções. Na verdade, no que concerne à impugnação das deliberações da assembleia de condóminos não concede a lei legitimidade ao administrador do condomínio para, nessa qualidade exclusiva, demandar ou ser demandado (art. 1433° do Código Civil), conferindo sim legitimidade passiva a todos os condóminos que votaram as deliberações que, por via da acção, se intenta anular (art.s 26° e 28° do Código de Processo Civil e 1.433°, n.°6 do Código Civil, normativo este em que se alude a condóminos e não a condomínio ou a administrador) uma vez que são eles os titulares das relações jurídicas em debate. Questão diferente é a da intervenção do administrador na acção, mas como representante judiciário desses mesmos condóminos que poderão optar eles próprios por contestar, em bloco ou isoladamente, ou através do administrador ou até de outra pessoa que a administração designar para o efeito».
Não obstante a conclusão antes evidenciada quanto à manifesta falta de interesse em contradizer por parte do condomínio no âmbito da presente ação, decorrente desde logo da respetiva falta de personalidade judiciária neste caso, o Tribunal a quo julgou prejudicado o conhecimento da exceção de ilegitimidade passiva do réu “condomínio”, suscitada por este, face à procedência da exceção de ilegitimidade dos réus por preterição de litisconsórcio necessário passivo.
No entanto, e porque a legitimidade é de conhecimento oficioso (artigo 578.º do CPC), sempre se impõe nesta sede julgar verificada a exceção de ilegitimidade passiva do réu “condomínio” para a presente causa.
Como se viu, os autores demandam ainda «todos os demais condóminos presentes e/ou representados na Assembleia Geral de Condóminos de 29 de abril de 2017», reportando-se contudo de forma concreta e específica apenas aos réus que surgem identificados em I supra - n.ºs 1 a 12 - com indicação dos respetivos nomes, números e designações dos lotes e frações de que são proprietários.
Neste domínio, a decisão recorrida julgou procedente a exceção de ilegitimidade dos réus, por preterição de litisconsórcio necessário passivo não suprido, nos termos do artigo 278.º, n.º 3, do CPC, por resultar da análise dos elementos juntos aos autos que não foram demandados na ação todos os condóminos das frações que votaram favoravelmente as deliberações em causa nos autos, dos quais refere, a título de exemplo, o proprietário da fração 3, lt 3, e uma vez que os autores, apesar de convidados por aquele tribunal para esclarecerem ou requererem o que tivessem por conveniente quanto à discrepância entre os réus na ação e os representantes das frações que votaram favoravelmente as deliberações impugnadas nos autos (3), vieram afirmar não ser simplesmente possível proceder à identificação de todos os proprietários das frações que votaram favoravelmente as deliberações em causa por tal não constar da ata e por a referência nela contida quanto à permilagem estar incorreta.
No âmbito da presente apelação os recorrentes insurgem-se contra esta decisão, retomando em sede de apelação alguns dos argumentos que anteriormente aduziram no requerimento de 15-06-2020 (pelo qual responderam ao convite do Tribunal a quo), sustentando que tal como consta das atas 26 e 26 A, não estão devidamente identificados os condóminos presentes ou a identificação das frações que votaram “a favor” nas deliberações n.ºs 1, 3 e 6.

Para o efeito alegam, no essencial:
i) só estão deviamente identificados e discriminados os votos dos presentes que participaram na abstenção e nos votos contra, faltando discriminar as frações que votaram a favor; a soma das percentagens, tal como constam descritas na ata não coincidem nos 3 pontos com a unidade, referindo que as percentagens declaradas no ponto 1 soma (92,10+5,20+2,69) = 99,99%; que as percentagens declaradas no ponto 3 soma (75,51+5,47+19,02) =100%; as percentagens declaradas no ponto 6 soma (8,19+86,67+5,17) =100,03%; não sendo possível identificar os presentes que votaram a favor das deliberações nem podendo a ata, por falta de identificação dos condóminos que exerceram o voto e de discriminação do seu sentido de voto constituir uma limitação à sua impugnação;
ii) mesmo aceitando-se que relativamente à deliberação relativa ao ponto 3 seria possível aos autores identificar com certeza os condóminos ou as frações que terão efetivamente participado na votação, e que votaram a favor, sempre será de ponderar se todos os condóminos expressaram o seu voto, se no decurso da assembleia não se ausentaram da mesma e se foram devidamente contabilizados os seus votos ou das suas frações na sua presença, se o administrador ou o presidente da mesa verificaram e confirmaram devidamente as presenças ou as frações presentes relativamente à votação a favor aos pontos 1 e 6, a que acresce a dificuldade de identificar os condóminos pelo seu nome, já que sendo esse o formalismo utilizado na convocatória da assembleia, no decurso da mesma muda o critério para identificação dos condóminos nas respetivas votações, que será a identificação da respetiva fração;
iii) o proprietário da fração 3, lt 3, expressamente referida na decisão recorrida, não poderia ser demandado nos autos porque pela análise da ata pode confirmar-se que tal fração só aparece na votação da deliberação sobre o ponto 3 como integrando os “votos contra”, não surgindo sequer referenciada no resultado das deliberações sobre os pontos 1 e 6;
iv) os autores identificaram todos os condóminos que votaram a favor na deliberação em causa no ponto 3 pelo que sempre a ação teria de continuar para decisão sobre a impugnação referente ao ponto 3 da ordem dos trabalhos;
v) mesmo aceitando-se que não estão identificados todos os condóminos que votaram a favor as deliberações a que se reportam os pontos 1 e 6 e na dúvida em relação à identificação dos votos a favor sempre a ação teria de continuar contra o condomínio.

Estabelece o artigo 1.º, do Dec. Lei n.º 268/94, de 25-10, sob a epígrafe «Deliberações da assembleia de condóminos»:

«1 - São obrigatoriamente lavradas actas das assembleias de condóminos, redigidas e assinadas por quem nelas tenha servido de presidente e subscritas por todos os condóminos que nelas hajam participado.
2 - As deliberações devidamente consignadas em acta são vinculativas tanto para os condóminos como para os terceiros titulares de direitos relativos às fracções.
3 - Incumbe ao administrador, ainda que provisório, guardar as actas e facultar a respectiva consulta, quer aos condóminos, quer aos terceiros a que se refere o número anterior.».

A questão essencial que os apelantes vêm suscitar é, pois, a de saber se a análise das atas 26 e 26 A que reproduzem as deliberações que vêm impugnadas na presente ação permite identificar os condóminos que aprovaram as deliberações impugnadas, assim (in)viabilizando a concretização do convite que lhes foi oportuna e expressamente formulado pelo Tribunal a quo para requererem os mecanismos necessários ao suprimento da verificada discrepância entre os réus na ação e os representantes das frações que votaram favoravelmente as deliberações impugnadas nos autos (nomeadamente, por não terem sido demandados nos autos todos os condóminos que votaram favoravelmente).
A questão em referência foi devidamente apreciada na sentença recorrida onde se considerou, além do mais, que é possível tal como os réus fizeram nas contestações apresentadas - identificar os votos favoráveis das deliberações por referência aos representantes das frações presentes na assembleia em causa nos autos. Os autores tinham de analisar as atas, verificar a lista de presenças e concluir pelas frações que apresentaram votos favoráveis e verificar quem são os respetivos proprietários, por consulta das respetivas certidões prediais. E todos estes proprietários deviam ser demandados nos autos como réus.
E parece-nos ser esta a solução evidente e consentânea com os elementos juntos aos autos e face aos critérios legais anteriormente enunciados.
Relembre-se que no caso vertente foi o próprio representante administrador que veio juntar aos autos diversos documentos relacionados com as deliberações em referência nos presentes autos, entre os quais as próprias atas que contêm as deliberações impugnadas, concretamente, cópias certificadas da Ata n.º 26 da Assembleia Geral Ordinária do Condomínio Geral da “Quinta ...”, realizada no dia 29-04-2017, e lista de presenças desta assembleia, Ata 26 A, da Assembleia Geral Ordinária do Condomínio Geral da “Quinta ...”, realizada em 6-05-2017 em continuação da Assembleia de 29-04-2017, e lista de presenças desta assembleia, cumprindo desta forma o dever de informação que lhe cabe e que resulta, além do mais, do citado artigo 1.º, n.º 3, do Dec. Lei n.º 268/94, de 25-10.
Mais se verifica que os autores, ora apelantes, foram notificados da junção de tais documentos e nada vieram invocar a propósito da respetiva autenticidade ou do respetivo teor, o que de resto também não fazem em sede de apelação.
Acresce referir que na contestação apresentada veio o réu condomínio proceder expressamente à indicação das concretas frações do condomínio cujos proprietários votaram favoravelmente cada uma das três deliberações impugnadas nos presentes autos - discriminadas com referência aos respetivos pontos 1 (Apresentação, discussão e votação do Relatório e Contas relativos ao período de 1 de janeiro de 2016 a 31 de dezembro de 2016), 3 (Apresentação, discussão e votação da proposta de orçamento para o período de 1 de janeiro de 2017 a 31 de dezembro de 2017); e 6 [da proposta de comparticipação do Condomínio Geral nas obras de reabilitação da praça da marina, na percentagem de 21% (Aprox. 41.500,00€) do valor global da obra], todos da ata 26 da Assembleia Geral Ordinária do Condomínio Geral da “Quinta ...”, realizada no dia 29-04-2017 e ata 26 A, da Assembleia Geral Ordinária do Condomínio Geral da “Quinta ...”, realizada em 6-05-2017 em continuação da Assembleia de 29-04-2017.

Assim, da matéria alegada nos artigos 23.º a 25.º da contestação consta a indicação expressa de quais as frações que votaram a favor cada uma das deliberações em referência, nos seguintes termos:
«23.º
Sucede que são impugnadas pelos AA. 3 deliberações distintas:
a) do relatório e contas relativa ao ano civil de 2016;
b) do orçamento para o ano civil de 2017;
c) da comparticipação do condomínio geral nas obras de reabilitação da praça da marina na percentagem de 21% do valor global da obra (aproximadamente 41.500,00 €).
24.º
3 deliberações aprovadas com diferentes votações:
a) com os votos favoráveis das fracções 3, 5, D79, G79, 12,13, 15, 26, 27, 28, 35, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 56, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 74, 76, 77, 80, 81, 82, 87, 99, AH79, AJ79, AP79, AU79, 102, 104, 110, 121, 122, 134, 135, 137, 140, 143, 160, 162, 163,167, 179, 180, E78, I78, J78, M69, O69, P69, Q182, R78, X182, AA69, AC182, AE69, AE78, AF78, AG78, AO78, AQ69, AS78, AT7D, AU78.
b) com os votos favoráveis das fracções 12, 27, 29, 56, 74, 76,81, AP79, 121, 137, 162, 180, P69, AE78, AT7D.
c) com os votos favoráveis das fracções 3, G79, J79, N79, X79,13, 15, 17, 29, 35, 43, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 62, 63, 65, 66, 67,68, 80, AG79, AH79, AJ79, AU79, 122, 156, D69, E78, J78, O69, AE78,AF78, AO78, AQ182, AS78, AU78. – cfr. docs. 1 e 2 que ora se juntam e se dão por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos.
25.º
Daqui resulta que pretendendo os RR. impugnar, NUMA MESMA ACÇÃO, as deliberações sob os pontos 1, 3 e 6 da ordem de trabalhos, teriam que instaurar a respectiva acção contra todo e qualquer condómino que tenha votado favoravelmente qualquer uma das deliberações impugnandas.».
Como se vê, o próprio condomínio através do seu administrador discriminou no processo de forma clara e precisa quais as frações que votaram a favor de cada uma das deliberações em referência.
Tal indicação foi feita pelo réu condomínio no âmbito da arguição da matéria referente à exceção dilatória de ilegitimidade passiva, por preterição de litisconsórcio natural necessário passivo.
Ora, conforme resulta das incidências processuais enunciadas em I supra, os autores foram notificados das contestações e respetivos documentos, bem como de forma expressa para responderem à matéria de exceção invocada pelos réus na contestação, conforme determinado no despacho de 20-09-2019 (ref.ª 164790450). Também aqui se verifica que os autores não vieram responder à matéria de exceção nem aos respetivos fundamentos de facto no prazo expressamente concedido para o efeito pelo Tribunal a quo, ónus que se lhes impunha à luz do disposto nos artigos 3.º, n.º 4, 6.º, n.º1, 574.º, n.º 2, do CPC uma vez que lhes foi facultada expressamente pelo Tribunal a quo a possibilidade de apresentação de resposta em instrumento avulso, sendo certo que já nessa altura tinham sido juntos aos autos os documentos relevantes para aferição das questões suscitadas a propósito das deliberações impugnadas.
De todo o modo sempre se dirá que as indicações feitas pelo réu condomínio quanto às concretas frações do condomínio cujos proprietários votaram favoravelmente cada uma das três deliberações impugnadas nos presentes autos resultam devidamente comprovadas mediante o confronto das atas aludidas atas 26 e 26 A em conjunto com as listas de presenças (4) atinentes a cada uma das assembleias a que se reportam aquelas atas.
Assim, ainda que as atas em questão não se assumam como elemento constitutivo da própria declaração inerentes às deliberações, consubstanciando antes mera formalidade ad probationem (5), estamos perante documentos que não foram impugnados pelos ora apelantes, dos quais resulta de forma clara e totalmente percetível as propostas em apreciação, as deliberações tomadas e o modo de discussão e votação das mesmas.
Contrariamente ao que defendem os apelantes, do cotejo das referidas atas com as listas de presenças atinentes a cada uma das assembleias a que se reportam resulta claro não só os condóminos que estiveram presentes em cada um das assembleias em causa e nos momentos atinentes a cada uma das votações que precederam tais deliberações, como também os condóminos presentes que votaram contra, que se abstiveram e votaram a favor das mesmas.
Assim, as atas mostram-se assinadas pelo respetivo presidente da assembleia, atestando ainda, logo no início de cada uma delas, a assinatura da lista de presenças pelos condóminos presentes e a verificação da identidade dos presentes, nos moldes ali explicitados. Mais se confirma pelo registo feito no âmbito das referidas listas de presenças, que constam mencionadas como anexo às referidas atas, a identificação de cada uma das frações que compõem o condomínio, a indicação expressa do valor relativo de cada fração, expresso em permilagem do valor total, o número de votos correspondente a cada uma das frações tendo por base a respetiva permilagem e ainda o nome dos condóminos.
Por último, mostram-se devidamente assinalados os condóminos presentes em cada uma das assembleias e a assinatura de cada um deles no local respetivo.
Mais se verifica que as atas registam de forma clara e percetível o modo como as reuniões decorreram, especificando suficientemente as deliberações tomadas, o modo de discussão e votação das mesmas, declarações de votos e incidentes ocorridos, mencionando as questões suscitadas e abordadas nas mesmas.
Como tal, resultando das listas de presenças os condóminos presentes em cada uma das assembleias e a assinatura de cada um deles no local respetivo, reportada a cada uma das assembleias em referência, bem como a indicação expressa e discriminada em cada ata e deliberação das concretas frações que votaram contra ou se abstiveram, facilmente se pode deduzir quais dos concretos condóminos presentes em cada uma das assembleias votaram favoravelmente cada uma das deliberações nelas tomadas, sendo este o sentido que julgamos atendível no caso, por ser aquele que um declaratário normal pode deduzir do contexto da declaração.
Por outro lado, eventuais ausências de condóminos, posteriores à assinatura das listas de presenças, teriam inevitavelmente de ficar registadas em ata, o que sempre implicaria a necessidade de impugnar a validade das atas, o que não foi feito.
Assim sendo, a suscitada falta de coincidência entre a soma das percentagens dos votos com referência à totalidade dos presentes, por não serem exatamente coincidentes com 100% em duas das deliberações, nunca poderia impedir a identificação dos concretos condóminos que aprovaram as deliberações impugnadas, pois como já se viu é possível deduzir quais dos concretos condóminos presentes em cada uma das deliberações votaram favoravelmente as mesmas, sendo que os apelantes também não impugnaram as deliberações quanto à forma de contagem dos votos ou ao regime das deliberações.
De resto, os autores, ora apelantes também não puseram em causa a validade das atas nem impugnaram o teor dos documentos juntos aos autos, designadamente as listas de presenças atinentes às assembleias, das quais resulta devidamente explicitado o valor relativo de cada fração, expresso em permilagem do valor total, o número de votos correspondente a cada uma das frações tendo por base a respetiva permilagem e ainda o nome dos condóminos respetivos.
Também eventuais incidências ocorridas nas assembleias e que conforme o enunciado em ii) poderiam dificultar a identificação dos condóminos só poderiam relevar na aferição da regularidade das deliberações caso estivessem refletidas nas correspondentes atas, as quais, como se viu, não foram oportunamente impugnadas pelos apelantes, a que acresce que a lei também não exige os condóminos sejam identificados na ata pelos seus nomes.
Efetivamente, o regime legal atinente à forma de atribuição e ponderação dos votos atinentes à tomada de deliberações em sede de assembleia de condóminos reporta-se diretamente ao valor relativo de cada fração, expresso em percentagem ou permilagem do valor total do prédio (artigo 1418.º do CC), pois cada condómino tem, na assembleia, tantos votos quantas as unidades inteiras que couberem na percentagem ou permilagem de cada fração (artigo 1430.º, n.º 2, do CC), mostrando-se assim inteiramente justificado o critério utilizado nas atas para identificar a origem dos votos, com referência à identificação da respetiva fração.
Os apelantes sustentam ainda que o proprietário da fração 3, lt 3, expressamente referida na decisão recorrida, não poderia ser demandado nos autos porquanto pela análise da ata pode confirmar-se que tal fração só aparece na votação da deliberação sobre o ponto 3 como integrando os “votos contra”, não surgindo sequer referenciada no resultado das deliberações sobre os pontos 1 e 6;
Liminarmente se dirá que, também neste ponto, não assiste razão aos apelantes.
Como referido supra, resultando de cada uma das assembleias em referência a indicação expressa e discriminada em cada ata das concretas frações que votaram contra ou se abstiveram relativamente a cada um dos pontos ou deliberações em apreciação, e figurando o proprietário do lote 3 como tendo votado contra apenas a deliberação a que se reporta o ponto 3 da Ordem de Trabalhos da Assembleia Geral Ordinária do Condomínio Geral da “Quinta ...”, realizada no dia 29-04-2017, facilmente se pode deduzir que o mesmo condómino votou favoravelmente as deliberações atinentes aos pontos 1 e 6 da Ordem de Trabalhos (este último reportado à Ata 26 A, da Assembleia Geral Ordinária do Condomínio Geral da “Quinta ...”, realizada em 6-05-2017 em continuação da Assembleia de 29-04-2017), posto que o mesmo condómino consta registado como presente nas listas de presenças atinentes a ambas as assembleias, tendo assinado as mesmas.
Ora, vindo os autores cumular na presente ação a impugnação das deliberações constantes dos pontos 1, 3 e 6 da ordem de trabalhos, entre as quais figuram duas deliberações que contaram com o voto favorável do proprietário da fração 3, importa concluir que também este último condómino individualmente considerado deveria ter sido demandado na presente ação, tal como concluiu a decisão recorrida.
Referem ainda os apelantes, em sede de recurso, que identificaram todos os condóminos que votaram a favor na deliberação em causa no ponto 3 da Ordem de Trabalhos da Assembleia Geral Ordinária do Condomínio Geral da “Quinta ...”, realizada no dia 29-04-2017, pelo que sempre a ação teria de continuar para decisão sobre a impugnação referente a esta concreta deliberação.
Sucede que também aqui não podem proceder as conclusões dos apelantes porquanto se verifica que na ação foram demandados os proprietários dos lotes/ frações 12; 27, 29; 56, 74; 81, “AP” Lote 79, 121, 137; 180, “P” no lote 69-A, e “AE” Lote 78, sendo que, além destes condóminos votaram ainda favoravelmente a deliberação em causa no ponto 3 da Ordem de Trabalhos os proprietários dos lotes/frações seguintes: 76, 162 e “AT” Lote 7D.
Por outro lado, observa-se que também não foram demandados todos os proprietários dos lotes/frações que votaram favoravelmente as deliberações em causa nos pontos 1 e 6 da Ordem de Trabalhos.
Assim, além dos condóminos que figuram como réus na presente ação, votaram ainda favoravelmente a deliberação em causa no ponto 1 da Ordem de Trabalhos os proprietários dos lotes/frações seguintes: 3, 5, D79, G79, 13, 15, 26, 28, 35, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 76, 77, 80, 82, 87, 99, AH79, AJ79, AU79, 102, 104, 110, 122, 134, 135, 140, 143, 160, 162, 163, 167, 179, E78, I78, J78, M69, O69, Q182, R78, X182, AA69, AC182, AE69, AF78, AG78, AO78, AS78, AT7D, AU78.
Quanto à deliberação em causa no ponto 6 da Ordem de Trabalhos observa-se que, além dos condóminos que figuram como réus na presente ação, votaram ainda favoravelmente a deliberação em causa neste ponto os proprietários dos lotes/frações seguintes: 3, G79, J79, N79, X79, 13, 15, 17, 35, 43, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 62, 63, 65, 66, 67, 68, 80, AG79, AH79, AJ79, AU79, 122, 156, D69, E78, J78, O69, AF78, AO78, AQ182, AS78, AU78.
Improcedem, assim, também nesta parte, as conclusões da apelação.
Por último, e contrariamente ao que sustentam os apelantes relativamente às deliberações constantes dos pontos 1 e 6, resulta indiscutível que a presente ação nunca poderia continuar contra o réu condomínio atenta a conclusão enunciada supra a propósito da ilegitimidade passiva do réu “condomínio” para a presente causa.
Resta concluir que a decisão recorrida era legalmente admissível no momento e contexto processual em que foi proferida. Assim, ainda que esteja em causa o suprimento de ilegitimidade decorrente de violação de litisconsórcio necessário, se a parte não corresponder ao convite formulado, tal como sucedeu no caso atenta a injustificada posição assumida pelos autores na sequência de tal convite, não cabe ao juiz substituir-se às partes na conformação subjetiva da instância.
Deste modo, resta confirmar a decisão recorrida na parte em que julgou procedente a exceção dilatória de ilegitimidade dos réus, por preterição de litisconsórcio necessário passivo não suprido, absolvendo os réus da instância, a que acresce a constatação de que o réu condomínio não é titular da relação material controvertida, carecendo efetivamente de legitimidade passiva para ser demandado na presente ação, o que leva igualmente à sua absolvição da instância.
Improcede, assim, a apelação, restando confirmar a decisão recorrida ainda que com fundamentos parcialmente diversos.
Tal como resulta da regra enunciada no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, a responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo. Neste domínio, esclarece o n.º 2 do citado preceito, entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for.

No caso em apreciação, como a apelação foi julgada improcedente, as custas da apelação são integralmente da responsabilidade dos recorrentes, atento o seu decaimento.

Síntese conclusiva:

Apesar da referência feita pelo artigo 1433.º, n.º 6, do CC, a propósito da legitimidade passiva para as ações de anulação de deliberação de assembleia de condóminos, que alude à possibilidade de a representação judiciária dos condóminos (contra quem as ações são propostas), poder caber ao administrador ou a pessoa que a assembleia designar para esse efeito, tal não confere ao condomínio ou ao respetivo administrador o estatuto de parte, devendo ser identificados e demandados os condóminos que votaram favoravelmente as deliberações.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, assim confirmando a decisão recorrida ainda que com fundamentos parcialmente diversos.
Custas pelos apelantes.
Guimarães, 28 de janeiro de 2021
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (relator)
Joaquim Espinheira Baltar (1.º adjunto)
Luísa Duarte Ramos (2.º adjunto)



1. Nos termos do qual, «As deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado».
2. Na Doutrina cf. entre outros, Moitinho de Almeida, Propriedade Horizontal, 3.ª edição, 2001, Almedina, pg. 112; na Jurisprudência, cf. entre outros, o Ac. do STJ de 6-11-2008 Relator Santos Bernardino, revista n.º 08B2784; e os Acs. do TRL de 23-04-2020 (relatora Carla Mendes), p. 27383/19.6T8LSB.L1-8; TRG de 24-11-2016 (relator Alexandra Rolim Mendes), p. 130/15.4T8MTR.G1; TRP de 8-03-2016 (relator: José Carvalho), p. 1440/14.3TBSTS.P1; TRP de 13-02-2013 (relator Ana Paula Amorim); p. 5311/11.7TBMTS.P1; TRP de 4-10-2012 (relator Leonel Serôdio), p. 1371/11.9TJPRT.P1; TRL de 13-07-2010 (relator Olindo Geraldes), p. 1063/09.9TVLSB.L1-6; TRL de 12-02-2009 (relator José Eduardo Sapateiro), p. 271/2009-6; todos acessíveis em www.dgsi.pt.
3. Nomeadamente, por não terem sido demandados nos autos todos os condóminos que votaram favoravelmente e considerando que os réus, nas contestações apresentadas, identificaram as frações cujos representantes votaram favoravelmente as deliberações impugnadas nos autos.
4. As listas de presenças surgem referenciadas no início de cada uma das atas como documento anexo à mesma ata.
5. Neste sentido, cf., entre outros, o Ac. TRE de 23-02-2017 (relator Manuel Bargado), p. 4155/15.1T8STB.E1, esclarecendo a propósito que, «A ata da assembleia de condóminos é mera formalidade ad probationem, pois consubstancia essencialmente a corporização da deliberação, e não uma verdadeira e própria forma da declaração negocial, mas que é necessária por razões de segurança jurídica, até porque constitui um título executivo, pelo que na falta da mesma a deliberação é válida, estando contudo suspensa na sua eficácia».