Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
| ||
Relator: | SANDRA MELO | ||
Descritores: | DESERÇÃO DA INSTÂNCIA ÓNUS DE IMPULSIONAR O PROCESSO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 04/24/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | Sumário (da relatora): .1- A deserção da instância prevista no artigo 281º nº 5 do Código de Processo Civil tem como um dos fundamentos a negligência da parte. .2- Apenas se encontra tal negligência quando esteja diretamente prevista a necessidade da parte praticar o ato omitido (seja pela lei, seja por despacho), pelo que não é possível alargar o âmbito do dever de impulsionar a execução à prática de todos os atos que teriam a virtualidade de fazer prosseguir, como aqueles que só indiretamente podem conduzir ao seu andamento ou aqueles que teriam a sua razão de ser em factos do desconhecimento das partes, sob pena de onerar os exequentes ou credores reclamantes pelas omissões de terceiros, a que são alheios. | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Exequente e Apelada: · (…) Credor Reclamante e apelada ● (…) Executada e Apelante: (…), residente na Rua da (…) , Santa Marta de Penaguião Autos de: apelação (em ação executiva para pagamento de quantia certa com processo sumário) I. Relatório Nos presentes autos de ação executiva: 1. Em 15 de dezembro de 2016, na execução, a Agente de Execução veio informar no processo que após realizar as buscas nas bases de dados disponíveis apurou que o executado … falecera em 14/01/2016; 2. Em 31 de outubro de 2017, foi enviada notificação à Agente de Execução com o seguinte teor: “Fica notificada, na qualidade de Agente de Execução (Sol.), relativamente ao processo supra identificado e nos termos do Provimento de Serviço n.º 1/2016, do seguinte despacho: “Nos termos dos artigos 269.º, n.º1, alínea a) e 270.º, n.º1 do C.P. C., atenta a junção de documento comprovativo do óbito do executado, declaro suspensa a instância executiva até que estejam habilitados os sucessores do falecido. Notifique.” 3. Este ato foi notificado ao Exequente por ato da mesma data, com a Referência: 31564609: “Fica deste modo V. Ex.ª notificado, na qualidade de Mandatário, relativamente ao processo supra identificado, da junção do requerimento de que se junta cópia e do despacho comunicado à Sr.ª Agente de Execução”. 4. Em 02 de Dezembro de 2017, o credor reclamante, invocando que notificado do “Termo de Conta” da mesma data, verificou que o executado … faleceu sem que lhe tenha sido dado conhecimento desse facto; pelo que até à data não requerera o prosseguimento da dita execução com a habilitação dos herdeiros, solicitou a notificação do cônjuge deste vir aos autos identificar os demais eventuais herdeiros, bem como ofício ao Serviço de Finanças para que informasse se foi instaurado processo de imposto de selo por transmissão gratuita. 5. Em 20 de Agosto de 2018, a executada, invocando que o processo estava a aguardar a intervenção da Exequente no sentido de habilitar os herdeiros do executado …, falecido em 14.01.2016, e que a última intervenção processual por parte da Exequente no processo principal fora em 24.10.2016, e que no Apenso A a última intervenção do credor reclamante datava de 02.12.2017, peticionou que a execução fosse julgada deserta por inatividade, com culpa exclusiva do Exequente e credor reclamante, invocando os artigos 2770, alínea c, e Art. 281, n.ºs 2, 3 e 5 e 281°, n.º 4 do Código de Processo Civil. 6. Este requerimento foi indeferido pelo despacho ora recorrido, em 17 de setembro de 2018. 7. O requerimento de 02 de Dezembro de 2017 efetuado pela reclamante, supra referido, veio a obter despacho, que o deferiu, em 17 de setembro de 2018, após insistência da reclamante no sentido de obter resposta ao que requerera. 8. Em 20 de setembro de 2018 a Exequente veio deduzir incidente de habilitação de herdeiros que prosseguiu por apenso aos autos da ação principal. No recurso que interpôs, a Apelante e executada, formulou as seguintes conclusões que se sintetizam, pela sua extensão: 1ª O presente recurso foi interposto do despacho judicial proferido nos autos que, em suma, considerou o seguinte: Considerando que, “ainda que, no domínio do processo executivo, a deserção da instância opere automaticamente - independentemente, portanto, de qualquer decisão judicial que a declare – ela não se basta com a mera circunstância de o processo estar parado ou não apresentar qualquer movimento processual durante mais de seis meses; para que tal deserção se tenha por verificada, será ainda necessário que essa circunstância se deva a uma falta de impulso processual que possa ser imputada a negligência das partes, sendo, irrelevante para esse efeito, a falta de impulso processual que apenas é imputável ao agente de execução”. Cfr. Acórdão do TRC de 14.06.2016; proc.500/12.0TBAGN.C1, in www-dgsi.pt. – e assistindo direito ao credor reclamante de prosseguir com a execução (art.º 850.º n.º 2, do CPC), sendo certo que não foi notificado da suspensão da instância dos autos de execução, indefere-se o requerido quanto à deserção da instância”. In casu, no requerimento apresentado pela aqui Recorrente e que deu azo a este despacho era peticionado que fosse julgada deserta a instância por falta de impulso processual e por inatividade, com culpa, exclusiva do Exequente e credor reclamante – Art.º 277º, al. c, e Art.º 281.º, n.º 2, 3 e 5 do CPC – a ser apreciado nesse Tribunal por mero despacho – Art.º 281º, n.º 4. Com efeito, por notificação de 15.12.2016 à qual foi anexa o respetivo assento de óbito, veio a Agente de execução informar que o executado … faleceu em 14.01.2016. Por despacho proferido nos presentes autos em 31.10.2017 foi declarada suspensa a instância executiva, até que estejam habilitados os sucessores do falecido, nos termos dos artigos 269.º n.º 1 alínea a) e 270.º n.º 1 do CPC, atenta a junção de documento comprovativo do óbito do executado. O referido despacho proferido nos presentes autos em 31.10.2018 onde foi declarada suspensa a instância executiva foi notificado às partes. Compulsados os autos, constatou-se que a última intervenção processual por parte da Exequente no processo principal foi em 24.10.2016. Desde a data em que a instância foi suspensa passou o processo a aguardar a intervenção da Exequente e /ou credor reclamante no sentido de vir deduzir incidente de habilitação os herdeiros do executado …, falecido em 14.01.2016. E assim se mantendo o processo suspenso, até à presente data, por falta de impulso processual do exequente em promover o prosseguimento dos autos, nomeadamente, requerer a habilitação de herdeiros. O mesmo sucedendo com o Apenso A, em que se verifica a falta de impulso processual, no qual a última intervenção do credor reclamante data de 02.12.2017. Portanto, em ambos os processos (principal e apenso) inexistiu impulso processual há mais de seis meses, por negligência e culpa do exequente e credor reclamante em promover o prosseguimento dos autos. ª Prescreve a norma contida na al. c) do Art.º 277.º do CPC a regra genérica que a instância se extingue com a deserção. Por seu turno, esclarece o enunciado do n.º 1 do Art.º 281.º do CPC que “considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses”. Mais acrescentado nos seus pontos seguintes de tal Art.º 281º do CPC situações concretas de tal deserção, em especial em matéria de processo executivo e de recursos, ou seja, em concreto os aqui em causa nos presentes autos. 5 - No processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses. (sublinhado nosso). No caso concreto, o processo (principal e apenso) aguarda impulso processual do Exequente e do Credor Reclamante, respetivamente, há mais de seis meses, por culpa e negligência destes em promover os seus termos. Ora, a Recorrente não se conforma com o despacho agora proferido, por padecer de clara nulidade por falta de fundamentação da decisão. Na medida em que o douto despacho de que ora se recorre não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão, apenas se limitando a fazer uma alusão genérica ao referido Acórdão, não fazendo qualquer referência ao caso concreto. 23ª Sucede que, no requerimento apresentado aos autos pela aqui recorrente em 20.08.2018 não se coloca em causa a falta de impulso processual do agente de execução, nem apenas deste nem conjuntamente deste com as partes. 25ª Pelo que nesta parte, o referido acórdão do TRC de 14.06.2016; proc.500/12.0TBAGN.C1, in www-dgsi.pt, que consta no despacho de que ora se recorre, não é aplicável ao caso, e, portanto, não pode servir de fundamento à decisão. O douto despacho não atendeu ao alegado pelo aqui recorrente de que, a instância foi suspensa, por falecimento de parte, do executado …, falecido em 14.01.2016. E que depois disso, a última intervenção processual por parte da Exequente no processo principal foi em 24.10.2016. E que desde então o processo ficou a aguardar a intervenção da Exequente no sentido de habilitar os herdeiros do executado …, falecido em 14.01.2016. O mesmo sucedendo com o credor reclamante com o Apenso A, em que se verifica a falta de impulso processual, no qual a última intervenção do credor reclamante em promover o prosseguimento do processo foi 02.12.2017. Pelo que, ao proferir o despacho de que se recorre, o douto tribunal não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão, resultando na nulidade do mesmo, ainda que produzisse somente irregularidade, tal sempre iria influir no exame ou na decisão da causa, na medida em que neste caso julgar ou não verificada a deserção da instância, implica a instância prosseguir ou implica a instância se extinguir. 37ª Ora, com o devido respeito, não pode o douto tribunal vir proferir uma decisão indeferindo, sem mais a invocada deserção da instância, sem especificar os fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão, apenas se limitando a citar um acórdão e que não é aplicável a caso concreto. Nos termos do artigo 615º, n.º 1 al. b) do C.P.C, “é nula a sentença, não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”. (aqui devidamente adaptado aos despachos nos termos do n.º 3 do art.º 613.º do CPC). O artigo 613º, n.º 3 do C.P.C., dispõe que os artigos subsequentes também se aplicam aos próprios despachos. In casu, o juiz deixou de se pronunciar sobre questões que deveria ter apreciado. Pois, o douto despacho proferiu uma decisão a indeferir a deserção da instância, sem se pronunciar quanto à questão de o processo estar ou não parado ou não apresentar qualquer movimentação processual durante mais de seis meses. O douto tribunal proferiu decisão sem se pronunciar se efetivamente se se verifica ou não uma falta de impulso processual. O douto tribunal veio, assim, proferir decisão sem especificar os fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão. O que, salvo o devido respeito, fez incorrer o tribunal a quo em violação do disposto nos artigos 615º, n.º 1 al. b) e d); 613º, n.º 3, 281.º do C.P.C., e 205º, n.º 1 da CRP, o que fere o aludido despacho de nulidade. A negligência a que se refere o n.º 1 do art.º 281.º do CPC não é uma negligência que tenha de ser aferida para além dos elementos que o processo revela, pelo contrário, trata-se da negligência ali objetiva e imediatamente espelhada (negligência processual ou aparente). (Cfr. Ac. STJ de 20.09.2016, proc. n.º 1742/09.0TBBNV-H.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt). A Apelada exequente apresentou resposta, com as seguintes conclusões, que se sintetizam, pela sua extensão: O recurso ora em análise vem interposto do Douto Despacho proferido pelo Tribunal de primeira instância que indeferiu a declaração de deserção da instância requerida pela Recorrente. Assim, o objeto do presente recurso consiste em saber se deveria o juiz de primeira instância declarar a instância extinta por deserção. Não assiste razão ou fundamento à Recorrente Foi a ora Recorrida notificada a 3 de Novembro de 2017 da decisão de suspensão da instância, em virtude do falecimento do executado …. Bem sabendo que, na qualidade de Exequente e principal interessada no prosseguimento da acção lhe compete diligenciar no sentido da promoção da competente habilitação de herdeiros. Sucede que, quando a Exequente se preparava para enviar requerimento aos autos para que o tribunal notificasse a cônjuge sobreviva e oficiasse a Autoridade Tributária para informar quanto à existência de participação de imposto de selo, verificou que tal já havia sido requerido. Com efeito, verificou a Exequente que o Credor Reclamante Banco … já havia feito requerimento nesse sentido na data de 2 de Dezembro de 2017, através do qual peticionou que fosse a cônjuge sobreviva notificada para identificar os demais herdeiros e que fosse oficiado o Serviço de Finanças de … para informar se foi instaurado processo de imposto de selo. Mostrando-se manifestamente desnecessário e contraproducente o envio de um requerimento exatamente igual, ficou a Exequente a aguardar o resultado dos ofícios requeridos ao tribunal pelo Credor Reclamante. Sempre tendo presente o Princípio do aproveitamento dos atos processuais, o Princípio da cooperação e o Princípio da boa-fé processual, cfr. art.ºs 6º, 7º e 8º do CPC. Nesta senda, chegados a 20 de Setembro de 2018, foi a Recorrida notificada do despacho judicial que ordena que se proceda conforme requerido pelo Credor Reclamante em 2 de Dezembro de 2017, ou seja, o Tribunal, por motivos que são completamente alheios à Exequente, ainda não havia oficiado as Finanças nem notificado a cônjuge sobreviva conforme requerido pelo Credor Reclamante. Nunca a execução tendo ficado dependente do impulso processual da ora Recorrida, que sempre atuou na certeza de que o tribunal estaria a promover as diligências requeridas pelo Credor Reclamante. O que, de facto, não sucedeu. Nesta sequência foi a Recorrida notificada a 1 de Outubro de 2018 da resposta do Serviço de Finanças, que informa que não houve participação de imposto de selo. Tendo a competente Habilitação de Herdeiros já sido promovida pela Exequente e encontrando-se em condições de ser julgada nos termos legais. Entende a Exequente que apenas se poderia concluir pela existência de uma conduta negligente se, não estando a aguardar por quaisquer ofícios do tribunal, Exequente e Credor Reclamante, nada fizessem. Sucede que, a realidade factual é, por si só, demonstrativa do oposto, pois as partes aguardavam que o tribunal promovesse as diligências necessárias à obtenção de informação essencial para a promoção da Habilitação de Herdeiros. Ao contrário do alegado pelo Recorrente, a instância não se extingue automaticamente, exigindo a própria declaração de deserção que seja feito um juízo valorativo pelo julgador, juízo esse que foi feito e que se encontra espelhado no Douto Despacho recorrido. Também a Apelada, credora reclamante apresentou resposta, com as seguintes conclusões, que se reproduzem: (1) A deserção da instância não se basta com a mera constatação da circunstância de o processo não apresentar qualquer movimento durante mais de seis meses sendo ainda necessário que essa circunstância seja consequência de uma falta de impulso processual que possa ser imputada a negligência das partes (2) A instância executiva não esteve sem apresentar qualquer movimento processual durante mais de seis meses por falta de impulso processual que possa ser imputada a qualquer título ao credor reclamante, ora recorrido. (3) O credor reclamante, ora recorrido, não foi notificado o despacho que, nos termos dos artigos 269º, nº 1, alínea a) e 270º, nº 1 do Código de Processo Civil, atenta a junção de documento comprovativo do óbito do executado …, declarou suspensa a instância executiva até habilitação dos sucessores do falecido. (4) Sucedeu que o ora recorrido, tendo sido notificado, por oficio datado de 29/11/2017, do "Termo de Conta" da mesma data, e surpreendido pelo dito "Termo de Conta", consultou os autos de execução, via citius, tendo então verificado que o executado … faleceu (5) Assistindo ao credor reclamante, isto é, ao ora recorrido, o direito de prosseguir com a execução (art.º 850.º n.º 2, do CPC), este aos 02/12/2017 apresentou requerimento no apenso de reclamação de créditos onde deixou expresso o seu manifesto interesse no prosseguimento da execução e requereu, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 417º do Código de Processo Civil, a notificação da viúva do falecido executado para vir aos autos identificar os demais eventuais herdeiros que ficaram por óbito de seu marido e, também, do Serviço de Finanças de … para que viesse informar se por óbito do falecido executado foi instaurado processo de imposto de selo por transmissão gratuita e, em caso afirmativo, remetesse para os autos cópia do auto de declarações de cabeça de casal para efeitos de instauração de tal processo de imposto de selo (6) O requerimento do ora recorrido, apresentado, como referido aos 02/12/2017, via citius, na qualidade de credor reclamante era necessário e apropriado para, face às circunstâncias concretas do processo e do requerente, obter os elementos indispensáveis para instruir adequadamente a habilitação de herdeiros que se impunha impulsionar atento o seu declarado interesse no prosseguimento da execução (7) Sucedeu, porém, por motivo que poderá ter que ver com o processamento electrónico dos autos mas que não pode ser imputado a título algum ao ora recorrido, o referido requerimento que nos autos apresentou via citius aos 02/12/2017 apenas veio a ser objecto de deferimento por despacho proferido nos autos após conclusão aberta em 17/09/2018 no apenso de reclamação de créditos na sequência de várias insistências do credor reclamante, ora recorrido, nesse sentido. (8) Não pode, portanto, ser imputada ao recorrido, a quem, na qualidade de credor reclamante, assiste o direito de prosseguir com a execução, a paragem ou a inactividade nos autos pelo período decorrido após o despacho que em 31/10/2017 decretou a suspensão da acção executiva em função da comprovação nos autos da notícia do falecimento do executado … e o despacho que aos 17/09/2018 deferiu o requerimento que o ora recorrido nos autos apresentou via citius aos 02/12/2017 (9) Mostra a jurisprudência citada pelo Tribunal a quo que não pode ter acolhimento a tese do recorrente no sentido de que a declaração de deserção da instância executiva se basta com a constatação de que a circunstância de o processo estar parado ou não apresentar qualquer movimento processual durante mais de seis meses, porquanto se impõe que essa circunstância se deva a uma falta de impulso processual que possa ser imputada a negligência das partes (10) Mostram-se, assim, destituídas de fundamento e, sempre, afinal, improcedentes as conclusões formuladas nas alegações do recorrente devendo manter-se o despacho recorrido que nenhum reparo merece. II. Questão prévia Cumpre, antes de mais, dizer que não passa despercebido o facto de todos os dizeres das alegações terem sido repetidos nas conclusões do recurso. Havendo ainda que afirmar que se entende ser em regra de lamentar, quer por razões técnicas, quer por razões éticas, a reprodução pelos Recorrentes das alegações nas conclusões. No entanto, também se entende que o chamado copy-paste das alegações nas conclusões é diferente e deve ter um tratamento diferente da ausência de conclusões, embora exista também já ampla jurisprudência dos tribunais da Relação que decida no sentido de indeferir desde logo o recurso, face ao disposto no nº 3 do artigo 639º do Código de Processo Civil. No presente caso, no entanto, não obstante a extensão das alegações e conclusões, certo é também que a questão não se mostra complexa e é percetível o entendimento e pretensão do recorrente, a que também os recorridos acederam com facilidade, como resulta da sua resposta ao recurso, pelo que não se justifica trazer maior complicação ao processado, com convites e novas pronúncias. III. Objeto do recurso O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil). Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se de conhecimento oficioso ou se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma. Assim, são as seguintes as questões que importa decidir: -- se o despacho é nulo e consequências dessa nulidade, caso se verifique; -- se se verificam os pressupostos para a declaração da deserção da instância. IV. Fundamentação de Direito -- da nulidade do despacho recorrido Não obstante a omissão efetuada no tribunal a quo, no despacho que admitiu o recurso, da decisão, que se impunha, sobre a arguida nulidade, nos termos do artigo 617º nº 1 do Código de Processo Civil, em obediência ao princípio da economia e celeridade processual, não se determina a baixa do processo para a supressão dessa omissão, por se entender neste caso desnecessário, com recurso ao disposto no nº 5 deste preceito. Invoca o Recorrente duas causas para a nulidade do despacho: a falta de fundamentação e a omissão de pronúncia, previstas, respetivamente, nas alíneas b) e d) do artigo 615º do Código de Processo Civil. Fazendo um pequeno introito, cumpre, antes de mais, salientar que a nulidade da sentença (ou dos despachos) diz apenas respeito às cirúrgicas situações aludidas no artigo 615º do Código de Processo Civil: falta de assinatura do juiz, omissão total dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; ininteligibilidade da decisão por oposição entre esta e os fundamentos, ambiguidade ou obscuridade; omissão de pronúncia sobre pedidos, causas de pedir ou exceções que devessem ser apreciadas ou conhecimento de questões de que não se podia tomar conhecimento; condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido. Atinge as decisões em causa por razões de natureza mais formal, sem averiguar da sua razão, legalidade ou bondade. Assim, não constituem nulidade da sentença os erros de julgamento, a deficiente seleção dos factos em que se baseia ou imperfeita valoração dos meios de prova, erros de raciocínio, omissão de pronúncia sobre todos os argumentos levados aos autos e até violação de caso julgado (neste último sentido, cf. Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, de 15.2.2007, no processo 07P336, sendo este, e todos os demais acórdãos citados sem indicação de fonte, consultados no portal dgsi.pt). Há que clarificar ideias: as causas de nulidade da sentença estão taxativamente previstas no artigo 615º nº 1 do Código de Processo Civil e são de caráter formal, dizendo respeito a desvios no procedimento ocorridos na sentença que impedem que se percecione uma decisão de mérito do concreto litígio: não se confundem com todas as situações que podem inquinar uma sentença e conduzir à revogação da mesma. Não abarcam todas e quaisquer falhas de que uma sentença pode padecer. Por outro lado, porquanto se estipula no artigo 665º nº 1 do Código de Processo Civil que ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação, a sua consequência resume-se, em regra, à substituição da decisão proferida pela solução que venha a ser obtida no tribunal de apelação, com resultado semelhante ao qualquer se obtém com a normal apreciação da decisão impugnada objeto do recurso. Isto posto, voltemos aos pormenores da situação que nos ocupa. É efetivamente causa de nulidade da sentença a omissão de pronúncia sobre questões que a exigiam. Mas essas questões, cuja omissão de pronúncia determina a nulidade da sentença, são aquelas a que se refere o artigo 608º nº 2 do Código de Processo Civil e não são os simples argumentos, razões ou elementos parciais trazidos à liça: identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir e com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. É, pois, pacífico que não há que confundir as “questões a conhecer”, com argumentos ou factos: aquelas são as mencionadas no artigo 608º nº 2 do Código de Processo Civil, relacionadas com as pretensões das partes, não o conjunto de alicerces (e cada um deles) em que as partes fundam tais “questões”, traduzidas nos factos (preteridos ou mal considerados) ou na aplicação do direito (normas ou princípios que não terão sido atendidas ou terão sido erroneamente empregados). Ora, pretendia a Recorrente que se declarasse a deserção da instância por falta de impulso processual invocando a inatividade das partes; o tribunal negou tal deserção, afirmando não se verificar a negligência daquelas. Resolveu a questão, embora não a contento da Recorrente. Não houve qualquer outra questão levantada que cumprisse apreciar, sendo que, como se viu, o tribunal não tinha, nem tem, que apreciar todos os argumentos das partes. Não pode proceder a nulidade com este fundamento. Quanto ao segundo fundamento invocado, consistente na falta de alicerçagem da decisão, é de relevância primordial salientar que, quer as sentenças, quer os despachos têm que ser fundamentados, divergindo, no entanto, o grau de exigência de fundamentação em função da complexidade da situação. No que aqui nos importa, visto que de mero despacho se trata, importa atentar no disposto no artigo 154º do Código de Processo Civil: “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.” Este dever de fundamentação das decisões judiciais tem em vista um conjunto de objetivos que são fundamentais no nosso estado de direito: contribui para a eficácia das decisões, conseguindo-se o seu respeito, não pela força da autoridade, mas pela razão com que convencem; sendo, pois, um fator de legitimação do poder judicial; permite o controlo da decisão, possibilitando a sindicância do processo lógico e racional que lhe esteve na base, impedindo, desta forma, decisões arbitrárias e garantindo a transparência do processo decisório e o respeito da independência e da imparcialidade das decisões. Processualmente tem ampla utilidade, quer na fase decisória, obrigando o tribunal que a profere a verificar e controlar a sua própria decisão, quer posteriormente, permitindo a sua reapreciação através de recurso. Assim, a fundamentação visa garantir a inexistência de decisões arbitrárias, além de garantir implicitamente o direito a um processo justo e equitativo. É por isso que o dever de fundamentação das decisões incorpora uma garantia integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático. Assim, este princípio tem tutela no artigo 6º da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem das Liberdades Fundamentais, no artigo 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa e é especificada no artigo 154º do Código de Processo Civil. A omissão do dever de fundamentação é causa de nulidade da decisão nos termos da alínea b) do artigo 615º do Código de Processo Civil, que se reporta às sentenças, mas que e extensivo aos despachos nos termos do artigo 613º, nº 3, do Código de Processo Civil. É pacífico, no entanto, citando-se Alberto dos Reis, em Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2.º, Coimbra Editora, 1945, págs. 172-173, demonstrando a segura consolidação desta posição, que “O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”. A nulidade do despacho, por falta de fundamentação, prevista no art. 615º, nº 1, al. b), do Código de Processo Civil, não se verifica quando apenas tenha havido uma justificação incompleta, deficiente ou pouco persuasiva, apenas tendo lugar se for a omissão de substruções for completa e total. No presente caso é evidente que a decisão recorrida não diferencia de forma separada factos e direito. No entanto, na mesma refere-se que o credor reclamante não foi notificado da suspensão da instância, resultando do despacho que este é o fundamento fático para a tomada da decisão em causa. Este despacho também cita acórdão, quanto aos pressupostos necessários para que se apure a deserção da instância, com o seguintes dizeres, que reproduz, fazendo seus, “ainda necessário que essa circunstância se deva a uma falta de impulso processual que possa ser imputada a negligência das partes “, expressando que se considerou que o desconhecimento do despacho que determinou a suspensão da instância pelo credor reclamante afasta a imputação da omissão do impulso processual a título de negligência. Assim, não obstante o despacho ser muito parco na fundamentação, ainda se pode considerar que não padece de total falta de indicação dos fundamentos de facto e de direito, não havendo dúvidas que se pronunciou quanto à questão em apreço, afirmando que não existia fundamento para considerar a instância deserta. Também por aqui não caminha para o sucesso a arguição da nulidade. No entanto, mesmo que esta procedesse, como se viu, apenas daria lugar à prolação da decisão por este tribunal, nos termos do artigo 665º nº 1 do Código de Processo Civil, em substituição do tribunal a quo, decisão cujo teor e efeitos são similares à sindicância da decisão que infra se fará. Termos em que se julga improcedente a arguida nulidade. * A- Foram já descritas e numeradas supra as vicissitudes processuais a ter em atenção.B- Aplicando o Direito -- Da deserção da instância Dispõe o artigo 281º nº 5 do Código de Processo Civil “No processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses”. Assim, resulta da leitura desta norma que são pressupostos para que a deserção da instância executiva possa ser declarada: .a) Que o processo se encontre parado há mais de 6 (seis) meses; .b) que essa paragem do processo (ou o seu prolongamento) tenha como causa a omissão de um ato das partes que impulsionaria a execução; .c) que essa omissão seja imputável à parte faltosa a título de negligência, ou seja, que sobre ela recaísse o ónus da prática de determinado ato, naquele momento do processo e que o pudesse praticar. Face à remissão efetuada nesta norma para a negligência das partes, entende--se que não basta a existência de uma paragem no processo para além de seis meses para que se considere que a mesma lhes é imputável e logo que essa paragem determina automaticamente a deserção da instância: apenas no caso de as partes deverem praticar determinado ato que despolete o andamento do processo e omitam tal ato é que se pode responsabilizá-las pela inércia no andamento do processo. Para apurar se a parte deve praticar determinado ato há, por seu turno, que recorrer à lei: só quando a lei exige a prática de um ato concreto no processo é que se encontra um dever que a parte devia ter cumprido e não fez, não bastando a menção a um abstrato dever de promover a execução. Entende-se, assim, que só nos casos em que decorre diretamente da lei que naquela fase do processo ou momento processual os autos aguardam por um ato que cumpria à parte praticar ou nos casos sem que a parte foi alertada pelo juiz da necessidade da prática de determinado ato necessário para o desenvolvimento do processo, no âmbito dos poderes de gestão do processo, é que a omissão da prática desse ato se pode considerar como a falta ao dever de ação que em concreto se impunha e cuja falta conduz à deserção da instância. De outra forma, podendo o exequente ou credor reclamante, em abstrato, promover sempre atos que visassem o andamento do processo, transformar-se-ia o ónus processual de impulsionar a execução num dever geral de prática na execução de todos os atos que tivessem a possibilidade de a poder fazer mover, por mais remota que fosse tal eventualidade. O ónus de impulsionar o processo não vai tão longe. Quando o processo esteja a aguardar que a parte pratique o ato que a lei processual prevê que lhe incumbe diretamente naquele momento (o que engloba, na execução, em que a exigência quanto a este impulso é mais cerrada, visto que até há norma, como a que acabámos de referir, que prevê especialmente o seu regime, também o ato que foi objeto de convite efetuado pelo juiz, porque em concreto hábil ao prosseguimento da execução, quando este não o deve praticar por observância do princípio do dispositivo), pode dar-se a deserção, decorrido o devido período de inação. Mas nada na lei exige que o exequente, a montante, se substitua ou faça substituir os demais intervenientes processuais, exercendo faculdades laterais e causalmente distanciadas do ato cuja falta entrava a execução. Alargar o âmbito do dever de impulsionar a execução à prática de todos os atos que indiretamente podem conduzir ao seu andamento (como o controle dos atrasos dos agentes de execução ou outros), sem que exista uma obrigação diretamente imposta por lei para a prática desse ato ou convite judicial nesse sentido, seria onerar os exequentes pelas omissões dos outros intervenientes processuais e eventualmente até serviços, para além do que pode conter a noção de negligência da parte que fundamenta a deserção. No nosso caso concreto, não releva a data do óbito do executado, para verificar desde quando se deve contar a paragem da execução, mas a data em que cada uma das partes devia ter praticado o ato que impulsionasse a execução e o não fez. Há que contar o início do prazo da suspensão da data em que a parte tomou conhecimento do facto que lhe impôs a necessidade de praticar um ato com vista a impulsionar a execução. Cabendo a mais que uma parte o dever de impulsionar a execução, não pode nenhuma destas ser prejudicada pela omissão da parte contrária, quando não teve a possibilidade de impulsionar os autos, pelo que no caso de se não impor a todas na mesma data o ónus de praticar o ato, conta-se o prazo da última data em que se constituiu tal ónus para uma das partes. Como supra enunciado, em 15-12-2016, na execução, a Agente de Execução veio informar no processo que após realizar as buscas nas bases de dados disponíveis apurou que o executado .. faleceu em 14/01/2016 e que em 31-10-2017 foi-lhe enviada notificação do despacho que declarava suspensa a instância executiva até que estejam habilitados os sucessores do falecido. É certo que este despacho foi notificado ao Exequente, mas o mesmo não foi notificado ao credor reclamante. Da matéria de facto supra enunciada, resulta que apesar de nos autos lhe não ter sido dado conhecimento do óbito do executado e que a instância se suspenderia enquanto não fosse realizada a sua habilitação de herdeiros, o credor reclamante veio aos autos demonstrar conhecimento deste facto em 2-12-2017. Assim, para o computo do prazo para a dedução da habilitação de herdeiros, ato adequado ao prosseguimento dos autos na sequência do óbito do executado, não releva nem a data desse óbito, nem, neste concreto caso, a data em que o exequente teve conhecimento do mesmo, mas tão só, porque posterior, a data em que o reclamante soube desse facto, que nos autos corresponde ao dia 2-12-2017. Logo nessa data o reclamante praticou ato adequado ao andamento dos autos, solicitando ao Tribunal a notificação do cônjuge deste para vir aos autos identificar os demais eventuais herdeiros, bem como ofício ao Serviço de Finanças, com vista à obtenção de informação apta à dedução da habilitação de herdeiros. A partir desse momento e até à decisão (ocorrida em 17-9-2018, já após o requerimento da executada pedindo a declaração da deserção da instância e com o despacho que a indeferiu) e cumprimento do decidido, o processo deixou de aguardar qualquer impulso das partes, porquanto deixou de existir qualquer ato que no regular andamento do processo lhe competisse efetuar naquela fase, cabendo sim, ao Tribunal, decidir o requerido com vista ao andamento do processo. Desta forma, quando o requerimento a pedir a declaração da suspensão da instância foi efetuado, o processo não se encontrava parado por falta de impulso processual por qualquer uma das partes, mas por falta de resposta ao solicitado pelo credor reclamante. Como o mesmo não pode sofrer por omissão a que é alheio e não lhe é imputável a título de negligência, não é possível declarar-se com esse fundamento a deserção da instância. O acórdão citado pelo Recorrente no processo 105/14.0TVLSB.G1.S1 diz respeito a situação que aqui não é aplicável, porquanto naquela dos elementos dos autos resultava indiciada a negligência; neste nosso processo, ao invés, é patente a omissão da notificação de um despacho (que deveria ter sido notificado, aliás como do mesmo consta), sem a qual o credor reclamante não podia ter conhecimento nem do óbito, nem na suspensão da instância. Não se mostram, por conseguinte, verificados os requisitos indispensáveis para que se considere deserta a instância executiva, ao abrigo do nº 5 do artigo 281º do Código de Processo Civil, sendo de manter o decidido. I. Decisão Por todo o exposto julga-se a apelação improcedente e em consequência mantém-se o despacho recorrido. Custas pelo apelante. (artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil) Guimarães, 24.04.2019 Sandra Melo Conceição Sampaio Fernanda Proença Fernandes |