Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2423/21.2T8VRL-A.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
PRAZO PEREMPTÓRIO
MULTA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: RECLAMAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Não obstante possa ter decorrido o prazo peremptório de que a parte dispusesse para praticar um acto processual, não se extingue o direito de o praticar desde que o exerça ainda num dos três dias úteis seguintes ao do seu termo, ficando, porém, a sua validade dependente do cumprimento de sanções pecuniárias que a lei estabelece, de valor crescente consoante seja praticado no primeiro, no segundo ou no terceiro dia útil (art.º 139.º, n.º 5, do CPC).

II. O pagamento imediato da multa que condiciona a prática do acto processual num dos três dias úteis seguintes ao termo do prazo previsto na lei para o efeito não depende de qualquer despacho judicial, nem da secretaria, sendo um encargo que impende sobre a parte que o pretende ver praticado e validado; e, por isso, o montante da multa deverá ser autoliquidado através do documento único de cobrança.

III. Praticado o acto processual em qualquer um dos três dias úteis seguintes ao termo do seu prazo legal, sem ter sido paga imediatamente a multa devida, logo que a falta seja verificada, a secretaria intervém pela primeira vez; e, independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar a multa, acrescida de uma penalização de 25% do seu valor, desde que se trate de acto praticado por mandatário (art.º 139.º, n.º 6, do CPC).

IV. O prazo indicado pela secretaria para pagamento (da multa que condicionava a prática do acto num dos três dias úteis seguintes ao termo do seu prazo, acrescida da penalização de 25% do seu valor) não pode ser, ele próprio, estendido por mais três dias úteis, já que: prevendo a lei uma excepcional possibilidade de extensão de um prazo peremptório para a prática de um acto processual, mediante o cumprimento de uma condição (o pagamento imediato de uma multa), não faria sentido que depois permitisse a própria extensão do prazo de cumprimento da dita condição; e o pagamento da multa aqui em causa não constitui, ele próprio, um acto processual proprium sensu (conforme é pressuposto na possibilidade da sua prática por mais três dias úteis, sob pena de se extinguir esse direito), mas sim a mera condição da sua validação e eficácia.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO

1.1. Despacho reclamado
1.1.1. Tendo sido declarada insolvente EMP01..., Limitada, não tendo sido apreendido qualquer património e tendo sido declarado findo o respectivo processo de insolvência, foram tais factos comunicados à Conservatória do Registo Comercial ..., para que fosse oficiosamente instaurado processo administrativo de liquidação respectiva (nos termos do art.º 234.º, n.º 4, aplicável ex vi do art.º 39.º, n.º 10, ambos do CIRE).

1.1.2. Processado o procedimento administrativo de liquidação de EMP01..., Limitada, a Conservadora da Conservatória do Registo Comercial ... proferiu despacho final, declarando encerrada a sua liquidação, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
A ser assim, instaurado o procedimento de liquidação, procedeu-se às notificações previstas no artigo 17º, n.º 2, alínea b) do RJPADLEC [1] e foi notificada a sociedade, os sócios e gerente e eventuais credores por meio de publicação de aviso.
(…)
Decorrido o prazo legal, veio a entidade informar que tinha ativo e passivo.
Porém interpelada para juntar prova do alegado, veio juntar apenas cópia de duas certidões de duas sociedades onde a entidade em liquidação detinha duas quotas - a sociedade por quotas Garagem EMP02... - Comércio de Automóveis, Lda., NIPC ...42 e a sociedade por quotas EMP03..., Lda., como NIPC ...30.
Consultadas as referidas sociedades no SIRCOM constatou-se que ambas se encontravam com as respetivas matrículas canceladas, pelo que extintas.
Logo não foi apurada, no presente procedimento, a existência de qualquer passivo ou ativo, nem foi comunicada à conservatória a sua existência para além das referidas quotas.
Ora nestes casos estabelece o n.º 4 do artigo 24º do RJPADLEC que o conservador deve declarar imediatamente o encerramento da liquidação.
Assim sendo, e por tudo o exposto, declaro o encerramento da liquidação da entidade “EMP01... LDA - EM LIQUIDAÇÃO”.
Proceda-se ao registo do encerramento da liquidação de que decorrerá a extinção da entidade supra referida após o trânsito desta decisão.
(…)»

1.1.3. EMP01..., Limitada interpôs recurso dessa decisão, para o Juízo de Comércio ..., pedindo que a mesma fosse declarada nula, por alegadamente ter sido proferida com violação de diversas disposições do RJPADLEC (nomeadamente, pertinentes ao conteúdo dos avisos publicados, à efectiva existência de activo da Sociedade e ao precoce cancelamento da sua matrícula).

1.1.4. Processado o dito recurso, foi proferida decisão, que não admitiu a impugnação judicial da decisão proferida pela Conservadora da Conservatória do Registo Comercial ..., por a ter considerado extemporânea (já que teria sido apresentada para além do prazo de 10 dias contado da publicação da decisão final).

1.1.5. Tendo EMP01..., Limitada interposto recurso desta decisão para o Tribunal da Relação de Guimarães, foi o mesmo provido, lendo-se nomeadamente na sua decisão:
«(…)
DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação procedente e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida e determina-se que seja dado cumprimento ao disposto no art. 139º, nº 6, do CPC, ficando a validade do ato de dedução de impugnação judicial condicionado ao pagamento da penalização devida pela prática no 3º dia útil subsequente ao termo do prazo, devendo, após a realização desse pagamento, o processo prosseguir os seus ulteriores termos, com a apreciação das demais questões suscitadas.
(…)»

1.1.6. Devolvidos os autos à 1.ª instância, e processados os mesmos, em 20 de Janeiro de 2023, foi proferida sentença, julgando improcedente a impugnação judicial da decisão que determinara o encerramento da liquidação de EMP01..., Limitada, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
Apurando-se a existência de bens não partilhados posteriormente ao encerramento da liquidação e à extinção da sociedade, deve ser adoptado o procedimento previsto no artigo 164.º do CSC ou seja - compete aos liquidatários propor a partilha adicional pelos antigos sócios, reduzindo os bens a dinheiro, se não for acordado unanimemente a partilha em espécie.
Atento o que fica referido, o facto de posteriormente à dissolução e encerramento da liquidação se se vier a apurar a existência de bens propriedade da sociedade, contrariamente ao invocado pelo recorrente, inexiste fundamento legal, para que haja lugar à declaração de nulidade da decisão proferida pelo Conservador da CRC ... e que determinou o encerramento da liquidação da sociedade EMP01..., Lda..
*****
V - Decisão:
Pelo exposto, julgo improcedente o presente recurso de impugnação de decisão proferida pela Exma. Sra. Conservadora da CRC ..., e, em consequência, mantenho a decisão recorrida.
(…)»

1.1.7. Em 20 de Janeiro de 2023 foi certificada no citius a notificação da dita sentença ao Mandatário Judicial constituído por EMP01..., Limitada.

1.1.8. Em 02 de Março de 2023 veio EMP01..., Limitada interpor recurso da sentença proferida no Juízo de Comércio ..., pedindo que se anulasse a mesma, bem com a prévia decisão proferida na Conservatória do Registo Comercial ..., defendendo terem sido violadas em qualquer delas normas legais aplicáveis (nomeadamente, pertinentes ao conteúdo dos avisos publicados, à efectiva existência de activo da Sociedade e ao precoce cancelamento da sua matrícula)
Juntou comprovativo de ter requerido a concessão do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

1.1.9. Em 03 de Março de 2023 a Secretaria notificou EMP01..., Limitada (ela própria e o seu Mandatário Judicial) para que, no prazo de 10 dias, procedesse ao pagamento da quantia de € 25,50, a título de multa devida nos termos do art.º 139.º, n.º 5 e n.º 6, do CPC, indicando-lhe como data limite para esse pagamento o dia 16 de Março de 2023, lendo-se nomeadamente nessa notificação:
«(…)
Assunto: Pagamento de multa - art.º 139.º n.º 6 do CPC
Com referência ao processo acima identificado, fica notificado na qualidade de Mandatário do Recorrente EMP01... Ldª para no prazo de 10 dias, efetuar o pagamento da multa prevista no n.º 5 do art.º 139.º do Código de Processo Civil, acrescida de uma penalização de 25%, nos termos do n.º 6 do mesmo artigo, sob pena de não se considerar válido o acto processual extemporaneamente praticado.
(…)»

1.1.10. Em 22 de Março de 2023 veio EMP01..., Limitada comprovar o pagamento da dita multa na véspera e pedir que se considerasse validamente interposto o seu recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, lendo-se nomeadamente no seu requerimento
«(…)
2. Tendo, porém, sucedido que, por vicissitudes várias, a requerente não procedeu a tal pagamento, até esse dia 16 de março de 203, inclusive.
3. Tendo, contudo, a requerente, pago, hoje mesmo, terça-feira, dia 21 de março de 2023, que é o terceiro dia útil subsequente ao atrás referido dia 16 de março de 2023, a multa e a penalização em questão, no valor total de 25,50 euros, bem como a multa relativa ao atraso nesse pagamento, por três dias úteis, multa esta no valor de 20,40 euros, requer-se a Vexa., que considere validamente interposto o atrás referido recurso, que a requerente, através de transmissão eletrónica de dados, via sistema Citius, apresentou nos autos, no dia 02 de março de 2023.
(…)»

1.1.11. Em 28 de Março de 2023 foi proferido despacho, não admitindo, por extemporâneo, o recurso pretendido interpor por EMP01..., Limitada, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Requerimentos sob a referência citius n.º ...01 e ...13:
A sociedade comercial EMP01..., Lda., veio requerer, a admissão do recurso interposto, alegando, que foi notificada para pagar a multa pela apresentação do mesmo dentro dos 3 dias úteis seguintes e que, por motivos que não esclareceu, apenas conseguiu liquidar tal multa, no dia 21 de março de 2023.
Decidindo:
A sociedade comercial foi notificada da sentença, na pessoa do seu mandatário (cfr. artigo 247.º, nº 1, do Código de Processo Civil), através da plataforma informática citius) no dia 23/01/2023.
Por força do disposto no artigo 248.º, nº 1 do Código de Processo Civil, tal notificação presume-se efectuada no 3.º dia posterior ao da elaboração ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
O prazo para interposição do recurso é de 30 dias (artigo 638.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).
Assim, atenta a regra da continuidade dos prazos (artigos 138.º, n.º 1 e 638.º, n.º 1 do Código de Processo Civil), o mencionado prazo terminou em 27 de fevereiro de 2023.
Decorre do n.º 6 do artº 139º, do CPC, que praticado o acto em qualquer dos três dias úteis seguintes sem ter sido paga imediatamente a multa devida, logo que a falta seja verificada, a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar a multa, acrescida de uma penalização de 25% do valor da multa, desde que se trate de acto praticado por mandatário.
In casu, a parte praticou o acto no dia 02 de Março de 2023 - correspondente ao terceiro dia com multa.
A secção emitiu guia para pagamento da respectiva multa, acrescida da respectiva penalização de 25% e notificou o ilustre mandatário da sociedade comercial, para o seu pagamento dentro dos 10 dias seguintes - terminando o prazo respectivo no dia 16/03/2023.
Com efeito, a parte não só, não liquidou a respectiva multa dentro do prazo que lhe foi concedido, o qual terminou a 16/03/2023, como veio em 22/03/2023, juntar aos autos documento comprovativo do respectivo pagamento, com data de 21/03/2023.
Assim, resulta claro que a sociedade comercial, não liquidou a respectiva multa, dentro do prazo a que alude o artigo 139.º n.º 6, do CPC.
Destarte, em conformidade com as normas legais referidas, considero extemporâneo o recurso interposto pela sociedade comercial e, em consequência, não o admito.
Custas do incidente pela sociedade comercial EMP01..., Lda., que se fixa em 2 UC – artigo 527.º do CPC.
(…)»

1.1.12. Inconformada com o despacho de não admissão do seu recurso, EMP01..., Limitada veio reclamar, pedindo que fosse substituído por outra decisão, que admitisse o recurso por si interposto.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (reproduzindo-se ipsis verbis as respectivas conclusões):

PRIMEIRA CONCLUSÃO
O despacho reclamado, ao considerar, como considerou, que ao pagamento da multa e da penalização, previstas, respetivamente, nos números 5 e 6, os dois do artigo 139.º, do CPC, não se aplicam tais números, violou os artigos 139.º-5 e 6, 140.º e 149.º, os três do CPC e 40.º, do RCP, consistindo em tal violação o fundamento específico da presente reclamação.

SEGUNDA CONCLUSÃO
Na procedência da qual, deverá considerar-se que, ao prazo para pagamento da multa e da penalização, do artigo 139.º-5 e 6, do CPC, se aplica esse próprio artigo, e, em consequência, ser anulado, ou então declarado nulo, o despacho sob reclamação, o que se requere.

TERCEIRA CONCLUSÃO
Mais se requerendo que seja admitido o recurso objeto do despacho reclamado, ou seja, o recurso interposto, pela requerente/reclamante, no dia 02 de março de 2023, requisitando-se, como possibilitado pelo artigo 643.º-4 e 6, do CPC, o processo principal ao tribunal recorrido/reclamado, isto é, ao Juízo de Comércio ..., do Tribunal Judicial da Comarca ....

1.1.13. Em 31 de Maio de 2023 foi proferida decisão singular pela Relatora, indeferindo a reclamação de EMP01..., Limitada (e, por isso, confirmando o despacho que não admitira o recurso por ela interposto, da sentença que apreciou a impugnação judicial da decisão da Conservadora do Registo Comercial ..., que declarou o encerramento da respectiva liquidação).
Ponderou-se na mesma, em síntese, que o art.º 139.º, n.º 5, do CPC (que permite a prática de acto processual nos três dias úteis seguintes ao termo do prazo previsto para o efeito, mediante o pagamento de uma multa, crescente em relação a cada um daqueles três dias) não se aplica a actos de natureza tributária (isto é, de pagamento de taxa de justiça, de encargos, de custas, multas ou outas penalidades), nomeadamente ao pagamento da multa que ele próprio consagra no respectivo n.º 6 (devida pela falta de oportuno pagamento daquela outra, que condiciona a válida prática de acto processual nos referidos três dias úteis seguintes ao termo do respectivo prazo).

1.1.14. Em 20 de Junho de 2023 EMP01..., Limitada veio reclamar para a conferência da dita decisão singular (certificada no citius como lhe tendo sido notificada em 01 de Junho de 2023), pedindo que sobre ela recaísse acórdão, reiterando para o efeito os argumentos da sua anterior reclamação.

1.1.15. Em 20 de Junho de 2023 a Secretaria notificou EMP01..., Limitada (ela própria e o seu Mandatário Judicial) para que, no prazo de 10 dias, procedesse ao pagamento da quantia de € 12,75, a título de multa devida nos termos do art.º 139.º, n.º 5 e n.º 6, do CPC, indicando-lhe como data limite para esse pagamento o dia 03 de Julho de 2023, lendo-se nomeadamente nessa notificação:
«(…)
Assunto: Pagamento de multa - art.º 139.º n.º 6 do CPC
Com referência ao processo acima identificado, fica notificado na qualidade de Mandatário do Recorrente EMP01... Ldª para no prazo de 10 dias, efetuar o pagamento da multa prevista no n.º 5 do art.º 139.º do Código de Processo Civil, acrescida de uma penalização de 25%, nos termos do n.º 6 do mesmo artigo, sob pena de não se considerar válido o acto processual extemporaneamente praticado.
(…)»

1.1.16. Em 03 de Julho de 2023 EMP01..., Limitada pagou a multa de € 12,75, que condicionava a apresentação, no terceiro dia útil após o termo do prazo respectivo, da sua reclamação para a conferência (da decisão singular da Relatora que confirmara o despacho do Tribunal de 1.ª instância, de não admissão do recurso de apelação por ela pretendido interpor).

1.1.17. Em 05 de Julho de 2023, a Secretaria notificou EMP01..., Limitada (ela própria e o seu Mandatário Judicial) para que, no prazo de 10 dias, procedesse ao pagamento da taxa de justiça de € 25,50, alegadamente devida pela sua reclamação para a conferência, acrescida da multa de € 102,00, devida nos termos do art.º 642.º, do CPC, indicando-lhe como data limite para esse pagamento o dia 05 de Setembro de 2023, lendo-se nomeadamente nessa notificação:
«(…)
Assunto: Pagamento de taxa de justiça e multa - art.º 642.º nº 1 CPC
Com referência ao processo acima identificado, fica notificado na qualidade de Mandatário do Recorrente EMP01... Ldª para no prazo de 10 dias, de 10 dias, efectuar o pagamento da taxa de justiça devida no montante de €25,50 acrescida da multa da guia anexa sobre a apresentação do requerimento ref.ª ...39 de 20-06-2023..
(…)»

1.1.18. Em 05 de Setembro de 2023 veio EMP01..., Limitada esclarecer que requerera no dia 02 de Março de 2023 a concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo; e não ter sido ainda proferida decisão sobre o mesmo.
Defendeu, por isso, ter sido extemporaneamente notificada pela Secretaria para proceder aos ditos pagamentos.

1.1.19. Em 16 de Outubro de 2023, tendo a Segurança Social informado os autos do indeferimento do pedido de concessão do benefício de apoio judiciário formulado por EMP01..., Limitada, foi proferido despacho, não admitindo a reclamação para a conferência, por extemporânea, da decisão sumária da Relatora proferida em 31 de Maio de 2023, lendo-se nomeadamente no mesmo:
« . Reclamação para a conferência - Extemporaneidade
Não tendo sido oportunamente paga a taxa de justiça que condicionava a reclamação para a conferência (da decisão sumária proferida nos autos), nem a multa que condicionava a sua apresentação no terceiro dia útil previsto para o efeito, e não beneficiando a Recorrente do benefício do apoio judiciário, não admito a pretendida reclamação, por extemporânea».

1.1.20. Em 03 de Novembro de 2023 EMP01..., Limitada veio reclamar para a conferência do dito despacho (certificado no citius como lhe tendo sido notificado em 16 de Outubro de 2023), pedindo que sobre ele recaísse acórdão.
Alegou para o efeito, em síntese, ter pago, em 03 de Julho de 2023, a multa devida pela apresentação no terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo legal de reclamação para a conferência (da decisão singular da Relatora, de 31 de Maio de 2023); e não ter pago a taxa de justiça por se encontrar então pendente o pedido de concessão de apoio judiciário que formulara.

1.1.21. Em 07 de Novembro de 2023 a Secretaria notificou EMP01..., Limitada (ela própria e o seu Mandatário Judicial) para que, no prazo de 10 dias, procedesse ao pagamento da quantia de € 12,75, a título de multa devida nos termos do art.º 139.º, n.º 5 e n.º 6, do CPC, indicando-lhe como data limite para esse pagamento o dia 20 de Novembro de 2023, lendo-se nomeadamente nessa notificação:
«(…)
Assunto: Pagamento de multa - art.º 139.º n.º 6 do CPC
Com referência ao processo acima identificado, fica notificado na qualidade de Mandatário do Recorrente EMP01... Ldª para no prazo de 10 dias, efetuar o pagamento da multa prevista no n.º 5 do art.º 139.º do Código de Processo Civil, acrescida de uma penalização de 25%, nos termos do n.º 6 do mesmo artigo, sob pena de não se considerar válido o acto processual extemporaneamente praticado (Requerimento datado de 03-11-2023, ref.ª ...18).
(…)»

1.1.22. Em 16 de Novembro de 2023, a Secretaria notificou EMP01..., Limitada (ela própria e o seu Mandatário Judicial) para que, no prazo de 10 dias, procedesse ao pagamento da taxa de justiça de € 25,50, alegadamente devida pela sua reclamação para a conferência, acrescida da multa de € 102,00, devida nos termos do art.º 642.º, do CPC, indicando-lhe como data limite para esse pagamento o dia 30 de Novembro de 2023, lendo-se nomeadamente nessa notificação:
«(…)
Assunto: Pagamento de taxa de justiça e multa - art.º 642.º nº 1 CPC
Com referência ao processo acima identificado, fica notificado na qualidade de Mandatário do Recorrente EMP01... Ldª para no prazo de 10 dias, de 10 dias, efectuar o pagamento da taxa de justiça devida no montante de €25,50. Respeitante ao requerimento datado de 03-11-2023, ref.ª ...18, acrescida de uma multa de montante igual ao da guia anexa.
(…)»

1.1.23. Em 21 de Novembro de 2023 EMP01..., Limitada pagou a multa de € 12,75, que condicionava a apresentação, no terceiro dia útil após o termo do prazo respectivo, da sua segunda reclamação para a conferência (desta feita, do despacho da Relatora que não lhe admitira a primeira) [2]; e invocou ainda um justo impedimento do seu Mandatário Judicial para justificar o não pagamento oportuno da mesma, oferecendo a produção de prova testemunhal para o efeito.

1.1.24. Em 18 de Dezembro de 2023, foi proferido despacho, admitindo a segunda reclamação para a conferência de prévia decisão da Relatora (e, vindo a mesma a ser julgada procedente, permitindo o conhecimento da primeira), lendo-se nomeadamente no mesmo:
« . Reclamação para a Conferência
A sentença a que a Reclamante pretende reagir (por o recurso que dela interpôs não ter sido admitido) foi proferida em 20 de Janeiro de 2023.
Volvido quase um ano, ainda não se encontra definitivamente julgada a reclamação apresentada sobre o despacho de não admissão de recurso, pese embora a decisão singular da Relatora que o confirmou seja de 31 de Maio de 2023.
Assim, e por forma a não permitir ou contribuir para maior delonga dos autos, considero verificado o justo impedimento alegado pela Reclamante nos autos.
*
Inscrevam-se os mesmos para conferência do Colectivo de Juízes a que foram afectos, que terá lugar na primeira sessão após férias judiciais de Natal, isto é, no dia 18 de Janeiro de 2024.
(…)»
*
1.2. Reclamação para a Conferência
1.2.1. Fundamentos
Lê-se no art.º 652.º, n.º 3, do CPC que, quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão; o relator deve submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária».
Contudo, não é necessário que o Reclamante apresente «motivação, já que a lei prevê simplesmente que a parte prejudicada por algum despacho do relator requeira que sobre o mesmo “recaia um acórdão”, sem exigir expressis verbis (mas também sem vedar) qualquer justificação para essa iniciativa ou sequer a motivação que a leva a sustentar uma posição diversa». Dir-se-á mesmo que «o facto de ter sido proferido despacho sobre qualquer questão delimita suficientemente o objeto do posterior acórdão, dispensando outros desenvolvimentos» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código e Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina 2018, págs. 789).
Pondera-se, para o efeito, que, se a «natureza colegial dos tribunais superiores implica que, em regra, a formação de julgamento integre, no mínimo, três juízes e a tomada de decisão exija, também no mínimo, dois votos conformes», o facto de «a lei, por óbvias razões de economia e celeridade processuais», admitir que «certas decisões sejam tomadas individualmente pelo relator», «não podia», porém, esta possibilidade «deixar de ser acompanhada pela outorga à parte que se sinta prejudicada com tais decisões da faculdade de as fazer reexaminar pela conferência, de composição colegial. Assim sendo, a circunstância de o reclamante não ter explicitado as razões pelas quais discorda do despacho reclamado não conduz inexoravelmente ao indeferimento da reclamação (e muito menos ao seu não conhecimento), antes se impõe que a conferência repondere a questão, bem podendo acontecer que, mesmo na ausência de críticas do reclamante ao despacho reclamado, no colectivo de juízes acabe por prevalecer entendimento diverso do inicialmente assumido pelo relator» (Acórdão n.º 514/2003, de 28 de Outubro de 2003, Mário Torres, Processo n.º 474/03, in https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20030514.html ).
*
Concretizando, quer quanto à primeira reclamação para a conferência apresentada por EMP01..., Limitada nos autos (da decisão sumária da Relatora, que confirmou o despacho do Tribunal de 1.ª instância, que não admitiu o recurso de apelação por ela pretendido interpor), quer quanto à segunda (que não admitiu aquela primeira, tornando assim definitiva a dita decisão sumária), caberá a este Tribunal ad quem (composto de forma colectiva) apreciar os fundamentos oportunamente invocados na reclamação do despacho de não admissão do recurso interposto por EMP01..., Limitada (quanto à primeira reclamação para a conferência), e os fundamentos invocados no seu requerimento de 03 de Novembro de 2023 (quanto à segunda reclamação para a conferência).
Os mesmos foram oportunamente reproduzidos em «I - RELATÓRIO», respectivamente, nos seus pontos «1.1.12.» e «1.1.20»; e aqui se dão por integralmente reproduzidos.
*
1.2.2. Resposta
Não foi apresentada qualquer resposta.
*
II - VALIDADE E REGULARIDADE DA INSTÂNCIA
O tribunal é o competente em razão da matéria, da nacionalidade e da hierarquia.
O processo é o próprio, e não enferma de outras nulidades que o invalidem na sua totalidade.
A Reclamante dispõe de personalidade e de capacidade judiciárias, e bem assim de legitimidade.
Inexistem outras excepções dilatórias, nulidades parciais ou quaisquer questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer.
*
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A factualidade de facto relevante para a decisão a reclamação apresentada coincide com a descrição feita no «I - RELATÓRIO» da mesma, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
*
IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Prazo de interposição de recurso (primeira reclamação para a Conferência) e de reclamação para a Conferência (segunda reclamação para a Conferência)
4.1.1. Identificação e contagem dos prazos
Lê-se no art.º 638.º, n.º 1, do CPC, que o «prazo para a interposição do recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão, reduzindo-se para 15 dias nos processos urgentes»; e lê-se no art.º 652.º, n.º 3, do CPC, que «quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão», devendo fazê-lo no prazo geral de 10 dias, previsto no art.º 149.º, n.º 1 [3], do CPC, já que nenhum outro é indicado na lei para este efeito.
Mais se lê, no art.º 279.º, do CC, relativo à «fixação do termo», na sua al. b), que, na «contagem de qualquer prazo não se inclui o dia, nem a hora, se o prazo for de horas, em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr», sendo que, nos termos do art.º 296.º, do mesmo diploma, as «regras constantes do artigo 279.º são aplicáveis, na falta de disposição especial em contrario, aos prazos e termos fixados por lei, pelos tribunais ou por qualquer outra entidade».
Lê-se ainda, no art.º 138.º, do CPC, que o «prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses e se tratar de atos a praticar em processos que a lei considere urgentes» (n.º 1); e quando «o prazo para a prática de ato processual terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o 1.º dia útil seguinte» (n.º 2).

Por fim, lê-se no art.º 247.º, n.º 1, do CPC, que as «notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários»; e lê-se no art.º 248.º, n.º 1, do CPC, que os «mandatários são notificados por via eletrónica nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, devendo o sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais certificar a data da elaboração da notificação, presumindo-se esta feita no terceiro dia posterior ao seu envio, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja» [4].
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4.1.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
4.1.2.1. Recurso de apelação (da sentença de mérito proferida pelo Tribunal a quo)
Concretizando, verifica-se que, tendo sido proferida sentença, em 20 de Janeiro de 2023 (que decidiu a impugnação judicial da decisão da Conservadora do Registo Comercial ..., que declarou o encerramento da liquidação de EMP01..., Limitada), foi a mesma notificada em 23 de Janeiro de 2023 (segunda-feira) ao Mandatário Judicial que a Sociedade dela objecto constituíra nos autos.
Presumindo-se essa notificação realizada no terceiro dia imediato, isto é, 26 de Janeiro de 2023, e dispondo o mesmo do prazo de 30 dias para recorrer, o dito prazo terminaria em 25 de Fevereiro de 2023. Contudo, sendo este dia sábado, o termo do dito prazo transferiu-se para o primeiro dia útil imediato, ou seja, 27 de Fevereiro, segunda-feira.
Verifica-se ainda que EMP01..., Limitada viria a interpor o seu recurso apenas em 02 de Março de 2023, quinta-feira, tendo-o por isso feito de forma extemporânea.
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4.1.2.2. Reclamação para a conferência (da prévia decisão sumária da Relatora que confirmou o despacho de não admissão do recurso do Tribunal a quo)
Concretizando novamente, verifica-se que, tendo sido proferida, em 31 de Maio de 2023, pela Relatora destes autos, decisão sumária sobre o objecto da reclamação, foi a mesma notificada em 01 de Junho de 2023 (quinta-feira) ao Mandatário Judicial que EMP01..., Limitada constituíra nos autos.
Presumindo-se essa notificação realizada no terceiro dia imediato, coincidiria com 04 de Junho de 2023, domingo; e, por isso, presumiu-se feita no primeiro dia útil seguinte, isto é, a 05 de Junho de 2023, segunda-feira. Ora, dispondo EMP01..., Limitada do prazo de 10 dias para reclamar da dita decisão sumária, o referido prazo terminaria em 15 de Junho de 2023 (quinta-feira).
Verifica-se ainda que EMP01..., Limitada viria a reclamar para a conferência (da dita decisão sumária da Relatora) apenas em 20 de Junho de 2023, terça-feira. Fê-lo, por isso, de forma extemporânea.
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4.2. Prática de acto nos três dias úteis subsequentes (ao termo do prazo previsto para o efeito)
4.2.1. Possibilidade da prática - Pagamento de multa
4.2.1.1. Artigo 139.º, n.º 5, do CPC
Lê-se no art.º 139.º, n.º 5, do CPC, que, independentemente «de justo impedimento, pode o ato ser praticado dentro dos três primeiros dias subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa», de valor crescente consoante seja praticado no 1.º, no 2.º ou no 3.º dia, correspondendo neste último caso a «40% da taxa de justiça correspondente ao processo ou ato, com o limite máximo de 7 UC».
 Logo, e não obstante tenha decorrido o prazo peremptório de que a parte dispunha para praticar o acto, não se extingue o direito de o praticar desde que essa prática ocorra num dos três dias úteis seguintes ao do seu termo, ficando, porém, a sua validade dependente do cumprimento das sanções pecuniárias que a lei estabelece.

Esta faculdade foi consagrada pela primeira vez pelo Decreto-Lei n.º 323/70, de 11 de Julho, mantendo-se desde aí nos seus traços fundamentais, variando, porém, o montante das multas [5].
A sua consagração «teve por base o reconhecimento de uma velha pecha da nossa maneira colectiva de agir, a que não se mostram imunes os procuradores mais qualificados de negócios alheios, que são os mandatários judiciais»: o «inveterado defeito em que a permissão directamente se funda é o hábito condenável de guardar para a última hora todo o acto que tem um prazo para ser validamente praticado». Atendeu-se, então, ao «propósito louvável, que remonta já aos primórdios da chamada reforma do processo, com o primado da justiça material sobre a pura legalidade formal», que «é o de evitar que a omissão de uma simples formalidade processual possa acarretar a perda definitiva dum direito material» (Antunes Varela, RLJ, Ano 116.º, págs. 31 e 32, com bold apócrifo).
Dir-se-á ainda que, «ao permitir a prática de actos sujeitos a prazos peremptórios depois de estes terem terminado, fora dos casos de justo impedimento, a lei veio, na prática, alongar os prazos, sem impor a apresentação em juízo de qualquer justificação»: «a multa exprime a preferência legal pelo cumprimento do prazo peremptório», «mas não é possível associá-la a uma sanção por menor diligência processual».
«Este regime possibilita ainda às partes e aos seus mandatários a gestão do tempo disponível, de acordo com as respectivas conveniências, ponderando se compensa ou não dilatar o prazo mediante o pagamento da multa; mas não legitima qualquer juízo de censura em relação à parte (ou ao seu mandatário) que dele decide beneficiar» (Ac. do STJ, de 25.10.2012, Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Processo n.º 1627/04.7TBFIG-A.C1.S1, com bold apócrifo).

Precisa-se que este pagamento imediato da multa não depende de qualquer despacho judicial, nem da secretaria, sendo um encargo que impende sobre a parte que pretende ver praticado e validado o acto processual apresentado fora do prazo legal para o efeito. O montante da multa deverá, por isso, ser autoliquidado através do DUC [6].
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4.2.1.2. Artigo 139.º, n.º 6, do CPC
Mais se lê, no n.º 6, do mesmo art.º 139.º citado, que, praticado «o ato em qualquer dos três dias úteis seguintes sem ter sido paga imediatamente a multa devida, logo que a falta seja verificada, a secretaria, independente de despacho, notifica o interessado para pagar a multa, acrescida de uma penalização de 25% do valor da multa, desde que se trate de ato praticado por mandatário».
Ora, enquanto «que a primeira das referidas penalizações (a da multa propriamente dita) se prende com a circunstância do acto ser praticado por mandatário fora de prazo mas ainda dentro dos três dias subsequentes ao termo desse prazo (cujo montante varia em função do dia daqueles três subsequentes a que disser respeito), já a o acréscimo de 25% do valor dessa multa encontra a sua razão de ser no facto dessa multa devida não ser paga imediatamente como se exige em tal preceito legal, sendo este apenas exigível se o acto for praticado por mandatário em qualquer um dos três dias subsequentes sem que a multa correspondente seja paga de imediato» (Ac. da RC, de 22.01.2013, Maria José Guerra, Processo n.º 958/12.7TBCBR-B.C1, com bold apócrifo).

É nesta fase (quando a multa não foi paga de imediato), e só nela, que a secretaria intervém (notificando o interessado para pagar a multa, acrescida de uma penalização de 25 % do valor desta); e apenas quando se trate de acto praticado por mandatário (pois se o ato for praticado directamente pela parte, em acção que não importe a constituição de mandatário, o pagamento da multa só é devido após notificação efetuada pela secretaria, na qual se prevê um prazo de 10 dias para o referido pagamento, conforme n.º 7, do art.º 139.º, citado) [7].
«A diferença de tratamento resulta do facto de o mandatário ser um profissional do foro, licenciado em direito, que percebe de leis, sabe qual a quantia a pagar e, como tal, reúne qualidade e condições que em princípio a parte não reúne, nem possui» (Ac. da RP, de 07.04.2016, António José Ramos, Processo n.º 3616/15.7T8VNG-A.P1).

Por fim, lê-se no art.º 149.º, n.º 1, do CPC que, na «falta de disposição especial, é de 10 dias o prazo para as partes requererem qualquer ato ou diligência, arguirem nulidades, deduzirem incidentes ou exercerem qualquer outro poder processual». 
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4.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
4.2.2.1. Recurso de apelação (da sentença de mérito proferida pelo Tribunal a quo)
Concretizando, verifica-se que, podendo EMP01..., Limitada ter recorrido da sentença que lhe foi desfavorável (que julgou improcedente a impugnação judicial da decisão da Conservadora do Registo Comercial ..., que declarou o encerramento da respectiva liquidação) até 27 de Fevereiro de 2023 (segunda-feira), apenas o fez em 02 de Março de 2023 (quinta-feira), isto é, no terceiro dia útil imediato ao termo do dito prazo de recurso.
Mais se verifica que, não tendo de imediato pago a multa que autorizaria a prática então do acto de interposição do recurso pretendido, a Secretaria, em 03 de Março de 2023, notificou o Mandatário Judicial que constituíra para o efeito para proceder a esse pagamento, no prazo de dez dias, indicando desde logo como seu termo o dia 16 de Março de 2023 (quinta-feira).
Com efeito, presumindo-se a notificação feita a 6 de Março de 2023, e iniciando-se então o prazo supletivo de dez dias, terminaria efectivamente o mesmo a 16 de Março de 2023.
Verifica-se ainda que EMP01..., Limitada apenas veio a proceder ao pagamento da dita multa (de € 25,50) em 21 de Março de 2023 (terça-feira), tendo-o por isso feito de forma extemporânea; e, desse modo, tornando definitivamente extemporânea a prévia interposição do recurso por si pretendido.
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Veio, porém, a Recorrente (EMP01..., Limitada) defender poder pagar a multa referida nos três dias úteis seguintes a 16 de Março de 2023, mediante o pagamento de uma outra multa; e, tendo-o feito no terceiro dia útil seguinte (21 de Março de 2023), pagou efectivamente nesse mesmo dia o devido valor, a esse preciso título, de € 20,40.
Contudo, e salvo o devido respeito, não lhe assiste razão.

Com efeito, é claro o art.º 40.º, do RCP, quando afirma que, salvo «disposição especial em contrário, aos prazos previstos para pagamentos no presente Regulamento não se aplica o disposto no n.º 5 do artigo 139.º do Código de Processo Civil».
Logo, e de forma expressa, teve o legislador a preocupação de clarificar que o art.º 139.º, n.º 5, do CPC, não se aplica quando está em causa o cumprimento de um acto processual de natureza tributária, isto é, «não se aplica ao pagamento da taxa de justiça, dos encargos, das custas, multas ou penalidades, seja na área estritamente civilística, administrativa e tributária, seja na área penal». Este art.º 40.º, do RCP, é «inspirado pela ideia de certeza e segurança e tem a virtualidade de eliminar dúvidas que se suscitaram no regime de pretérito sobre a admissibilidade da prática extemporânea de atos relativos a custas mediante o pagamento da multa» (Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais. Anotado e Comentado, 2012-4.ª edição, Almedina, págs. 487-8) [8].

Reconhece-se que o pagamento das multas previstas no art.º 139.º, n.º 5 e n.º 6, do CPC, extravasam aquela outra sede; e obedecem a outro fundamento.
Com efeito, «as multas previstas, quer no nº 5, quer no nº 6 do artigo 145º do CPC/ actual 139º, têm a natureza de uma sanção civil de natureza processual integrada num sistema que, não pretendendo ser demasiado rígido, visa, no entanto, obstar à extensão indiscriminada dos prazos fixados na lei» (Ac. da RG, de 15.09.2016, Purificação Carvalho, Processo n.º 1363/03.1TBBGC-B.G1) [9].
Ora, não faria sentido que, prevendo a lei uma excepcional possibilidade de extensão de um prazo peremptório para a prática de um acto processual, mediante o cumprimento de uma condição (o pagamento imediato de uma multa), depois permitisse a própria extensão do prazo de cumprimento da dita condição.

Por fim, dir-se-á que o pagamento da multa prevista no n.º 6, do art.º 139.º, do CPC, não constitui um acto processual proprium sensu, conforme é pressuposto no dito preceito (cujo decurso integral do prazo para a respectiva prática extingue o direito à mesma), mas sim a mera condição da sua validação e eficácia. No caso concreto, o acto processual é, única e exclusivamente, a interposição do recurso.
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Face ao exposto, revela-se correcto o juízo da Relatora destes autos, quando considerou dever improceder a reclamação apresentada por EMP01..., Limitada, confirmando o despacho do Tribunal a quo, de não admitir o recurso de apelação por ela pretendido interpor.
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4.2.2.2. Reclamação para a conferência (do prévio despacho da Relatora que não admitiu a reclamação para a conferência da prévia decisão sumária por si proferida)
Concretizando novamente, verifica-se que, podendo EMP01..., Limitada ter reclamado da decisão sumária da Relatora (que confirmou o despacho do Tribunal a quo, de não admissão do recurso de apelação que a mesma Sociedade interpusera) até 15 de Junho de 2023 (quinta-feira), apenas o fez em 20 de Junho de 2023 (terça-feira), isto é, no terceiro dia útil imediato ao termo do dito prazo de reclamação.
Mais se verifica que, não tendo de imediato pago a multa que autorizaria a prática do acto de reclamação pretendido (da referida e prévia decisão sumária), a Secretaria, em 20 de Junho de 2023, notificou o Mandatário Judicial que EMP01..., Limitada constituíra para o efeito para proceder a esse pagamento, no prazo de dez dias, indicando desde logo como seu termo o dia 03 de Julho de 2023.
Com efeito, presumindo-se a notificação feita a 23 de Junho de 2023 (sexta-feira) e iniciando-se então o prazo supletivo de dez dias, terminaria o mesmo a 03 de Julho de 2023 (segunda-feira).
Verifica-se ainda que EMP01..., Limitada veio efetivamente, em 03 de Julho de 2023, proceder ao pagamento da dita multa (de € 12,75), ao contrário do que, por lapso, se ajuizou no despacho da Relatora de 16 de Outubro de 2023. Fê-lo, por isso, de forma tempestiva.
 
Precisa-se que, tendo EMP01..., Limitada sido declarada insolvente, beneficia da isenção de custas prevista no art.º 4.º, n.º 1, al. u), do RCP, onde se lê que estão «isentos de custas» as «sociedades civis ou comerciais, as cooperativas e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada que estejam em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa, nos termos da lei, salvo no que respeita às acções que tenham por objecto litígios relativos ao direito do trabalho».
Com efeito, «o normativo de isenção em análise abrange as referidas entidades em relação a toda e qualquer espécie processual, independentemente do órgão jurisdicional onde seja tramitada, com a única exceção reportada às ações do foro laboral» (Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado, 2012- 4.ª edição, Almedina, pág. 205).
Não haveria, pois, que considerar nos autos, nem sucessivas notificações para omitido pagamento de taxa de justiça, acrescida de legal multa, nem o pedido de apoio judiciário que EMP01..., Limitada formulou e expressamente neles invocou.
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Face ao exposto, revela-se incorrecto o juízo da Relatora, quando considerou ter sido apresentada extemporaneamente a segunda reclamação para a conferência formulada por EMP01..., Limitada (relativa à sindicância da prévia decisão sumária por si proferida em 31 de Maio de 2023).
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Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela procedência da segunda reclamação para a conferência apresentada por EMP01..., Limitada (relativa ao despacho da Relatora, que não lhe admitiu a reclamação para a conferência da decisão sumária por si proferida em 31 de Maio de 2023) e pela improcedência da reclamação por ela apresentada (relativa ao despacho do Tribunal a quo, que não admitiu o recurso de apelação por ela pretendido interpor, da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial da decisão da Conservadora do Registo Comercial ..., que declarou o encerramento da respectiva liquidação).
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V - DECISÃO

Pelo exposto, nos termos das disposições legais citadas e do art.º 643.º, n.º 4, do CPC, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em:

A. Julgar procedente a segunda reclamação para a conferência apresentada por EMP01..., Limitada (relativa ao prévio despacho da Relatora, que não lhe admitiu a reclamação para a conferência da decisão sumária por si proferida em 31 de Maio de 2023), e, em consequência, em conhecer da primeira reclamação por ela formulada (relativa ao despacho do Tribunal de 1.ª Instância que, não admitiu o recurso por si interposto, da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial da decisão da Conservadora do Registo Comercial ..., que declarou o encerramento da respectiva liquidação);

B. Julgar improcedente a reclamação apresentada por EMP01..., Limitada (relativa ao despacho do Tribunal de 1.ª Instância que, não admitiu o recurso por ela interposto, da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial da decisão da Conservadora do Registo Comercial ..., que declarou o encerramento da respectiva liquidação), confirmando o despacho reclamado do Tribunal a quo.
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As custas seriam a cargo da Reclamante (art.º 527.º, n.º 1, do CPC) que, porém, está isenta das mesmas (art.º 4.º, n.º 1, al. u), do RCP).
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Notifique.
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Guimarães, 18 de Janeiro de 2024.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunta - José Alberto Martins Moreira Dias;
2.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes.


[1] O Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e de Liquidação de Entidades Comerciais (RJPADLEC) foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março.
[2] Recorda-se que a notificação do despacho da Relatora, de 16 de Outubro de 2023, segunda-feira (que julgara extemporânea a primeira reclamação para a conferência, da decisão sumária que proferira em 21 de Maio de 2023) foi certificada no citius como tendo sido feita no mesmo dia ao Mandatário Judicial de EMP01..., Limitada. Logo, presume-se como tendo sido feita em 19 de Outubro de 2023, quinta-feira.
Iniciando-se em 20 de Outubro de 2023 o prazo de 10 dias de que a parte dispunha para reclamar para a conferência, terminaria em 29 de Outubro de 2023, domingo; e, por isso, transferiu-se o seu termo para o primeiro dia útil imediato, isto é, 30 de Outubro de 2023, segunda-feira.
Os três dias úteis seguintes coincidiriam com 31 de Outubro de 2023 (terça-feira), 02 de Novembro de 2023 (quinta-feira) e 03 de Novembro de 2023 (sexta-feira), já que o dia 01 de Novembro de 2023 foi feriado de Todos os Santos.
Ora, e de forma conforme como, reiterada e sistematicamente, sempre actuou nos autos, foi precisamente neste terceiro e último dia útil que EMP01..., Limitada praticou o acto processual que a beneficiaria (no caso, a segunda reclamação para a conferência de prévio despacho da Relatora).
[3] Recorda-se  que se lê no art. 149.º, n.º 1, do CPC que, na «falta de disposição especial, é de 10 dias o prazo para aspartes requererem qualquer ato ou dilig~encia, arguirem nulidades, deduzirem incidente ou exercerem qyalwur outro poder processual; e também é de 10 dias o prazo para a parte responder ao que for deduzido pelaparte ocntraria».
[4] O mesmo é reafirmado pela Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto (tramitação electrónica dos despachos judiciais), nomeadamente nos seus arts. 25.º e 26.º.
[5] O Decreto-Lei n.º 323/70, de 11 de Julho, aditou o n.º 5 ao art.º 145.º, do CPC de 1961, através do qual o legislador tornou possível a prática de actos no primeiro dia útil seguinte ao termo do respectivo prazo, sem necessidade da prova - que nem sempre é fácil - do justo impedimento, como se refere no preâmbulo daquele diploma legal.
Posteriormente, pelo Decreto-Lei n.º 242/85, de 9 de Julho,  alargou para três dias úteis a possibilidade de o acto processual ser praticado, mediante o pagamento de multa, fora do respectivo prazo, estabelecendo-se, simultaneamente, para os casos de falta de pagamento imediato da multa devida, a notificação do interessado para a pagar em dobro, sob pena de se considerar perdido o direito de praticar o acto.
O Decreto-Lei n.º 92/88, de 17 de Março, manteve no essencial o regime até então aplicável.
Com o Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, foi revisto o direito de praticar o acto processual fora de prazo, como se deixou consignado no respectivo preâmbulo, no sentido de assegurar plenamente os princípios da proporcionalidade e da igualdade substancial das partes, facultando ao juiz a concreta adequação da sanção patrimonial correspondente ao grau de negligência da parte ou à eventual situação de carência económica do beneficiário do exercício de tal direito.
O Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, alterou a redacção do n.º 7, do art.º 145.º, eliminando do respectivo texto o termo excepcionalmente, sendo que o Decreto-Lei n.º 324/03, de 27 de Dezembro, manteve no essencial o texto dos n.ºs 5, 6 e 7, do art.º 145.º
A derradeira redacção do art.º 145.º, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 34/08, de 26 de Fevereiro, ficou a ser a seguinte:
«5. Independentemente de justo impedimento, pode o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa, fixada nos seguintes termos:
a) Se o acto for praticado no primeiro dia, a multa é fixada em 10% da taxa de justiça correspondente ao processo ou acto, com o limite máximo de meia UC;
b) Se o acto for praticado no segundo dia, a multa é fixada em 25% da taxa de justiça correspondente ao processo ou acto, com o limite máximo de três UC;
c) Se o acto for praticado no terceiro dia, a multa é fixada em 40% da taxa de justiça correspondente ao processo ou acto, com o limite máximo de sete UC.
6. Praticado o acto em qualquer dos três dias úteis seguintes sem ter sido paga imediatamente a multa devida, logo que a falta seja verificada, a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar a multa, acrescida de uma penalização de 25 % do valor da multa, desde que se trate de acto praticado por mandatário.
7. Se o acto for praticado directamente pela parte, em acção que não importe a constituição de mandatário, o pagamento da multa só é devido após notificação efectuada pela secretaria, na qual se prevê um prazo de 10 dias para o referido pagamento.
8. O juiz pode excepcionalmente determinar a redução ou dispensa da multa nos casos de manifesta carência económica ou quando o respectivo montante se revele manifestamente desproporcionado, designadamente nas acções que não importem a constituição de mandatário e o acto tenha sido praticado directamente pela parte».
[6] Neste sentido, Ac. da RG, de 28.09.2017, Purificação Carvalho, Processo n.º 1278/09.0 TBEPS-B.G1.
[7] De forma conforme, lê-se na Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril (que regula o modo de elaboração, contabilização, liquidação, pagamento, processamento e destino das custas processuais, multas e outras penalidades), no seu art.º 25.º, que «[n]os casos legalmente previstos de pagamento imediato de multa consentâneo com a prática de ato processual, o montante devido deve ser autoliquidado juntamente com a taxa de justiça devida, utilizando para cada um dos pagamentos o correspondente DUC» (n.º 1), incumbindo «ao apresentante, quando representado por mandatário, o pagamento por autoliquidação, de modo autónomo, das multas previstas nos artigos 139.º do CPC e 107.º-A do CPP» (n.º 2); e só «[n]os restantes casos de aplicação de multas e penalidades, são emitidas guias pelo tribunal e remetidas à parte ou partes responsáveis» (n.º 3).
[8] No mesmo sentido, Ac. da RP, de 23.03.2020, Ana Paula Amorim, Processo n.º 5326/19.0YIPRT-A.P1.  
[9] Defendendo que ao «aplicar-se o art.º 139º do CPC (…) não se viola qualquer preceito ou princípio constitucional», nomeadamente o princípio do processo justo e equitativo, já que a igualdade de oportunidade de pronúncia de todos os sujeitos processuais, no mesmo prazo, está integralmente assegurada», Ac. da RP, de 10.02.2021, Moreira Ramos, Processo n.º 49/19.0SFPRT-B.P1.
No mesmo sentido, Ac. da RC, de 10.11.2021, Ana Carolina Cardoso, Processo n.º 776/19.1GCLRA.C1.