Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | FERNANDA PROENÇA FERNANDES | ||
Descritores: | ESCRITURA PÚBLICA CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL FORÇA PROBATÓRIA PROVA TESTEMUNHAL PROVA DOCUMENTAL | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 12/19/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I. O art. 358.º n.º 2 do Cód. Civil, confere força probatória plena qualificada à confissão extrajudicial escrita dirigida à parte contrária, que conste de documento autêntico, podendo essa prova ser contrariada, demonstrando-se não ser verdadeiro o facto confessado, estando, contudo, absolutamente proibido que essa demonstração seja obtida através da utilização de prova testemunhal ou por presunção judicial. II. Quando a prova documental que se pretende ver junta aos autos não tem qualquer relevância para a prova dos factos em discussão, não deve ser admitida a sua requisição. III. É inútil a requerida notificação da parte contrária para juntar aos autos documento comprovativo de um pagamento, quando esta já declarou que tal pagamento foi feito em numerário. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório. Através da presente ação, a autora pretende que os réus sejam condenados a pagar-lhe a quantia de € 227.073,73, correspondente ao preço devido (e respetivos juros) como contrapartida pela transmissão do direito de propriedade que, através de contrato de compra e venda, celebrado por escritura pública de 17 de Julho de 2012, lhes fez do direito de propriedade sobre os seguintes prédios: a) Prédio urbano: sito lugar da ..., freguesia ... (...), do Concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...09.... ..., inscrito na matriz ...31; b) Prédio urbano (e respetivo recheio): sito lugar da ... ou ..., da freguesia ... (...), do ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...74.... ..., inscrito na matriz sob artigo ...50; c) Prédio rústico: denominado “Campo ...”, sito no lugar ..., freguesia ..., do ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...58/..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...3. Pretende ainda que os réus sejam condenados a pagar-lhe uma indemnização de € 2.000,00 pelos danos não patrimoniais que sofreu em resultado do incumprimento da referida obrigação. Para tanto, alegou, em síntese, que: por escritura pública celebrada no dia 17 de Julho de 2012, a autora vendeu aos réus o direito de propriedade sobre os prédios urbanos e rústico identificados em 1.º da petição inicial, e o recheio do segundo dos prédios urbanos ali referidos e que, ao contrário do que declarou nessa escritura, nunca recebeu dos réus o referido preço (global de € 158.875,00), o qual deveria ser pago no prazo de oito dias; esse comportamento dos réus causou na autora grande sofrimento e revolta, o que lhe tem vindo a causar desgaste emocional e humilhação. Regularmente citados, os réus apresentaram contestação, na qual, em súmula: arguiram, em primeiro lugar, a excepção de caso julgado, com o argumento de que a presente acção foi intentada depois de ter sido julgada improcedente a acção com o n.º 6639/18.... e que lhe era vedado à autora, depois de ter pedido a invalidade do contrato celebrado com os réus com base em simulação, vir agora sustentar que formalizou um efetivo contrato de compra e venda; em segundo lugar, afirmaram que entregaram o preço à autora, tendo esse facto sido confessado na escritura; em terceiro, pediram a condenação da autora como litigante de má-fé, em multa exemplar e em indemnização no montante de € 2.500,00, correspondente às despesas e honorários suportados com a presente lide. A autora exerceu o contraditório quanto à excepção de caso julgado, pronunciou-se sobre o pedido de condenação como litigante de má-fé e pediu a condenação dos réus a esse título em multa e indemnização nunca inferior a € 5.000,00. Dispensada a realização de audiência prévia, proferiu-se despacho saneador (em 16.06.2023), no qual se afirmou a validade e regularidade da instância, tendo-se julgado improcedente a excepção dilatória de caso julgado invocada pelos réus. Mais se determinou o seguinte objecto do litígio: a) saber se, ao contrário da confissão exarada na escritura pública a autora não recebeu dos réus o preço devido como contrapartida pela transmissão do direito de propriedade; b) saber se, em consequência disso, a autora sofreu danos não patrimoniais graves; c) saber se a autora alegou dolosamente factos desconformes com a verdade. E quanto aos temas da prova, afirmou-se o seguinte: “Estando provado, por documento autêntico, o conteúdo das declarações emitidas pelas partes que corporizam o alegado contrato de compra e venda, a prova deve recair sobre os factos que substanciam as seguintes questões: 1. Não pagamento do preço devido à Autora; 2. Estado de depressão em que a Autora ficou em resultado do não cumprimento dessa obrigação; 3. Pagamento do preço devido à Autora (litigância de má-fé).”. No que respeita aos requerimentos de prova, foi proferido o seguinte despacho: “Requerimentos de prova Consigna-se que, conforme entendido em STJ de 10.12.2022, 286/21.7T8LLE, “há que ter em consideração que o artigo 393.º, n.º 2, do Código Civil, proíbe a produção de prova testemunhal quando o facto estiver plenamente provado, o que sucede, por força do disposto no reinterpretado artigo 358.º, n.º 2, do Código Civil, relativamente à confissão extrajudicial escrita, dirigida à parte contrária. Esta proibição é ainda extensível à prova por presunção judicial, nos termos do artigo 351.º do Código Civil. Considerando esta restrição legal à prova do contrário do que foi confessado em documento escrito dirigido à parte contrária, a força probatória plena conferida pelo artigo 358.º, n.º 2, 2.ª parte, do Código Civil, é uma força probatória plena qualificada, uma vez que ela apenas poderá ceder perante a prova do contrário, desde que esta esteja suportada em meios de prova não proibidos (v.g. por documento ou confissão judicial). Como vimos acima, algumas decisões deste Supremo Tribunal de Justiça, posição que foi seguida pelas decisões das instâncias neste processo, efetuando uma interpretação restritiva da proibição contida no artigo 393.º, n.º 2, do Código Civil, permitem, ainda, na demonstração do contrário do confessado, a utilização de prova testemunhal ou por presunção judicial, como prova complementar de um início de prova escrita, estendendo a interpretação que tem sido seguida quase unanimemente pela jurisprudência e por alguma doutrina, relativamente às proibições de prova que constam do artigo 394.º do Código Civil. Se essa interpretação restritiva é perfeitamente compreensível quando aplicada às proibições de prova estabelecidas no artigo 394.º do Código Civil, ela já não se justifica quando se procura estendê-la às proibições de prova testemunhal contidas no artigo 393.º do mesmo diploma, conforme se explicou na fundamentação do recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.03.2021, que passamos a reproduzir: Efetivamente, apesar da proposta de Vaz Serra constante dos trabalhos preparatórios do Código Civil, no sentido de, expressamente, relativizar a proibição da prova testemunhal nos casos previstos no artigo 394.º do Código Civil, não ter sido acolhida, logo na 1.ª Revisão Ministerial do seu Anteprojeto, ela veio a ser seguida como uma interpretação restritiva justificada daquele preceito, admitindo-se a valoração de prova testemunhal como prova complementar de um início de prova escrita ou retirada de circunstâncias que revelem a existência da declaração negocial a provar. No entanto, esta interpretação restritiva não é extensível à proibição constante do artigo 393.º, do Código Civil, onde as razões que justificam a proibição da prova testemunhal são diversas das que presidem às impostas no artigo 394.º do mesmo diploma. Enquanto no primeiro destes dispositivos se procura assegurar a eficácia da imposição da forma escrita pela lei ou por estipulação das partes, a qual não deve ser fragilizada, no segundo visa-se evitar os perigos da falibilidade e da manipulação, da prova testemunhal, perigos esses que, nesta interpretação, são atenuados pela existência de um início de prova escrita ou de circunstâncias que revelem o facto a provar. Aliás, se consultarmos o articulado proposto por Vaz Serra no seu Anteprojeto verificamos que este apenas relativizava essa proibição para as situações atualmente previstas no artigo 394.º, do Código Civil, delas excluindo as que constam do artigo 393.º, do mesmo diploma, uma vez que o n.º 1, do artigo 49.º (A prova por testemunhas das convenções referidas nos §§ 3.º e 4.º do artigo anterior é admitida quando, em consequência de haver um começo de prova por escrito, proveniente daquele contra quem a ação é dirigida ou do seu representante ou da qualidade das partes, da natureza do contrato ou de outra circunstância, seja verosímil que tenham sido feitas as ditas convenções) apenas se reporta às convenções dos §§ 3.º e 4.º (contrárias ou adicionais ao conteúdo de um documento autêntico ou de um documento particular tido como como verdadeiro ... anteriores ou contemporâneas da formação do documento ou posteriores à sua formação), atualmente referidas no n.º 1, do artigo 394.º, do Código Civil, excluindo deliberadamente as situações referidas nos §§ 1.º e 2.º, do mesmo artigo 48.º (se por disposição da lei ou estipulação das partes, o negócio jurídico dever ser provado por escrito ou for nulo se não revestir a forma escrita ... e quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio pleno de prova), correspondentes ao que atualmente consta dos n.º 1 e 2, do artigo 393.º, do Código Civil. Acresce ainda que, se lermos a fonte que no direito comparado inspirou esta relativização da proibição da prova testemunhal – o artigo 2274., 1), do Código Civil Italiano – verificamos que ele também apenas admite a prova testemunhal como prova complementar nas situações que se encontram previstas nos artigos 2272. e 2273, correspondentes ao disposto no artigo 394.º, n.º 1, do nosso Código Civil, excluindo propositadamente as proibições de prova testemunhal previstas no artigo 2275., correspondente ao artigo 393.º, n.º 1, do nosso Código Civil. Não tem apoio e não se justifica, pois, a extensão da interpretação restritiva, habitualmente feita na leitura do artigo 394.º do Código Civil, às proibições contidas no artigo 393.º, n.º 1 e 2, do Código Civil. Acrescentamos que, no nosso caso, estando nós perante uma confissão com especial força probatória, porque escrita e dirigida à parte contrária, em que a veracidade do seu conteúdo é baseada num raciocínio presuntivo, assente em fortes índices probabilísticos, não seria sensato deixar essa presunção à mercê de falíveis depoimentos testemunhais, mesmo que tenham uma mera função complementar de prova. Além disso, perder-se-ia o efeito pedagógico de responsabilizar as partes pelas declarações que efetuam num ambiente solene e dirigidas ao interessado na obtenção de uma prova segura do seu conteúdo. Assim sendo, concluímos que o artigo 358.º, n.º 2, do Código Civil, confere força probatória plena qualificada à confissão extrajudicial escrita dirigida à parte contrária, que conste de documento autêntico, podendo essa prova ser contrariada, demonstrando-se não ser verdadeiro o facto confessado, estando, contudo, absolutamente proibido que essa demonstração seja obtida através da utilização de prova testemunhal ou por presunção judicial.” Tendo pressente o que antecede: a) Quanto ao 1.º tema da prova: Apenas se admite o requerido depoimento de parte dos Réus. Indeferem-se, portanto, as demais diligência probatórias requeridas. b) Quanto ao 2.º e 3.º tema da prova (este justifica-se apenas pela questão da litigância de má-fé): b)1. Requerimento de prova da Autora (petição inicial): Admite-se o rol de testemunhas. Admitem-se as declarações de parte. Indeferem-se as demais diligências probatórias uma vez que não têm qualquer interesse para os factos que os integram. Sem prejuízo, nota-se, quanto à diligência referida em ii. (que, percute-se, apenas poderia ter lugar no que tange ao 3.º tema da prova), o seguinte: Do teor do art. 429º, resulta que a previsão da notificação da parte contrária para apresentar documento que possua em seu poder, pressupõe: a identificação do concreto documento cuja junção se requer; - a indicação de quais os factos que com o identificado documento se pretende provar; - que se trate de documentos que se encontrem em poder da parte contrária e que a própria parte não consiga obter. Estão em causa documentos que, a existirem e a serem juntos, serão favoráveis à tese dos Réus, pelo que, verdadeiramente, a existirem, a Autora nenhum interesse teria na respetiva junção. Daí poder dizer-se que a Autora pretende demonstrar com o pedido de notificação das Rés para a sua junção é a de que os mesmos não existem, sendo que, caso existissem e a rés procedessem à requerida junção, tal junção ser-lhes-ia favorável. Ora, não é este o objetivo visado pela notificação prevista no artigo 429, como resulta da expressão “quem pretenda fazer uso de documento em poder da parte contrária”, respeitando antes a documento que a parte saiba existir, ao qual não tenha acesso por se encontrar na detenção da parte contrária, e do qual necessite para prova/contraprova de facto desfavorável à contraparte. Neste sentido, RC 5/4/2022, 562/21.9T8VIS-B. Acresce que, como refere Miguel Teixeira de Sousa, “Documentos em poder da parte contrária; obrigação de junção”, disponível em https://blogippc.blogspot.com, configura um venire contra factum proprium o requerimento de junção de documentos que a parte alega não existirem.” * Inconformada com esta decisão, a autora interpôs recurso, a qual, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões, que se transcrevem:“CONCLUSÕES: 1- A Autora discorda do decidido no douto despacho saneador ora recorrido, que indeferiu a prova testemunhal e o pedido de informações e subsequente requisição de documentos melhor elencados em ii), iii), iv) e v) quanto ao primeiro tema de prova, bem como defira o pedido de informações e subsequente requisição de documentos melhor elencados em ii), iii), iv) e v) quanto ao terceiro tema de prova. A) Da violação do dever da descoberta da verdade material: 2- As escrituras públicas como documentos autênticos que são (art. 371º do CC) fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora. 3- Tal força probatória não se estende, porém, à veracidade, realidade ou verosimilhança das declarações dos outorgantes-intervenientes. 4- A prova de que as declarações produzidas pelos outorgantes em presença do oficial público (notário) não correspondem à verdade, não implica a necessidade de arguir a falsidade do documento por ele elaborado. 5- O preço e respetivo pagamento só estarão cobertos pela força probatória plena do documento autêntico se o notário tiver atestado esse facto através de perceção sua (direta), ou seja, que tal pagamento haja sido feito na sua presença. 6- Neste sentido, há que distinguir entre confissão e admissão ou mera declaração de um facto (ou situação factual): assim, a declaração constante de uma escritura de compra e venda na qual é mencionado pelo vendedor o recebimento do preço, não pode ser havida como confissão, por não conter a admissão pelo declarante da veracidade de tal recebimento; a materialidade da declaração é indiscutível, porém o respetivo conteúdo, porque não atestado pelo oficial público, é passível de demonstração/impugnação, designadamente, através de prova testemunhal. (Veja-se neste sentido os Acórdãos do STJ de 09.06.2005) 7- No mesmo sentido se pronunciou o Ac. do STJ, de 02.03.2011, Revista nº888/07.4TBPTL.G1.S1, Relator João Bernardo, em que refere “trata-se dum caso de "simples interpretação do contexto do documento", como refere o n°3 do artigo 393º, subtraindo-a às limitações quanto a produção de prova. Aliás, sobre a não limitação precisamente em casos como este, é particularmente concludente o mencionado artigo de Vaz Serra, referindo, por sua vez, Lebre de Freitas (ob. citada, agora na página 758) que: “A prova do vício da confissão pode fazer-se por qualquer meio.”". 8- Fora do documento – e do seu valor probatório pleno – há então que procurar o verdadeiro sentido e alcance que a declaração comporta (veja-se o Ac. deste STJ de 2 de Fevereiro de 2010 - Salazar Casanova - na revista nº1272/03.4TBTNV.C1.S1), a sinceridade, veracidade ou validade da declaração emitida (emissão, de modo autêntico, assegurada). 9- A declaração de que recebeu o preço vale – e vale com força probatória plena – e vale com o facto, o recebimento, que está dentro dela, porquanto é um facto desfavorável à Autora. 10- Mas não mais do que isso: ela valerá se, e enquanto, a declarante não alegar – e provar - que a declaração não contém dentro o facto que declaradamente diz conter. 11- Sendo certo que, a Autora pretende demonstrar que tal declaração não tem suporte sério na realidade factual verbalizada, podendo fazer a prova por qualquer forma, inclusive, através da prova testemunhal. 12- Foi assim mesmo decidido no Ac. do STJ de 15.04.2015 (processo nº 28247/10.4T2SNT-A-L1.S1 – Relator Pires da Rosa), onde se considera que a declaração por parte do vendedor de que já recebeu o preço admite a prova da sua não correspondência à verdade, cumprindo ao vendedor o ónus da prova desse facto que pode ser feita por qualquer forma máxime a prova testemunhal. 13- Pelo que, o requerimento da prova testemunhal deve ser deferido, quanto ao primeiro tema de prova. B) Da violação do princípio do dispositivo e do inquisitório: 14- O poder-dever de requisição, conferido/imposto ao Tribunal pelos arts. 411º, 417º, nº1, 429º e 436º do CPC, pressupõe que os documentos ou elementos requisitados sejam (objetivamente) necessários ao esclarecimento da verdade, o que só pode aferir-se pela possibilidade de os requeridos meios de prova relevarem para a formação da convicção do julgador relativamente aos factos que careçam de prova. 15- A autora requereu na sua petição inicial: ii) a notificação dos Réus para juntarem aos autos o comprovativo do eventual pagamento; iii) a notificação da entidade competente de água e eletricidade, para informar quem procedeu até 2018, ao pagamento dos consumos; iv) notificação do cartório para juntar os comprovativos de quem pagou a escritura; v) notificação da Repartição de Finanças, com a informação de quem pagou o IMT e imposto de selo. 16- Na verdade, aplicando o preceito ao caso vertente, apresenta-se claro que os factos que a parte pretende provar assumem relevo para a decisão de mérito da causa. 17- Recordemos que a autora alega que apesar de constar da escritura de compra e venda que recebeu o pagamento, a verdade é que tal pagamento nunca foi feito. 18- Assim, a prova de que o preço referido na escritura notarial nunca foi pago (essa quantia nem existia na conta dos compradores, nem deu entrada na conta dos vendedores, como diz a autora) ou a prova de que foi efetivamente pago (como dizem os réus), que a parte requerente pretende ver provados com o pedido de informações e subsequente requisição de documentos, assumem capital importância para a instrução do processo. 19- Pelo que, as diligências probatórias requeridas pela Autora em ii), iii), iv) e v), por serem meios de prova necessários e pertinentes, devem ser deferidos. 20- O douto despacho recorrido, decidindo como decidiu, violou, frontalmente, o disposto nos artigos 6º, 7º, nº4, 411º, 417º, 429º, 432º e 436º, nº1 todos do CPC e artigos 352º, 358º, nº2 e 371º, nº1 todos do CC. 21- Pelo que, deve ser proferido douto acórdão que revogando o douto despacho recorrido, defira as diligências probatórias requeridas pela Autora, mormente, a prova testemunhal e o pedido de informações e subsequente requisição de documentos melhor elencados em ii), iii), iv) e v) quanto ao primeiro tema de prova, bem como defira o pedido de informações e subsequente requisição de documentos melhor elencados em ii), iii), iv) e v) quanto ao terceiro tema de prova, com as legais consequências. Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis, que Vªs Exªs doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser revogado o douto despacho recorrido, substituindo-o por outro que defira as diligências probatórias requeridas pela Autora, mormente, a prova testemunhal e o pedido de informações e subsequente requisição de documentos melhor elencados em ii), iii), iv) e v) quanto ao primeiro tema de prova, bem como defira o pedido de informações e subsequente requisição de documentos melhor elencados em ii), iii), iv) e v) quanto ao terceiro tema de prova, com as legais consequências. Assim decidindo, farão Vªs Exªs, Venerandos Desembargadores, a habitual JUSTIÇA!”. * Não consta dos autos que os réus tenham contra-alegado. * O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo. * Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * II. Questões a decidir. Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal são: - saber da possibilidade de a autora efectuar prova testemunhal de que não recebeu a quantia correspondente ao pagamento resultante do contrato de compra e venda que celebrou com os réus, por constar da escritura pública que a autora, nesse acto, declarou já haver recebido aquela quantia; - saber da relevância da requerida prova documental. * III. Fundamentação de facto.Os factos materiais relevantes para a decisão da causa são os que decorrem do relatório supra. Mais releva para a decisão a proferir, que a autora requereu na sua petição inicial: ii) a notificação dos réus para juntarem aos autos o comprovativo do eventual pagamento; iii) a notificação da entidade competente de água e eletricidade, para informar quem procedeu até 2018, ao pagamento dos consumos; iv) notificação do cartório para juntar os comprovativos de quem pagou a escritura; v) notificação da Repartição de Finanças, com a informação de quem pagou o IMT e imposto de selo. * IV. Fundamentação de direito. 1. Vejamos então se é permitido à autora/apelante produzir prova testemunhal de que não recebeu a quantia correspondente ao pagamento resultante do contrato de compra e venda que celebrou com os réus, por constar da escritura pública que a autora, nesse acto, declarou já haver recebido aquela quantia. Seguindo a tese sufragada no Ac. do STJ, de 10.12.2022, proc. n.º 286/21.7T8LLE.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt, de que a confissão extrajudicial escrita dirigida à parte contrária, que conste de documento autêntico, tem força probatória plena qualificada, podendo essa prova ser contrariada através da falta ou de um vício da vontade na emissão dessa declaração ou através da demonstração de não ser verdadeiro o facto confessado; sendo contudo absolutamente proibido que essa demonstração tenha lugar por via de prova testemunhal ou por presunção judicial, entendeu-se no despacho apelado indeferir a produção de prova testemunhal requerida sobre o tema da prova enunciado sob o n.º 1, a respeito do não pagamento do preço alegado pela autora, tendo sido exclusivamente admitido, sobre o mesmo, a audição dos réus enquanto depoentes de parte. Invoca a apelante que a escritura apenas prova que a autora declarou o que efectivamente declarou, ou seja, sendo a escritura pública um documento autêntico, apenas faz prova plena dos factos que refere como praticados pelo notário, assim como dos factos que nela são atestados por ele com base nas suas percepções, não fazendo prova daqueles factos que constituem objecto de declarações de ciência produzidas perante a autoridade (notário), como é o caso, por exemplo, da entrega, antes da escritura, do preço da compra e venda pelo comprador ao vendedor. Por essa razão, entende a apelante que não pode, assim, a escritura, no caso concreto, fazer prova plena da existência de qualquer pagamento, que não foi directamente percepcionado pelo notário. A apelante labora em erro, uma vez que o que está em causa nestes autos não é essa questão. O que releva no caso concreto é saber se a declaração que se contém na escritura constitui uma confissão extrajudicial que se considera provada nos termos aplicáveis aos documentos autênticos e que, se for feita à parte contrária, tem força probatória plena. A jurisprudência dos Tribunais Superiores sobre a força probatória de uma declaração deste tipo, exarada na escritura pública de outorga de um contrato, em que uma das prestações corresponde ao pagamento da quantia que o declarante afirmou ter recebido, tem sido em vários sentidos. Para uns, a inveracidade do declarado, mesmo sem a prova da existência de um vício da vontade, pode ser demonstrada por meios de prova qualificados, não sendo admitida a prova testemunhal, nem por presunções (cfr. entre outros Ac. STJ de de 07.10.2020, relator Tomé Gomes, disponível in www.dgsi.pt). Para outros, é admissível que para a prova da inveracidade possa recorrer-se a depoimentos testemunhais com uma valia meramente complementar de um início de prova escrita (cfr. entre outros Ac. STJ de 17.12.2015, relator Abrantes Geraldes disponível in www.dgsi.pt). Para outros ainda, apenas é admissível que a inveracidade de uma declaração deste tipo possa ser demonstrada através da prova da mesma ter resultado de um vício da vontade que determine a sua anulação (cfr. entre outros Ac. STJ de 14.05.2019, relator Raimundo Queirós, disponível in www.dgsi.pt). Vejamos a nossa posição na matéria. Resulta do disposto pelo art. 358.º nº 2, do Cód. Civil, que a confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena. Já do disposto pelo art. 359.º nº 1, do mesmo diploma legal, resulta que a confissão, judicial ou extrajudicial, pode ser declarada nula ou anulada, nos termos gerais, por falta ou vícios da vontade, mesmo depois do trânsito em julgado da decisão, se ainda não tiver caducado o direito de pedir a sua anulação. Por seu lado, o art. 393.º nº 1, do Cód. Civil, dispõe que se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal (n.º 1); também não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena (n.º 2). E o artigo 394.º nº 1, do mesmo diploma legal, dispõe que é inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objeto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores. Como se disse no relatório acima, com a propositura da presente acção a autora pretende que os réus sejam condenados a pagar-lhe a quantia de € 227.073,73, correspondente ao preço devido (e respetivos juros) como contrapartida pela transmissão do direito de propriedade que, através de contrato de compra e venda, celebrado por escritura pública de 17 de Julho de 2012, lhes fez do direito de propriedade sobre os vários prédios. Para tanto, alegou, em síntese, que: por escritura pública celebrada no dia 17 de Julho de 2012, a autora vendeu aos réus o direito de propriedade sobre os prédios urbanos e rústico identificados em 1.º da petição inicial, e o recheio do segundo dos prédios urbanos ali referidos e que, ao contrário do que declarou nessa escritura, nunca recebeu dos réus o referido preço (global de € 158.875,00), o qual deveria ser pago no prazo de oito dias. A autora não invocou a existência da falta ou de um vício da vontade para obter a invalidação daquela declaração confessória, nos termos do artigo 359.º do Cód. Civil, não alegando qualquer facto que pudesse integrar essa causa de pedir. Ou seja, não invocou a autora/apelante qualquer circunstância que revelasse a ausência de vontade declarativa ou um qualquer vício que afectasse essa vontade, designadamente os elementos de uma declaração desprovida de seriedade (artigo 245.º do Cód. Civil). A declaração na escritura de compra e venda, segundo a qual a autora já havia recebido dos réus o valor dos prédios vendidos, enquanto declaração de quitação, corresponde à confissão extrajudicial do recebimento dessa quantia, por parte da autora, uma vez que esta reconhece a realidade desse facto, o qual tem consequências jurídicas que lhe são desfavoráveis (artigo 352.º, n.º 1, do Cód. Civil). Como se diz no citado acórdão do STJ de 10.11.2022, relatado pelo Sr. Conselheiro João Cura Mariano, em que se baseou a decisão apelada e que passamos a seguir de perto, por tratar de caso semelhante ao dos autos, e por perfilharmos tal posição, cabe seguidamente apurar o grau de força probatória de uma confissão extrajudicial que consta de uma escritura pública, feita perante a parte contrária, face à diversidade de posições nesta matéria. Do disposto pelo art. 358.º nº 2 do Cód. Civil, já acima citado, resulta que a confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena. Na 1.ª parte deste preceito estabelece-se que a prova da emissão da declaração confessória resulta do funcionamento das regras probatórias aplicáveis ao tipo de documento onde ela se insere. Esta parte do dispositivo apenas se refere à prova de que a declaração confessória foi emitida e não à prova da veracidade do que foi confessado. No caso dos autos, a emissão dessa declaração está plenamente provada por constar de um documento autêntico, como resulta do disposto pelo art. 371.º n.º 1 do CPC, não tendo sido arguida a sua falsidade (pois que a invocada não correspondência com a realidade, do facto declarado pela autora naquela escritura, não equivale à não correspondência do relato do conteúdo daquela com o que foi efetivamente declarado). Na 2.ª parte do mesmo preceito (art. 358.º nº 2 do Cód. Civil) estabelece-se que, se a declaração confessória for feita à parte contrária, ela tem força probatória plena relativamente aos factos nela admitidos. Aqui sim, indica-se o valor probatório da confissão efectuada nas circunstâncias descritas relativamente ao seu conteúdo. A prova é plena. Assim, tendo sido efectuada a declaração emitida pela autora do pagamento do valor dos prédios, na presença e dirigida aos réus, a parte interessada na emissão da declaração de quitação, a qualificação da força probatória dessa declaração confessória é como plena. No entanto, tal qualificação não é totalmente elucidativa, como resulta da própria definição deste grau de força probatória constante do art. 347.º do Cód. Civil – a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objeto, sem prejuízo de outras restrições especialmente determinadas na lei. Ora, como se diz no Ac. do STJ que vimos seguindo, essas outras restrições, às quais se refere o art. 347.º na sua parte final, podem conferir graus de força probatória diferenciados a meios de prova dotados de força probatória plena. Se a lei impede o recurso a determinados meios de prova para demonstração do contrário do confessado, a confissão tem uma força probatória plena, mas qualificada, e se a restrição legal impede mesmo a prova do contrário, então a confissão tem uma força probatória pleníssima. Pese embora a dotação de um grau de força probatória reforçado à confissão extrajudicial escrita efetuada à parte contrária já fosse adiantada pela doutrina anteriormente, foi o Código Civil de 1966 que, chamando a si a exclusividade da regulamentação substantiva dos meios de prova designadamente da confissão, verteu no seu art. 358.º n.º 2, aquela posição doutrinária. E, apesar de, tal como veio a constar da versão final do Cód. Civil de 1966, no seu art. 358.º, se qualificar a força probatória da confissão, quer judicial (n.º 1), quer extrajudicial escrita feita à parte contrária (n.º 2), de simplesmente plena, nas explicações dadas por Vaz Serra a confissão judicial é verdadeiramente “uma prova pleníssima, visto não admitir, em regra, prova do contrário, sendo, por este motivo declarada regina probationum, probatio probatissima ou omnium probationum maxima” (In Provas (Direito Probatório Material), no B.M.J. n.º 111, pág. 17), pelo que deve ser-lhe conferida força probatória pleníssima, estando, por isso, imune à prova do contrário (o que não significa que o acto confessório não possa ser invalidado, demonstrando-se que ao mesmo presidiu uma falta ou um vício da vontade, nos termos do art. 359.º do Cód. Civil, sem quaisquer restrições probatórias). E, como continua a explicar-se no Ac. do STJ que vimos seguindo, é com esse significado original que alguns autores continuam a ler o n.º 2 do art. 358.º do Cód. Civil, nele se revendo algumas decisões dos tribunais superiores. Contudo, não é essa a leitura que grande parte da Jurisprudência tem seguido, procurando atenuar a força probatória da confissão extrajudicial, mesmo que feita em documento escrito dirigido à parte contrária, em prol da verdade material. Assim, a atribuição de força probatória qualificada à confissão encontra a sua justificação no facto de ser um dado da experiência comum que há toda a probabilidade de o facto confessado ser verdadeiro, dado que é um facto cujas consequências jurídicas são prejudiciais à própria pessoa que o admite como correspondendo à realidade (cfr. Lebre de Freitas, in A Ação Declarativa Comum à Luz do Código Civil de 2013, 4.ª ed., Gestlegal, 2017, pág. 295-296) justificando-se a força probatória reforçada da confissão judicial e da confissão extrajudicial escrita feita à parte contrária, pela maior consciência das consequências jurídicas do facto admitido e da ponderação e da seriedade exigidas pelo formalismo adoptado, considerando os termos e circunstâncias em que é feita a confissão (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, 1987, pág. 318). E, quanto à confissão extrajudicial escrita feita à parte contrária, acresce a circunstância de, apesar de não ser uma declaração receptícia ela ser idónea a conferir uma confiança no seu destinatário, não só da verificação do facto confessado, mas também da garantia da sua prova, resultante da sua admissão formal. Ora, tal justifica uma leitura actualística do disposto no art. 358.º n.º 2 do Cód. Civil, aproveitando a equivocidade da expressão “força probatória plena”, de modo a permitir que, apesar de existir uma confissão escrita de um facto dirigida à parte contrária, seja possível ao confitente demonstrar que, apesar da declaração confessória emitida, esse facto não é verdadeiro, não sendo a força probatória dessa declaração confessória pleníssima, para além de ser sempre possível invocar a invalidade da confissão, por se verificar um caso de falta ou vício da vontade do confitente. Contudo, o art. 393.º n.º 2 do Cód. Civil, proíbe a produção de prova testemunhal quando o facto estiver plenamente provado, o que se verifica, por força do disposto no reinterpretado art. 358.º n.º 2 do Cód. Civil, relativamente à confissão extrajudicial escrita, dirigida à parte contrária (sendo esta proibição ainda extensível à prova por presunção judicial, nos termos do art. 351.º do Cód. Civil). Nesta medida, considerando esta restrição legal à prova do contrário do que foi confessado em documento escrito dirigido à parte contrária, a força probatória plena conferida pelo art. 358.º n.º 2, 2.ª parte do Cód. Civil, é uma força probatória plena qualificada, uma vez que ela apenas poderá ceder perante a prova do contrário, desde que esta esteja suportada em meios de prova não proibidos (v.g. por documento ou confissão judicial). É esta a posição que seguimos. E tal entendimento não fica abalado pela posição de quem segue uma interpretação restritiva da proibição contida no art. 393.º n.º 2 do Cód. Civil, no sentido de permitir ainda, para a demonstração do contrário do confessado, a utilização de prova testemunhal ou por presunção judicial, como prova complementar de um início de prova escrita. É que, tal como no Ac. do STJ que vimos seguindo, também entendemos que essa interpretação restritiva é perfeitamente compreensível quando aplicada às proibições de prova estabelecidas no art. 394.º do Cód. Civil, mas já não se justifica quando se procura estendê-la às proibições de prova testemunhal contidas no art. 393.º do mesmo diploma, “onde as razões que justificam a proibição da prova testemunhal são diversas das que presidem às impostas no artigo 394.º do mesmo diploma. Enquanto no primeiro destes dispositivos se procura assegurar a eficácia da imposição da forma escrita pela lei ou por estipulação das partes, a qual não deve ser fragilizada, no segundo visa-se evitar os perigos da falibilidade e da manipulação, da prova testemunhal, perigos esses que, nesta interpretação, são atenuados pela existência de um início de prova escrita ou de circunstâncias que revelem o facto a provar”. Tal é também o que resulta do articulado proposto por Vaz Serra no seu Anteprojeto (onde apenas relativizava essa proibição para as situações atualmente previstas no art. 394.º, do Cód. Civil, delas excluindo as que constam do art. 393.º, do mesmo diploma) e da fonte no direito comparado que inspirou esta relativização da proibição da prova testemunhal (o art. 2274., 1), do Código Civil Italiano). Nesta medida, entendemos também que não tem apoio e não se justifica, a extensão da interpretação restritiva, habitualmente feita na leitura do art. 394.º do Cód. Civil, às proibições contidas no artigo 393.º n.º 1 e 2 do mesmo diploma legal. Para além disso, se se entendesse o contrário, perder-se-ia o efeito pedagógico de responsabilizar as partes pelas declarações que efectuam num ambiente solene e dirigidas ao interessado na obtenção de uma prova segura do seu conteúdo. Em conclusão, é nosso entendimento que o art. 358.º n.º 2 do Cód. Civil, confere força probatória plena qualificada à confissão extrajudicial escrita dirigida à parte contrária, que conste de documento autêntico, podendo essa prova ser contrariada, demonstrando-se não ser verdadeiro o facto confessado, estando, contudo, absolutamente proibido que essa demonstração seja obtida através da utilização de prova testemunhal ou por presunção judicial. No caso dos autos, a autora/apelante declarou na escritura pública de compra e venda, ter recebido o valor devido. Aquela declaração corresponde à admissão de um facto que era desfavorável à autora e favorece a parte contrária, os réus. Feita em documento autêntico, ficou não só assente a autoria dessa declaração, como a sua natureza confessória, extrajudicial e dirigida à parte contrária; e, por isso, passou tal confissão a gozar de força probatória plena qualificada, que desse modo cobriu, não apenas a autoria das declarações emitidas pela autora no dito documento autêntico, como igualmente o conteúdo do facto confessado, isto é, o efectivo recebimento por ela do preço que lhe era devido. Assim, estando aquele efectivo recebimento do preço plenamente provado, não é admissível a demonstração do seu contrário (a sua inexistência) por meio de prova testemunhal, nos termos dispostos pelo o art. 393.º n.º 2 do Cód.Civil. Improcede, pois, nesta parte a apelação. * 2. Mais entende também a autora/apelante que deve ser deferido o pedido de informações e subsequente requisição de documentos que solicitou na sua p.i., pois que os factos que pretende provar assumem relevo para a decisão de mérito da causa. Como é sabido, a produção prova integra a actividade que se destina à formação da convicção do juiz em sede de julgamento dos factos necessitados de prova, porque controvertidos (cfr. artº 410º, do CPC, e tendo presente o disposto no artº 5º, nº1, do mesmo diploma legal). Tal actividade recai sobre a parte onerada, nos termos previstos pelo art. 342º do Cód. Civil, e sob pena de, não a logrando produzir, inevitável é que não possa o facto – que lhe aproveita – ser julgado provado (cfr. artºs 341º a 344º, e 346 º, todos do Cód. Civil e artº 516 do CPC). Dispõe o artº 410º do CPC, sob a epígrafe de “Objecto da instrução” que: “A instrução tem por objecto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova”. O artº 413º do mesmo diploma, sob a epígrafe de “Provas atendíveis”, diz-nos que “O tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feita por certo interessado”. Por força do disposto no artº 415º nº1 do CPC, e salvo disposição em contrário, “(…) não são admitidas nem produzidas provas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas”. O artigo 423.º do CPC, dispõe: “1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes. 2 - Se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado. 3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.”. E o art. 429º do mesmo diploma legal, reza: “1 - Quando se pretenda fazer uso de documento em poder da parte contrária, o interessado requer que ela seja notificada para apresentar o documento dentro do prazo que for designado; no requerimento, a parte identifica quanto possível o documento e especifica os factos que com ele quer provar. 2 - Se os factos que a parte pretende provar tiverem interesse para a decisão da causa, é ordenada a notificação”. Finalmente o art. 436.º, prevê: “1 - Incumbe ao tribunal, por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer das partes, requisitar informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objetos ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade. 2 - A requisição pode ser feita aos organismos oficiais, às partes ou a terceiros.”. A autora requereu na sua petição inicial: ii) a notificação dos réus para juntarem aos autos o comprovativo do eventual pagamento; iii) a notificação da entidade competente de água e eletricidade, para informar quem procedeu até 2018, ao pagamento dos consumos; iv) notificação do cartório para juntar os comprovativos de quem pagou a escritura; v) notificação da Repartição de Finanças, com a informação de quem pagou o IMT e imposto de selo. Os temas de prova para que foram indicados tais meios de prova foram os seguintes: 1. Não pagamento do preço devido à autora; 3. Pagamento do preço devido à autora (litigância de má-fé). Considerando tais temas de prova, parece-nos clara a falta de razão da autora/apelante. Pese embora tenha razão quando refere que os factos que pretende provar são muito relevantes (que o são, pois que são os subjacentes aos temas da prova), a verdade é que a documentação que pretende ver junta aos autos não tem qualquer relevância para a prova dos mesmos. Desde logo porque é completamente indiferente à sorte da lide saber quem procedeu até 2018, ao pagamento dos consumos de água e eletricidade. Igualmente totalmente indiferente é saber quem pagou a escritura ou quem pagou o IMI e imposto de selo. Dessas informações nunca poderá resultar se efectivamente os réus procederam ou não ao pagamento do valor constante da escritura. E quanto à pretendida notificação dos réus para proceder à junção aos autos de documento comprovativo do eventual pagamento, a mesma mostra-se absolutamente desnecessária, considerando que os réus, no art. 41º da sua contestação alegaram que pagaram o preço à autora/apelante, em numerário. Improcede, pois, totalmente a apelação. * Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC): I. O art. 358.º n.º 2 do Cód. Civil, confere força probatória plena qualificada à confissão extrajudicial escrita dirigida à parte contrária, que conste de documento autêntico, podendo essa prova ser contrariada, demonstrando-se não ser verdadeiro o facto confessado, estando, contudo, absolutamente proibido que essa demonstração seja obtida através da utilização de prova testemunhal ou por presunção judicial. II. Quando a prova documental que se pretende ver junta aos autos não tem qualquer relevância para a prova dos factos em discussão, não deve ser admitida a sua requisição. III. É inútil a requerida notificação da parte contrária para juntar aos autos documento comprovativo de um pagamento, quando esta já declarou que tal pagamento foi feito em numerário. * V. Decisão.Perante o exposto, acordam os Juízes da 3ª secção cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando, em consequência, o despacho recorrido. Custas da apelação a cargo da apelante. * Guimarães, 19 de Dezembro de 2023 Assinado electronicamente por: Fernanda Proença Fernandes Paula Ribas José Manuel Flores (O presente acórdão não segue na sua redacção as regras do novo acordo ortográfico com excepção das “citações/transcrições” efectuadas que o sigam) |