Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
| Processo: |
| ||
| Relator: | MARIA LEONOR BARROSO | ||
| Descritores: | CONTRATO DE TRABALHO CADUCIDADE IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE ABSOLUTA E DEFINITIVA | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 02/06/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | SECÇÃO SOCIAL | ||
| Sumário: | A caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente definitiva e absoluta de o trabalhador prestar atividade laboral depende apenas da verificação do evento que a causa (no caso doença profissional). | ||
| Decisão Texto Integral: | I - RELATÓRIO AA instaurou a ação declarativa sob a forma de processo comum laboral contra “EMP01..., Ltª.”, Pediu a condenação da ré a: reconhecer a nulidade e/ou ilicitude da invocada caducidade do contrato de trabalho efectuada através de carta de 21 de Fevereiro de 2020; a pagar-lhe a quantia liquida de €109.175,07 a título de créditos laborais;a pagar-lhe as retribuições que se vencerem desde a data da instauração desta acção até ao trânsito em julgado da sentença; a pagar-lhe o montante que teria auferido a título de subsídio de desemprego desde a data do despedimento; a pagar à S. Social todas as quantias devidas pelas contribuições desde a data da alta até à cessação do contrato de trabalho; Juros e mora, vencidos e vincendos, à taxa legal. Causa de pedir - alega que: trabalhou para a ré exercendo funções de pedreiro, que envolviam a extracção e fragmentação de pedra; contraiu a doença profissional “silicose pulmonar”, estando a ser acompanhado por várias entidades de saúde; por tal motivo, esteve com incapacidade temporária para o trabalho por doença profissional, entre ../../2016 até ../../2018; apresentou-se ao serviço mas estava proibido por ordens médicas, a expor-se a poeira sílica; a Ré recusou-se a atribuir-lhe função compatível com o seu estado de saúde e mandou-o para casa sem lhe atribuir funções; apresentou-se, por diversas vezes, em vão, ao serviço da Ré; esta nunca mais lhe efectuou qualquer pagamento, fosse a que título fosse; nunca mais foram pagos à Segurança Social quaisquer descontos, pelo que por força de tal omissão, viu-se privado do direito ao benefício do subsídio de desemprego assim que viu cessado o seu contrato de trabalho, por comunicação unilateral da Ré, relegando para mais tarde a liquidação do valor; em 25-10-2019, foi convocado pela ré para consulta no âmbito da Segurança, Higiene e Saúde do trabalho; foi emitida pela médica a participação obrigatória de Protecção na Doença Profissional onde consta “Doença profissionalpresumível(pré-diagnóstico): Silicose pulmonar”; “Riscos a que está sujeito ou produtos com que trabalha nocivos à saúde: Poeira Sílica”; por carta de 21 de Fevereiro de 2020 a ré comunicou-lhe a cessação do contrato de trabalho, “por motivo de caducidade relacionada com a impossibilidade superveniente, definitiva e absoluta da prestação da actividade para a qual foi contratado”; a invocação de caducidade é infundada e equivale a um despedimento ilícito, com as necessárias consequências legais; mesmo que se tivesse verificado e comprovado que não era possível à Ré assegurar-lhe ocupação compatível com o seu estado, sempre aquela não cumpriu os trâmites legais, porque não solicitou parecer ao serviço público competente na área do emprego e formação profissional previsto no artigo 161º do CT, o que gera nulidade da comunicação é equivale a despedimento; ainda que se entenda que a declaração de caducidade é válida, sempre o autor deve ser indemnizado nos termos gerais por facto ilícito, tendo-se por adequada indemnização equivalente a despedimento ilícito; a cessação ilícita do contrato causou-lhe danos morais reclamando indemnização; tem direitos a outros créditos laborais, como as retribuições, férias, subsídio de férias e de Natal, que a ré não lhe pagou entre o regresso da “baixa” e a cessação do contrato; reclama €1.379,61 por alegadamente a ré nunca lhe ter dado formação; nunca gozou as férias vencidas em 2016, 2017, 2018, 2019, 2020, nem gozou os dias (proporcionais) referentes ano ano da cessação, valores que reclama a que acresce os subsídios de férias não pagos; a ré, com a cessação ilícita do contrato, violou o direito a férias reclamando pagamento em triplo. A ré contestou, impugnado a matéria. O autor nunca lhe apresentou a documentação comprovativa da alta e a única explicação que lhe dava é que não trabalhava por não ter condições físicas que lhe permitissem regressar e exercer as funções; a ré não exigiu a documentação atenta a relação de confiança entre as partes; foi o autor quem pretendeu por fim ao contrato de trabalho por questões de saúde e queria que a ré lhe assinasse documento para obter fundo de desemprego; a ré não dispunha de outro posto de trabalho. A ré não pagou as retribuições na convicção de que o autor estava de baixa médica. Perante a situação a ré comunicou a cessação da caducidade do contrato. As retribuições não são devidas, quer pelo facto de o A. não ter prestado qualquer atividade, quer pelo facto de, supostamente, e como sempre referiu perante a Ré, se encontrar de baixa médica. No ano de 2016 o autor esteve de férias e em 31/07/2016 recebeu o Subsidio de férias- doc. 10 contestação. Já as férias, subsídio de férias e subsídio de natal respeitantes ao período compreendido entre 15 de junho de 2016 até ../../2020 não são devidas pois o contrato encontrava-se suspenso. Concluiu pela improcedência da acção. Procedeu-se a julgamento. Foi proferida sentença ora alvo de apelação, com o seguinte teor: “Julgar a Acão apenas parcialmente procedente, improcedendo na parte restante, pelo que a R. vai condenada a pagar ao A. a quantia ilíquida de €30.792,30, a titulo de retribuições, subsídio de férias e de Natal devidas desde 12/6/2018 até 21 de Fevereiro de 2020, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal. Vai a R. absolvida de tudo o restante peticionado. Custas por A. e R. – na proporção do respectivo decaimento e sem prejuízo do apoio judiciário.” FOI INTERPOSTO RECURSO PELO AUTOR. CONCLUSÕES: CONCLUSÕES (…) 61. Decidindo de modo diverso, e sem prejuízo do douto suprimento, fez a sentença recorrida má aplicação do direito aos factos provados e violou, além de outras: - as normais legais contidas nos artigos 283, nº 10 e 342º b) do CT; - os artigos 155º e seguintes (nomeadamente 161º) da LAT; - os princípios constitucionais da legalidade – art. 3º CRP – segurança no emprego – art. 53º CRP – direito ao trabalho – 58º CRP – ao direito dos trabalhadores a assistência e justa reparação quando vítimas de acidente de trabalho ou doença profissional – art. 59º, nº 1, f) CRP, além dos demais julgados aplicáveis; - as normas dos artigos 483º e seguintes e 799º e seguintes do Código Civil. 62. Quanto ao restante que não posto em crise nas presentes alegações de recurso, deve manter-se o doutamente decidido pelo Tribunal de Primeira Instância. Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e proferindo-se, em sua substituição, Douto Acórdão, que esteja em conformidade com as conclusões supra-formuladas.... CONTRA-ALEGAÇÃO - sustenta-se a improcedência da apelação. PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO – sustenta-se que deve ser dado provimento parcial ao recurso no que respeita à dedução do subsídio de desemprego. RESPOSTA AO PARECER - a ré reitera que só em julgamento poderia, através de testemunhas, provar os rendimentos que o autor possa ter auferido. O recurso foi apreciado em conferência – art. 659º, do CPC. QUESTÕES A DECIDIR [1]: Questões a resolver: (i)licitude da cessação do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o autor prestar a sua actividade; indemnização do Autor nos termos gerais, por prática de facto ilícito gerador de danos, incluindo danos morais; rectificação do cálculo quanto a valores atribuídos ao autor, mormente a título de férias, subsidio de férias e de natal; pagamento das quantias que o Autor deixou de auferir a título de subsídio de desemprego; II - FUNDAMENTAÇÃO 1 – O A. foi admitido ao serviço da R. em 15/4/2015 para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização exercer as funções de pedreiro, com a retribuição mensal ilíquida de €1.419,00, acrescida de €5,37/dia a título de subsídio de alimentação. 2 – Exerceu ininterruptamente esta actividade para a R. até ao dia 15 de Junho de 2016, data em que entrou de baixa médica, por doença profissional, tendo-lhe sido dada alta no dia 11 de Junho de 2018, com a IPP de 10,50%, por fibrose pulmonar. 3 – No dia 12 de Junho de 2018, o A. apresentou-se ao serviço, nos escritórios da R., onde entregou a documentação comprovativa da alta, e informou que não podia estar exposto a poeira sílica. 4 – Nessa altura, foi-lhe dito que iriam analisar a sua situação, e para aguardar em casa. 5 – Como a R. não o contactava, o A. apresentou-se por diversas vezes naqueles mesmos escritórios, sempre lhe tendo respondido nos termos referidos em 4). 6 – A R. apenas convocou o A. para consulta de medicina e saúde no trabalho em Outubro de 209, consulta esta que se realizou no dia 25 de Outubro de 2019. 7 – Na ficha de aptidão que resultou dessa consulta, ficou a constar se encontra definitivamente inapto para a sua profissão de pedreiro, por força de doença profissional. 8 – O A. enviou à R. a carta que constitui o documento nº. 9 junto com a p.i., datada de 11 de Fevereiro de 2020 (e que aqui se dá por integralmente reproduzida). 9 – A R. respondeu através da carta de 14 de Fevereiro de 2020 (documento nº. 10 junto com a p.i. e que aqui se dá por integralmente reproduzido). 11 – Na sequência dessa carta, o A. deslocou-se às instalações da R. no dia 19 de Fevereiro de 2020, onde a R. lhe apresentou o documento junto com a p.i. com o nº. 11, que aqui se dá por integralmente reproduzido. 12 – No dia 21 de Fevereiro de 2020, a R. enviou ao A. carta c/ar, na qual lhe comunicava a caducidade do contrato de trabalho, por impossibilidade superveniente, definitiva e absoluta da prestação da sua actividade laboral. 13 – O quadro de pessoal da R. é apenas constituído por pedreiros, não tendo qualquer outro posto de trabalho. 14 – Desde a data referida em 3), até à comunicação referida em 12), a R. não efectuou qualquer pagamento ao A., nem procedeu aos correspondentes descontos para a S. Social. 15 – Em consequência da cessação do seu contrato de trabalho, o A. ficou triste e desanimado. 16- A ré pagou ao autor em Julho de 2016 a quantia de 1.419€ a título de subsidio de férias e em Dezembro de 2016 a quantia de 709,50€ a título de proporcionais do subsidio de natal ( doc. emitido pelo ISS)- aditado. 17- Em 2015, pagou ao autor as rubricas que constam no mesmo documento a título de proporcionais de subsidio de férias e de natal - aditado. Factos não provados: - que a R. nunca tenha proporcionado formação profissional ao A.; - que, em Setembro de 2019, o A. tenha dito à R. que queria cessar o contrato de trabalho, pedindo que lhe fosse entregue uma declaração para obter o subsídio de desempego e paga uma compensação por antiguidade; que, quando a R. se deslocou, em Novembro de 2019, à S. Social para apurar a documentação necessária para, com a caducidade, o A. ter direito à S. Social, foi surpreendida com informação de que o contrato se encontrava cessado desde ../../2018; que quando o A. esta situação ao A., este disse que iria tentar resolver esse problema; que a partir dessa data o A. nada mais comunicou à R., até à carta de 11/2/2020; *** Por resultar provado por documento (citius de 17-05-2021) adia-se a seguinte factualidade (662º, 2, CPC):16- A ré pagou ao autor em Julho de 2016 a quantia de 1.419€ a título de subsidio de férias e em Dezembro de 2016 a quantia de 709,50€ a título de proporcionais do subsidio de natal ( doc. emitido pelo ISS)- aditado. 17- Em 2015, pagou ao autor as rubricas que constam no mesmo documento a título de proporcionais de subsidio de férias e de natal - aditado. B) ENQUADRAMENTO JURÍDICO 1ª questão - Licitude da cessação do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho - 343º, b), CT A ré pôs termo ao contrato de trabalho por caducidade, estando controvertida a licitude da cessação, em razão de inobservância do disposto no artº 161 da LAT. Anotamos que o autor não põe em causa a matéria de facto, inclusive não questiona que esteja impossibilitado para exercer a actividade de pedreiro para a qual foi contratado em virtude doença profissional, nem tão pouco que “O quadro de pessoal da R. é apenas constituído por pedreiros, não tendo qualquer outro posto de trabalho”- ponto 13. O autor cinge-se a arguição de um vício formal que inquinaria a cessação do vínculo, dado que a caducidade foi comunicada pela ré sem a obtenção prévia do parecer previsto na LAT. É esta a norma em causa: Art.º 161.º, da LAT[2] “Impossibilidade de assegurar ocupação compatível”: “1— Quando o empregador declare a impossibilidade de assegurar ocupação e função compatível com o estado do trabalhador, a situação deve ser avaliada e confirmada pelo serviço público competente na área do emprego e formação profissional nos termos previstos no presente capítulo. 2— Se o serviço público competente na área do emprego e formação profissional concluir pela viabilidade da ocupação de um posto de trabalho na empresa ao serviço da qual ocorreu o acidente de trabalho ou foi contraída a doença profissional, o empregador deve colocar o trabalhador em ocupação e função compatíveis, sugerindo-lhe, se for caso disso, que solicite ao centro de emprego da área geográfica do local de trabalho os apoios previstos no artigo anterior. 3— Caso o serviço público competente na área do emprego e formação profissional conclua pela impossibilidade da ocupação de um posto de trabalho na empresa ao serviço da qual ocorreu o acidente de trabalho ou foi contraída a doença profissional, solicita a intervenção do centro de emprego da área geográfica da residência do trabalhador, no sentido de o apoiar a encontrar soluções alternativas com vista à sua reabilitação e reintegração profissional”. A outra norma que igualmente nos interessa é a que institui a caducidade como motivo de cessação do contrato, art. 343º, b), CT. (343º, CT “Causas de caducidade de contrato de trabalho”: O contrato de trabalho caduca nos termos gerais, nomeadamente:...b), b) Por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber;...”) Percorrido o seu regime, concluiu-se que dele não resultam outras exigências que não se cinjam a três requisitos: que o trabalhador esteja impossibilitado supervenientemente (se for impossibilidade originária há nulidade do contrato nos termos gerais do art. 280C), de forma absoluta (não basta uma simples dificuldade na prestação da actividadee definitiva), e definitiva de prestar o seu trabalho ( a impossibilidade meramente temporária gera suspensão do contrato). A jurisprudência do STJ tem ainda acentuado (diríamos até “acrescentado”) uma vertente mais exigente do conceito de “impossibilidade” que é a de comportar a alegação e prova por parte da ré, enquanto elemento constitutivo do direito à caducidade do contrato, de que não dispõe de outras funções compatíveis, sendo-lhe impossível proceder à reconversão profissional do trabalhador, designadamente por não dispor na empresa de qualquer posto de trabalho- ac.s STJ, de 12-11-2009, proc. 313/09.3YFLSB, 1-07-2009, proc. 703/05.3TTVFR.S1. Na doutrina, contra, pode ver-se Maria Fernanda Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, Situação Laborais Individuais, Almedina, 4ª ed., pág. 789/790, por entender que não existe dever do empregador em atribuir ao trabalhar funções diferentes (“Se o trabalhador foi contratado para um posto de trabalho determinado e deixa de poder desempenhar a função correspondente, o contrato perde a sua razão de ser e deverá caducar”. Ainda que a noção de impossibilidade absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o trabalho seja entendida nos termos mais rigorosos acima referenciados, este evento continua a ser o único que desencadeia a caducidade do contrato, sem outras exigências. Repare-se que para outros casos de cessação do contrato que enfermem de certos vícios, a lei expressamente ocupou-se das respectivas consequências e cominações, mormente em caso da caducidade por termo ou de despedimento ilícito - 345º, 3, 389º, 390º CT. O que inculca a ideia de que só os vícios tipificados na lei (isto é, assinalados e cominados com uma consequência, mormente nulidade/ilicitude) é que terão gravidade suficiente para “destruir” o acto jurídico de cessação do vinculo. Ora, como referimos, este não é o caso, pois que o legislador, em capítulo próprio dedicado às formas de cessação do contrato (338º e ss CT), e em especial à caducidade como sendo uma dessas formas, nada mais exige além da verificação do evento “impossibilidade irremediável” para trabalhar. As causas de cessação do contrato de trabalho são a caducidade, a revogação, a resolução (onde em termos conceptuais se incluiu o despedimento “lato sensu) e a denúncia - 340º CT. Ora, enquanto as demais formas de cessação estão ligadas à vontade de umas das partes fazer cessar o vínculo, a caducidade, opera e desencadeia-se por decorrência de um evento (o que classicamente decorre na noção desta figura), estando unicamente dependente da sua ocorrência, apenas se afastando da automaticidade (ipsi iuris) do regime civilístico por carecer de “uma comunicação à outra parte” para ter eficácia extintiva- Maria do Rosário P. Ramalho, ob. citada, pág. 784. Dum posto de vista sistemático, o preceito de que o autor se pretende fazer valer não está inserido no diploma (código do trabalho) e capítulo onde se regulam as formas de cessação do vinculo laboral, mas sim no regime de acidentes de trabalho e doenças profissionais (161º da LAT, Lei 98/2009, de 4/09. A sua vocação é regular as condições especiais de reabilitação e reintegração profissional e tentar encontrar soluções alternativas, exigindo para isso a intervenção de entidades administrativas. A norma não visa regular a cessação do contrato de trabalho. O parecer do serviço público da área de emprego e formação profissional sobre a viabilidade ou não de ocupação em posto de trabalho compatível visa atingir outros fins, tais como a intervenção do centro de emprego para efeitos de apoio. Assim o ónus do empregador é apenas o de alegar e provar em tribunal que o trabalhador está definitivamente impossibilitado de trabalhar, não estando a validade da cessação do contrato dependente de qualquer procedimento prévio, mormente de precedência de parecer emitidos por entidade administrativa. Decorre dos factos provados que ré fez essa prova, inclusive da noção mais exigente perfilada pelo STJ (a impossibilidade de prestar trabalho estende-se à inexistência de outro posto compatível). Sendo desajustada uma solução que passasse por obrigar a empresa a manter um trabalhador que não pode desempenhar as principais funções para as quais foi contratado, não existindo, de resto, outras na empresa. Repare-se que o autor tinha as funções de pedreiro e que no quadro da ré não existem outros posto de trabalho - pontos provados 1, 2, 3 e 13. No sentido perfilado, consulte-se ac. RL de 14-07-2021, www.dgsi.pt, (com um voto de vencida), em cujo sumário consta: “A falta de comunicação prévia e de obtenção do parecer aludido no artigo 161º da Lei nº 98/2009, de 4 de setembro, não torna ilícita a cessação do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva do sinistrado prestar a sua actividade laboral, devendo o empregador que declarou a caducidade alegar e provar a dita impossibilidade e a inexistência de outro posto de trabalho que possa atribuir ao trabalhador” - no mesmo sentido ac. RL de 12.07.2017. Veja-se ainda ac. de RL de 26-03-2015, wws.dgsi.pt que refere “Na eventualidade da empregadora fazer cessar o vínculo laboral com fundamento na caducidade do contrato de trabalho originada pela impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho, só tem que alegar e demonstrar a verificação do facto jurídico strictu sensu gerador da invocada caducidade, nos termos previstos pelo artigo 342º, nº1 do Código Civil.” Podemos consultar ainda o ac. RL de 21-06-2020 que, quanto à impossibilidade absoluta e definitiva, cinge-se a exigir que “Tal impossibilidade superveniente terá de ser não prevista, nem previsível, ter carácter objectivo e ser independente da vontade extintiva da parte a que respeite.” Pelo que concluímos pela licitude da cessação do contrato de trabalho com base em caducidade, motivo pelo qual improcedem os pedidos com esta causa. * 2ª questão: indemnização nos termos gerais:Esta tese da ré não tem qualquer sustento legal. A indemnização “nos termos gerais” (483º CC) reclamada pelo autor pressupõe a verificação de facto ilícito, culposo, o dano e a causalidade entre este e o comportamento/omissão do agente. Se a comunicação de cessação do contrato de trabalho por caducidade não é nula, mas antes lícita, logo falha o primeiro requisito desta fonte de responsabilidade civil- o facto ilícito. Raciocínio que se aplica ao pedido de condenação em danos não patrimoniais (de resto, nem sequer se apuraram danos com dignidade capaz de conferir tutela indemnizatória). Improcede o argumento. * 3ª questão- retribuições de férias, subsídios de férias e de natal:Refere o autor que no período que mediou entre a alta e a cessação do contrato, não foi paga ao Autor qualquer quantia devida a título de subsídio de férias e de Natal, pelo que reclama o Autor, a este título, a quantia de € 3.526,48; Mais refere que não gozou, nem recebeu as férias vencidos em 01/01/2016, em 01/01/2017, em 01/01/2018, em 01/01/2019, e em 01/01/2020, nem os 4 dias de férias vencidos aquando da cessação do contrato de trabalho. Consta da sentença que nela foram comtempladas quer as retribuições, quer os subsídios de férias e de natal, no total no período que mediou entre a data em que o autor se apresentou ao serviço após a alta e a cessação do contrato de trabalho. O valor da retribuição de férias está ali contido, na medida em que foram contabilizados todos os meses do período independentemente de o autor estar de férias ou não porque, na verdade, este esteve sempre sem trabalhar (refere-se na sentença “...não estando o trabalhador a prestar efectivamente a sua actividade, não é possível ficcionar um mês remunerado, mas sem trabalho, que constituiria um mês de férias”). Sendo aquela uma realidade, contudo, os cálculos não estão correctos, pelos que os refazemos do seguinte modo: 2018- 9.365,40 de retribuições, incluindo o proporcional de férias à razão de 2 dias por cada mês após cessação de impedimento prolongado (-239º, 6, CT) + e 785€ de proporcional de subsídio de férias + 785€ de proporcional de subsidio de natal de 202 dias). 2019 - total de 19.866€ (14 meses, incluindo retribuição férias subsidio de férias e de natal); 2020- 2.838€ de férias e subsídio de férias vencidos em 1-01-2010 + 606,47€ de proporcionais de férias, subsídios de férias e de natal do ano da cessação + 2.412€ de retribuições do janeiro e 21 dias de fevereiro). Total- 36.657,87€ *** No período em que esteve ausente por doença com certificado de incapacidade para o trabalho (“baixa””), o contrato suspende-se, pelo que o autor, relativamente a este período, não tem direito ao gozo de férias e sua retribuição, nem tão pouco ao subsidio de férias e de natal.Veja-se o artigo 296º CT (“Facto determinante da suspensão respeitante a trabalhador”): “1. Determina a suspensão do contrato de trabalho o impedimento temporário por facto respeitante ao trabalhador que não lhe seja imputável e se prolongue por mais de um mês, nomeadamente doença, acidente ou facto decorrente da aplicação da lei do serviço militar.” Quanto aos efeitos da suspensão: Art. 295º, 1, CT: “1 - Durante a redução ou suspensão, mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes que não pressuponham a efectiva prestação de trabalho” Em especial quanto ao subsídio de natal refere-se no artigo 263º, CT que, embora por norma o trabalhador tenha direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, contudo este deixa ser devido no período de suspensão do contrato motivado em facto respeitante ao trabalhador ( 263º, 2, “O valor do subsídio de Natal é proporcional ao tempo de serviço prestado no ano civil, nas seguintes situações:....c) Em caso de suspensão de contrato de trabalho por facto respeitante ao trabalhador.”). Em especial quanto a férias e subsidio de férias, o respectivo regime, tendo por objectivo o repouso do trabalhador e recuperação física e psíquica (237º CT), pressupõe que o contrato esteja em execução. Em caso de vicissitudes, como a suspensão do contrato, regem regras equivalentes às das férias no ano da admissão e da cessação do contrato de trabalho. Ou seja, no ano em que cessou o impedimento prolongado, neste caso 12-06-2018, tem direito a 2 dias de férias por cada mês, no caso no total de 12 dias úteis e respectivo subsidio (239.º Casos especiais de duração do período de férias: - No ano da admissão, o trabalhador tem direito a dois dias úteis de férias por cada mês de duração do contrato, até 20 dias, cujo gozo pode ter lugar após seis meses completos de execução do contrato.2 - No caso de o ano civil terminar antes de decorrido o prazo referido no número anterior, as férias são gozadas até 30 de Junho do ano subsequente....6 - No ano de cessação de impedimento prolongado iniciado em ano anterior, o trabalhador tem direito a férias nos termos dos n.os 1 e 2.) Pelo que nos termos acima ditos, e tendo-se comprovado os pagamentos referentes a 2016, nada mais é devido ao autor, salvo o acima concedido. *** 4º questão - violação do direito a férias e indemnização em triplo:Considerando que este pedido se baseava na ilicitude da comunicação de caducidade, e concluindo-se pela licitude, logo improcede o pedido, sem necessidade de maiores explicações (pese embora não se vislumbre que a ilicitude da comunicação de caducidade, a proceder, pudesse conferir outros direitos que não os decorrentes de uma cessação ilícita, entre os quais não se conta o pagamento em triplo por violação do direito a férias, crédito este que tem outra causa distinta). *** 5ª questão - quantias que o autor o Autor deixou de auferir a título de subsídio de desemprego;Refere o autor recorrente nas alegações, e em conformidade com o que havia pedido na petição inicial, que “deve sempre condenar-se a Ré a indemnizar o Autor, como dano patrimonial exclusiva e necessariamente emergente da conduta ilícita da Ré em não efectuar as necessárias prestações contributivas vencidas entre a alta do Autor e a cessação do contrato de trabalho (comprovado facto provado) o montante global que o Autor teria auferido a título de subsídio de desemprego desde 21 de Fevereiro de 2020 em diante, para o qual não se encontrava o Autor elegível justamente porque a Ré incumpriu o pagamento das contribuições para a Segurança Social desde 12 de Junho de 2018 até 21 de Fevereiro de 2020.” Mais refere que “Resulta da resposta da Segurança Social a ofício concretamente dirigido àqueles serviços com vista à quantificação do montante que o Autor teria auferido, datada e junta aos autos em 6 de Maio de 2022, que o mesmo teria direito a um subsídio de desemprego “desde 05/03/2020 por um período de 720 dias com um subsidio diário de 25.38€. O montante total a ser atribuído seria de 18 273.60€.” valor em que deve ser a ré condenada. A informação emitida pelo ISS consta junta aos autos- citius, 6-05-2022. Este pedido tem de ser associado àquele em que o autor pediu a condenação do réu no pagamento das retribuições no período que mediou entre a data em que se apresentou ao serviço após a “alta” (12-06-208) e data da cessação do contrato de trabalho (comunicada em 21-02-2020). Este último pedido obteve vencimento, o que irá, correlativamente, acarretar a obrigação da ré proceder aos descontos obrigatórios das quotizações devidas para a segurança social. Nesse pressuposto deixará de haver impedimento para o Instituto de Segurança Social recusar ao autor as prestações por desemprego (que ele, em atempadamente, terá peticionado). Julgamos, assim, que o autor, com base nesta nova realidade (condenação da ré nas retribuições devidas após 12-06-2018, e corresponde obrigação de pagar quotizações para a SS) terá primeiro que esgotar a via administrativa (cabendo ao ISS atribuir o subsídio de desemprego em caso de verificações das suas condições) e somente, em caso de indeferimento definitivo poderá vir em acção de indemnização recamar caso haja dano (e sem qualquer ofensa de caso julgado, porque diferente irá ser a causa de pedir). Na verdade, cumprindo a ré a sua obrigação contributiva e reunindo o autor as condições de atribuição do subsidio, a obrigação de pagamento caberá ao Instituto de Segurança Social e não à ré. III - DECISÃO Pelo exposto, acorda-se em conceder parcial provimento ao recurso, condenando-se a ré a pagar ao autor a quantia de a €36.657,87€ (trinta e seis mil, seiscentos e cinquenta e sete euros e oitenta e sete cêntimos), a título de retribuições, subsídio de férias e de Natal devidas desde 12/6/2018 até 21 de fevereiro de 2020, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, no mais, mantendo-se o mais decidido. Custas na proporção a cargo de autor e ré, na proporção do vencimento/decaimento. Notifique. * Após trânsito remeta cópia do acórdão ao Instituto de Segurança Social para os devidos efeitos (mormente, conhecimento da condenação da ré no pagamento das retribuições do autor entre 12-06-2018 e 21-02-2020 e respectivas consequências em termos de subsidio de desemprego). * Maria Leonor Barroso (relatora) Antero Dinis Veiga Francisco Sousa Pereira [1] Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s salvo as questões de natureza oficiosa. [2] Lei 98/2009, de 4/09. |