Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
33/22.6T8MGD.G1
Relator: JOAQUIM BOAVIDA
Descritores: COMPROPRIEDADE
DIREITO DE PREFERÊNCIA
RECONVENÇÃO
DEPÓSITO AUTÓNOMO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/16/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 – Transitada em julgado a decisão que não admitiu a reconvenção, relativa ao exercício de direito de preferência, é admissível aos réus/reconvintes requerer que o depósito autónomo, efetuado à ordem do processo para pagamento do preço, seja reafectado a outro processo.
2 – Esse depósito deixou de exercer qualquer função útil no processo, a quantia depositada pertence aos réus, têm o direito de dispor dela e se podem proceder ao depósito de tal quantia noutro processo em que são parte, por identidade de razão, podem legitimamente requerer a sua afetação ao aludido processo. Não existe nenhuma razão substancial para impor aos réus o levantamento da aludida quantia e o seu posterior depósito à ordem daquele processo, quando com um único acto isso pode ser realizado.
3 – Para que possa ser suspensa a instância, com o fundamento previsto no art. 272º, nº 1, 1ª parte, do CPC, tem de existir um nexo de dependência entre duas ações, traduzido em a apreciação do litígio na ação dependente estar condicionada pelo que venha a decidir-se na causa prejudicial.
4 – Exercendo os autores, na qualidade de comproprietários, a preferência na venda de metade indivisa de prédio rústico, constitui causa prejudicial a ação em que os réus alegam a simulação do contrato de doação pelo qual os autores adquiriram a outra metade indivisa, que sustentam ser um contrato de compra e venda e só ter assumido a forma de negócio gratuito para frustrar o exercício da preferência que lhes assistia, e em que se propõem exercer, enquanto proprietários de prédio rústico confinante, o direito de preferência no aludido negócio de alienação de metade indivisa do prédio rústico. Caso a ação prejudicial venha a proceder, os aqui réus serão titulares precisamente do direito com base no qual os aqui autores pretendem exercer o direito de preferência sobre a outra metade indivisa do prédio, pelo que destruirá o fundamento da alegada preferência na alienação da metade indivisa daquele prédio.
5 – Nos termos do art. 272º, nº 2, do CPC, o juiz não deve ordenar a suspensão se houver razões para crer que a causa prejudicial foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.
6 – Quanto à primeira situação, a lei utiliza a expressão “unicamente”, pelo que se exige a evidência de que a ação que constitui a causa prejudicial tenha sido proposta exclusivamente com o objetivo de obter a suspensão da instância. Portanto, tem de haver o propósito único de obstar ao prosseguimento da ação dependente e, consequentemente, que não seja discernível qualquer outro motivo legítimo subjacente à propositura da ação prejudicial.
7 – No que concerne à segunda situação, é necessário que o juiz, depois de apreciar as consequências da suspensão resultantes do tempo previsível de duração da ação prejudicial, conclua que os prejuízos da suspensão superam as vantagens.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

1.1. AA e mulher, BB, intentaram ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra CC e DD e mulher, EE, formulando os seguintes pedidos:
«- Os R.R. condenados a:
Quanto ao artigo 344 compropriedade dos Autores
- Reconhecer que os A.A. AA, e esposa, BB, são donos, comproprietários e legítimos possuidores, na proporção de ½ do prédio rústico o artigo 344 sito no lugar ..., freguesia e concelho ..., melhor identificado em 3.1 e 4 desta p.i..
- Reconhecer que aos A.A. assiste o direito de preferência, quanto ao ½ vendido pelo primeiro R. e adquirido pelos segundos R.R., porque comproprietários
- Reconhecendo-se ainda que os RR. compradores não são comproprietários de tal prédio, nem aí têm qualquer direito, legal de preferência, ou outro.
Declarando-se os A.A. compradores da compropriedade, ½ do prédio rústico sito no lugar ..., freguesia e concelho ..., inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo ...44, melhor supra identificado em 3 – 3-1.
Assumindo assim, os Autores a posição dos segundos R.R.
- Porquanto, o primeiro R. vendeu aos 2ºs R.R., ½ do prédio rústico sito no lugar ..., freguesia e concelho ..., inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo ...44, por incumprimento dos artigos 1408, 1409 e 416 a 418 do C.C., falta de comunicação do projeto de venda e respetivas cláusulas, para preferir, no direito de preferência pela compropriedade dos Autores, que legalmente lhes assiste.
- Ser reconhecido aos A.A. AA e esposa, BB,
- o direito de preferência, na compropriedade, (porque comproprietários) da compra e venda sobre do prédio rustico - ½ do prédio rústico sito no lugar ..., freguesia e concelho ..., inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo ...44, com a área total de 4,200000ha, terra de centeio – sequeiro, com o valor patrimonial de 48,93€ correspondendo à fração vendida 24,17€ a que atribuíram o valor de 20.000,00€, conforme consta do DPA, compra e venda particular (doc. ..., já junto) e caderneta predial que se junta e se dá aqui por reproduzida para todos os efeitos legais, doc. ....
- e descrito na respetiva conservatória, inscrição predial nº ...12, inscrito a favor dos a.a., pela ap ...9 de 2014/09/19, que se junta e se dá aqui por reproduzida para todos os efeitos legais, doc. ....

Quanto ao artigo 345 terreno confinante
Reconhecer os A.A. AA, e esposa, BB, confinantes do prédio rústico sito no lugar ..., freguesia e concelho ... inscrito na respetiva matriz predial rustica sob o artigo ...45, melhor, supra identificado em 3 – 3-2.
Assumindo assim, os A.A., a posição dos segundos R.R.
- Reconhecendo-se ainda que aos A.A. assiste o direito de preferência, porque confinantes.
- Declarando-se ainda que os R.R. compradores não são confinantes de tal prédio, objeto da preferência.
- Porquanto o primeiro R. vendeu aos 2ºs R.R., o prédio rústico sito no lugar ..., freguesia e concelho ..., inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo ...45, por incumprimento do artigo 1380 e 416 a 418 do C.C., falta de comunicação do projeto de venda e respetivas cláusulas, para preferir, no direito de preferência de confinante que aos Autores, legalmente lhes assiste.
- Direito de preferência, que lhes assiste, aos A.A. porque confinantes, na compra e venda sobre o prédio rústico – prédio rústico sito no lugar ..., freguesia e concelho ... inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo ...45, com a área de 0,360000ha, terra de centeio – sequeiro, com o valor patrimonial de 7,93€ a que atribuíram o valor de 5.000,00€, conforme DPA compra e venda particular, (doc. ..., já junto) e caderneta predial que se junta e se dá aqui por reproduzida para todos os efeitos legais, doc..... e descrito na conservatória do registo predial da freguesia e concelho ... (pela ap. ...84 de 2021/06/07 a favor dos segundos R.R., conforme registo que se junta e se dá aqui por reproduzida para todos os efeitos legais, doc. ....
- Que seja ordenado o cancelamento do registo dos prédios identificados, nos artigos 3 – 3.1, deste articulado, prédio rústico inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...44, encontrando-se descrito na conservatória do registo predial ... sob o nº ...12, e da ap ...84 de 2021/06/07 em nome de DD NIF ...73, casado no regime de comunhão de adquiridos com EE NIF ...90 e EE casada no regime de comunhão de adquiridos com DD
- Que seja igualmente ordenado o cancelamento do registo do prédio identificado, nos artigos 3 – 3.2, e artigo 22 deste articulado, prédio rústico inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...45, encontrando-se descrito na conservatória do registo predial ... sob o nº ...11, e da ap ...84 de 2021/06/07 em nome de EE NIF ...90, casada no regime de comunhão de adquiridos com DD NIF ...73 e DD casado no regime de comunhão de adquiridos, com EE - ordenando-se o registo dos mesmos a seu favor, dos A.A..
Condenar-se o 1º R.R. a pagar uma indemnização aos A.A., pelo não cumprimento da comunicação do direito de preferência em indemnização a fixar segundo o juízo de equidade de Vª Exª.
Condenar-se ainda os R.R. solidariamente a indemnizar os A.A. por todos os prejuízos que lhe causaram e estão a causar, (danos patrimoniais e não patrimoniais) em montante não inferior a 3.500,00€.
- Condenar os R.R. nas custas e demais encargos do processo.
- Mais requerem, à cautela, os A.A. (porque o artigo 351 não confronta com o prédio de que os A.A. são comproprietários) mas para o caso de os R.R. virem eventualmente a alegar a venda das propriedades em conjunto (o que da Compra e Venda não consta) que os A.A. estão dispostos à compra do prédio rústico sito no lugar ..., freguesia e concelho ... inscrito na respetiva matriz predial rustica sob o artigo ...51, depositando de imediato o respetivo valor e assumindo a posição dos segundos R.R..»
*
1.2. Contestaram separadamente o 1º Réu e os 2ºs. Réus, tendo estes últimos deduzido pedido reconvencional com o seguinte teor:
«a) Julgar-se que o contrato de compra e venda celebrado entre os reconvindos e a infra chamada, no dia 12 de Setembro de 2014 e respeitante à transmissão onerosa do prédio urbano sito na freguesia e concelho ..., inscrito na matriz predial sob o art. ...29 e a ½ indivisa do prédio rústico com o artigo matricial ...44 dos mesmos freguesia e concelho foi celebrado com simulação de preço e simulação relativa com referência ao prédio rústico, não tendo o mesmo sido objecto de qualquer doação, antes estando compreendido no preço global de € 75.000,00 pelos quais os prédios foram efectivamente comprados e vendidos;
b) Julgar-se que a simulação da doação referida na alínea anterior se destinou a frustrar o exercício do direito de preferência de que os reconvintes dispunham, por já serem, a essa data, proprietários do prédio rústico com o artigo matricial ...46, da freguesia e concelho ..., que confina com o simuladamente doado.
c) Julgar-se assistir aos reconvintes o direito de preferência no negócio referido na precedente alínea a) com referência a ½ indivisa do prédio rústico com o artigo matricial ...44 da freguesia e concelho ..., que com o presente é exercido, mais se julgando que só com a preparação desta peça processual os reconvintes tiveram conhecimento dos pormenores do negócio e do direito que lhes foi subtraído através de simulação;
d) Deve ainda julgar-se que o negócio sobre ½ indivisa do prédio rústico com o artigo matricial ...44 da freguesia e concelho ... foi celebrado pelo preço de € 20.000,00, acrescido de impostos, no valor estimado e total de € 21.160,00, valor pelo qual os autores preferem;
e) Deve ainda julgar-se e caso se apure que foi outro e mais elevado o valor atribuído a ½ indivisa do prédio rústico com o artigo matricial ...44 da freguesia e concelho ... que os autores exercem a mesma preferência, protestando juntar o diferencial se este se vier a apurar existir;
f) Deve ainda, caso a ora chamada e aí vendedora FF declare que apenas celebraria o contrato como um todo, julgar-se que os reconvintes se dispõem a celebrar com a chamada o negócio a que se refere a anterior alínea a) do pedido, na dupla condição de preferentes e compradores e pelo mesmo valor do negócio integral;
g) Deve, na procedência dos pedidos reconvencionais ser ordenado o cancelamento do registo efectuado a favor dos autores/reconvindos pela apresentação 99 de 19 de Setembro de 2014 e respeitante a ½ indivisa do prédio rústico com o artigo matricial ...44 da freguesia e concelho ..., descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...12.»
Os Réus/Reconvintes DD e EE juntaram com a reconvenção documento comprovativo do depósito autónomo do preço e outros custos, no valor de € 21.160,00.
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1.3. Depois de apresentada réplica pelos Autores, foi em 22.11.2022 proferido despacho a não admitir a reconvenção, tendo os Réus/Reconvintes, por requerimento de 12.01.2023, declarado prescindir do direito de recorrer daquela decisão.
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1.4. Em 16.01.2023, DD e EE instauraram ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra FF e AA e BB, que segue seus termos sob o nº 18/23.5T8MGD no Juízo de Competência Genérica ..., formulando os seguintes pedidos:
«a) Julgar-se que o contrato de compra e venda celebrado entre os réus, no dia 12 de Setembro de 2014 e respeitante à transmissão onerosa do prédio urbano sito na freguesia e concelho ..., inscrito na matriz predial sob o art. ...29 e a ½ indivisa do prédio rústico com o artigo matricial ...44 dos mesmos freguesia e concelho foi celebrado com simulação de preço e simulação relativa com referência ao prédio rústico, não tendo o mesmo sido objecto de qualquer doação, antes estando compreendido no preço global de € 75.000,00 pelos quais os prédios foram efectivamente comprados e vendidos;
b) Julgar-se que a simulação da doação referida na alínea anterior se destinou a frustrar o exercício do direito de preferência de que os autores dispunham, por já serem, a essa data, proprietários do prédio rústico com o artigo matricial ...46, da freguesia e concelho ..., que confina com o simuladamente doado.
c) Julgar-se assistir aos autores o direito de preferência no negócio referido na precedente alínea a) com referência a ½ indivisa do prédio rústico com o artigo matricial ...44 da freguesia e concelho ..., que com o presente é exercido, mais se julgando que só com a preparação da contestação apresentada na acção n.º 33/22...., os autores tiveram conhecimento dos pormenores do negócio e do direito que lhes foi subtraído através de simulação;
d) Deve ainda julgar-se que o negócio sobre ½ indivisa do prédio rústico com o artigo matricial ...44 da freguesia e concelho ... foi celebrado pelo preço de € 20.000,00, acrescido de impostos, no valor estimado e total de € 21.160,00, valor pelo qual os autores preferem;
e) Deve ainda julgar-se e caso se apure que foi outro e mais elevado o valor atribuído a ½ indivisa do prédio rústico com o artigo matricial ...44 da freguesia e concelho ... que os autores exercem a mesma preferência, protestando juntar o diferencial se este se vier a apurar existir;
f) Deve, na procedência dos anteriores pedidos ser ordenado o cancelamento do registo efectuado a favor dos 2º e 3ª réus pela apresentação 99 de 19 de Setembro de 2014 e respeitante a ½ indivisa do prédio rústico com o artigo matricial ...44 da freguesia e concelho ..., descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...12.»
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1.5. Por requerimento de 18.01.2023, os Réus DD e EE requereram que se «julgue que a acção 18/23.5T8MGD se encontra em relação de prejudicialidade com a presente e, em consequência, se ordene a suspensão da instância dos presentes até decisão da matéria que nessoutros autos se discute», bem como «a reafectação para os autos n.º 18/23.5T8MGD do depósito autónomo com o n.º ...72, no montante de € 21 160,00, prestado em resultado do pedido reconvencional julgado inadmissível». Juntaram para o efeito certidão judicial.
Os Autores, por requerimento de 28.01.2023, concluíram que «não se encontram verificados os pressupostos para a suspensão da instância e muito menos os pressupostos que preencham os requisitos de questão prejudicial, impostos por lei, pela Constituição, pelo Código de Processo Civil, nomeadamente nos termos do artigo 92 e 272 do código de processo civil- Assim e sem mais delongas, se requer o normal prosseguimento dos presentes autos.» Não se pronunciaram sobre o pedido formulado pelos Réus no que concerne ao depósito autónomo.
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1.6.  Em 15.05.2023 foi proferido o despacho recorrido, com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, atentas as considerações expendidas e quadro legal citado, procede o requerido pelos Réus e, consequentemente, determina-se, nos termos e ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 272.º do Código de Processo Civil, a suspensão da instância.
(…)
No que concerne ao depósito autónomo com o n.º ...72, proceda conforme requerido.»
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1.7. Inconformados, os Autores interpuseram recurso de apelação daquela decisão, formulando as seguintes conclusões:
«Questão prévia
1 - Os autores, AA e esposa recorreram a tribunal e ao presente processo para ver reconhecido, o seu direito de preferência, quanto ao ½ do prédio rústico, artigo matricial ...44, agora vendido, aos segundos R.R., (DD e esposa) pois já eram comproprietários do outro ½ do mesmo prédio, com o primeiro réu no presente processo, CC, desde 2014, data do registo a favor dos Autores.
2 - Os autores recorreram ao Tribunal para e nos termos do artigo 1410 do código civil, ver reconhecido o seu direito de preferência sobre a aquisição do ½ do prédio de que já eram comproprietários, para ficarem com a totalidade do prédio, como a lei lhes concede.
3 - Em sede de contestação vieram os segundos Réus, (agora, adquirentes do ½ que ao comproprietário dos Autores pertencia) DD e mulher deduzir Reconvenção.
4 - Por inadmissível, não foi admitida a reconvenção por Douto despacho de 22/11/2022
DO RECURSO
5 – No douto despacho, de que ora se recorre, de 8-5-2023 com a referência citius - ...60, com o qual, não nos podemos conformar porquanto,
- em relação ao depósito efetuado, no presente processo com a reconvenção e em virtude do peticionado nesta, no presente processo, depois de transitada em julgado a decisão de inadmissibilidade da reconvenção, atribui tal depósito a um outro processo, posteriormente instaurado.
- ordena a suspensão do presente processo
é destas decisões que se recorre:
DA RECONVENÇÃO E DO DEPÓSITO EFETUADO COM ESTA e em virtude do aí peticionado.
6 - A reconvenção foi julgada, não admitida, por douto despacho de 22/11/2022, com referencia citius - ...13, por a mesma não consubstanciar condição de admissibilidade nos termos do artigo 266.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, despacho que transitou em julgado, a - 17-12-2022, pois não foi objeto de qualquer recurso.
7 - Transitado em julgado o douto despacho, que decidiu a inadmissibilidade da Reconvenção, bem assim tudo o que com a mesma foi junto, esgotado ficou o poder jurisdicional da Meritíssima Juiz “à quo”.
- Neste mesmo sentido, o Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do processo 14561/16.9T8SNT-A.L1.S1 - 2ª SECÇÃO, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0
Que bem fundamenta que:
O despacho de rejeição da reconvenção, enquadra-se na previsão do art.º 644º do CPC. não tendo sido objeto de recurso, transitou em julgado, terminando aqui o poder jurisdicional da Meritíssima Juiz “à quo” quanto à Reconvenção e bem assim ao que a esta diz respeito.
8 - Terminado o poder Jurisdicional, a Meritíssima Juiz “à quo” pode devolver o deposito à parte, o que efetivamente resulta do despacho, que não admite a Reconvenção.
9 - Determinar o destino a dar ao depósito efetuado à ordem deste processo, e por causa deste processo é da inteira responsabilidade da parte, pelo que determinar a Meritíssima Juiz “à quo” o destino a dar a tal depósito, e atribui-lo a um outro processo, em nosso modesto entender, viola a lei, nomeadamente o disposto no artigo 613 e seguintes do CPC. e bem assim o artigo 1410 do Código Civil.
10 – Pois o depósito tem necessariamente de ser efetuado nos termos do artigo 1410 do C.C., no prazo que este determina, 15 dias apos a entrada da ação, tem apenas e somente efeito para o próprio processo, findo o qual deve ser restituído à parte.
11 – Neste sentido, o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, no processo 446/19.0T8CHV.G1 “ACÇÃO DE PREFERÊNCIA CADUCIDADE DEPÓSITO DO PREÇO, datado de 23-04-2020 e votado por – UNANIMIDADE, disponível em: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0, onde consta:
“…
- o depósito do preço não pode ser substituído pelo pedido de transferência de um outro depósito à ordem de outro processo, que pode ter várias contingências até haver lugar à alegada transferência (caso fosse possível), de tal sorte que no caso vertente nem sequer ocorreu em momento algum, quanto mais naquele prazo de 15 dias previsto legalmente;
- o prazo de 15 dias para o depósito do preço aludido no art. 1410º do CC é um prazo substantivo e de caducidade e como tal não suspende nem se interrompe senão nos casos determinados na lei (art. 328º do CC), um prazo que mede a própria duração do direito, e em que está em causa o mero facto objetivo do decurso do tempo (não cabendo analisar as circunstâncias subjetivas de quem deve realizar tais atos), um prazo que não pode ser alargado;
- tendo o depósito sido realizado extemporaneamente- largos meses depois do termo legalmente previsto- extinguiu-se o direito que os demandantes pretendiam exercitar, ou seja, preferir na compra a que os autos respeitam, mostrando-se, assim, verificada a caducidade do direito dos Autores/Recorrentes.”
(Negrito nosso)
12 - Porque o depósito do preço não pode ser substituído pelo pedido de transferência de um outro depósito à ordem de outro processo, não cabe à Meritíssima Juiz à quo determinar a transferência do deposito violado assim a lei, nomeadamente o disposto no artigo 1410 e seg. do C.C..
DA SUSPENSÃO DO PRESENTE PROCESSO, DETERMINADA NO DOUTO DESPACHO, OBJETO DE RECURSO
13 – O despacho ora em crise determinou ainda, a suspensão do presente processo, referindo:
“Pelo exposto, atentas as considerações expendidas e quadro legal citado, procede o requerido pelos Réus e, consequentemente, determina-se, nos termos e ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 272.º do Código de Processo Civil, a suspensão da instância.”
14 – O presente processo deu entrada em Tribunal, tendo sido autuado em 16-2-2022, para o exercício do Direito de Preferência, de AA e esposa, para aquisição do ½ do prédio rústico, artigo matricial ...44, de que são comproprietários há cerca de 9 anos, com CC.
15 - Porque este, comproprietário CC, (primeiro R.) vendeu agora o seu ½ do prédio a DD e esposa, (segundos R.R.) sem conhecimento e sem ter notificado, para o exercício do direito de preferência e seu comproprietário, os Autores no processo e aqui recorrentes.
16 – Pelo que é apenas este direito de preferência, a violação do mesmo, com as respetivas consequências legais, o objeto a decidir no presente processo.
– Pelo que tem o presente processo que prosseguir os seus devidos e legais termos até final, não podendo ficar suspenso com as manobras dilatórias dos aqui R.R.,
- com a Reconvenção – não admitida
- com um eventual direito de preferência, de que agora se pretendem arrogar, quando há mais de 9 anos o ½ do prédio se encontra registado a favor dos aqui Autores AA e esposa, registo com a causa de aquisição que foi doação, prédio que há mais de 9 anos tratam e mandam tratar com as devidas máquinas cuidando das árvores, colhendo os seus frutos, factos e posse à vista de todos e dos R.R..
17 - Não podendo, os segundos R.R. DD e mulher, com manobras dilatórias vir de forma despropositada e depois de citados para a presente processo de Direito de Preferência invocar um eventual Direito de preferência, pelo outo ½ da propriedade que aos Autores pertence há mais de 9 anos, pois com a junção aos presentes autos em 18-1-2023, ref. ...00, e no citius ...76, juntaram um requerimento com vista a suster o presente processo, requerimento que juntaram, acompanhado de 152 páginas, das quais  146 cópias integrais de peças processuais e documentos já constantes deste mesmo processo, mas que não foi ordenado o seu desentranhamento pese embora a sua impertinência.
18 – Pelo que a instauração do um novo processo contra terceiros e contra os A.A., para colocar em causa uma doação celebrada há cerca de 9 anos, nada mais é do que não deixarem prosseguir o presente processo como fazem desde o início dificultando até a sua citação.
19 - Tanto mais que os Réus, nenhum facto juridicamente relevante alegaram, que preencha os requisitos legais de suspensão da instância ou questão prejudicial, do presente processo, a eventual ação que alegam, mas cujo o seu conteúdo – pedido e causa de pedir não deram a conhecer ao presente processo, tendo tal ato, apenas e somente em vista a obstrução do presente processo.
20 – O presente processo encontra-se já em fase de agendamento de audiência de Julgamento, não havendo lugar a mais articulados. (até mesmo a informação dos ... /correios já se encontra junta aos autos).
21 – Assim o douto despacho recorrido viola a lei, o C.P.C. , nomeadamente o artigo 272 do CPC., pelo que não devia, nem podia o presente processo ser suspenso, pois:
- Desconhecesse o objeto da eventual pretensão – o pedido e causa de pedir do invocado eventual processo.
- Este, presente, processo está em fase adiantada, findos todos os articulados.
- Os Autores recorreram a Tribunal para ver apreciado o seu direito.
- Os Autores são donos, legítimos proprietários e possuidores de ½ do prédio em causa nos presentes autos há cerca de 9 anos.
- pelo que nenhuma razão de facto e de direito existe para impedir ou suspender o direito destes cidadãos e comproprietários de exercer o seu direito na aquisição do restante ½ do prédio.
22 - Ainda nos termos do artigo 92 do CPC, apenas são questões prejudiciais, aquelas que resultem do objeto da ação a julgar, assim:
Artigo 92.º - Questões prejudiciais
1 - Se o conhecimento do objeto da ação depender da decisão de uma questão que seja da competência do tribunal criminal ou do tribunal administrativo, pode o juiz sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie.
2 - A suspensão fica sem efeito se a ação penal ou a ação administrativa não for exercida dentro de um mês ou se o respetivo processo estiver parado, por negligência das partes, durante o mesmo prazo; neste caso, o juiz da ação decidirá a questão prejudicial, mas a sua decisão não produz efeitos fora do processo em que for proferida.
23 - O que não é o caso, nos presentes autos, não se encontrando, também preenchidos os pressupostos, de questão prejudicial já que o objeto da presente ação não depende da decisão de qualquer outra questão.
24 - O direito dos Autores apenas e somente depende deste processo.
25 - Qualquer eventual direito dos R.R., há muito que, se o tivessem, o teriam exercido, não podendo serem os Autores coartados, no direito de ver o seu processo decidido em Tribunal, tempo útil.
26 - Assim, questão prejudicial é apenas e somente aquela cuja resolução constitui pressuposto necessário da decisão de mérito, a suspensão da instância não pode valer por mera circunstância de verificação futura incerta e eventual como bem refere o doutro AC ponto S.T.A, acórdão de 21/09/2019 - Jurisprudência obrigatória.
27 - Pelo que o presente processo tem necessariamente de prosseguir os seus normais termos - a Justiça - a que todos têm direito
Que o Tribunal decida em tempo útil o seu direito, motivo pelo qual recorreram à JUSTIÇA.
Pelo supra exposto, o douto despacho, ora recorrido de 8-5-2023 com a referência citius - ...60, viola a lei, quando envia o depósito autónomo efetuado à ordem deste processo, e em virtude de um eventual Direito de Preferência, invocado na Reconvenção não admitida, para um outro processo, que com este nada tem em comum, nem as partes são as mesmas, violando assim o despacho recorrido o disposto, entre outros artigos e diplomas legais, os artigos, 3, 4, 5, 6 e 613 e seguintes, 628 e seguintes do CPC., e ainda o disposto nos artigos 1409 e 1410 do Código Civil.
Quando decide suspender a instância viola, entre outros artigos e diplomas legais, pelo menos os artigos supra referidos e os artigos 272, e 92 do CPC
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso revogando-se a decisão recorrida, em conformidade com o presente recurso,
Ordenando Vª EXªS a devolução do depósito efetuado nos presentes autos, no âmbito da Reconvenção à parte que o depositou, aos R.R. DD e mulher.
E ordenando ainda o imediato prosseguimento dos presentes autos.»
*
Os Réus apresentaram contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.
O recurso foi admitido.
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1.8. Questões a decidir

Atentas as conclusões do recurso interposto pelos Autores, as quais delimitam o seu objeto (artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil[1]), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, importa apreciar as seguintes questões:

i) Inadmissibilidade da reafectação/transferência do depósito autónomo destes autos para o processo 18/23.5T8MGD – conclusões 6ª a 12ª;
ii) Inexistência de causa prejudicial para determinar a suspensão da instância – conclusões 13ª a 16ª, 19ª e 22ª a 27ª;
iii) Verificação da situação prevista no nº 2 do art. 272º do CPC – conclusões 17ª, 18ª, 20ª e 21ª.
***

II – Fundamentos
2.1. Fundamentação de facto

Os factos relevantes para a apreciação das apontadas questões são os descritos no relatório que antecede.
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2.2. Do objeto do recurso
2.2.1. Da afetação do depósito autónomo a outro processo

Através da reconvenção oportunamente deduzida, os Réus propunham-se exercer direito de preferência e, para o efeito, procederam a depósito autónomo no valor de € 21.160,00.
Transitada em julgado a decisão que não admitiu a reconvenção, os Réus DD e EE requereram a «reafectação para os autos n.º 18/23.5T8MGD do depósito autónomo com o n.º ...72, no montante de € 21 160,00, prestado em resultado do pedido reconvencional julgado inadmissível». A ação 18/23.5T8MGD foi proposta pelos Réus DD e EE contra os Autores e uma terceira pessoa.
O Tribunal recorrido deferiu essa pretensão dos Réus.
É contra essa decisão que se insurgem os Autores.

Como primeiro fundamento de revogação da decisão recorrida, invocam o esgotamento do poder jurisdicional da Exma. Juiz a quo decorrente da decisão de não admissão da reconvenção.
Dispõe o artigo 613º, nº 1, do CPC, que «proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa». Este preceito aplica-se igualmente aos despachos, com as necessárias adaptações (v. nº 2 do art. 613º).
O esgotamento do poder jurisdicional traduz-se na inadmissibilidade de o juiz que profere a decisão não a poder, em regra, rever, isto é, alterar o sentido do decidido ou algum dos seus fundamentos. Significa que a decisão, em princípio, apenas poderá ser modificada por via de recurso, quando este seja admissível, ou mediante incidente de reforma ou arguição de nulidade. Portanto, do esgotamento do poder jurisdicional consequente ao proferimento da decisão decorrem dois efeitos: um efeito negativo, que é a insusceptibilidade de o próprio tribunal que proferiu a decisão tomar a iniciativa de a modificar ou revogar; - um efeito positivo, que é a vinculação desse tribunal à decisão por ele proferida[2].
Posto isto, facilmente se verifica que a extinção do poder jurisdicional operou relativamente à matéria que foi apreciada e decidida: a não admissão da reconvenção pelos fundamentos que expôs. Foi isto e só isto que o Tribunal recorrido decidiu.
Em lado algum da decisão proferida em 22.11.2022 a Mma. Juiz se pronunciou sobre o depósito autónomo ou o destino a dar ao mesmo.
Trata-se de matéria que não foi objeto de apreciação e de decisão. Nada foi decidido relativamente ao depósito autónomo nem tal matéria se mostra abrangida por algum dos fundamentos da decisão.
Pelo exposto, a Sra. Juiz não estava impedida, em virtude da extinção do poder jurisdicional relativamente à reconvenção, de se pronunciar sobre o depósito autónomo nos termos em que o fez.

Alegam ainda os Recorrentes que a Sra. Juiz não podia determinar o destino a dar ao depósito efetuado à ordem deste processo, uma vez que, por um lado, isso «é da inteira responsabilidade da parte» e, por outro, ao «atribuí-lo a um outro processo» a decisão viola «o artigo 1410 do Código Civil».
Para bem apreciar esta questão torna-se necessário convocar alguns elementos elementares e lógicos.
Em primeiro lugar, tendo transitado em julgado a decisão que não admitiu a reconvenção, a quantia depositada nos autos, no valor de € 21.160,00, deixou de exercer qualquer função útil neste processo. A aludida quantia respeitava ao depósito do preço (e do valor que se alegou ser o correspondente aos impostos) no âmbito da preferência exercida por via reconvencional. Como a reconvenção não foi admitida, ou seja, já não subsistia a razão de ser do depósito, a dita quantia deixou de estar afetada à aludida função e finalidade.
Em segundo lugar, não admitido, por decisão já transitada, o pedido reconvencional relativo ao exercício da preferência, os Réus retomaram a disponibilidade de uma quantia que é sua.
Em terceiro lugar, como a quantia no valor de € 21.160,00 lhes pertencia, os Réus podiam fazer com ela o que bem entendessem. Nenhuma condicionante lhe podia ser imposta pelos Autores, em termos de movimentação e de destino.
Em quarto lugar, os Réus, tendo a disponibilidade da quantia depositada, podiam proceder ao depósito da mesma à ordem do processo 18/23.5T8MGD, no qual são autores. As repercussões de tal depósito são exclusivamente apreciadas na aludida ação, seja na vertente processual ou na substantiva.
Em quinto lugar, se os Réus podiam proceder ao depósito de tal quantia no processo 18/23.5T8MGD, por identidade de razão podiam legitimamente requerer a sua afetação ao aludido processo. Não existe nenhuma razão substancial para impor aos Réus o levantamento da aludida quantia (através da devolução do valor do depósito autónomo, pelo IGFEJ) e o seu posterior depósito à ordem daquele processo, quando com um único acto isso pode ser realizado, precisamente aquele que foi determinado pelo Tribunal a quo.
Em sexto lugar, os Recorrentes invocam a jurisprudência decorrente do acórdão da Relação de Guimarães de 23.04.2020 (Anizabel Pereira), proferido no processo 446/19.0T8CHV.G1[3].
Sucede que a situação tratada naquele aresto é diferente da que é objeto do presente recurso. Desde logo, os autores daquela ação não tiveram o cuidado de requerer no processo onde a quantia se encontrava depositada a transferência do depósito autónomo para a ação de preferência, sendo certo que o depósito tinha também sido realizado por pessoas diversas dos autores, antes requereram nesta que o juiz dispusesse relativamente a matéria que respeitava a outro processo. Depois, a quantia que se encontrava depositada em processo diferente do da ação de preferência não chegou a ser transferida para esta, tendo os Autores, muito depois de decorrido o prazo para depósito do preço, efetuado depósito autónomo no âmbito da ação de preferência (é elucidativo da situação o seguinte extrato do acórdão: «De tal forma que, in casu, - pasme-se – nem sequer ainda ocorreu a devolução de tal dinheiro depositado, conforme dito pelos recorrentes nos vários requerimentos juntos aos autos, tendo os AA efetuado um depósito novo à ordem dos presentes autos em Outubro de 2019.»). Acresce que os autores daquela ação pretendiam que se ficcionasse que o preço sempre estivera depositado à ordem da ação de preferência, sem qualquer correspondência com a realidade, tal como emergia do respetivo processado. Mais, no próprio acórdão alude-se à admissibilidade da transferência de depósito autónomo de um processo para outro, como bem resulta do seguinte segmento: «Repare-se que se ocorresse a transferência do depósito de outro processo para os presentes autos dentro do prazo de 15 dias, então tal transferência redundaria num verdadeiro depósito aludido no art. 1410º do CC.» Finalmente, o aresto pronuncia-se sobre a questão da caducidade do direito de ação de preferência por não ter sido depositado o preço naquele processo, matéria que no nosso processo está subtraída ao conhecimento do Tribunal e que não foi objeto de apreciação na 1ª instância.
 Em sétimo lugar, no âmbito destes autos, nenhuma violação do artigo 1410º (presumimos que os Recorrentes se estejam a referir ao nº 1, o que não explicitaram) do Código Civil pode resultar da transferência/reafectação do depósito autónomo. Isto pela singela razão de que nos presentes autos, estando arredada a reconvenção, os Réus não exercem qualquer direito de preferência. A questão de saber se se verifica a caducidade do direito de preferência por falta de depósito do preço é matéria que será, se for caso disso, apreciada no processo 18/23.5T8MGD.
Pelo exposto, improcedem as conclusões formuladas quanto a esta questão.
*

2.2.2. Da suspensão da instância

Impugnam os Recorrentes a decisão que declarou suspensa a instância com fundamento na pendência de causa prejudicial.
Nos termos do artigo 269º, nº 1, al. c), do CPC, a instância suspende-se quando o tribunal a ordenar. Explicita o artigo 272º, nº 1, 1ª parte, do CPC que «o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta».
Para que possa ser suspensa a instância tem de existir um nexo de dependência entre duas ações, traduzido em a apreciação do litígio na ação dependente estar condicionada pelo que venha a decidir-se na causa prejudicial. Segundo Miguel Teixeira de Sousa[4], «a prejudicialidade entre acções verifica-se quando o que é decidido numa delas (a acção prejudicial) condiciona o que pode ser decidido na outra (a acção dependente)». Por sua vez, na definição de José Alberto dos Reis[5], «uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda». Em suma, é necessário que o julgamento da causa prejudicial possa afetar a decisão a proferir na ação dependente.

No caso vertente, os Recorrentes começam por questionar o juízo formulado sobre a existência de prejudicialidade entre as duas causas, mas não lhes assiste razão.
Isto porque no processo 18/23.5T8MGD aprecia-se questão cuja decisão, a ser julgada procedente tal ação, modifica a situação jurídica que tem de ser atendida no julgamento da presente ação.
Na presente ação os Autores exercem o direito de preferência relativamente aos prédios identificados em 1.1., entre os quais figura o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...44 da freguesia e concelho .... Os Autores são titulares de metade indivisa de tal prédio e propõem-se exercer, enquanto comproprietários, o direito de preferência na venda entretanto ocorrida, entre o 1º e os 2ºs. Réus, da outra metade indivisa desse prédio.
Na ação que o Tribunal a quo considerou causa prejudicial os aqui 2ºs Réus alegam, na parte relevante para a apreciação da relação de dependência, a simulação do contrato de doação pelo qual os aqui Autores adquiriram metade indivisa do mencionado prédio rústico com o artigo matricial ...44, sustentando que se destinou a frustrar o exercício do direito de preferência de que os aqui Réus DD e EE «dispunham, por já serem, a essa data, proprietários do prédio rústico com o artigo matricial ...46, da freguesia e concelho ..., que confina com o simuladamente doado». Alegam que não ocorreu qualquer doação, mas sim a venda de metade indivisa de tal prédio, cujo preço está «compreendido no preço global de € 75.000,00 pelos quais os prédios foram efectivamente comprados e vendidos».
No processo 18/23.5T8MGD pretendem os aí demandantes que se reconheça que o contrato «foi celebrado com simulação de preço e simulação relativa com referência ao prédio rústico» e que lhes assiste, enquanto proprietários de prédio rústico confinante, o direito de preferência no aludido negócio de alienação de metade indivisa do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...44.
Portanto, a procedência dos efeitos jurídicos visados na ação com o nº 18/23.5T8MGD é suscetível de conferir aos Réus o direito de preferência e, consequentemente, a aquisição de metade indivisa do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...44 da freguesia e concelho ....
Se assim vier a suceder, os aqui Réus serão titulares precisamente do direito com base no qual os Autores pretendem exercer o direito de preferência sobre a outra metade indivisa do aludido prédio.
Deste modo, a procedência da causa prejudicial retirará – destruirá – o fundamento da alegada preferência na alienação da metade indivisa daquele prédio rústico.
Por isso, é manifesto que a decisão da presente causa está dependente do julgamento da causa do processo 18/23.5T8MGD: a apontada causa prejudicial tem por objeto pretensão que constitui pressuposto da formulada nesta ação.

Argumentam os Recorrentes que a propositura da ação com o nº 18/23.5T8MGD constitui uma manobra dilatória, por ter sido intentada «quando há mais de 9 anos o ½ do prédio se encontra registado a favor dos aqui Autores» e por o presente processo já se encontrar «em fase de agendamento de audiência de julgamento, não havendo lugar a mais articulados».
Sintetizam na conclusão 25ª que «qualquer eventual direito dos R.R., há muito que, se o tivessem, o teriam exercido, não podendo serem os Autores coartados, no direito de ver o seu processo decidido em Tribunal, tempo útil
Está agora em apreciação se a situação dos autos se subsume à previsão do nº 2 do artigo 272º do CPC, segundo a qual o juiz não deve ordenar a suspensão se houver razões para crer que a causa prejudicial foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.
Preveem-se nessa disposição duas situações distintas: a) a ação prejudicial ter sido proposta apenas para se obter a suspensão; b) os prejuízos da suspensão superarem as vantagens devido ao adiantado da ação dependente.
Quanto à primeira situação, a lei utiliza a expressão “unicamente”, pelo que se exige a evidência de que a ação que constitui a causa prejudicial tenha sido proposta exclusivamente com o objetivo de obter a suspensão da instância. Portanto, tem de haver o propósito único de obstar ao prosseguimento da ação dependente e, consequentemente, que não seja discernível qualquer outro motivo legítimo subjacente à propositura da ação prejudicial.
No que concerne à segunda situação, é necessário que o juiz, depois de apreciar as consequências da suspensão resultantes do tempo previsível de duração da ação prejudicial, conclua que os prejuízos da suspensão superam as vantagens.

Posto isto, não há rigorosamente qualquer elemento que permita afirmar que a ação prejudicial foi proposta pelos Réus com o exclusivo objetivo de conseguir a suspensão da instância. Estamos perante duas teses – a dos Autores e a dos Réus DD e EE – plausíveis e viáveis. A dos Réus não é menos plausível do que a dos Autores, atento o circunstancialismo que antecedeu e enformou o negócio (designadamente que os bens, em 18.06.2014, vieram onerosamente à titularidade de FF – mediante negócio no qual foi interveniente o pai da sua filha –, a qual, por sua vez, logo em 12.09.2014, declara vender aos Autores o prédio urbano inscrito na matriz predial sob o art. ...29 na freguesia e concelho ..., e doar igualmente aos Autores metade indivisa do prédio rústico inscrito na matriz sob o art. ...44; quer dizer, o direito foi adquirido onerosamente e passados uns meses a referida FF doa aos Autores metade do prédio correspondente ao artigo 344), e que a doação obstava ao exercício do direito de preferência. Segundo os Réus, apenas tomaram conhecimento dos factos que alegaram na causa prejudicial aquando da preparação da contestação apresentada nestes autos com o nº 33/22.... e essa alegação não é infirmada por qualquer elemento dos autos.

Por outro lado, não há qualquer evidência de que os prejuízos resultantes da suspensão sejam superiores às vantagens. Aliás, os Recorrentes não invocam qualquer prejuízo concreto, pois limitaram-se a enquadrar a questão no plano moral e a afirmar que têm direito a ver o seu processo decidido em “tempo útil”. Nesse plano argumentativo, tanto Autores como Réus têm direito à tutela efetiva dos direitos que invocam, pelo que inexiste, por enquanto, qualquer elemento substancial que torne aceitável ou tolerável o proferimento de decisões contraditórias ou incompatíveis entre si, que é algo que poderia ocorrer se a instância nesta ação não fosse suspensa. Com efeito, nada garante que, não se suspendendo esta ação dependente, a decisão que nela viesse a ser proferida fosse compatível com aquela que venha a ser proferida na ação prejudicial.

Termos em que improcedem as conclusões sobre esta questão.
*****

III – DECISÃO

Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
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Guimarães, 16.11.2023
(Acórdão assinado digitalmente)

Joaquim Boavida
Ana Cristina Duarte
Alexandra Rolim Mendes


[1] De ora em diante, CPC.
[2] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, editora Lex, pág. 572.
[3] Disponível para consulta em www.dgsi.pt.
[4] CPC online, versão de junho de 2023, em anotação ao art. 272º do CPC.
[5] Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, Coimbra Editora, 1946, pág. 268.