Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | MARGARIDA ALMEIDA FERNANDES | ||
Descritores: | ATROPELAMENTO IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO RESIDÊNCIA PRESUNÇÕES DECLARAÇÕES DE PARTE DANOS NÃO PATRIMONIAIS DANO BIOLÓGICO EQUIDADE JUROS DE MORA | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 09/29/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO DA R. PARCIALMENTE PROCEDENTE. RECURSO SUBORDINADO DA A. IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I - O dano biológico pode ser definido como sendo aquele que, tendo origem numa lesão corporal, se traduz na afectação da capacidade funcional de uma pessoa declarada pela atribuição de um determinado grau de incapacidade físico-psíquica, ainda que não conduza à perda ou redução da capacidade para o exercício da profissão habitual do lesado, mas que implique um maior esforço e/ou supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal e é ressarcível como dano autónomo. II - A indemnização pelo dano biológico deve ser fixada segundo critérios de equidade em função dos seguintes factores: a idade do lesado; o seu grau de incapacidade geral permanente; as suas potencialidades de ganho e de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividades económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências; a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas (também aqui, tendo em conta as suas qualificações e competências). Igualmente deverá o julgador ter em consideração as decisões judiciais que fixem indemnizações em situações similares com vista a uma interpretação e aplicação uniformes do direito. III – No caso de indemnização por danos não patrimoniais, estando igualmente em causa o critério da equidade, os tribunais, em vez de se limitarem a fazer apelo a este critério indicando logo um montante reputado como adequado, devem também ter em consideração as decisões judiciais que fixem indemnizações em situações similares. IV – Nas situações em que o Tribunal a quo se limita a declarar que entende ser justo e equitativa a atribuição de determinado valor a título de dano, sem fazer qualquer alusão à actualização do referido valor, quer nos termos do nº 2 do art. 566º do C.C., quer em função da inflação, são devidos juros de mora desde a citação nos termos da segunda parte do nº 3 do art. 805º do C.C.. V – A referência da decisão recorrida a fixação de indemnização com recurso à equidade “tendo em conta as condições e o valor monetário atuais” é equivalente à referência à inflação | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório O. P., com domicílio na Avenida … Vila Nova de Famalicão, instaurou a presente acção declarativa comum contra Companhia de Seguros X, S.A., com sede na Avenida … Lisboa, pedido: A condenação da Ré a pagar à Autora, a quantia de € 101.640,73, acrescida dos respetivos juros vencidos e vincendos, à taxa legal, contados a partir da data da citação. Alega, em síntese, que no dia 28/07/2018 foi vítima de um atropelamento quando se encontrava a atravessar na passadeira a faixa de rodagem situada na Av. ..., em Vila Nova de Famalicão. O atropelamento deveu-se à conduta imprudente e culposa do condutor do veículo com a matrícula IB. Fruto do embate sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais. * A ré apresentou contestação dizendo que aceita a responsabilidade do seu segurado na produção do embate, mas, apesar de reconhecer o dever de indemnizar a autora, impugna alguns danos, a sua gravidade pelo que considera exagerados os valores peticionados.* Foi dispensada a realização da audiência prévia, foi fixado o valor da acção, foi proferido despacho saneador, foi identificado o objecto do litígio, foram enunciados os temas da prova e foram admitidos os requerimentos probatórios.* Procedeu-se a audiência de julgamento, após a qual foi proferida sentença, cuja parte decisória, na parte que interessa, reproduzimos:“Em face do exposto, julga-se a ação parcialmente procedente, e, em consequência, condena-se a Ré COMPANHIA DE SEGUROS X, S.A, a pagar à Autora O. P.: i) A quantia indemnizatória de € 32.500,00 (trinta e dois mil e quinhentos euros), para compensação do dano de perda de capacidade de ganho futuro e dano biológico, sobre a qual vencem juros, à taxa legal de juros de 4%, desde a presente sentença até integral pagamento; ii) A quantia indemnizatória de € 15.000,00 (quinze mil euros), para compensação dos danos não patrimoniais, sobre a qual vencem juros à taxa legal de 4%, desde a presente sentença até integral pagamento; iii) A quantia indemnizatória de € 4.512,85 (quatro mil quinhentos e doze euros e oitenta e cinco cêntimos), para compensação dos danos patrimoniais, sobre a qual vencem juros à taxa legal de 4%, desde a citação até integral pagamento; iv) Absolve-se a Ré do restante peticionado. As custas da presente ação são da responsabilidade da Autora e da Ré, na proporção do respetivo decaimento (cfr. artigo 527º/1,2, do CPCiv). (…)” * Não se conformando com esta sentença veio a ré dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:“1 – Entende a Apelante que, salvo o devido respeito, ocorreram vários erros na decisão da matéria de facto. 2 –O ponto 26) do elenco dos FACTOS PROVADOS em que se diz “A Autora, à data do embate, tinha uma das suas residências habituais no segundo andar de um prédio, sem elevador, sito na Vila de Fão- Esposende.” deve ser alterado, passado a dizer-se o seguinte: A Autora, à data do embate, tinha a sua residência permanente na Avenida ..., nº ...., em Vila Nova de Famalicão, tendo uma casa de fim de semana, sita em Fão, à qual ia apenas aos fins de semana livres de que dispunha. 3 – impõem tal alteração não apenas a própria procuração forense passada pela A. ao seu Ilustre Mandatário, em que refere claramente que vive na Avenida ..., .... em Vila Nova de Famalicão como os documentos nº 4, 11, 12, 14, 16, 17 da PI assim como em todos os documentos clínicos juntos aos autos e notificados às partes em 14/01/2020, ou seja, em toda a documentação clínica emanada de hospitais e centros de saúde públicos. 4 – E, muito especialmente, os depoimentos das testemunhas F. M., e R. B. nos excertos assinalados no corpo destas alegações. 5 – Do mesmo modo, deve alterar-se o ponto 46) da matéria de facto provada em que se diz o seguinte: “Tais sessões de fisioterapia, com a periodicidade de 3 (três) dias por semana, tinham uma duração média de 1 (uma) hora, e eram dolorosas para a Autora. 6 – Não há qualquer prova documental que o ateste e, lidas as transcrições de todas as testemunhas ouvidas, vemos que não há uma única que diga o que quer que seja quanto ao facto de a fisioterapia ser ou não ser dolorosa – cfr. doc. 1 (transcrição integral do julgamento efectuada pela Y – Transcrição e Tradução de H. N. - Unipessoal, Lda.) 7 - Assim, o ponto 46) do elenco dos factos provados deve passar a ter a seguinte redação: 46) Tais sessões de fisioterapia, com a periodicidade de 3 (três) dias por semana, tinham uma duração média de 1 (uma) hora. 8 -Igualmente a alterar o ponto 53) do elenco dos factos provados em que se diz o seguinte: “A Autora é investigadora na área da contabilidade, em que é doutorada, tendo trabalhos publicados, o que a obriga a trabalho de investigação, normalmente, por falta de tempo, efetuado nas férias de verão.” 9 - Uma vez mais, absolutamente ninguém com excepção da Apelada se referiu alguma vez que fosse ao facto de a mesma ter que efectuar os seus trabalhos de investigação nas férias de verão – cfr transcrição integral dos depoimentos de todas as testemunhas ouvidas – cfr. doc. 1 10 – Uma vez mais estribado apenas nas declarações de parte da Apelada, desacompanhadas de qualquer meio de prova que as corrobore, o Tribunal a quo errou na decisão de facto. 11 - Deve o ponto 53 do elenco dos factos provados passar a ter a seguinte redação: 53) A Autora é investigadora na área da contabilidade, em que é doutorada, tendo trabalhos publicados, o que a obriga a trabalho de investigação. 12 - Também o ponto 59) do elenco dos factos provados deve ser radicalmente alterado, mas desta feita, sem qualquer recurso a prova testemunhal, bastando para o efeito a prova documental e pericial existentes. 13 - Diz-se no mesmo o seguinte: ”A Autora, à data do embate, com ressalva de diagnóstico prévio de rinite alérgica e de “distúrbio ansioso/estado de ansiedade”, era uma mulher saudável, alegre e determinada.” 14 – para além de se tratar de um paradoxo, a documentação clínica junta a fls. dos autos, (notificada às partes em 14/01/2020) em especial a anotação datada de 04/08/2017 da Dra. H. N. em que se diz que padece de Distúrbio Ansioso/Estado de Ansiedade, de tal forma grave que estava medicada com Bromazepan atesta o contrário. 15 - Até da segunda perícia resulta que a Apelada se encontrava medicada com Fluoxetina e Mirtazapina, que são antidepressivos! 16 - da mesma documentação clínica junta a fls. dos autos, (notificada às partes em 14/01/2020) resulta claro que a Apelada padecia desde os 20 anos de idade de rinite, de asma e de doença pulmonar obstrutiva crónica. 17 - Assim, a redação deste ponto 59) do elenco dos factos provados deve passar a ser a seguinte: 59) Já anos antes do acidente a A. padecia de asma, rinite alérgica, doença pulmonar obstutiva crónica, A Autora, à data do embate, com ressalva de diagnóstico prévio de rinite alérgica e de distúrbio ansioso/estado de ansiedade, sendo cronicamente medicada com Pulmicort nasal, Flutiform, (ambos para os pulmões e vias respiratórias) e ainda com Fluoxetina e Mirtazapina (ambos antidepressivos), etc. 18 - Devem ainda ser alterados os pontos 57) e 62) dos factos provados, o que acarretará, consequentemente, que se altere na mesma medida o ponto 60) de tais factos. 19 - Não se pode a decisão da Mma. Juiz a quo ao aderir apenas ao segundo relatório pericial para atribuir à Apelada o dano biológico de 5 em 100 pontos. 20 - Devidamente analisados ambos os relatórios e a documentação clínica existente nos autos não se pode manter esta decisão – o 1º relatório está melhor fundamentado – até pelos esclarecimentos às reclamações apresentadas e é corroborado pelo próprio segundo relatório pericial, junto a fls. em especial da sua pág. 3 no item Informação prévia ao acidente em apreço consta do mesmo o seguinte: Informacão prévia ao acidente em apreço: ............................................................ Em consulta de Otorrinolaringologia do Hospital ..., a 15-12-2008, "tosse irritativa, sem disfonia, não fumadora. RA: desvio septal esquerda acentuado, restante EO de ORL normal". ............ 21 – O 1º relatório do INML é o único que está em total consonância com a documentação clínica junta a fls dos autos (notificada às partes em 14/01/2020) em que a Dra. C. S., fisiatra, faz o seguinte lançamento em 21/11/2019: 22 - Consequentemente, o ponto 57 do elenco dos factos provados deve passar a ter a seguinte redação: 57) As sequelas descritas são causa de: - Défice funcional de integridade físico-psíquica fixável em 1,99 pontos; - Dano estético fixável em 3 pontos numa escala de 1/7; 23 – E, por isso, deve passar a ser a seguinte a redaçáo de tal ponto dos factos provados: 98) A data da consolidação médico-legal das lesões ocorreu a 27/11/2018. 24 – Por fim todo o ponto 62 do elenco dos factos provados deve ser eliminado - pois que resulta de mero lapso da Mma. Juiz a quo.que confundiu o ESTADO ATUAL no seu ponto A. QUEIXAS para surpreender que tudo o que a Mma. Juiz deu como provado em 62) não passa das queixas da Apelada. Com o ponto B. EXAME OBJECTIVO no qual o senhor perito se refere apenas a cicatrizes no crâneo, na face e no membro inferior direito, detectando apenas as seguintes sequelas do foro ortopédico: - sem dor na palpação da articulação do joelho; mobilidade da articulação do joelho com flexão entre 0-120º; sem instabilidade ligamentar evidente; sem atrofia muscular objetivável ……………………………….. - Membro inferior esquerdo: dor referida, sem defesa na palpação da face medial do joelho; mobilidade da articulação do joelho com flexão entre 0-120º; sem instabilidade ligamentar evidente; sem atrofia muscular objetivável............... 25 - E, assim sendo, como é, a decisão a proferir terá, forçosamente, que ser diferente da pronunciada, fazendo uma fixação e valoração dos danos que do acidente decorreram para a Apelada bem distinta da operada. 26 – A indemnização da Apelada pela alegada perda de capacidade de ganho deveria ser de € 32.500,00, antes se devendo ater por uns mais comedidos e equilibrados € 12.500,00. 27 - E, do mesmo modo, jamais a compensação pelos alegados danos morais deveria ascender a € 15.000,00, sendo mais que suficientes, atentas as lesões e sequelas que efectivamente advieram para a Apelada, a quantia de € 7.000,00. 28 - Por fim, crê-se ser bom de ver que jamais poderá manter-se a parcela da indemnização arbitrada pelos danos patrimoniais sofridos (danos emergentes) na dada como provada compra pela Apelada de produtos de tratamento capilares das marcas K., C. e L. a quantia total de (€ 122,65 +67,55+150,95), € 341,15 (trezentos e quarenta e um euros e quinze cêntimos) pelo que esta indemnização deve passar a ser de apenas € 4.171,70. 29 - Ainda que se entenda não ser de deferir a alteração da decisão da matéria de facto requerida, o que se concebe apenas para efeitos de raciocínio, sempre deve a decisão proferida ser alterada, por serem excessivos, face aos reais danos sofridos pelo A., os valores arbitrados. 30 - De facto, mesmo que não se considere que a Apelada ficou afectade de um dano biológico de apenas 1,99 pontos mas antes de 5 pontos, que teve dores na fisioterapia, que vivia de facto em Fão e teve que residir uns meses, até à alta, em casa de seus Pais, que perdeu a investigação que pretendia fazer nessas férias de verão, e que até a sua capacidade de fazer lides domésticas ficou afectada em 5 pontos em 100, é excessivo atribuir uma indemnização de € 32.500, 00 pelo dano biológico, acrescida de € 15.000,00 por danos morais. 31 - A apelada é uma mulher com 47 anos de idade à data da alta, hoje com mais de 50 anos de idade, mantém o mesmo emprego como professora universitária/investigadora, auferindo o mesmo rendimento, tendo apenas que efectuar esforços suplementares – na medida do dano biológico, que sem alteração da matéria de facto é de 5 pontos. 32 - Assim sendo, como é, reputa-se ajustada a verba de € 15.000,00 para indemnizar tão modesto dano biológico. 33 - Apenas se admite como passível de majoração a verba de € 10.000,00 que se sugere para compensação de todos os danos não patrimoniais se não se atender a alteração da matéria de facto mantendo-se o (inexistente, na verdade) nexo de causalidade entre o acidente e as dificuldades ou limitações da Apelada. 34 - A compensação por danos morais arbitrada fixada é totalmente exagerada, e mesmo violadora da Jurisprudência que, em casos análogos, vem sendo arbitrado e, como tal, do Art. 8º nº 3 CCiv.. 35 – E violadora do Art° 494° CCiv. Pugna pela revogação da decisão recorrida que deve ser substituída por outra que determine a alteração da matéria de facto provada nos termos sobreditos e arbitre à apelada os valores máximos ora propostos. * Não se conformando com aquela sentença veio a autora dela interpor recurso subordinado, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:“1)- Vem a Autora recorrer da douta sentença do Tribunal a quo, mas tão somente quanto à matéria de direito, e, em particular, no que concerne ao quantum indemnizatório e compensatório, por achar os valores fixados pelo Tribunal recorrido assaz reduzidos face à gravidade das lesões sofridas. 2)-O valor de € 32.500,00 fixado a título de compensação do dano de perda de capacidade de ganho futuro e dano biológico é, a nosso ver e s.s.m.o., insuficiente e assaz reduzido no caso vertente e, mais ainda dada a actividade docente da Autora, que a obriga a estar muito de pé, o que se lhe torna custoso face ao défice funcional de integridade físico-psíquica de 5 pontos, tudo associado às demais sequelas levadas ao elenco dos factos assentes e atrás exaustivamente transcritas em I.1 e I. pelo que nos dispensamos de os elencar novamente, dando-as aqui por reproduzidas. 3)-Atenta a idade da Autora à data do acidente, a incapacidade ou DPIFP de grau 5, alegadamente compatível com o exercício da sua actividade habitual, mas que implicam esforços suplementares, o seu rendimento anual, calculado com base nas remunerações ilíquidas, e as demais sequelas apuradas, entendemos que a indemnização a título de compensação do dano de perda de capacidade de ganho futuro e dano biológico não deve ser fixado em montante inferior a € 45.000,00 ( quarenta e cinco mil euros). 4)- Assaz reduzida se afigura também a compensação de € 15 000,00 atribuída na douta sentença recorrida pelos danos não patrimoniais, face às dores, sequelas e sua provável recidiva, e mais factores muito específicos já coligidos no ponto I.2 retro da motivação, e mais razões que V. Exªs doutamente e seguramente suprirão, pelo que, a nosso, ver se impõe a fixação de uma compensação nesta sede em montante nunca inferior a € 35 000,00 (trinta e cinco mil euros). 5)- A contagem dos juros, quer no que concerne à compensação do dano de perda de capacidade de ganho futuro e dano biológico quer dos danos não patrimoniais deve ser fixada a partir da data da citação da Ré para os termos da ação e não a partir da sentença, como o foi entendido, já que tal fixação, a nosso ver, não se mostra baseada em qualquer operação aritmética ou com recurso aos índices de inflação, nem minimamente justificado na mesma e pelas razões expendidas na motivação em II retro. 6)- Ao assim, não ter entendido, a Mª. Juiz do Tribunal a quo fez, a nosso ver e s.s.m.o., errada interpretação da lei e sua subsunção aos factos dados como assentes e atrás transcritos, e designadamente do disposto nos artºs. 494º, 496º e 566º do CC. e ainda nos artiºs. 804.º n.º 1, 805.º e 806.º do CC, estes quanto aos juros moratórios. Pugna pela revogação da sentença quanto aos valores indemnizatórios devendo ser substituída por outra onde se fixe os valores referidos. * Não foram apresentadas contra-alegações.* Os recursos foram admitidos como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.* Foram colhidos os vistos legais.Cumpre apreciar e decidir. * Tendo em atenção que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (art. 635º nº 3 e 4 e 639º nº 1 e 3 do C.P.C.), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, observado que seja, se necessário, o disposto no art. 3º nº 3 do C.P.C., as questões a decidir são:A) Apurar se ocorreu erro de julgamento na apreciação da matéria de facto; B) E/ou erro na subsunção jurídica. * II – FundamentaçãoForam considerados provados os seguintes factos: 1) No dia -/07/2018, cerca das 19h50m, na Avenida ..., frente ao prédio com o número de polícia ..., da união de freguesias de Vila Nova de Famalicão e Calendário, Vila Nova de Famalicão, desta comarca, ocorreu um embate, em que foram intervenientes: - A autora, que, naquele dia, hora e local, fazia, a pé, a travessia de uma passadeira para peões situada em frente aquele prédio; e - O veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula IB (adiante designado por IB), conduzido por A. T.. 2) Na data indicada em 1), a responsabilidade civil emergente da circulação rodoviária do veículo IB achava-se transferida para G – Seguros, SA (que foi incorporada na COMPANHIA DE SEGUROS X, SA), pelo acordo de seguro titulado pela apólice com o nº .... 3) O condutor do IB circulava, na referida Avenida ..., no sentido nascente/poente, ou seja, no sentido rotunda ... – Rotunda ... (Calendário). 4) No circunstancialismo de tempo e lugar atrás referidos, a autora, após se ter certificado de que nenhum veículo se aproximava então, iniciou, conjuntamente com os seus pais, a travessia da passadeira para peões situada em frente à Escola de Condução W., seguindo a trajetória sul-norte. 5) Quando a autora já havia percorrido toda a hemifaixa de rodagem mais próxima e se encontrava para além do meio da hemifaixa de rodagem contrária, e já próximo do passeio desse lado, surgiu então, vindo do seu lado direito, atento o seu sentido de marcha, o veículo IB, que, sem qualquer travagem ou manobra de recurso, a foi colher na mesma passadeira. 6) O embate, no meio da passadeira, deu-se com a parte frontal do IB na zona da cintura e coxa da perna direita da autora, atentos os respetivos sentidos de marcha. 7) Mercê do embate, a autora foi projetada 1,50 metros para além da parte dianteira do IB após a sua imobilização. 8) O local do embate é uma avenida, descrevendo uma recta com mais 100 metros, situa-se na cidade, e é marginada por blocos de prédios habitacionais e lojas, e, do lado nascente-poente, atento o sentido de marcha do IB, por estabelecimentos de ensino público. 9) Na data do embate, o condutor do IB declarou que ficou encandeado pelo sol e por isso não viu qualquer peão na passadeira. 10) A ré, por carta remetida a 16/08/2018, comunicou à autora que: “De acordo com os elementos disponíveis, é nosso entendimento que a responsabilidade pela sua produção é atribuível ao condutor do veículo por nós segurado.” 11) A autora nasceu em -/01/1972. 12) A autora foi assistida pelo INEM, que, entretanto, acorreu ao local do embate, e onde foi estabilizada pelos paramédicos. 13) Após o embate, a autora foi transportada, pelo INEM, para o serviço de urgência (SU) do Centro Hospitalar do Médio Ave, EPE, Unidade de Vila Nova de Famalicão (CHMA), onde foi assistida, pelas 20h26m, apresentando queixas de ligeiras cefaleias, dores na mão direita e ambos os joelhos, edema do dorso do nariz, escoriação frontal e feridas cortocontusas na região frontal e dorso do nariz, escoriações dos joelhos. 14) No serviço de urgência do CHMA, foi-lhe feita desinfecção das feridas, sutura e penso e depois encaminhada para ortopedia. 15) No serviço de ortopedia do CHMA, foi constatado que a autora apresentava fractura dos ossos próprios do nariz com maior descoaptação à esquerda e hematoma de partes moles perinasais. 16) No mesmo dia 28/07/2018, a autora foi sujeita, no CHMA, a tomografia computadorizada ao crânio, ossos da face e coluna cervical e a RX à mão direita e joelhos. 17) A autora ficou internada no CHMA, onde lhe foi colocado gelo nas feridas e fez toma de anti-inflamatórios não esteroides. 18) No dia 29/07/2018, a autora foi transferida, em ambulância, do CHMA para o Hospital ..., com indicação de encaminhada para observação por ORL (otorrinolaringologia) por traumatismo de OPN (ossos próprios do nariz) e com edema marcado do dorso nasal que compromete avaliação e com afundamento do dorso nasal esquerda, sem sinais de hematoma septal. 19) No Hospital ..., no serviço de ORL, a autora foi sujeita, sem anestesia geral, a redução de fratura de OPN (ossos próprios do nariz), tamponamento da fossa nasal esquerda com colocação de spongostan na fossa nasal esquerda e fitas de steri-strips e tala de zimmer, com vista à imobilização e protecção da pirâmide nasal. 20) No dia -/07/2018, a autora foi reencaminhada do Hospital ... para o CHMA de..., com indicação da ORL para fazer gelo no dorso nasal para reduzir edema e analgesia em SOS com paracetamol. 21) No mesmo dia 29/07/2018, novamente no CHMA de..., a autora foi orientada para o serviço de enfermagem, onde foi constatado que apresentava feridas cortocontusas na região frontal e dorso do nariz, que foram suturadas, e lhe foram lavadas as escoriações da face e aplicado bacitracina, e lavadas e desinfectadas as escoriações nos joelhos. 22) Já nos mesmos serviços de enfermagem do CHMA foi-lhe colocada cola biológica nas feridas do couro cabeludo, após o que foi encaminhada para os cuidados de penso e vigilância. 23) Por força do aludido na al. anterior, a autora teve de fazer um curto e desordenado corte do cabelo, tendo estado mais de um mês sem poder lavar ou mesmo molhar a cabeça, o que lhe provocou desconforto, vergonha, angústia e revolta por ter de o fazer. 24) Em 29/07/2018, a autora teve alta hospitalar, passando, a partir de então, ao regime de ambulatório, e a ser acompanhada ora pela sua médica de família, ora pelo CHMA. 25) Na data da alta hospitalar, foi recomendado à autora repouso absoluto devido à natureza das lesões e às consequentes dores. 26) A autora, à data do embate, tinha uma das suas residências habituais no segundo andar de um prédio, sem elevador, sito na Vila de Fão-Esposende. 27) A autora, quando da alta hospitalar, foi conduzida para a residência e casa de morada dos seus pais, sita em Vila Nova de Famalicão, na Avenida ... (onde, quando trabalha, tem residência), onde passou a viver, dado que não estava em condições de poder subir e descer as escadas do seu prédio sito em Fão-Esposende. 28) Nas primeiras semanas, e durante cerca de um mês, a autora, face ao seu estado, teve de recorrer ao auxílio e assistência de terceiras pessoas, no caso ora os seus pais, ora uma sua irmã, para a ajudar a cuidar da sua higiene pessoal, a levantar-se da cama e a sentar-se no sofá, para lhe dar os medicamentos, para fazer a comida, e, em geral, para a ajudar na satisfação das necessidades básicas. 29) Os seus dias, no referido período de tempo, eram passados entre a cama e o sofá, sendo a higiene pessoal mínima dadas as recomendações médicas de repouso e às colas aplicadas no couro cabeludo. 30) No dia 02/08/2018, a autora deslocou-se à consulta externa de ORL do CHMA de Vila Nova de Famalicão, onde foi assistida, tendo sido constatado que a tala exterior colocada na narina esquerda estava a fazer infecção da pele, o que a levou a removê-la e a prescrever a aplicação de ácido fusídico (Fucidine) creme em bisnaga e heparinóide (Hirudoid), creme, também em bisnaga. 31) No dia 06/08/2018, a autora voltou à consulta de ORL do CHMA, para verificação do estado de cicatrização do nariz e na qual foi confirmada a retração da infecção no nariz e a boa recuperação das lesões, com recomendação de acompanhamento da evolução por especialista para verificar a extensão dos danos no nariz, mormente a nível olfactivo. 32) No dia 07/08/2018, a autora deslocou-se ao Centro de Saúde ... Famalicão para extração dos pontos com que havia sido suturada no nariz e fez mudança de penso na testa. 33) No dia 10/08/2018, deslocou-se ao mesmo CS ... Famalicão para nova consulta e onde lhe foi prescrito Hirudoid para aplicação nas cicatrizes. 34) Em 24/08/2018, a autora, com queixas de gonalgia bilateral, recorreu à consulta de ortopedia no Hospital Privado da ..., constando do respetivo registo: “Eo - derrame de médio volume, à esquerda, instabilidade Ap?, dor compartimento interno, prova meniscal + Joelho dto com ligeiro derrame e dor nas interlinhas, sem instabilidade aparente” 35) Na consulta referida na al. anterior, foi prescrita RMN a ambos os joelhos. 36) No dia 27/08/2018, a autora fez, no Hospital ..., 2 (duas) RMN`s aos dois joelhos. 37) Em 06/09/2018, a autora recorreu à consulta da médica dermatologista, no Hospital ..., devido às cicatrizes na face, na região frontal média e dorso do nariz com encerramento diretos por pontos simples e região frontal esquerda e encerramento por segunda intenção, e nela foi confirmada a persistência de cicatrizes ainda eritematosas na região frontal e mais pigmentada na região do dorso do nariz. 38) No dia 11/09/2018, a autora recorreu a nova consulta de ortopedia no Hospital ..., de cujo registo clínico consta o seguinte: - “RMN joelho esquerdo - Derrame articular de pequeno/médio volume distendendo a bolsa serosa suprapatelar. Dissociação edematosa dos planos subcutâneos da face medial e lateral do joelho, sem coleções fluidas organizadas nomeadamente hematomas. Não há locais de bursite pré ou retro-patelar. Nas sequências com saturação de gordura sobressai franco hipersinal dos côndilos femorais traduzindo edema/contusão óssea, com evidência de fratura do osso trabecular no interno. Não há outros focos de endema/contusão óssea. Lesão avulsiva de inserção femoral do ligamento colateral externo que se apresenta ligeiramente retraído e de aspeto redundante. São normais o ligamento colateral inteno e a banda iliotibial. Ligamentos cruzado anterior e posterior íntegros. Meniscos de normal morfologia, o interno com discreto hiersinal do corno posterior, porfenómenos de degenerescência hialiana ou até de natureza contusional, sem traços de fratura (…).” - “RMN joelho direito – Não há derrame articular nem quistos de Baker no cavado poplíteo. Sinais de fratura cominutiva da cabeça do perónio com marcado hipersinal deste elemento ósseo nas sequências com saturação de gordura. Cursa sem desalinhamentos. Hipersinal edematoso/contusional do prato tibial externo. Tendões rotuliano e quadricipal íntegros. Rótula em ligeira báscula externa, sem sinais de condromalacia (…)”. 39) Na mesma consulta do dia 11/09/2018, o médico ortopedista aconselhou a autora “dado apresentar instabilidade do LCL do joelho esquerdo” a cirurgia para reinserção com âncora. 40) Ainda na consulta do dia 11/09/2018, o médico recomendou à autora o uso de joelheira latero-estabilizada e a fazer 20 (vinte) sessões de fisioterapia, com reavaliação após. 41) No período compreendido 13/09/2018 e 16/10/2018, a autora, a prescrição do seu ortopedista, e depois confirmado pelo seu fisiatra, começou por fazer uma bateria de 15 (quinze) sessões de fisioterapia, no serviço de fisioterapia do Hospital ..., com vista à sua recuperação funcional, mormente do joelho esquerdo. 42) No período compreendido entre 18/10/2018 e 29/11/2018, a autora fez 15 (quinze) sessões de fisioterapia. 43) No período compreendido entre 04/12/2018 e 24/01/2018, a autora fez uma outra bateria de 15 (quinze) sessões de fisioterapia. 44) No período compreendido entre 05/02/2019 e 08/03/2019, a autora fez a última bateria de 15 (quinze) sessões de fisioterapia. 45) Cada uma das sessões de fisioterapia, compreendia uma fase de estimulação transcutânea, fortalecimento muscular/mobilização articular, massagem com técnicas especiais, técnicas de cinesiterapia e aplicação de ultra-som, e outros exercícios de reabilitação. 46) Tais sessões de fisioterapia, com a periodicidade de 3 (três) dias por semana, tinham uma duração média de 1 (uma) hora, e eram dolorosas para a autora. 47) A autora fez, no total, 60 (sessenta) sessões de fisioterapia, desdobradas em 4 (quatro) baterias de 15 (quinze) sessões cada. 48) A autora esteve de baixa médica, dada pela sua médica de família do ... Famalicão, desde 30/07/2018 e ininterruptamente até 24/09/2018. 49) A autora é professora auxiliar na Universidade ..., pertencente à Fundação ...-Cultura Ensino e Investigação Científica, onde exerce as funções de coordenadora do curso de Contabilidade e leciona algumas disciplinas do mesmo curso. 50) Em 25/09/2018, a autora, por sua iniciativa, apresentou-se ao serviço na Universidade ... de Vila Nova de Famalicão, embora contra o parecer dos médicos que então a acompanhavam, e mormente da sua médica de família, pois temiam um retrocesso na sua recuperação, já que a sua atividade profissional de docente a obriga a estar muito de pé. 51) A autora auferia, na Universidade ..., o vencimento base mensal (ilíquido) de € 1.104,53 (mil cento e quatro euros e cinquenta e três cêntimos) (sendo líquido de € 803,63). 52) A autora, além de docente na Universidade ..., é também professora auxiliar convidada na Escola de Economia e Gestão da Universidade do ..., polo de ..., no que auferia o vencimento mensal (ilíquido) de € 1.063,94 (mil e sessenta e três euros e noventa e quatro cêntimos) (sendo líquido de € 763,67), atualizado, a partir de outubro de 2018, para o montante (ilíquido) de € 1.170,33 (sendo líquido de 827,63). 53) A autora é investigadora na área da contabilidade, em que é doutorada, tendo trabalhos publicados, o que a obriga a trabalho de investigação, normalmente, por falta de tempo, efetuado nas férias de verão. 54) As duas primeiras semanas de ensino pós-alta foram custosas, dado o cansaço e dores provocados pelas horas de pé e às dificuldades de locomoção e mobilidade na condução. 55) A autora teve perdas salariais correspondentes às remunerações que deixou de auferir na Universidade ... durante o tempo que esteve incapacitada para o trabalho, na quantia de € 2.209,06 (€ 1.104,53 x 2 meses). 56) A autora, embora clinicamente dada como curada, apresenta ainda as seguintes sequelas: - Crânio: cicatriz linear, normocrómica, com 2 centímetros de comprimento, localizada na região parietal, sobre a linha média; - Face: cicatriz linear, hiperpigmentada, com 3 centímetros de comprimento, localizada no dorso do nariz, sem dor na percussão dos ossos próprios do nariz; desvio do septo nasal para a esquerda; cicatriz linear, normocrómica, com 2,5 centímetros de comprimento, localizada na região frontal, sobre a linha média, na transição para o cabelo; duas áreas hipopigmentadas, ténues, do contornos mal definidos, medindo 2 e 3 centímetros de diâmetro, localizadas na região frontal; - Membro inferior direito: cicatriz irregular, ligeiramente hipopigmentada, medindo 1,5 por 1,5 centímetros de maiores dimensões, localizada na face anterior do joelho; cicatriz irregular, ligeiramente hipopigmentada, medindo 1 por 0,5 centímetros de maiores dimensões, localizada na face anterior do joelho; sem dor na palpação da articulação do joelho; mobilidade da articulação do joelho com flexão entre 0-120º; sem instabilidade ligamentar evidente; sem atrofia muscular objetivável; - Membro inferior esquerdo: dor referida, sem defesa na palpação da face medial do joelho; mobilidade da articulação do joelho com flexão entre 0-120º; sem instabilidade ligamentar evidente; sem atrofia muscular objetivável s lesões sofridas. 57) As sequelas descritas são causa de: - Défice funcional de integridade físico-psíquica fixável em 5 pontos; - Dano estético fixável em 3 pontos numa escala de 1/7; 58) As sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares. 59) A autora, à data do embate, com ressalva de diagnóstico prévio de rinite alérgica e de “distúrbio ansioso/estado de ansiedade”, era uma mulher saudável, alegre e determinada. 60) A autora, antes do embate, subia a pé os dois andares da sua casa em Fão-Ofir, diversas vezes ao dia, fazia todas as compras, e assegurava todas as lides domésticas na sua casa de residência, o que ficou comprometido com as sequelas do embate na proporção do défice funcional a que se alude em 57). 61) A autora fazia as compras nas mercearias e supermercados e trazia-as para casa, pegando nos sacos e com os mesmos subia e descia as escadas do r/c para o segundo andar sempre sem qualquer problema. 62) A autora, ainda como sequelas das lesões sofridas quando do embate, apresenta: - Dificuldade em subir e descer escadas, por dor em ambos os joelhos; dificuldade em permanecer durante longos períodos de tempo em ortostatismo por iniciar quadro de dor em ambos os joelhos; dificuldade em iniciar a marcha de manhã; dificuldade em permanecer na posição de cócoras ou com ambos os joelhos no solo; dificuldade na preensão de objetos com peso superior a 10kg por dor nos joelhos devido a transmissão do peso; gonalgia bilateral, mais marcada a esquerda, diária, que agrava com os esforços e mudanças de temperatura; sensação de ficar com o nariz mais entupido, com dificuldade em respirar pelo nariz, principalmente pela narina esquerda, edema em ambos os joelhos; - Dificuldade em aspirar, necessitando de ajuda para realizar essas tarefas; - Dificuldade em permanecer de pé durante as aulas, necessitando sentar-se para continuar a lecionar, dificuldade em andar no campus, em subir escadas, e todas as tarefas que exijam esforços com os membros inferiores. 63) O pessoal paramédico do INEM acorreu ao local cerca de 8/10 (oito/dez) minutos depois. 64) A autora viu a morte à sua frente e a sua qualidade de vida mudar para pior, em função das sequelas a que se alude em 57) e 62). 65) A autora ficou com a face desfigurada durante mais de 6 (seis) meses e a cana do nariz fraturada, o que lhe provocou dores e vergonha pelo seu aspeto, mormente quando teve de se apresentar aos seus colegas professores e alunos das Universidade ... e Universidade do .... 66) A autora foi sujeita à intervenção cirúrgica ao nariz para reposicionamento no local correto do osso do nariz (redução) e de seguida foi-lhe colocada tala externa para estabilização do osso, o que tudo lhe provocou dores, mal-estar e ameaça de desmaio. 67) A autora andou cerca de 6 (seis) semanas a fazer gelo, e mais de três meses a aplicar cremes na testa e nariz, nebulizadores nasais, e a tomar analgésicos para as dores. 68) A autora viu o cabelo comprido que usava ser-lhe cortado curto e sem alinhamento para possibilitar melhor tratamento das feridas na testa e no couro cabeludo e para permitir a aplicação de colas biológicas como forma de acelerar a cicatrização e consequente recuperação mais rápida das feridas. 69) A autora sempre se orgulhou do seu cabelo comprido, pelo que o seu corte constituiu desgosto e desconforto. 70) A profissão da autora obriga-a a uma quase diária exposição pública perante colegas, alunos e outras pessoas. 71) A autora, mercê do embate, não pôde participar no jantar de aniversário da sua mãe, que fazia anos no dia seguinte, e que ia ser comemorado na casa da sua irmã, para onde se dirigia no dia do embate, como não pôde participar no passeio de família planeado para o dia seguinte (domingo), o que lhe causou tristeza e desgosto. 72) As suas férias do Verão de 2018, com início no dia 30/07 (segunda-feira), ficaram comprometidas com o embate, com a agravante de os seus pais iam fazer férias consigo, o que a lhe causou amargura, tristeza e desgosto. 73) A autora, devido às lesões na pele, e cicatrizes na testa e nariz, ficou mais sensível ao calor nessas zonas. 74) A autora, além da atividade docente, dedica-se à investigação científica na sua área académica. 75) A autora, mercê do embate e no ano em que o mesmo se produziu, não pôde fazer a deslocação a Lisboa que tinha previsto fazer para recolha de dados e de mais material da sua área de especialização. 76) As limitações aludidas em 56) e 62) far-se-ão sentir ao longo de toda a sua vida. 77) A autora, antes do embate, fazia caminhadas a pé, em parques, na rua e na praia. 78) A autora está limitada na possibilidade quanto ao indicado na al. anterior na proporção do défice funcional referido em 57). 79) As cicatrizes que ficou a padecer causam-lhe vergonha e desgosto e a autoestima e vaidade feminina da autora ficou afetada na proporção do prejuízo estético a que se alude em 57). 80) A autora sente tristeza pelas sequelas do embate referidas em 56), 57) e 62). 81) Após o acidente, a autora deixou de conviver e de sair com os amigos, com a regularidade que antes o fazia, o que lhe causou tristeza. 82) A autora, com a realização, no Hospital ..., no dia 27/08/2018, de duas RMN`s (ressonâncias magnéticas) aos joelhos direito e esquerdo, despendeu a quantia de € 420,00 (quatrocentos e vinte euros). 83) Em duas consultas de oftalmologia no Hospital ..., das quais uma no dia 07/08/2018, e outra no dia 04/09/2018, esta com avaliação da visão binocular e oftalmoscopia, despendeu a autora as quantias respetivamente de € 12,96 e € 74,00, num total de € 86,96 (oitenta e seis euros e noventa e seis cêntimos) 84) Na aquisição de uma armação para óculos e respetivas lentes progressivas, a prescrição médica, e já que os que usava resultaram partidos no embate, despendeu a autora, no dia 16.09.2018, a quantia de € 720,00 (setecentos e vinte euros). 85) Na aquisição de lentes de contacto, a prescrição médica para atenuar o uso intenso da armação devido às feridas no nariz, despendeu a autora a quantia de € 63,60 (sessenta e três euros e sessenta cêntimos). 86) Em 3 (três) consultas de dermatologia, no Hospital ..., respectivamente nos dias 06/09/2018, 29/11/2018 e 16/01/2019, despendeu a autora, à razão de € 45,00 cada, a quantia de € 135,00 (cento e trinta e cinco euros). 87) Em 2 (duas) consultas de ortopedia, no Hospital ..., das quais uma no dia 24/08/2018 e outra em 11/09/2018, despendeu a autora, a quantia de € 90,00 (noventa euros). 88) Com as 60 (sessenta) sessões de fisioterapia realizadas no Hospital ..., no período compreendido entre 13/09/2018 e fins de fevereiro/meados de março de 2019, despendeu a autora a quantia de € 600,00 (seiscentos euros). 89) Numa consulta de fisiatria, no Hospital ..., no dia 12/09/2018, despendeu a autora a quantia de € 45,00 (quarenta e cinco euros). 90) Na aquisição de uma joelheira medicinal com barras flexíveis GNT, em 21/09/2018, na O.-Ortopedias, despendeu a autora a quantia de € 63,55 (sessenta e três euros e cinquenta e cinco cêntimos). 91) Numa consulta de cirurgia vascular e uma angiodinografia, no dia 14/09/2018, na Clínica ..., de ..., ... e ..., Clínica Médica, Lda., despendeu a autora a quantia de € 27,50 (vinte e sete euros e cinquenta cêntimos). 92) Em taxas moderadoras pagas ora no CHMA, ora no Centro de Saúde-... Famalicão, despendeu a autora o total de (€ 4,50+16,00+16,00+1,50+4,50+4,50 +4,50), € 51,50 (cinquenta e um euros e cinquenta cêntimos). 93) Na aquisição dos medicamentos prescritos no âmbito do SNS pelos médicos que a acompanharam após o embate, despendeu a autora a quantia total de € 213,23 (duzentos e treze euros e vinte e três cêntimos) (€ 15,40+ 2,08 +24,65+ 10,20 +22,28+28,50+18,89+52,75+22,08+16,40). 94) A autora, em resultado do embate, viu inutilizadas uma saia, no valor de € 60,00, uma T-shirt, no valor de € 25,00, um blusão, no valor de € 120,00, umas sandálias Gabor, no valor de € 130,00, e uma carteira em tecido e pele, no valor de € 140,00, que tudo vestia até porque nesse dia ia para o jantar de aniversário da mãe, o que tudo perfaz a quantia total de € 475,00 (quatrocentos e setenta e cinco euros). 95) Com a certidão do auto de auto de participação de acidente, despendeu a autora a quantia de € 52,00 (cinquenta e dois euros). 96) A autora despendeu na compra de produtos de tratamento capilares das marcas K., C. e L. a quantia total de (€ 122,65+67,55+150,95), € 341,15 (trezentos e quarenta e um euros e quinze cêntimos). 97) A ré já pagou à autora, a título de reembolso e por conta dos medicamentos, taxas moderadoras e outros, a quantia total de € 1.082,62 (mil e oitenta e dois euros e sessenta e dois cêntimos). - Considerados nos termos do artigo 5º/2, a), do C.P.Civ.: 98) A data da consolidação médico-legal das lesões ocorreu a 23/02/2019. * Não se provou:- Oriundos da petição inicial: a) O condutor do IB circulava a velocidade nunca inferior a 50 km/hora. b) Na sequência do embate, a autora desmaiou, perdendo os sentidos e só recuperou no interior da ambulância. c) A autora correu risco de vida. d) A autora, no período indicado em 28), necessitou que os seus pais ou a sua irmã lhe dessem de comer. e) A autora teve perdas salariais superiores às indicadas em 55). f) A autora, à data do embate, não apresentava antecedentes patológicos. g) A autora, antes do embate, praticava outra atividade física regular para além das indicadas em 77). h) A autora, como consequência e causa direta e necessária do embate, não tem agora os níveis de concentração, de raciocínio e de resistência física e intelectual que antes tinha, ou pelo menos ficaram seriamente prejudicados. i) Mercê do embate, a autora viu a investigação científica então em curso ficar suspensa desde então e não sabe se e quando a poderá retomar, embora consciente de que pode porem causa eventuais oportunidades de obter uma situação profissional mais estável. j) Fruto das sequelas provocadas pelo embate, à autora está vedado frequentar a praia, e mesmo a piscina. k) A autora vai ter de considerar mudar de casa, por causa das sequelas do embate. l) Na sequência do embate, e como consequência das colas e dos fármacos para as dores que teve de passar a tomar, a autora teve uma queda intensa do cabelo, que, a conselho de profissionais do ramo, começou a tratar e ainda está a tratar com o uso de produtos de tratamento específico da marca K. e outras apropriadas. m) As limitações aludidas em 57) e 62) provavelmente agravar-se-ão no futuro. n) A vida académica da autora, quer ao nível de estabilidade, quer de progresso a nível da carreira, ficou seriamente comprometida com o embate. o) O atraso na área da investigação dificilmente poderá ser recuperado. p) Na data atual, a autora tem pesadelos e outros distúrbios durante o sono provocados pelo sucedido, acordando sobressaltada e nervosa. q) Na data atual, a autora mantém a recusa de conviver com os amigos. r) A autora ficou a padecer de outras sequelas ou tem outras queixas para além das que se alude nos factos provados. * A) Reapreciação da matéria de factoInsurgem-se a apelante réu contra os factos provados nº 26, 46, 53, 57, 59, 62, 96? e 98. Nos termos do art. 662º nº 1 do C.P.C., diploma a que pertencerão os preceitos a citar sem menção de origem, A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. O Tribunal da 1ª Instância, ao proferir sentença, deve, em sede de fundamentação “(…) declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas de factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência” (art. 607º nº 4) e “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes” (art. 607º nº 5). Sendo certo que o julgador aprecia a prova de acordo com a sua livre convicção, salvo algumas limitações, a análise crítica da prova é da maior importância do ponto de vista da fundamentação de facto da decisão. Com efeito, esta deve ser elaborada por forma a que, através da sua leitura, qualquer pessoa possa perceber quais os concretos meios de prova em que o Tribunal se baseou para considerar determinado facto provado ou não provado e a razão pela qual tais meios de prova foram considerados credíveis e idóneos para sustentar tal facto. Esta justificação terá de obedecer a critérios de racionalidade, de lógica, objectivos e assentes nas regras da experiência. A exigência de análise crítica da prova nos termos supra referidos permite à parte não convencida quanto à bondade da decisão de facto tomada pelo tribunal da 1ª instância interpor recurso contrapondo os seus argumentos e justificar as razões da sua discordância. Caso seja requerida a reapreciação da matéria de facto incumbe, desde logo, ao Tribunal da Relação verificar se os ónus previstos no acima art. 640º se mostram cumpridos, sob pena de rejeição do recurso. Não havendo motivo de rejeição procede este tribunal à reapreciação da prova nos exactos termos requeridos. Incumbe a este Tribunal controlar a convicção do julgador da primeira instância verificando se esta se mostra contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos e sindicar a formação da sua convicção. i.e., o processo lógico. Não deixando de ter presente que o tribunal da 1ª instância, por força da imediação, é o tribunal melhor posicionado para proceder ao julgamento de facto, nada impede que, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, o tribunal superior conclua de forma diversa da do tribunal recorrido desde que tenha bases sólidas e objectivas. Contudo, não poderá deixar-se de ter presente que, por força da imediação, o tribunal da primeira instância é o que se encontra melhor colocado para apreciar a prova, designadamente a testemunhal. No caso em apreço os apelantes deram cumprimento ao disposto no art. 640º nº 1 uma vez que indicaram os concretos pontos da matéria de facto que consideraram incorrectamente julgados, a decisão que, no seu entender, deveria ter sido proferida e os concretos meios probatórios em que se basearam. Vejamos. - Facto provado nº 26 Antes de mais, o conceito legal “domicílio” é preenchido ou consubstanciado pelo conceito de “residência”. A propósito do conceito de domicílio e da expressão “residencia habitual” lê-se no Ac. da R.C. de 14/06/2016 (Carlos Moreira), in www.dgsi.pt, endereço a que pertencerão os acórdãos a citar sem menção de origem: “A «residência» é um elemento de facto: é o sítio preparado para servir de base de vida a uma pessoa singular – cfr-. Castro Mendes in Teoria geral, 1967, 1º, 228. Mas como dimana do artº 82º, o elemento factual «residência» que pode preencher o conceito legal de «domicílio» apresenta uma intensidade com várias vertentes ou cambiantes. A mais impressiva ou forte, é a «residência habitual». (…) tem-se entendido que: «Residência permanente é o local onde está centrada a organização da vida individual, familiar e social do arrendatário, com carácter de habitualidade e estabilidade, ou seja, a casa em que o arrendatário juntamente com o agregado familiar toma as suas refeições, dorme, desenvolve toda a sua vivência diária, familiar e social; o local onde, de modo estável e continuado, se centra a actividade inerente à economia doméstica e familiar do arrendatário» - cfr. Ac. da Relação de Lisboa de 21.06.2011, dgsi.pt, p. 1491/04.6PCAMD.L1-1. Assim sendo, há que convir que sendo a residência habitual um minus, por reporte à residência permanente, para aquela deve exigir-se uma menor intensidade e continuidade de vivência num determinado local, para que ela possa sobrevir e permitir a conclusão que neste a pessoa tem o seu domicílio. Mas mesmo que neste particular se possa ser menos exigente, é evidente que o adjectivo “habitual” tende a indicar uma certa duração ou o decurso de um razoável lapso de tempo, pois que tal é necessário para a organização e estabilização do modus vivendi pessoal. (…) o artº 82º do CC permite que um cidadão possa ter mais do que um domicílio desde que resida habitualmente alternadamente em diversos locais. Porém tal possibilidade deve respeitar certos requisitos. Em primeiro lugar a alternância reporta-se, não a uma qualquer residência meramente passageira, esporádica e sem cariz de estabilidade, mas antes a duas ou mais residências habituais, no sentido supra expresso, ie. torna-se necessário que em relação a cada uma delas se verifique alguma estabilidade, habitualidade, continuidade e efetividade de estada do centro da vida familiar. Em segundo lugar temos de estar perante uma verdadeira alternância, ou seja sem hierarquização de um local relativamente ao outro (como acontece com as residências secundárias ou acidentais, para fins de recreio), mas antes perante residências que são usadas com a mesma relevância e paritariamente – cfr. Acs. da Relação de Lisboa de 15.12.2005, dgsi.pt, p. 11237/2005-6 e de 21.06.2011 supra cit.. (…)”. No caso em apreço, afigura-se-nos nada haver a censurar ao tribunal recorrido. De parte da documentação junta, como a participação de acidente (que alude ao bilhete de identidade da autora), carta da ADSE dirigida à autora, recibos da Multiópticas e morada constante do processo clínico no Hospital ... (onde aquela se trata há longos anos), resulta que a sua morada é em Fão. Esta é a sua “morada oficial”. A demais documentação clinica junta, onde consta a morada dos pais, em Vila Nova de Famalicão, refere-se a tratamentos e consultas após e na sequência do acidente em análise, o mesmo se verificando com a morada referida na procuração forense datada de 12/11/2018 e no requerimento em que pede o beneficio de apoio judiciário entrado em 21/11/2018, sendo que se apurou que foi aí que viveu nesse período de tempo pela necessidade de apoio que teve. Do depoimento da testemunha R. P., pai da autora, resulta que esta tem um apartamento seu em Fão, mas que, por motivos de proximidade a um dos seus locais de trabalho, dorme durante a semana na sua casa, na Avenida ..., ..., Vila Nova de Famalicão. Este depoimento é compatível com o da testemunha F. M., vizinho “porta com porta” dos pais da autora, que refere que “ela mora com os pais” considerando-a “vizinha”. Em relação a ambas as residências tem a autora o centro da sua vida com estabilidade e continuidade em paridade. - Facto provado nº 46 Afigura-se-nos que é de manter a parte final deste facto provado por o mesmo resultar de presunção judicial. “(…) O uso de presunções não se reconduz a um meio de prova próprio, consistindo antes, como se alcança do art.º 349º do Cód. Civil, em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos (factos de base) para dar como provados factos desconhecidos (factos presumidos). (…) A presunção traduz-se e concretiza-se num juízo de indução ou de inferência extraído do facto de base ou instrumental para o facto essencial presumido, à luz das regras da experiência, sendo admitida nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (art.º 351º do Cód. Civil).” – Ac. do S.T.J. de 19/01/2017 (António Joaquim Piçarra). E “(…) Sendo as presunções judicias ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, de acordo com as regras da experiência comum, só serão validamente contraditadas se o impugnante demonstrar a não prova do facto base da presunção, ou o carácter ilógico do facto presumido (isto é, o não se mostrar o mesmo sufragado pelas ditas regras da experiência).” – Ac. desta Relação de 10/01/2019 (Maria João Matos). Posto isto verificamos que in casu foram dados como provado os seguintes “factos base”: por um lado, dores em ambos os joelhos logo após o acidente e depois (nº 13 e nº 34), avaliação dos mesmos na consulta de ortopedia de 11/09/2018 com recurso aos resultados de RMN´s (nº 38), foi aconselhada inicialmente cirúrgia, mas acabou por se optar por fisioterapia (nº 39, 40 a 44), e, por outro lado, em casa sessão desta tinha uma fase de estimulação transcutânea, fortalecimento muscular/mobilização articular, massagem com técnicas especiais, técnicas de cinesiterapia e aplicação de ultra-som, e outros exercícios de reabilitação (nº 45) pelo que destes se pode inferir logicamente que as sessões de fisioterapia eram dolorosas, o que aliás resulta das regras da experiência comum. - Facto provado nº 53 Nesta sede, uma vez que se trata de facto referido pela autora, importa fazer algumas considerações acerca da valoração das declarações de parte. A este propósito subscrevemos o referido no Ac. da R.L. de 26/04/2017 (Luís Filipe Pires de Sousa): “I.–No que tange à função e valoração das declarações de parte existem três teses essenciais: (i) tese do caráter supletivo e vinculado à esfera restrita de conhecimento dos factos; (ii) tese do princípio de prova e (iii) tese da autossuficiência das declarações de parte. II.–Para a primeira tese, as declarações de parte têm uma função eminentemente integrativa e subsidiária dos demais meios de prova, tendo particular relevo em situações em que apenas as partes protagonizaram e tiveram conhecimento dos factos em discussão. III.–A tese do princípio de prova defende que as declarações de parte não são suficientes para estabelecer, por si só, qualquer juízo de aceitabilidade final, podendo apenas coadjuvar a prova de um facto desde que em conjugação com outros elementos de prova. IV.–Para a terceira tese, pese embora as especificidades das declarações de parte, as mesmas podem estribar a convicção do juiz de forma autossuficiente. V.–É infundada e incorreta a postura que degrada – prematuramente - o valor probatório das declarações de parte só pelo facto de haver interesse da parte na sorte do litígio. O julgador tem que valorar, em primeiro lugar, a declaração de parte e, só depois, a pessoa da parte porquanto o contrário (valorar primeiro a pessoa e depois a declaração) implica prejulgar as declarações e incorrer no viés confirmatório. VI.–É expectável que as declarações de parte primem pela coerência e pela presença de detalhes oportunistas a seu favor (autojustificação) pelo que tais caraterísticas devem ser secundarizadas. VII.–Na valoração das declarações de partes, assumem especial acutilância os seguintes parâmetros: contextualização espontânea do relato, em termos temporais, espaciais e até emocionais; existência de corroborações periféricas; produção inestruturada; descrição de cadeias de interações; reprodução de conversações; existência de correções espontâneas; segurança/assertividade e fundamentação; vividez e espontaneidade das declarações; reação da parte perante perguntas inesperadas; autenticidade.” No caso em apreço, afigura-se não tem interesse a discussão doutrinal e jurisprudencial em torno destas teses pois, seja qual for a tese perfilhada, sempre serão de valorar as declarações prestadas pela autora que se encontram sustentadas pelo depoimento da testemunha R. P., seu pai, e pelas presunções judiciais. Ora, as afirmações da autora acerca do seu trabalho de investigação efectuado no verão em Lisboa são corroboradas pelo depoimento da referida testemunha que alude às idas daquela à Torre do Tombo nas férias. Acresce que, residindo e trabalhando a autora no norte do país, é plausível que durante o ano não tenha disponibilidade para o fazer de forma continuada. Assim, é de manter este facto provado. - Facto provado nº 59 Antes de mais, da documentação clínica junta aos autos referente quer às consultas na USF, quer no Hospital ..., resulta que em data anterior ao acidente a autora padecia apenas de “rinite alérgica” e de “distúrbio ansioso”. É um facto que aí se alude a um episódio de asma aos 20 anos, mas da mesma não resulta que tal doença estivesse “activa” ao longo dos anos. Da referida documentação não resulta qualquer referência a DPOC (doença pulmonar obstrutiva contrária) e a depressão. Esta última doença e medicação relacionada consta apenas em data posterior ao acidente. A própria autora, nas suas declarações, reconhece a rinite e à ansiedade, mas nega estas outras patologias. A leitura que fazemos da menção no primeiro relatório de avaliação de dano corporal, em sede de “Antecedentes 1. Pessoais”, a medicação anti-depressiva (aliás como a referência a fármacos para a queda do cabelo) é a de factos anteriores à avaliação referida e não ao acidente (veja-se esclarecimento prestado no sentido de se aludir a medicação habitual independente das datas de início). O segundo relatório, em sede de “Dados documentais”, faz claramente essa distinção e já nada refere em sede de “Antecedentes”. Assim, com ressalva de diagnóstico prévio de rinite alérgica e de “distúrbio ansioso/estado de ansiedade”, era uma mulher saudável. Não vislumbro uma necessária incompatibilidade entre a ansiedade (muitas vezes vivenciada interiormente e nem sempre perceptível para os demais) e a alegria (nos momentos em que a pessoa não se sente particularmente ansiosa). Esta foi reconhecida pelas testemunhas O. L., amiga, e E. P., irmã. A determinação da autora, designadamente no que concerne à sua carreira profissional (doutoramento, estadia na Austrália, investigação, professora na Universidade do ... e na Universidade ...), resulta quer da documentação junta, quer dos depoimentos destas testemunhas, bem como do seu pai e ainda de ter ído trabalhar contra a vontade dos médicos. - Factos provados 57, 60, 62, 98 Antes de mais, já consta numa consulta de otorrinolaringologista de 15/12/2008, no Hospital ..., uma referência a “desvio septal esq acentuado” e da prova produzida não resulta que, na sequência do acidente, tenha ocorrido um agravamento da parte respiratória (veja-se que o medicamento “Pulmicor” é prescrito à autora, pelo menos, desde 2009). Acresce que não nos merece credibilidade que no momento da primeira avaliação a autora se tenha esquecido de reportar ao perito queixas desse foro e que apenas se tenha lembrado das mesmas aquando da segunda avaliação. Pelo exposto, é de corrigir nesta medida o défice funcional de integridade físico-psíquica No que concerne às sequelas nos joelhos, atendendo ao exame objectivo efectuado pelos dois peritos, retira-se que ambos entendem que existem lesões muito ligeiras, mínimas (sendo as do joelho esquerdo superiores). Merece-nos inteira credibilidade o referido pelo primeiro perito em sede de esclarecimentos: “Os dois joelhos apresentam sequelas muito ligeiras e devem ser valorizadas pelos parâmetros mínimos. Afirmar que as lesões sofridas nos joelhos são graves revela um profundo desconhecimento do que é uma lesão grave do joelho.”. Os mesmos peritos avaliam-nas de um modo um pouco diferente dado que o segundo atendeu mais às queixas da autora. Assim, por se admitir a existência de tais queixas e por se tratar de exame mais recente, acompanhamos a avaliação efectuada no segundo exame pelo que se conclui por um défice funcional de integridade físico-psíquica fixável em 3 pontos. Assim, o facto nº 57 passa a ter a seguinte redacção: “57) As sequelas descritas são causa de: - Défice funcional de integridade físico-psíquica fixável em 3 pontos; - Dano estético fixável em 3 pontos numa escala de 1/7.” Uma vez que, atendendo ao teor dos dois relatórios periciais, o referido no ponto 62 não são sequelas das lesões sofridas quando do embate, mas queixas da autora aquando do segundo exame, altera-se a redacção deste facto nos seguintes termos: “62) A autora apresenta as seguintes queixas: (…)”. Face ao acima referido importa eliminar o facto provado nº 60 que deve passar a integrar os factos não provados como al. s) e corrigir a redacção dos factos provados nº 64 e 76 e de molde a, onde se lê: “(…) 56) e 62)” passe a ler-se: “(…) 56) (…)” e do nº 80 de molde a, onde se lê: “(…) 56), 57) e 62)” se passe a ler: “(…) 56) e 57)” Quanto à data da consolidação médico-legal das lesões, i.e., a data da cura, afigura-se-nos ser de considerar a data de 23/02/2019, data da consulta de fisiatria no Hospital ..., em cujo registo se lê: “Algumas picadelas a nível do joelho, ocasionais e quando faz esforço. (…) Boa mobilidade do joelho, sem dor à palpação. Boa força muscular do Quadricipite. Marcha sem claudicação. P-alta no final desta série.” e não a data da mesma consulta de 27/11/2018, em cujo registo se lê: “Ainda com alguma atrofia do Quad apesar de (…). P- Mantem 12 sessões, 3x semana.”. Veja-se que na mesma consulta de 15/01/2019 lê-se: “(…) Não consegue apoiar-se no joelho E, agachamento. (…) AA bem, ligeira dor no final da flexão. SLR com ligeiro trémulo. (…)”. Pelo exposto, mantém-se a redacção do facto provado nº 98. * Por uma questão metodológica passa-se a transcrever a matéria de facto provada e não provado conforme é fixada nesta instância:1) No dia -/07/2018, cerca das 19h50m, na Avenida ..., frente ao prédio com o número de polícia ..., da união de freguesias de Vila Nova de Famalicão e Calendário, Vila Nova de Famalicão, desta comarca, ocorreu um embate, em que foram intervenientes: - A autora, que, naquele dia, hora e local, fazia, a pé, a travessia de uma passadeira para peões situada em frente aquele prédio; e - O veiculo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula IB (adiante designado por IB), conduzido por A. T.. 2) Na data indicada em 1), a responsabilidade civil emergente da circulação rodoviária do veículo IB achava-se transferida para G – Seguros, SA (que foi incorporada na COMPANHIA DE SEGUROS X, SA), pelo acordo de seguro titulado pela apólice com o nº .... 3) O condutor do IB circulava, na referida Avenida ..., no sentido nascente/poente, ou seja, no sentido rotunda ... – Rotunda ... (Calendário). 4) No circunstancialismo de tempo e lugar atrás referidos, a autora, após se ter certificado de que nenhum veículo se aproximava então, iniciou, conjuntamente com os seus pais, a travessia da passadeira para peões situada em frente à Escola de Condução W., seguindo a trajetória sul-norte. 5) Quando a autora já havia percorrido toda a hemifaixa de rodagem mais próxima e se encontrava para além do meio da hemifaixa de rodagem contrária, e já próximo do passeio desse lado, surgiu então, vindo do seu lado direito, atento o seu sentido de marcha, o veículo IB, que, sem qualquer travagem ou manobra de recurso, a foi colher na mesma passadeira. 6) O embate, no meio da passadeira, deu-se com a parte frontal do IB na zona da cintura e coxa da perna direita da autora, atentos os respetivos sentidos de marcha. 7) Mercê do embate, a autora foi projetada 1,50 metros para além da parte dianteira do IB após a sua imobilização. 8) O local do embate é uma avenida, descrevendo uma recta com mais 100 metros, situa-se na cidade, e é marginada por blocos de prédios habitacionais e lojas, e, do lado nascente-poente, atento o sentido de marcha do IB, por estabelecimentos de ensino público. 9) Na data do embate, o condutor do IB declarou que ficou encandeado pelo sol e por isso não viu qualquer peão na passadeira. 10) A ré, por carta remetida a 16/08/2018, comunicou à autora que: “De acordo com os elementos disponíveis, é nosso entendimento que a responsabilidade pela sua produção é atribuível ao condutor do veículo por nós segurado.” 11) A autora nasceu em -/01/1972. 12) A autora foi assistida pelo INEM, que, entretanto, acorreu ao local do embate, e onde foi estabilizada pelos paramédicos. 13) Após o embate, a autora foi transportada, pelo INEM, para o serviço de urgência (SU) do Centro Hospitalar do Médio Ave, EPE, Unidade de Vila Nova de Famalicão (CHMA), onde foi assistida, pelas 20h26m, apresentando queixas de ligeiras cefaleias, dores na mão direita e ambos os joelhos, edema do dorso do nariz, escoriação frontal e feridas cortocontusas na região frontal e dorso do nariz, escoriações dos joelhos. 14) No serviço de urgência do CHMA, foi-lhe feita desinfecção das feridas, sutura e penso e depois encaminhada para ortopedia. 15) No serviço de ortopedia do CHMA, foi constatado que a autora apresentava fractura dos ossos próprios do nariz com maior descoaptação à esquerda e hematoma de partes moles perinasais. 16) No mesmo dia 28/07/2018, a autora foi sujeita, no CHMA, a tomografia computadorizada ao crânio, ossos da face e coluna cervical e a RX à mão direita e joelhos. 17) A autora ficou internada no CHMA, onde lhe foi colocado gelo nas feridas e fez toma de anti-inflamatórios não esteroides. 18) No dia 29/07/2018, a autora foi transferida, em ambulância, do CHMA para o Hospital ..., com indicação de encaminhada para observação por ORL (otorrinolaringologia) por traumatismo de OPN (ossos próprios do nariz) e com edema marcado do dorso nasal que compromete avaliação e com afundamento do dorso nasal esquerda, sem sinais de hematoma septal. 19) No Hospital ..., no serviço de ORL, a autora foi sujeita, sem anestesia geral, a redução de fratura de OPN (ossos próprios do nariz), tamponamento da fossa nasal esquerda com colocação de spongostan na fossa nasal esquerda e fitas de steri-strips e tala de zimmer, com vista à imobilização e protecção da pirâmide nasal. 20) No dia 29/07/2018, a autora foi reencaminhada do Hospital ... para o CHMA de..., com indicação da ORL para fazer gelo no dorso nasal para reduzir edema e analgesia em SOS com paracetamol. 21) No mesmo dia 29/07/2018, novamente no CHMA de..., a autora foi orientada para o serviço de enfermagem, onde foi constatado que apresentava feridas cortocontusas na região frontal e dorso do nariz, que foram suturadas, e lhe foram lavadas as escoriações da face e aplicado bacitracina, e lavadas e desinfectadas as escoriações nos joelhos. 22) Já nos mesmos serviços de enfermagem do CHMA foi-lhe colocada cola biológica nas feridas do couro cabeludo, após o que foi encaminhada para os cuidados de penso e vigilância. 23) Por força do aludido na al. anterior, a autora teve de fazer um curto e desordenado corte do cabelo, tendo estado mais de um mês sem poder lavar ou mesmo molhar a cabeça, o que lhe provocou desconforto, vergonha, angústia e revolta por ter de o fazer. 24) Em 29/07/2018, a autora teve alta hospitalar, passando, a partir de então, ao regime de ambulatório, e a ser acompanhada ora pela sua médica de família, ora pelo CHMA. 25) Na data da alta hospitalar, foi recomendado à autora repouso absoluto devido à natureza das lesões e às consequentes dores. 26) A autora, à data do embate, tinha uma das suas residências habituais no segundo andar de um prédio, sem elevador, sito na Vila de Fão-Esposende. 27) A autora, quando da alta hospitalar, foi conduzida para a residência e casa de morada dos seus pais, sita em Vila Nova de Famalicão, na Avenida ... (onde, quando trabalha, tem residência), onde passou a viver, dado que não estava em condições de poder subir e descer as escadas do seu prédio sito em Fão-Esposende. 28) Nas primeiras semanas, e durante cerca de um mês, a autora, face ao seu estado, teve de recorrer ao auxílio e assistência de terceiras pessoas, no caso ora os seus pais, ora uma sua irmã, para a ajudar a cuidar da sua higiene pessoal, a levantar-se da cama e a sentar-se no sofá, para lhe dar os medicamentos, para fazer a comida, e, em geral, para a ajudar na satisfação das necessidades básicas. 29) Os seus dias, no referido período de tempo, eram passados entre a cama e o sofá, sendo a higiene pessoal mínima dadas as recomendações médicas de repouso e às colas aplicadas no couro cabeludo. 30) No dia 02/08/2018, a autora deslocou-se à consulta externa de ORL do CHMA de Vila Nova de Famalicão, onde foi assistida, tendo sido constatado que a tala exterior colocada na narina esquerda estava a fazer infecção da pele, o que a levou a removê-la e a prescrever a aplicação de ácido fusídico (Fucidine) creme em bisnaga e heparinóide (Hirudoid), creme, também em bisnaga. 31) No dia 06/08/2018, a autora voltou à consulta de ORL do CHMA, para verificação do estado de cicatrização do nariz e na qual foi confirmada a retração da infecção no nariz e a boa recuperação das lesões, com recomendação de acompanhamento da evolução por especialista para verificar a extensão dos danos no nariz, mormente a nível olfactivo. 32) No dia -/08/2018, a autora deslocou-se ao Centro de Saúde ... Famalicão para extração dos pontos com que havia sido suturada no nariz e fez mudança de penso na testa. 33) No dia 10/08/2018, deslocou-se ao mesmo CS ... Famalicão para nova consulta e onde lhe foi prescrito Hirudoid para aplicação nas cicatrizes. 34) Em 24/08/2018, a autora, com queixas de gonalgia bilateral, recorreu à consulta de ortopedia no Hospital Privado da ..., constando do respetivo registo: “Eo - derrame de médio volume, à esquerda, instabilidade Ap?, dor compartimento interno, prova meniscal + Joelho dto com ligeiro derrame e dor nas interlinhas, sem instabilidade aparente” 35) Na consulta referida na al. anterior, foi prescrita RMN a ambos os joelhos. 36) No dia 27/08/2018, a autora fez, no Hospital ..., 2 (duas) RMN`s aos dois joelhos. 37) Em 06/09/2018, a autora recorreu à consulta da médica dermatologista, no Hospital ..., devido às cicatrizes na face, na região frontal média e dorso do nariz com encerramento diretos por pontos simples e região frontal esquerda e encerramento por segunda intenção, e nela foi confirmada a persistência de cicatrizes ainda eritematosas na região frontal e mais pigmentada na região do dorso do nariz. 38) No dia -/09/2018, a autora recorreu a nova consulta de ortopedia no Hospital ..., de cujo registo clínico consta o seguinte: - “RMN joelho esquerdo - Derrame articular de pequeno/médio volume distendendo a bolsa serosa suprapatelar. Dissociação edematosa dos planos subcutâneos da face medial e lateral do joelho, sem coleções fluidas organizadas nomeadamente hematomas. Não há locais de bursite pré ou retro-patelar. Nas sequências com saturação de gordura sobressai franco hipersinal dos côndilos femorais traduzindo edema/contusão óssea, com evidência de fratura do osso trabecular no interno. Não há outros focos de endema/contusão óssea. Lesão avulsiva de inserção femoral do ligamento colateral externo que se apresenta ligeiramente retraído e de aspeto redundante. São normais o ligamento colateral inteno e a banda iliotibial. Ligamentos cruzado anterior e posterior íntegros. Meniscos de normal morfologia, o interno com discreto hiersinal do corno posterior, porfenómenos de degenerescência hialiana ou até de natureza contusional, sem traços de fratura (…).” - “RMN joelho direito – Não há derrame articular nem quistos de Baker no cavado poplíteo. Sinais de fratura cominutiva da cabeça do perónio com marcado hipersinal deste elemento ósseo nas sequências com saturação de gordura. Cursa sem desalinhamentos. Hipersinal edematoso/contusional do prato tibial externo. Tendões rotuliano e quadricipal íntegros. Rótula em ligeira báscula externa, sem sinais de condromalacia (…)”. 39) Na mesma consulta do dia 11/09/2018, o médico ortopedista aconselhou a autora “dado apresentar instabilidade do LCL do joelho esquerdo” a cirurgia para reinserção com âncora. 40) Ainda na consulta do dia -/09/2018, o médico recomendou à autora o uso de joelheira latero-estabilizada e a fazer 20 (vinte) sessões de fisioterapia, com reavaliação após. 41) No período compreendido 13/09/2018 e 16/10/2018, a autora, a prescrição do seu ortopedista, e depois confirmado pelo seu fisiatra, começou por fazer uma bateria de 15 (quinze) sessões de fisioterapia, no serviço de fisioterapia do Hospital ..., com vista à sua recuperação funcional, mormente do joelho esquerdo. 42) No período compreendido entre 18/10/2018 e 29/11/2018, a autora fez 15 (quinze) sessões de fisioterapia. 43) No período compreendido entre 04/12/2018 e 24/01/2018, a autora fez uma outra bateria de 15 (quinze) sessões de fisioterapia. 44) No período compreendido entre 05/02/2019 e 08/03/2019, a autora fez a última bateria de 15 (quinze) sessões de fisioterapia. 45) Cada uma das sessões de fisioterapia, compreendia uma fase de estimulação transcutânea, fortalecimento muscular/mobilização articular, massagem com técnicas especiais, técnicas de cinesiterapia e aplicação de ultra-som, e outros exercícios de reabilitação. 46) Tais sessões de fisioterapia, com a periodicidade de 3 (três) dias por semana, tinham uma duração média de 1 (uma) hora, e eram dolorosas para a autora. 47) A autora fez, no total, 60 (sessenta) sessões de fisioterapia, desdobradas em 4 (quatro) baterias de 15 (quinze) sessões cada. 48) A autora esteve de baixa médica, dada pela sua médica de família do ... Famalicão, desde 30/07/2018 e ininterruptamente até 24/09/2018. 49) A autora é professora auxiliar na Universidade ..., pertencente à Fundação ...-Cultura Ensino e Investigação Científica, onde exerce as funções de coordenadora do curso de Contabilidade e leciona algumas disciplinas do mesmo curso. 50) Em 25/09/2018, a autora, por sua iniciativa, apresentou-se ao serviço na Universidade ... de Vila Nova de Famalicão, embora contra o parecer dos médicos que então a acompanhavam, e mormente da sua médica de família, pois temiam um retrocesso na sua recuperação, já que a sua atividade profissional de docente a obriga a estar muito de pé. 51) A autora auferia, na Universidade ..., o vencimento base mensal (ilíquido) de € 1.104,53 (mil cento e quatro euros e cinquenta e três cêntimos) (sendo líquido de € 803,63). 52) A autora, além de docente na Universidade ..., é também professora auxiliar convidada na Escola de Economia e Gestão da Universidade do ..., polo de ..., no que auferia o vencimento mensal (ilíquido) de € 1.063,94 (mil e sessenta e três euros e noventa e quatro cêntimos) (sendo líquido de € 763,67), atualizado, a partir de outubro de 2018, para o montante (ilíquido) de € 1.170,33 (sendo líquido de 827,63). 53) A autora é investigadora na área da contabilidade, em que é doutorada, tendo trabalhos publicados, o que a obriga a trabalho de investigação, normalmente, por falta de tempo, efetuado nas férias de verão. 54) As duas primeiras semanas de ensino pós-alta foram custosas, dado o cansaço e dores provocados pelas horas de pé e às dificuldades de locomoção e mobilidade na condução. 55) A autora teve perdas salariais correspondentes às remunerações que deixou de auferir na Universidade ... durante o tempo que esteve incapacitada para o trabalho, na quantia de € 2.209,06 (€ 1.104,53 x 2 meses). 56) A autora, embora clinicamente dada como curada, apresenta ainda as seguintes sequelas: - Crânio: cicatriz linear, normocrómica, com 2 centímetros de comprimento, localizada na região parietal, sobre a linha média; - Face: cicatriz linear, hiperpigmentada, com 3 centímetros de comprimento, localizada no dorso do nariz, sem dor na percussão dos ossos próprios do nariz; desvio do septo nasal para a esquerda; cicatriz linear, normocrómica, com 2,5 centímetros de comprimento, localizada na região frontal, sobre a linha média, na transição para o cabelo; duas áreas hipopigmentadas, ténues, do contornos mal definidos, medindo 2 e 3 centímetros de diâmetro, localizadas na região frontal; - Membro inferior direito: cicatriz irregular, ligeiramente hipopigmentada, medindo 1,5 por 1,5 centímetros de maiores dimensões, localizada na face anterior do joelho; cicatriz irregular, ligeiramente hipopigmentada, medindo 1 por 0,5 centímetros de maiores dimensões, localizada na face anterior do joelho; sem dor na palpação da articulação do joelho; mobilidade da articulação do joelho com flexão entre 0-120º; sem instabilidade ligamentar evidente; sem atrofia muscular objetivável; - Membro inferior esquerdo: dor referida, sem defesa na palpação da face medial do joelho; mobilidade da articulação do joelho com flexão entre 0-120º; sem instabilidade ligamentar evidente; sem atrofia muscular objetivável s lesões sofridas. 57) As sequelas descritas são causa de: - Défice funcional de integridade físico-psíquica fixável em 3 pontos; - Dano estético fixável em 3 pontos numa escala de 1/7; 58) As sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares. 59) A autora, à data do embate, com ressalva de diagnóstico prévio de rinite alérgica e de “distúrbio ansioso/estado de ansiedade”, era uma mulher saudável, alegre e determinada. - 61) A autora fazia as compras nas mercearias e supermercados e trazia-as para casa, pegando nos sacos e com os mesmos subia e descia as escadas do r/c para o segundo andar sempre sem qualquer problema. 62) A autora apresenta as seguintes queixas: - Dificuldade em subir e descer escadas, por dor em ambos os joelhos; dificuldade em permanecer durante longos períodos de tempo em ortostatismo por iniciar quadro de dor em ambos os joelhos; dificuldade em iniciar a marcha de manhã; dificuldade em permanecer na posição de cócoras ou com ambos os joelhos no solo; dificuldade na preensão de objetos com peso superior a 10kg por dor nos joelhos devido a transmissão do peso; gonalgia bilateral, mais marcada a esquerda, diária, que agrava com os esforços e mudanças de temperatura; sensação de ficar com o nariz mais entupido, com dificuldade em respirar pelo nariz, principalmente pela narina esquerda, edema em ambos os joelhos; - Dificuldade em aspirar, necessitando de ajuda para realizar essas tarefas; - Dificuldade em permanecer de pé durante as aulas, necessitando sentar-se para continuar a lecionar, dificuldade em andar no campus, em subir escadas, e todas as tarefas que exijam esforços com os membros inferiores. 63) O pessoal paramédico do INEM acorreu ao local cerca de 8/10 (oito/dez) minutos depois. 64) A autora viu a morte à sua frente e a sua qualidade de vida mudar para pior, em função das sequelas a que se alude em 57). 65) A autora ficou com a face desfigurada durante mais de 6 (seis) meses e a cana do nariz fraturada, o que lhe provocou dores e vergonha pelo seu aspeto, mormente quando teve de se apresentar aos seus colegas professores e alunos das Universidade ... e Universidade do .... 66) A autora foi sujeita à intervenção cirúrgica ao nariz para reposicionamento no local correto do osso do nariz (redução) e de seguida foi-lhe colocada tala externa para estabilização do osso, o que tudo lhe provocou dores, mal-estar e ameaça de desmaio. 67) A autora andou cerca de 6 (seis) semanas a fazer gelo, e mais de três meses a aplicar cremes na testa e nariz, nebulizadores nasais, e a tomar analgésicos para as dores. 68) A autora viu o cabelo comprido que usava ser-lhe cortado curto e sem alinhamento para possibilitar melhor tratamento das feridas na testa e no couro cabeludo e para permitir a aplicação de colas biológicas como forma de acelerar a cicatrização e consequente recuperação mais rápida das feridas. 69) A autora sempre se orgulhou do seu cabelo comprido, pelo que o seu corte constituiu desgosto e desconforto. 70) A profissão da autora obriga-a a uma quase diária exposição pública perante colegas, alunos e outras pessoas. 71) A autora, mercê do embate, não pôde participar no jantar de aniversário da sua mãe, que fazia anos no dia seguinte, e que ia ser comemorado na casa da sua irmã, para onde se dirigia no dia do embate, como não pôde participar no passeio de família planeado para o dia seguinte (domingo), o que lhe causou tristeza e desgosto. 72) As suas férias do Verão de 2018, com início no dia 30/07 (segunda-feira), ficaram comprometidas com o embate, com a agravante de os seus pais iam fazer férias consigo, o que a lhe causou amargura, tristeza e desgosto. 73) A autora, devido às lesões na pele, e cicatrizes na testa e nariz, ficou mais sensível ao calor nessas zonas. 74) A autora, além da atividade docente, dedica-se à investigação científica na sua área académica. 75) A autora, mercê do embate e no ano em que o mesmo se produziu, não pôde fazer a deslocação a Lisboa que tinha previsto fazer para recolha de dados e de mais material da sua área de especialização. 76) As limitações aludidas em 56) far-se-ão sentir ao longo de toda a sua vida. 77) A autora, antes do embate, fazia caminhadas a pé, em parques, na rua e na praia. 78) A autora está limitada na possibilidade quanto ao indicado na al. anterior na proporção do défice funcional referido em 57). 79) As cicatrizes que ficou a padecer causam-lhe vergonha e desgosto e a autoestima e vaidade feminina da autora ficou afetada na proporção do prejuízo estético a que se alude em 57). 80) A autora sente tristeza pelas sequelas do embate referidas em 56) e 57). 81) Após o acidente, a autora deixou de conviver e de sair com os amigos, com a regularidade que antes o fazia, o que lhe causou tristeza. 82) A autora, com a realização, no Hospital ..., no dia 27/08/2018, de duas RMN`s (ressonâncias magnéticas) aos joelhos direito e esquerdo, despendeu a quantia de € 420,00 (quatrocentos e vinte euros). 83) Em duas consultas de oftalmologia no Hospital ..., das quais uma no dia 07/08/2018, e outra no dia 04/09/2018, esta com avaliação da visão binocular e oftalmoscopia, despendeu a autora as quantias respetivamente de € 12,96 e € 74,00, num total de € 86,96 (oitenta e seis euros e noventa e seis cêntimos) 84) Na aquisição de uma armação para óculos e respetivas lentes progressivas, a prescrição médica, e já que os que usava resultaram partidos no embate, despendeu a autora, no dia 16.09.2018, a quantia de € 720,00 (setecentos e vinte euros). 85) Na aquisição de lentes de contacto, a prescrição médica para atenuar o uso intenso da armação devido às feridas no nariz, despendeu a autora a quantia de € 63,60 (sessenta e três euros e sessenta cêntimos). 86) Em 3 (três) consultas de dermatologia, no Hospital ..., respectivamente nos dias 06/09/2018, 29/11/2018 e 16/01/2019, despendeu a autora, à razão de € 45,00 cada, a quantia de € 135,00 (cento e trinta e cinco euros). 87) Em 2 (duas) consultas de ortopedia, no Hospital ..., das quais uma no dia 24/08/2018 e outra em 11/09/2018, despendeu a autora, a quantia de € 90,00 (noventa euros). 88) Com as 60 (sessenta) sessões de fisioterapia realizadas no Hospital ..., no período compreendido entre 13/09/2018 e fins de fevereiro/meados de março de 2019, despendeu a autora a quantia de € 600,00 (seiscentos euros). 89) Numa consulta de fisiatria, no Hospital ..., no dia 12/09/2018, despendeu a autora a quantia de € 45,00 (quarenta e cinco euros). 90) Na aquisição de uma joelheira medicinal com barras flexíveis GNT, em 21/09/2018, na O.-Ortopedias, despendeu a autora a quantia de € 63,55 (sessenta e três euros e cinquenta e cinco cêntimos). 91) Numa consulta de cirurgia vascular e uma angiodinografia, no dia 14/09/2018, na Clínica ..., de ..., ... e ..., Clínica Médica, Lda., despendeu a autora a quantia de € 27,50 (vinte e sete euros e cinquenta cêntimos). 92) Em taxas moderadoras pagas ora no CHMA, ora no Centro de Saúde-... Famalicão, despendeu a autora o total de (€ 4,50+16,00+16,00+1,50+4,50+4,50 +4,50), € 51,50 (cinquenta e um euros e cinquenta cêntimos). 93) Na aquisição dos medicamentos prescritos no âmbito do SNS pelos médicos que a acompanharam após o embate, despendeu a autora a quantia total de € 213,23 (duzentos e treze euros e vinte e três cêntimos) (€ 15,40+ 2,08 +24,65+ 10,20 +22,28+28,50+18,89+52,75+22,08+16,40). 94) A autora, em resultado do embate, viu inutilizadas uma saia, no valor de € 60,00, uma T-shirt, no valor de € 25,00, um blusão, no valor de € 120,00, umas sandálias Gabor, no valor de € 130,00, e uma carteira em tecido e pele, no valor de € 140,00, que tudo vestia até porque nesse dia ia para o jantar de aniversário da mãe, o que tudo perfaz a quantia total de € 475,00 (quatrocentos e setenta e cinco euros). 95) Com a certidão do auto de auto de participação de acidente, despendeu a autora a quantia de € 52,00 (cinquenta e dois euros). 96) A autora despendeu na compra de produtos de tratamento capilares das marcas K., C. e L. a quantia total de (€ 122,65+67,55+150,95), € 341,15 (trezentos e quarenta e um euros e quinze cêntimos). 97) A ré já pagou à autora, a título de reembolso e por conta dos medicamentos, taxas moderadoras e outros, a quantia total de € 1.082,62 (mil e oitenta e dois euros e sessenta e dois cêntimos). - Considerados nos termos do artigo 5º/2, a), do C.P.Civ.: 98) A data da consolidação médico-legal das lesões ocorreu a 23/02/2019. * Não se provou:- Oriundos da petição inicial: a) O condutor do IB circulava a velocidade nunca inferior a 50 km/hora. b) Na sequência do embate, a autora desmaiou, perdendo os sentidos e só recuperou no interior da ambulância. c) A autora correu risco de vida. d) A autora, no período indicado em 28), necessitou que os seus pais ou a sua irmã lhe dessem de comer. e) A autora teve perdas salariais superiores às indicadas em 55). f) A autora, à data do embate, não apresentava antecedentes patológicos. g) A autora, antes do embate, praticava outra atividade física regular para além das indicadas em 77). h) A autora, como consequência e causa direta e necessária do embate, não tem agora os níveis de concentração, de raciocínio e de resistência física e intelectual que antes tinha, ou pelo menos ficaram seriamente prejudicados. i) Mercê do embate, a autora viu a investigação científica então em curso ficar suspensa desde então e não sabe se e quando a poderá retomar, embora consciente de que pode porem causa eventuais oportunidades de obter uma situação profissional mais estável. j) Fruto das sequelas provocadas pelo embate, à autora está vedado frequentar a praia, e mesmo a piscina. k) A autora vai ter de considerar mudar de casa, por causa das sequelas do embate. l) Na sequência do embate, e como consequência das colas e dos fármacos para as dores que teve de passar a tomar, a autora teve uma queda intensa do cabelo, que, a conselho de profissionais do ramo, começou a tratar e ainda está a tratar com o uso de produtos de tratamento específico da marca K. e outras apropriadas. m) As limitações aludidas em 57) e 62) provavelmente agravar-se-ão no futuro. n) A vida académica da autora, quer ao nível de estabilidade, quer de progresso a nível da carreira, ficou seriamente comprometida com o embate. o) O atraso na área da investigação dificilmente poderá ser recuperado. p) Na data atual, a autora tem pesadelos e outros distúrbios durante o sono provocados pelo sucedido, acordando sobressaltada e nervosa. q) Na data atual, a autora mantém a recusa de conviver com os amigos. r) A autora ficou a padecer de outras sequelas ou tem outras queixas para além das que se alude nos factos provados. s) A autora, antes do embate, subia a pé os dois andares da sua casa em Fão-Ofir, diversas vezes ao dia, fazia todas as compras, e assegurava todas as lides domésticas na sua casa de residência, o que ficou comprometido com as sequelas do embate na proporção do défice funcional a que se alude em 57). * B) Subsunção jurídicaImporta agora proceder à quantificação da indemnização devida a título de dano biológico em função do valor ora fixado, apurar se a decisão recorrida padece de erro de julgamento na quantificação dos danos não patrimoniais e danos patrimoniais e, por fim, na questão dos juros de mora. Vejamos. 1. Dano biológico O conceito de dano biológico teve origem nos anos 70 do século passado na jurisprudência italiana para fazer face a um problema existente no direito desse país que se prendia com as limitações ao ressarcimento de danos não patrimoniais uma vez que se entendia que o art. 2059º do Codice Civile não previa a compensação de todos os danos não patrimoniais, mas apenas dos danos morais enquanto perturbações transitórias do estado de espirito dos lesados quando resultantes de ilícitos criminais. Contudo, em 2003, a jurisprudência italiana passou a reinterpretar daquele artigo de molde a que o mesmo abrangesse todos os danos de natureza não patrimonial resultantes de valores inerentes à pessoa, incluindo o dano moral subjectivo, o dano biológico em sentido estrito, entendido como lesão do interesse constitucionalmente garantido da integridade física e psíquica da pessoa medicamente certificado, e o dano derivado da lesão de outros interesses de valor constitucional inerentes à pessoa (sentença nº 233 de 11/07/2003 da Corte Costituzionale). Neste sentido vide Maria da Graça Trigo, in Responsabilidade Civil - Temas Especiais, Universidade Católica Portuguesa, 2017, p. 69-87. Apesar de, no direito português, não existirem restrições à ressarcibilidade dos danos não patrimoniais dada a previsão do art. 496º nº 1 do C.C., o conceito de dano biológico foi importado pela doutrina e jurisprudência nacionais e permitiu o alargamento da compreensão do âmbito dos prejuízos efectivamente sofridos pelas vítimas de factos geradores de responsabilidade civil delitual. Assim, passou a definir-se o dano biológico como sendo aquele que, tendo origem numa lesão corporal, se traduz na afectação da capacidade funcional de uma pessoa declarada pela atribuição de um determinado grau de incapacidade físico-psíquica ainda que não conduza à perda ou redução da capacidade para o exercício da profissão habitual do lesado, mas que implique um maior esforço e/ou supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal. Este dano aflorou em termos legislativos na Tabela Indicativa para a Avaliação da Incapacidade em Direito Civil, aprovada pelo Dec.-Lei nº 352/2007 de 23/10, e na Portaria nº 377/2008 de 26 de Maio. No preâmbulo deste último diploma lê-se: “(…) ainda que não tenha direito a indemnização por dano patrimonial futuro, em situação de incapacidade permanente parcial, o lesado terá direito à indemnização pelo seu dano biológico, entendido este como ofensa à integridade física e psíquica”. E o seu art. 3º b) considera indemnizável o dano biológico, resulte dele ou não, perda da capacidade de ganho. Este diploma foi entretanto alterado pela Portaria nº 679/2009 de 25/06. A propósito deste dano refere-se no Ac. do S.T.J. de 11/11/10, (Lopes do Rego): “(…) o dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional deste, com substancial e notória repercussão na qualidade de vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial”. E “Tal compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades exercício de uma profissão e de futura mudança ou reconversão de emprego pelo lesado, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, frustrada irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar, quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas. Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediatamente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira “capitis deminutio” num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha de profissão, eliminando ou restringido seriamente qualquer mudança ou reconversão de emprego e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuros lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais (…)”. Assim sendo, a incapacidade permanente parcial pode reflectir-se de duas maneiras no património do lesado: a) perda efectiva de rendimentos laborais pela incapacidade total ou parcial para a profissão habitual, perda esta que pode ser calculada com o auxílio de fórmulas ou tabelas matemáticas de modo a obter um capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente à perda de ganho de modo que, no fim provável da vida do lesado, esse capital se esgote; b) não ocorre repercussão directa e imediata no rendimento do lesado, mas este, devido à incapacidade de que passou a ser portador, vê a sua capacidade laboral genérica afectada uma vez que tem que efectuar um maior esforço no exercício da sua actividade corrente e profissional e/ou está limitado numa futura reconversão profissional – dano biológico; Por outras palavras, poder-se-á falar do “dano biológico lato sensu” com uma vertente patrimonial – que se desdobra, por um lado, na perda de rendimento pela incapacidade laboral para a profissão habitual e, por outro, na perda na saúde ou diminuição física sem repercussão directa e imediata no vencimento (“dano biológico stricto sensu”) - e uma vertente não patrimonial. Discute-se na jurisprudência a qualificação do dano biológico: dano patrimonial, muitas vezes reconduzido ao dano patrimonial futuro – a maioria da jurisprudência do S.T.J.; dano patrimonial ou não patrimonial conforme uma análise casuística; ou o dano biológico como um dano base ou dano-evento do qual pode derivar, quer a perda efectiva de rendimentos laborais pela incapacidade total ou parcial para a profissão habitual, quer a perda de capacidade laboral genérica nos termos supra referidos. Contudo, qualquer que seja o enquadramento jurídico, a jurisprudência maioritária admite o ressarcimento autónomo deste dano que, de modo algum, com vimos supra, se esgota nos danos não patrimoniais. * No caso em apreço a apelante ré para um défice funcional de integridade físico-psíquica fixável em 3 pontos defende uma indemnização no valor de € 12.500,00. A apelante autor para um défice de 5 pontos defendeu uma indemnização no valor de € 45.000,00.Ora, nesta sede entendemos que não é de atender às tabelas financeiras utilizadas para a determinação dos danos patrimoniais resultantes de incapacidade permanente parcial para o exercício da profissão habitual uma vez que, como vimos supra, encontramo-nos perante um dano distinto. Também não é de atender à acima referida Portaria nº 377/08 de 26/05/08, alterada pela Portaria nº 679/2009 de 25/06, uma vez que a mesma prevê os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação pelas seguradoras aos lesados de acidente de viação de proposta razoável para indemnização do dano corporal, não vinculando os tribunais (além de que os valores nela constante se mostram desactualizados atento o tempo decorrido desde a sua publicação). A indemnização pela afectação da capacidade geral ou funcional, sendo indeterminável, deve ser fixada com recurso à equidade (cfr. art. 566.º, n.º 3, do CC), em função dos seguintes factores: “(i) a idade do lesado (a partir da qual se pode determinar a sua esperança média de vida à data do acidente); (ii) o seu grau de incapacidade geral permanente; (iii) as suas potencialidades de ganho e de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividades económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências; (iv) a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas (também aqui, tendo em conta as suas qualificações e competências).” Neste sentido vide, entre outros, o recente Ac. do S.T.J. de 24/02/2022 (Maria da Graça Trigo). Assim, neste dano biológico, mais do que a consideração abstracta dos pontos atribuídos ao défice funcional permanente da integridade física de que o lesado passou a padecer, importam essencialmente as consequências das lesões na sua vida em todas as suas dimensões. Em vez dos tribunais se limitarem a fazer apelo ao critério da equidade indicando logo um montante reputado como adequado afigura-se-nos, na senda da jurisprudência mais recente e de molde a respeitar o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei (art. 13º da C.R.P. e 8º nº 3 do C.C.), que se deverá atender às decisões jurisprudenciais com as quais seja possível estabelecer um paralelismo. In casu verificamos que a lesada tinha 47 anos na data da consolidação da incapacidade (23/02/2019); a esperança média de vida segundo os últimos dados do INE é 83,37 anos para as mulheres/triénio 2019-2021 – www.ine.pt; padece de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos; compatível com a sua actividade profissional, mas que implicam esforços suplementares (tem a profissão de professora do ensino superior, o que implica a necessidade de passar períodos em pé, designadamente durante as aulas). A título exemplificativo indicam-se as seguintes decisões jurisprudenciais: - no Ac. do S.T.J. de 20/12/2017 (Roque Nogueira) foi fixada uma indemnização de € 8.500,00 a um jovem de 19 anos, a quem foi fixado um défice funcional permanente de 3 pontos, que necessitava de esforços acrescidos para o exercício da profissão que tinha a data do acidente, mas já não para a actual actividade; - no Ac. do S.T.J. de 11/11/2020 (Abrantes Geraldes) foi fixada uma indemnização de € 15.000,00 a um jovem de 19 anos, a quem foi fixado um défice funcional permanente de 3 pontos, com repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 1 numa escala crescente de 7 graus, que ainda não exercia qualquer profissão. - no Ac. do S.T.J. de 02/03/2021 (Fernando Samões) foi fixada uma indemnização de € 12.000,00 a um individuo de 32 anos, a quem foi fixado um défice funcional permanente de 4 pontos, compatível com a atividade profissional, mas a exigir esforços acrescidos. Pelo exposto, ponderadas as circunstâncias do caso, os referidos elementos jurisprudenciais - que se reportam a um défice funcional permanente igual àquele que é objecto da presente apelação e compatível com o exercício da actividade habitual, mas com esforços acrescidos - e a equidade, temos como equitativa a indemnização de € 12.500,00 a título de dano biológico, decisão que se considera actualizada em razão da inflação no período compreendido este momento e o momento do evento danoso. Procede, assim, a apelação da ré e improcede a apelação da ré. * 2. Danos não patrimoniaisNo caso em apreço verificamos que a apelante ré e a apelante autora se insurgem contra o montante de € 15.000,00 arbitrado a título de danos não patrimoniais sendo que a primeira considera aquele valor excessivo pugnando pela fixação do valor de € 7.000,00 ou € 10.000,00 cfr. a matéria de facto fosse ou não alterada) e a segunda defende a seu aumento para € 35.000,00. Vejamos. Nem sempre foi reconhecida a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais em geral. No domínio do Código de Seabra era discutida a questão da reparação dos danos morais, mas, pouco a pouco, foi sendo admitida até porque passou a ser prevista noutros diplomas. O Código Civil de 1966 introduziu, no seu art. 496º, uma cláusula geral de ressarcibilidade dos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (cuja redacção veio a ser alterada pela Lei nº 23/2010 de 30/08). Acerca dos componentes deste dano lê-se no Ac. do S.T.J. de 21/04/2022 (Fernando Baptista): “(…) Neste particular, tem sido salientado que o dano não patrimonial não se reconduz a uma única figura, tendo vários componentes e assumindo variados modos de expressão, abrangendo: (i) o chamado quantum (pretium) doloris, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária, com tratamentos, intervenções cirúrgicas, internamentos, a analisar através da extensão e gravidade das lesões e da complexidade do seu tratamento clínico; (ii) o “dano estético” (pretium pulchritudinis), que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima; (iii) o “prejuízo de distracção ou passatempo”, caracterizado pela privação das satisfações e prazeres da vida, vg., com renúncia a actividades extra-profissionais, desportivas ou artísticas; (iv) o “prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica), integrando este prejuízo a quebra na “alegria de viver”; (v) o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”, em que avultam o dano da dor e o défice de bem-estar, e que valoriza as lesões muito graves, com funestas incidências na duração normal da vida; (vi) os danos irreversíveis na saúde e bem-estar da vítima e o corte na expectativa de vida; (vii) o prejuízo juvenil “pretium juventutis”, que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida, privando a criança das alegrias próprias da sua idade; (viii) o “prejuízo sexual”, consistente nas mutilações, impotência, resultantes de traumatismo nos órgãos sexuais; (ix) o “prejuízo da auto-suficiência”, caracterizado pela necessidade de assistência duma terceira pessoa para os actos correntes da vida diária, decorrente da impossibilidade, de se vestir, de se alimentar (…)”. Como assinala Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina, 7ª ed., 1993, pág. 602 “A indemnização por danos não patrimoniais reveste uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.”. Nos danos morais em geral mostra-se impossível, pela própria natureza das coisas, a reparação natural do dano, pelo que a lei impõe o recurso à equidade tendo em atenção os danos causados, o grau de culpa, a situação económica do lesante e do lesado e as demais circunstâncias do facto - art. 496º nº 1 e nº 4 e art. 494º do C.C.. Valem aqui as considerações feitas supra no que concerne à quantificação de indemnizações com recurso à equidade. In casu provou-se que a autora, em consequência do acidente,: - “viu a morte à sua frente num acidente para o qual em nada contribuiu (atropelamento numa passadeira); - sofreu fractura dos ossos próprios do nariz com maior descoaptação à esquerda e hematoma de partes moles perinasais; sofreu fortes dores por ter sido sujeita, sem anestesia geral, a redução de fratura de OPN (ossos próprios do nariz), tamponamento da fossa nasal esquerda com colocação de spongostan na fossa nasal esquerda e fitas de steri-strips e tala de zimmer, com vista à imobilização e protecção da pirâmide nasal; - sofreu escoriação frontal e feridas cortocontusas na região frontal e dorso do nariz, tendo sido suturada; sofreu feridas no couro cabeludo tendo-lhe sido aplicada cola biológica; - sofreu escoriações dos joelhos; - sofreu dores na mão direita e ambos os joelhos; - foi conduzida ao hospital pelo INEM; - foi sujeita a vários exames médicos nesse momento e posteriormente; - esteve internada uma noite sendo que após passou a ser acompanhada em ambulatório pela médica de família, pelo ... Famalicão (mudança de penso, extracção dos pontos), pelo CHMA e pelo Hospital ... (consultas de ortopedia, fisiatria, dermatologia e oftalmologia); - o facto de ter tido de fazer um corte de cabelo curto e desordenado provocou-lhe desconforto, desgosto e revolta; - teve indicação para fazer repouso absoluto; - ficou a viver permanentemente em casa dos pais que, juntamente com a sua irmã, a ajudaram durante cerca de um mês; - a tala exterior colocada na narina esquerda provocou-lhe uma infecção que tratou; - tomou analgésicos e aplicou cremes durante mais de 3 meses; - fez 60 sessões de fisioterapia com duração de 1 hora, 3 vezes por semana, as quais foram dolorosas, com início em 13/09/2018 e fim a 08/03/2019; - esteve de baixa médica desde 30/07/2018 até 24/09/2018; - não pôde participar no jantar de aniversário da mãe, nem fazer o passeio de família planeado para o dia seguinte, ficou sem férias de verão desse ano, o que lhe causou tristeza e desgosto; - não pôde deslocar-se a Lisboa durante as férias para recolha de dados e material para a sua área de especialização; - quando se apresentou ao serviço ainda estava desfigurada (o que durou ao todo cerca de 6 meses), o que lhe causou vergonha designadamente junto dos colegas e alunos; as duas primeiras semanas foram custosas devido ao cansaço, dores, dificuldade de locomoção e de condução; - ficou com cicatrizes que lhe causaram um dano estético fixável em 3 numa escala de 1/7 e ficou com a pele mais sensível ao calor; - teve um quantum doloris fixável em 4 numa escala de 1/7; - teve um défice funcional temporário parcial de 209 dias; - antes do acidente, com excepção da rinite alérgica e ansiedade, era uma pessoa saudável e alegre; depois do acidente deixou de conviver com amigos com a regularidade que fazia, o que a entristeceu; ficou limitada na capacidade de fazer caminhadas na exacta proporção das sequelas que passou a ter; - pelo menos na data do segundo exame médico-legal (08/01/2021) apresentava as queixas referidas em 62. Face a esta matéria de facto, tendo presente a autonomia dos danos não patrimoniais face ao acima referido dano biológico, a não excessiva gravidade daqueles danos e os valores fixados pela jurisprudência em situações similares, afigura-se-nos que o valor arbitrado pelo Tribunal recorrido é adequado. Com efeito, a título exemplificativo, indicam-se as seguintes recentes decisões jurisprudenciais (referindo-se o grau do défice funcional permanente apenas como indício de similaridade de situações e não valorando novamente o dano biológico): - no acórdão da Relação de Lisboa de 19/04/2018 (Carlos Marinho) foi fixada uma indemnização de € 10.000,00 a uma sinistrada que, no momento do acidente, tinha 11 anos de idade, que teve um quantum doloris de 3 em 7; 280 dias de défice funcional temporário parcial (e a quem foi fixado um défice funcional permanente de 2 pontos com repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer); - no acórdão da Relação do Porto de 22/03/2021 (Joaquim Moura) foi atribuída uma indemnização de € 10.000,00 a um indivíduo de 42 anos, que sofreu um quantum doloris de grau 4 numa escala de 7, que se submeteu a fisioterapia (e a quem foi fixado um défice funcional permanente de 2 pontos); - No ac. da R.P. de 11/01/2022 (João Ramos Lopes), foi fixada uma indemnização de € 15.000,00 para compensar o dano não patrimonial do lesado que ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos, padecendo dum quantum doloris quantificado no 3/7, de prejuízo de afirmação pessoal quantificado em 1/7 e de grau 2/7 no âmbito do lazer e com perda de autoestima; Pelo exposto, ponderadas as circunstâncias do caso, os referidos elementos jurisprudenciais e a equidade, temos como equitativa a indemnização de € 15.000,00 a título de danos não patrimoniais fixada pelo tribunal recorrido. Assim, as apelações da ré e autora improcedem nesta parte. * 3. Danos patrimoniaisInsurge-se a apelante ré contra a inclusão dos produtos de tratamentos capilares. Assiste razão à ré uma vez que tais despesas se provam, contudo da matéria de facto dada provada e mesmo do teor dos dois relatórios de avaliação de dano corporal, de modo algum, resultam tais problemas capilares que a autora (alegada queda e enfraquecimento do cabelo, veja-se que os mesmos não constam sequer das suas queixas) e, muito menos, que tenham um nexo causal com o acidente (é sabido que com a idade o cabelo enfraquece e que há épocas do ano em que mais cai). Pelo exposto, fixa-se o valor dos danos patrimoniais em € 4.171,70. * 4. Juros de moraPor fim, insurge-se a autora contra o facto de, na sentença recorrida, se haver decidido que, no que concerne ao dano biológico e aos danos não patrimoniais, os juros de mora serem devidos desde a sentença até integral pagamento. Entende que são devidos desde a citação. Vejamos. Dispõe o art. 805º nº 3 do C.C.: Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que não haja então mora, nos termos da primeira parte deste número. Tendo havido interpretações contraditórias acerca deste preceito o S.T.J. proferiu Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 4/2002 de 09/05/2002, publicado no D.R. nº 164, Série 1-A, de 27/06/2002, tendo-o interpretado restritivamente nos seguintes termos: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.”. Para efeitos da doutrina deste Acórdão não há que distinguir entre danos patrimoniais e não patrimoniais e ainda entre as diversas categorias de danos indemnizáveis em dinheiro e susceptível de cálculo actualizado constante do nº 2 do art. 566º do C.C. (Ac. do S.T.J. de 06/05/2004 (Ferreira de Almeida)). Subscrevemos o referido no Ac. do S.T.J. de 13/07/2004 (Salvador da Costa) onde se lê: “O Acordão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2002, de 9 de Maio, assenta na ideia de uma decisão actualizadora da indemnização em razão da inflação no período compreendido entre ela e o momento do evento danoso, decisão que, tendo em conta a motivação daquele Acórdão, tem que ter alguma expressão no sentido de utilização, no cálculo da indemnização ou da compensação, do critério da diferença de esfera jurídico-patrimonial a que se reporta o nº 2 do art. 566º do C.C., incluindo a menção à desvalorização do valor da moeda. Se na sentença apelada nada se expressou sobre a impropriamente designada actualização à luz do nº 2 do art. 566º do Código Civil, designadamente à desvalorização da moeda entre o tempo do evento danoso e o da sua prolacção, queda na espécie inaplicável a interpretação decorrente daquele Acórdão.” E mais adiante: “(…) inexiste fundamento legal para concluir pela presunção natural de que o juiz da primeira instância procedeu à actualização da compensação por danos não patrimoniais em causa, a que se reporta o mencionado acórdão de uniformização de jurisprudência”. Na decisão recorrida lê-se: “Sobre as quantias indemnizatórias fixadas a título de dano biológico/perda da capacidade de ganho e a título de danos não patrimoniais vencer-se-ão juros à taxa de juros aplicável às obrigações civis (4%), contados desde a presente sentença, uma vez que se recorreu à equidade para as fixar, tendo em conta as condições e o valor monetário atuais (Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2002, publicado no Diário da República n.º 146/2002, Série I-A, de 27.06.2002).” Pelo exposto, no que concerne à indemnização pelo dano biológico por nós arbitrada a decisão foi considerada actualizada em razão da inflação pelo que vence juros de mora desde o presente acórdão até à data do efectivo e integral pagamento. No que diz respeito aos danos não patrimoniais afigura-se-nos que a referência ao recurso à equidade “tendo em conta as condições e o valor monetário atuais” é equivalente à referência inflação pelo que é de manter a decisão recorrida nesta parte. Pelo exposto, improcede a apelação da autora nesta parte. * As custas da acção são da responsabilidade da autora e da ré na proporção do respectivo decaimento. As custas da apelação da ré são da responsabilidade desta na proporção do seu decaimento e da apelação da autora são da sua responsabilidade face ao total decaimento (art. 527º, nº 1 e 2 do C.P.C.).* Sumário – 663º nº 7 do C.P.C.:I - O dano biológico pode ser definido como sendo aquele que, tendo origem numa lesão corporal, se traduz na afectação da capacidade funcional de uma pessoa declarada pela atribuição de um determinado grau de incapacidade físico-psíquica, ainda que não conduza à perda ou redução da capacidade para o exercício da profissão habitual do lesado, mas que implique um maior esforço e/ou supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal e é ressarcível como dano autónomo. II - A indemnização pelo dano biológico deve ser fixada segundo critérios de equidade em função dos seguintes factores: a idade do lesado; o seu grau de incapacidade geral permanente; as suas potencialidades de ganho e de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividades económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências; a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas (também aqui, tendo em conta as suas qualificações e competências). Igualmente deverá o julgador ter em consideração as decisões judiciais que fixem indemnizações em situações similares com vista a uma interpretação e aplicação uniformes do direito. III – No caso de indemnização por danos não patrimoniais, estando igualmente em causa o critério da equidade, os tribunais, em vez de se limitarem a fazer apelo a este critério indicando logo um montante reputado como adequado, devem também ter em consideração as decisões judiciais que fixem indemnizações em situações similares. IV – Nas situações em que o Tribunal a quo se limita a declarar que entende ser justo e equitativa a atribuição de determinado valor a título de dano, sem fazer qualquer alusão à actualização do referido valor, quer nos termos do nº 2 do art. 566º do C.C., quer em função da inflação, são devidos juros de mora desde a citação nos termos da segunda parte do nº 3 do art. 805º do C.C.. V – A referência da decisão recorrida a fixação de indemnização com recurso à equidade “tendo em conta as condições e o valor monetário atuais” é equivalente à referência à inflação. * III – DecisãoPelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação da ré e improcedente a apelação da autora, e consequentemente condenam a ré a pagar à autora: - A quantia de € 12.500,00 a título de indemnização pelo dano biológico, sobre a qual vencem juros, à taxa legal de juros de 4%, desde o presente acórdão até integral pagamento; - A quantia de € 4.171,70 a título de danos patrimoniais, sobre a qual se vencem juros à taxa legal de 4%, desde a citação até integral pagamento; Mantendo no mais a decisão recorrida. As custas da acção são da responsabilidade da autora e da ré na proporção do respectivo decaimento. As custas da apelação da ré são da responsabilidade desta na proporção do seu decaimento. As custas da apelação da autora são da responsabilidade desta em face do total decaimento A presente decisão é elaborada conforme grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original. ** Guimarães, 29/09/2022 Relatora: Margarida Almeida Fernandes Adjuntos: Afonso Cabral de Andrade Alcides Rodrigues |