Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2165/21.9T8VNF.G1
Relator: JOSÉ CARLOS PEREIRA DUARTE
Descritores: INVENTÁRIO
APROVAÇÃO DO PASSIVO
REMESSA PARA OS MEIOS COMUNS
PROVA DOCUMENTAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/27/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. No anterior modelo processual as diligências destinadas à verificação e aprovação do passivo tinham lugar na conferência de interessados (art.º 1353º n.º 3 do CPC de 1961 na redacção do DL 329-A/95).
II. Visando obstar aos inconvenientes para a celeridade e a economia da tramitação do inventário gerados com tal modelo, o actual regime antecipou, em regra, o momento da eventual controvérsia acerca da verificação do passivo, para a fase dos articulados, de modo a propiciar uma discussão escrita das partes acerca das dívidas controvertidas, respectivos fundamentos e pertinentes meios probatórios, como resulta do disposto no art.º 1104º, n.º 1, alínea e), do CPC.
III. Para a conferência fica, apenas, a deliberação sob a forma e momento do cumprimento das dívidas verificadas (cfr. art.º 1111º n.º 3 do CPC).
IV. No processo de inventário, as consequências da falta de impugnação das dívidas ou o procedimento a adoptar em caso de impugnação das mesmas, são objecto de um normativo especifico - art.º 1106º do CPC -, não tendo, portanto, aplicação, o disposto no art.º 1093º n.º 1 do CPC.
V. Se um dos interessados reconhece a dívida (o requerido) e outro não (a requerente), o juiz deve apreciar a sua existência e montante quando a questão puder ser resolvida com segurança pelo exame dos documentos apresentados; se assim não for, remete as partes para os meios comuns (art.º 1093º, n.º 1 do CPC).
VI. Podem deparar-se ao juiz duas situações:
- a dívida exige prova documental ad substantiam ou ad probationem – neste caso, se tal prova não foi junta (ou foi junta prova documental que não tem aquela natureza), o juiz deve ordenar a remessa dos interessados para os meios comuns;
- a dívida não exige prova documental ad substantiam ou ad probationem, mas foi junta prova documental, abrindo-se aqui três sub-hipóteses quanto ao exame daquela:
a) a mesma fornece, sem mais, um critério seguro para o juiz decidir da existência e montante da dívida;
b) a mesma fornece, apenas, um principio de prova (nomeadamente por provir dos interessados), tornando-se necessária a produção de prova pessoal para a completar, interpretar ou esclarecer, pelo que a mesma deve ser ordenada oficiosamente ou a requerimento das partes;
c) a prova documental não fornece sequer um principio de prova (nomeadamente por não provir dos interessados) e, neste caso, o juiz remete os interessados para os meios comuns.
VII. As facturas emitidas por um terceiro, apresentadas pelo cabeça de casal, como prova documental de um invocado débito dos interessados relativo à alegada realização de obras em imóvel comum, crédito e documentos objecto de impugnação pela requerente, não constituem sequer um principio de prova que leve à necessidade de produção de prova pessoal, pois não são documentos que provenham dos interessados no inventário ou em que estes tenham tido qualquer intervenção, mas documentos que resultam de um ato voluntário e livre do próprio credor e, portanto, apenas se provam a si mesmas e não o seu conteúdo.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

1. Relatório
           
AA requereu processo especial de inventário contra BB por apenso ao processo de divórcio.

Invocou terem casado entre si, casamento que foi dissolvido por sentença homologatória de divórcio proferida no processo principal; existem bens comuns a partilhar, a requerente não pretende manter-se numa situação de comunhão patrimonial com o requerido; o cargo de cabeça de casal cabe ao requerido, por ser o ex-cônjuge mais velho.

Foi proferido despacho a ordenar a desapensação dos presentes autos do processo de divórcio e a sua distribuição.

Após distribuição foi proferido despacho que designou cabeça de casal o requerido e ordenou a sua citação.

O requerido juntou aos autos Relação de bens em que sob o Passivo relacionou as seguintes verbas:
Verba n.º 5
Mútuo feito pelo Senhor CC, NIF ...72, residente da Rua ..., ... ..., para aquisição dos imóveis descritos na verba nº 3 e verba nº 4, no valor global de €105.000,00 (centos e cinco mil euros).
Verba n.º 6
Dívida à sociedade comercial “EMP01..., Lda”, NIPC ...49, com sede na Rua ..., ... ..., devido às obras realizadas no prédio urbano descrito na verba nº 3, referentes à fatura nº ...6 e à fatura nº ...7, no valor de €53.000,00 e €49.200,00, respetivamente, o que perfaz o valor global de €102.200,00 (cento e dois mil e duzentos euros). – Vide doc. nº 4 e 5
Verba n.º 7
Dívida à sociedade comercial “EMP02...”, NIPC ...16, com sede em ... ..., devido às obras realizadas no prédio urbano descrito na verba nº 3, referente à fatura nº ...19, no valor de €54.000,00 (cinquenta e quatro mil euros). – Vide doc. nº 6

Os documentos 4 e 5 constituem duas facturas emitidas pela “EMP01..., Ldª”, endereçadas ao requerido e o documento 6 constitui uma factura emitida pela EMP02..., também endereçada ao requerido.

A requerente apresentou reclamação em que, além do mais, impugna as verbas do passivo, dizendo, concretamente e no que releva à economia do recurso:
- quanto à verba n.º 6 - a empresa EMP01..., Ldª realizou o “grosso” da obra nos imóveis descritos sob as verbas n.ºs 3 e 4 do activo meses antes da requerente abandonar o lar conjugal, em finais de Agosto de 2020; quando tal sucedeu há vários meses que não existiam trabalhos em curso; o requerido dizia à requerida que tudo estava a ser pago à medida que os trabalhos eram realizados; não se percebe como é que passados todos aqueles meses surgem as duas facturas dos alegados trabalhos, sem que se esclareça qual o valor global da dívida, se o valor expresso nas facturas se reporta à totalidade dos trabalhos realizados antes de Agosto de 2020 ou apenas a parte deles, porque razão foram emitidas duas facturas e não uma; as facturas foram emitidas em dias seguidos alegadamente pelos trabalhos realizados há vários meses; impugna os documentos 4 e 5;
- quanto à verba n.º 7 - a empresa EMP02... apresentou requerimento de injunção contra a requerente e requerido; a requerente deduziu oposição à injunção, em que impugnou a existência da alegada dívida, uma vez que a mesma não era exigível nos termos peticionados e, além disso, não era imputável à requerente, pelos fundamentos expostos na oposição à injunção, que junta; o subsequente processo judicial terminou com a absolvição da instância dos requeridos; impugna o documento 6.

Terminou requerendo que as verbas 6 e 7 do passivo sejam excluídas da relação de bens.

Arrolou uma testemunha, requereu a prestação de declarações de parte e a tomada de depoimento de parte ao requerido relativamente a parte da matéria supra referida, tendo ainda requerido que fosse oficiado à Autoridade Tributária no sentido de apurar se haviam sido comunicadas à mesma as facturas emitidas pela EMP01..., Ldª e se as mesmas haviam sido objecto de anulação ou se foi emitida alguma nota de crédito.

O requerido respondeu e requereu a tomada de depoimento de parte da requerente a parte da matéria tendo por objecto as verbas 6 e 7 do passivo, a tomada de declarações de parte à mesma matéria e arrolou 5 testemunhas.

Foi proferida despacho que admitiu as provas indicadas.

Após vicissitudes processuais que aqui não relevam, foi designada data para produção de prova.

Na data designada (18/09/2023) e de acordo a Acta de Inquirição de Testemunhas ocorreu o seguinte:
“ (…)
Aberta a presente audiência, pelas 09:50 horas, pelo Mmº Juiz foi tentada a conciliação das partes, tendo os Ilustres Mandatários referido que neste momento a grande dificuldade em alcançar um acordo prende-se com o passivo, mais tendo esclarecido os Ilustres Mandatários que relativamente à verba n.º 5 do passivo (mútuo feito pelo Sr. BB), existe pendencia de acção executiva sob o n.º 5370/21.... – Juiz ... do Juízo de execuções de ..., sendo que relativamente à verba n.º 7 do passivo ( divida à sociedade comercial “EMP02...”), existiu processo de injunção com o n.º 16117/21...., relativamente ao qual não foi conhecido o mérito, sendo aqui a requerente sido absolvida da instancia.
Perante o exposto, o Mmº Juiz proferiu o seguinte despacho:
No que concerne à verba n.º 5 cumpre esclarecer que estando pendente acção judicial, onde se discute a existência do mútuo é manifesta a verificação da excepção de litispendência que cumpre desde já conhecer.
Notifique os Ilustres mandatários das partes para, querendo, se pronunciar.
*
Dada a palavra ao Ilustre Mandatário da requerente pelo mesmo foi dito:
Entende que de facto quanto à verba n.º 5 se verifica julgada a litispendência mas, para além disso as matérias incitas nas verbas n.ºs 6 e 7 importa a discussão de matérias como o preço, a contratação, a natureza das obras que importam juízos de valores técnicos e prova não compatível com a celeridade pretendida e o âmbito de um Tribunal de Família como decorre do doc. n.º 3 junto à resposta à relação de bens apresentado pela inventariada AA em razão dessa complexidade técnica e em razão do assunto já haver sido discutido em juízo quanto à verba 7, ainda que de forma não definitiva, requer a V.ª Ex.ª, se digne remeter a discussão destas verbas do passivo para os meios comuns onde as partes poderão ter a faculdade de requererem todos os meios de prova pertinentes para a descoberta da verdade material.
*
Dada a palavra à Ilustre mandatária do cabeça de casal, pela mesma foi dito:
O cabeça de casal aceita a litispendência quando à verba n.º 5 sendo que deverá ser remetido para os meios comuns a discussão da existência ou não deste mútuo nos termos do art.º 1105 e 1093 do CPC.
Neste sentido, aceita a exclusão da verba n.º 5 do passivo. Já quanto às verbas n.º 6 e 7 do passivo discorda da posição da interessada AA porquanto entende estando em causa três facturas sendo que as mesma constituem titulo executivo, assim como por se afigurar que existe uma simplicidade técnica e simplicidade de prova relativamente à existência ou não destas verbas, bem como por se desconhecer em concreto à data a existência de qualquer processo judicial pendente afigura-se que nada impede ao Tribunal de Família e Menores decidir na inclusão ou não destas duas verbas e da sua existência.
Mais entende o cabeça de casal que esta discussão deverá ocorrer nos presentes autos e também por uma questão de economia processual e de meios aproveitando o processo existente dispensando-se a existência de novos processos.
Seguidamente, pelo Mmº Juiz foi proferido o seguinte:
DESPACHO
Relativamente à verba n.º 5 do passivo resulta evidente, que estando pendente um processo judicial, processo n.º 5370/21.... – Juiz ..., do Juízo de Execuções de ..., verifica-se excepção de litispendência que desde já se declara obstando ao conhecimento do mérito quanto a esta questão, sendo certo que sempre os tribunal remeteria as partes para os meios comuns quanto ao conhecimento de tal matéria, pois a sua complexidade e prova a produzir não se compadecem com o carater incidental do presente processo..
Relativamente à verba n.º 7, a existência de acção judicial não obstaria a que se conhecesse nos presentes autos o mérito da questão, pois no âmbito da injunção n.º “EMP02...” a decisão aí tomada foi meramente formal, não se tendo formado caso julgado (como resulta dos documentos juntos aos autos).
Porém, o certo é que tendo em conta o objecto do litígio no que concerne à verba 7 e, acrescente-se, à verba n.º 6 do passivo, afigura-se que a resolução do litigio, tendo presente os argumentos esgrimidos pela requente AA redundariam numa discussão cuja prova se antevê morosa e extensa, entendendo o Tribunal que o caracter incidental do presente processo de inventário não é compatível com as garantias de defesa das partes, seja pela limitação da prova testemunhal, seja pela demora que eventuais perícias, que desde já se entolham necessárias, acarretaria para o presente processo de inventário.
Neste sentido, relativamente às verbas n.ºs 6 e 7 do passivo, remetem-se as partes para os meios comuns nos termos do disposto no art.º 1105º do CPC.
Notifique.
(…)

O requerido interpôs recurso do referido despacho, pedindo a sua revogação e substituição por outra que considere as verbas nº 6 e 7 do passivo ou, sufragando-se entendimento diverso, seja ordenada  a produção de prova que foi admitida, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

I. Vem o presente recurso interposto do despacho proferido dia 18/09/2023 e que determinou a remessa dos Interessados para os meios comuns.
II. O recurso é admissível e deverá ter efeito suspensivo ao processo, nos termos conjugados da alínea b), nº 2 e nº 3 do art.º 1123º do CPC.
III. O regime de recursos aplicável aos autos é o previsto no art.º 1123º do CPC (cfr. n.º 2 do art.º 13º da Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro), tendo o legislador garantido o direito ao recurso autónomo das decisões interlocutórias e prevenido a uniformidade do regime de recursos.
IV. O despacho recorrido, ao remeter os interessados para os meios comuns para dirimir o crédito de terceiros perante o dissolvido casal constitui uma decisão de saneamento e de determinação dos bens a partilhar, pois exclui da partilha todo o passivo comum do casal, com evidente prejuízo para o casal nos ulteriores termos do inventário;
V. No que diz respeito às verbas nº 6 e 7 do passivo, foi decidido o seguinte:
(…) “Relativamente à verba n.º 7, a existência de acção judicial não obstaria a que se conhecesse nos presentes autos o mérito da questão, pois no âmbito da injunção n.º “EMP02...” a decisão aí tomada foi meramente formal, não se tendo formado caso julgado (como resulta dos documentos juntos aos autos). Porem, o certo é que tendo em conta o objecto do litígio no que concerne à verba 7 e, acrescente-se, à verba n.º 6 do passivo, afigura-se que a resolução do litigio, tendo presente os argumentos esgrimidos pela requente AA redundariam numa discussão cuja prova se antevê morosa e extensa, entendendo o Tribunal que o caracter incidental do presente processo de inventário não é compatível com as garantias de defesa das partes, seja pela limitação da prova testemunhal, seja pela demora que eventuais perícias, que desde já se entolham necessárias, acarretaria para o presente processo de inventário. Neste sentido, relativamente às verbas n.ºs 6 e 7 do passivo, remetem-se as partes para os meios comuns nos termos do disposto no art.º 1105º do CPC.”
VI. O recorrente discorda de tal decisão, a qual pretende ver alterada
VII. Estão em causa três facturas, sendo que as mesmas constituem título executivo.
VIII. Existe uma simplicidade técnica e simplicidade de prova relativamente à existência ou não das verbas nº 6 e 7 do passivo;
IX. Desconhece-se a existência de qualquer processo judicial pendente que tenha como objecto as verbas nº 6 e 7 do passivo;
X. Nada impede ao Tribunal de Família e Menores a quo a decidir na inclusão destas duas verbas e da sua existência.
XI. Face à prova documental existente, bem como por uma questão de economia processual e de meios, aproveitando o processo existente e dispensando-se a existência de novos processos, as verbas nº 6 e 7 do passivo devem ser admitidas.
XII. As facturas dizem respeito às obras que foram feitas nos imóveis descritos no activo da relação de bens (verbas nº 3 e 4). Imóveis, esses, que a recorrida reconhece existirem com as obras que lá foram feitas.
XIII. O reconhecimento do activo não implicou qualquer reclamação por parte da recorrida, mas, de modo ardiloso, o passivo já interessou colocar em causa, apesar da prova documental junta aos autos e da evidente obra feita.
XIV. Existe activo e passivo e o passivo relativo às verbas nº 6 e 7 é de tal simplicidade que não se justifica a sua discussão nos meios comuns;
XV. A questão supra-referida não deve ser remetida para os meios comuns, pois é uma questão central do inventário, e, no caso concreto, não se vislumbram nenhuma das circunstâncias (dificuldade e complexidade probatórias acentuadas que possam reduzir as garantias das partes a uma boa decisão) em que a lei permite a remessa da mesma para os meios comuns.
XVI. Mal andou o Tribunal a quo na decisão que tomou ao remeter a discussão de tais verbas para os meios comuns. Decisão que se pretende ver alterada por V.Exªs.
Mais,
XVII. A diligência que foi agendada para 18/09/2023, foi a diligência para produção de prova e, não, a conferência de interessados, pelo que o Tribunal não podia ter decidido como decidiu, por violação do disposto no artº 1105º e 1110º ambos do CPC.
XVIII. Por tudo o exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, deve revogar-se a decisão recorrida que remeteu as verbas n.ºs 6 e 7 do passivo para os meios comuns, nos termos do disposto no art.º 1105º do CPC.

A requerente contra-alegou, tendo terminado as suas alegações ......devem improceder in totum as conclusões do recurso apresentado e manter-se integralmente o douto despacho, uma vez que não merece qualquer reparo por ter realizado correcta aplicação da lei.

O tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:
Por ser a decisão recorrível, estar em tempo, ter a recorrente legitimidade para o efeito, encontrando-se ainda o requerimento devidamente integrado por alegações e conclusões, admito o recurso interposto pelo interessado BB, que é de apelação, sobe nos próprios autos e com efeito suspensivo (cfr. arts 1123.º n.º 1 e n.º 2 alínea b) e 3, artigo 644.º n.º 2 alínea i) e artigo 645.º n.º 1), al. b), todos do Código do Processo Civil), uma vez que a questão a ser apreciada afetará, inelutavelmente, a utilidade prática das diligências a levar a cabo na conferência de interessados.
Notifique, após subam os autos ao Tribunal da Relação de Guimarães.

2. Questões a decidir

O objecto do recurso, é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.

O Tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas (isto é, questões que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” (cfr. António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, p. 139).

Pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, pelo não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida.

A questão da admissibilidade do recurso e do seu efeito já foi objecto de apreciação pelo Relator no despacho que determinou a inscrição em tabela.

A única questão que cabe apreciar é a de saber se a decisão que determinou a remessa das partes para os meios comuns quanto ás verbas n.ºs 6 e 7 do passivo incorreu em erro de julgamento

3. Fundamentação de facto
As incidências fácticas relevantes para a decisão são as indicadas no antecedente relatório e que aqui se dão por reproduzidas.

4. Fundamentação de direito
4.1. Enquadramento jurídico
Nos termos do art.º 1082º, alínea d) do CPC, uma das funções do inventário é a partilha dos bens comuns do casal, nomeadamente na sequência do divórcio dos cônjuges.

A este inventário aplica-se o disposto nos artigos 1133º e 1134º e, em tudo o que não estiver especificamente regulado, o regime definido para o inventário destinado a fazer cessar a comunhão hereditária (art.º 1084º n.º 2 do CPC).

Dispõe o art.º 1098º, n.º 3 do CPC, que as dívidas são relacionadas em separado, sujeitas a numeração própria.

Relacionadas as dívidas pelo ex-cônjuge cabeça de casal, o outro ex-cônjuge tem o ónus de as impugnar (art.º 1104º n.º 1, alínea e) do CPC).

Apresentada impugnação, o cabeça de casal tem o direito de responder à impugnação (art.º 1105º n.º 1 do CPC).

Nos termos do n.º 2 do art.º 1105º as provas são indicadas com os requerimentos (incluindo a impugnação) e respostas.

As consequências da falta de impugnação das dívidas ou o procedimento a adoptar em caso de impugnação das mesmas, são objecto de um normativo especifico - art.º 1106º do CPC.

Não tem, portanto, aplicação, o disposto no art.º 1093º n.º 1 ao prever que, quando a “complexidade da matéria de facto subjacente à questão tornar inconveniente a apreciação da mesma, por implicar redução das garantias das partes, o juiz pode abster-se de a decidir e remeter os interessados para os meios comuns.”

Assim e no caso de “todos os interessados” se oporem ao reconhecimento da dívida, o n.º 3 do art.º 1106º dispõe que o juiz deve apreciar a sua existência e montante quando a questão puder ser resolvida com segurança pelo exame dos documentos apresentados.

E, nos termos do n.º 4, se houver divergências entre os interessados acerca do reconhecimento da dívida, aplica-se o disposto nos n.ºs 1 e 2 relativamente à quota-parte dos interessados que a não impugnem e quanto à parte restante observa-se o disposto no número anterior.

Importa dar nota do seguinte

No anterior modelo processual as diligências destinadas à verificação e aprovação do passivo tinham lugar na conferência de interessados (art.º 1353º n.º 3 do CPC de 1961 na redacção do DL 329-A/95).

Visando obstar aos inconvenientes para a celeridade e a economia da tramitação do inventário gerados com tal modelo, o actual regime antecipou, em regra, o momento da eventual controvérsia acerca da verificação do passivo, para a fase dos articulados, de modo a propiciar uma discussão escrita das partes acerca das dívidas controvertidas, respectivos fundamentos e pertinentes meios probatórios (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, in O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, pág. 90-91), como resulta do disposto no art.º 1104º, n.º 1, alínea e), do CPC.

Não tem, portanto, fundamento o entendimento de que é à conferência que compete a aprovação do passivo.

Nos termos do n.º 3 do art.º 1111º do CPC à conferência de interessados apenas cumpre deliberar sobre o cumprimento do passivo, sob a forma do seu pagamento, o que é uma realidade bem diferente do juízo sobre a existência e montante da dívida.

Deste modo e ao contrário do que sucedia no regime pretérito, não fica para a conferência a aprovação do passivo, mas apenas a deliberação sob a forma e momento do cumprimento das dívidas verificadas (cfr. art.º 1111º n.º 3 do CPC, o qual, apesar de dizer que “Aos interessados compete ainda deliberar sobre o passivo…”, deve ser interpretado tendo em consideração o disposto no art.º 1106º, n.º s 3 e 4 e 1110º, n.º 1, alínea a), ambos do CPC).

E assim referem Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, in ob. cit., pág. 104:
“O novo regime antecipa para a subfase da oposição (art.ºs 1104º e 1107º)  ou para a audiência prévia (art.º 1109º) e para o subsequente despacho de saneamento (art.º 1110º, n.ºs 1 e 2) a discussão e resolução de todas as questões  susceptíveis de influir na partilha, incluindo o reconhecimento do passivo (art.º 1106º). Esta solução levou a não reproduzir algumas normas que constavam do CPC/61, nas quais se regulavam algumas deliberações a serem tomadas na conferência de interessados (cf. Art.º 1335, n.ºs 3 e 4, CPC/61): a deliberação sobre a aprovação do passivo (….)
Assim, deixa de ocorrer na conferência de interessados a aprovação do passivo, dado que esta já se verificou na fase dos articulados, em consequência do estabelecimento de um ónus de impugnação dos créditos que se mostrem relacionados ou reclamados e dos demais encargos da herança (….) Por isso o que está em causa neste momento processual [conferência de interessados] não é já uma decisão acerca do reconhecimento da existência e montante do débito – questão, em princípio, já consolidada nas fases dos articulados e do saneamento -, mas tão somente uma deliberação acerca da forma prática de satisfação das dívidas e de cumprimento dos demais encargos da herança.”

Ao realizar-se a conferência de interessados (cfr. art.º 1111º), a verificação e o reconhecimento do passivo constituem tarefas já concluídas no processo seja porque não foi impugnado por nenhum dos interessados, seja porque, tendo sido impugnada, foi proferida decisão judicial que o reconheceu
Apenas fica relegado para o momento da conferência, já não a aprovação do passivo, mas somente a deliberação sobre a forma e o momento do cumprimento dos encargos anteriormente verificados.

Em face do exposto se, como no caso, um dos interessados reconhece a dívida (o requerido) e outro não (a requerente), o juiz deve apreciar a sua existência e montante quando a questão puder ser resolvida com segurança pelo exame dos documentos apresentados; se assim não for, remete as partes para os meios comuns (art.º 1093º, n.º 1 do CPC).

De referir que também o art.º 1356º do CPC de 1961, na redacção que lhe foi dada pelo DL 329-A/95, dispunha que havendo divergências sobre a aprovação da dívida, aplicar-se-á o disposto no artigo 1354.º à quota-parte relativa aos interessados que a aprovem; quanto à parte restante, será observado o determinado no artigo 1355.º.

E o art.º 1355º dispunha que se todos os interessados forem contrários à aprovação da dívida, o juiz conhecerá da sua existência quando a questão puder ser resolvida com segurança pelo exame dos documentos apresentados.

Relativamente ao n.º 3 do art.º 1106º pronunciam-se Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, in ob cit. pág. 92-93 dizendo:
“O n.º 3 continua a atribuir uma importância determinante à prova documental, dado que a decisão do juiz acerca da dívida impugnada exige que os documentos apresentados forneçam um critério decisório suficiente e permitam uma pronúncia segura sobre a dívida. Se tal não suceder, nomeadamente quando se trate de relações creditórias cujos factos constitutivos se não conseguem demonstrar através de prova documental, o juiz deve abster-se de decidir o litigio acerca do débito controvertido e remeter os interessados para os meios comuns (art.º 1093º, nº 1).”

Mas referem os mesmos autores, ainda na pág. 93:
A exigência da prova documental não deve inibir o exercício do juiz dos seus poderes inquisitórios em matéria probatória (art.º 411º), desde que essa exigência não seja feita ad substantiam ou ad probationem. Assim, o juiz pode determinar a realização de diligências probatórias de outra natureza, designadamente a inquirição de testemunhas e as declarações de parte, se as considerar indispensáveis para completar, interpretar ou esclarecer os resultados decorrentes da prova documental.”

E se assim é oficiosamente, muito mais o será quando as partes requererem a inquirição de testemunhas ou a tomada de depoimento ou declarações de parte.

Assim, podem deparar-se ao juiz duas situações:
- a dívida exige prova documental ad substantiam ou ad probationem – neste caso, se tal prova não foi junta (ou foi junta prova documental que não tem aquela natureza), o juiz deve ordenar a remessa dos interessados para os meios comuns;
- a dívida não exige prova documental ad substantiam ou ad probationem, mas foi junta prova documental, abrindo-se aqui três sub-hipóteses quanto ao exame daquela:
a) a mesma fornece, sem mais, um critério seguro para o juiz decidir da existência e montante da dívida;
b) a mesma fornece, apenas, um principio de prova (nomeadamente por provir dos interessados), tornando-se necessária a produção de prova pessoal para a completar, interpretar ou esclarecer, pelo que a mesma deve ser ordenada oficiosamente ou a requerimento das partes;
c) a prova documental não fornece sequer um principio de prova (nomeadamente por não provir dos interessados) e, neste caso, o juiz remete os interessados para os meios comuns.

Assim, a remessa dos interessados para os meios comuns, quando estiver em causa a existência e montante de uma dívida, não é um poder discricionário do juiz e não pode ser orientado por meras razões de comodidade ou de facilitismo.

Deve obedecer aos referidos critérios.

4.2. Em concreto
O cabeça de casal relacionou sob as verbas 6 e 7 do passivo:
Verba n.º 6
Dívida à sociedade comercial “EMP01..., Lda”, NIPC ...49, com sede na Rua ..., ... ..., devido às obras realizadas no prédio urbano descrito na verba nº 3, referentes à fatura nº ...6 e à fatura nº ...7, no valor de €53.000,00 e €49.200,00, respetivamente, o que perfaz o valor global de € 102.200,00 (cento e dois mil e duzentos euros). – Vide doc. nº 4 e 5
Verba n.º 7
Dívida à sociedade comercial “EMP02...”, NIPC ...16, com sede em ... ..., devido às obras realizadas no prédio urbano descrito na verba nº 3, referente à fatura nº ...19, no valor de €54.000,00 (cinquenta e quatro mil euros). – Vide doc. nº 6

Deve observar-se que a relação de bens não dá cabal cumprimento ao disposto no art.º 1098º, n.º 3 do CPC, o qual dispõe que as dívidas são relacionadas em separado, sujeitas a numeração própria, o que não sucedeu no caso, já que as dívidas foram relacionadas em numeração sequencial à relacionação do activo.

Os documentos 4 e 5 constituem duas facturas emitidas pela “EMP01..., Ldª”, endereçadas ao requerido e o documento 6 constitui uma factura emitida pela EMP02..., também endereçada ao requerido.

O recorrente invoca que estamos perante títulos executivos.

Fá-lo sem qualquer fundamento, bastando atentar para tal no art.º 703º do CPC o qual dispõe:

1 - À execução apenas podem servir de base:
a) As sentenças condenatórias;
b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;
c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;
d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.

As facturas não integram naturalmente a alínea a), porque não são sentenças condenatórias; não integram a alínea b) porque não são documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal; não integra a alínea c) porque não são títulos de crédito, nem quirógrafos de títulos de crédito, já que aqui apenas cabem a letra, a livrança e o cheque (cfr. Lebre de Freitas, in Acção executiva à luz do CPC de 2013, Gestlegal, pág. 74-77); e também não integram a alínea d), pois nenhuma disposição especial lhes confere força executiva.

E sendo assim, as mesmas não fornecem um critério seguro para o juiz decidir da existência e montante da dívida.

Prosseguindo

Resulta das facturas juntas pelo cabeça de casal que as mesmas foram emitidas, no caso da “EMP01..., Ldª”, com o descritivo “Obras de restauro da V/Moradia sita na Rua... – ... ... – ...” e no caso da “EMP02...”, com o descritivo “Escavação em pedra para construção de uma moradia”.

Tendo em consideração tais descritivos e a definição legal de empreitada – art.º 1207º do CC, que dispõe que empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço – impõe-se considerar que aquelas facturas foram emitidas para pagamento do preço de duas empreitadas.

O recorrente não alegou a data em que terão sido acordadas as referidas obras.

Dispõe o art.º 26º da Lei n.º 41/2015, de 3 de junho:
1 - Os contratos de empreitada e subempreitada de obra particular sujeitos à lei portuguesa, cujo valor ultrapasse 10% do limite fixado para a classe 1, são obrigatoriamente reduzidos a escrito, neles devendo constar, sem prejuízo do disposto na lei geral, o seguinte:
a) Identificação completa das partes contraentes;
b) Identificação dos alvarás, certificados ou registos das empresas de construção intervenientes, sempre que previamente conferidos ou efetuados pelo EMP03..., I. P., nos termos da presente lei;
c) Identificação do objeto do contrato, incluindo as peças escritas e desenhadas, quando as houver;
d) Valor do contrato;
e) Prazo de execução da obra.
2 - Incumbe sempre à empresa de construção contratada pelo dono da obra assegurar o cumprimento do disposto no número anterior, incluindo nos contratos de subempreitada que venha a celebrar.
3 - A inobservância do disposto no n.º 1 determina a nulidade do contrato, não podendo, contudo, esta ser invocada pela empresa contratada pelo dono da obra.
4 - As empresas de construção são obrigadas a manter em arquivo os contratos por si celebrados para a realização de obras particulares em território nacional, pelo prazo de 10 anos a contar da data de aceitação das mesmas.

A Portaria 119/2012, de 30 de Abril (entretanto revogada pela Portaria 212/2022, de 23 de Agosto), rectificada pela Declaração de Retificação n.º 27/2012, de 30 de maio, fixou o valor máximo da obra que a classe 1 permitia realizar em € 166.000,00.

Destarte e à luz do disposto no art.º 26º n.º 1 da Lei n.º 41/2015, de 3 de junho, conjugado com o art.º 1º da Portaria n.º 119/2012, de 30 de Abril, os contratos de empreitada e subempreitada de obra particular de valor superior a € 16.600,00 são obrigatoriamente reduzidos a escrito.

A exigência de documento escrito prevista no n.º 1, na medida em que determina a nulidade do negócio nos termos do n.º 3, ambos do art.º 26º da Lei n.º 41/2015, de 3 de junho, constitui uma formalidade ad substantiam.

Importa, no entanto, ter em consideração que a referida nulidade não pode ser invocada pela empresa contratada pelo dono da obra, nem pode ser conhecida oficiosamente, só podendo ser invocada pelo dono da obra (ou pelo empreiteiro, no caso de subempreitada), pelo que se trata de uma nulidade atípica.

O recorrente também não alegou o valor das obras acordadas.

No entanto, a corresponderem à realidade os valores alegadamente em dívida – respectivamente € 102.200,00 e € 54.000,00 – qualquer um dos contratos de empreitada deveria ter sido celebrado sob a forma escrita.

Não foi junto aos autos documento escrito que titule a celebração de algum contrato de empreitada.

No entanto a exigibilidade de alguma das referidas quantias a título de preço da empreitada só exige documento escrito se for invocada a nulidade do contrato.

Ainda que o contrato de empreitada não tenha sido celebrado por escrito, não sendo invocada a nulidade por quem tiver legitimidade para tal, o negócio produz todos os efeitos como se tivesse celebrado de acordo com a forma legal e, portanto, o empreiteiro pode exigir o preço

Já se o contrato for nulo, apenas há lugar à restituição de tudo o que tiver sido prestado e, não sendo possível essa restituição em espécie, há lugar à restituição do valor correspondente.

Relativamente à verba n.º 6, a recorrida não colocou em causa a celebração de um contrato de empreitada com a EMP01..., Ldª, como não invocou a sua nulidade, “apenas” tendo colocado em causa os valores facturados, como correspondendo à realização efectiva de trabalhos.

Não estando invocada a nulidade do contrato e não sendo a mesma de conhecimento oficioso, a exigência de formalidade ad substantiam não tem aqui qualquer relevo, produzindo o contrato todos os efeitos de um contrato celebrado em conformidade com a forma legal.

Para prova de que os valores facturados correspondem à realização efectiva de trabalhos, não é exigível prova ad substantiam ou ad probationem.

Cabe então perguntar se o recorrente juntou prova documental que constitua um critério seguro de decisão ou um principio de prova.

O recorrente juntou duas facturas, que a recorrida impugnou.

Como se refere no Ac. desta RG de 05/03/2020, proc. 2606/19.5T8BRG.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg (citado pela recorrida):

1- As faturas são meros documentos particulares de valor contabilístico, emitidos unilateralmente pelo emitente, não consubstanciando títulos de crédito, uma vez que nelas o emitente não assume qualquer obrigação de pagamento de um crédito a um terceiro, sequer assume qualquer promessa de pagamento de um crédito perante um terceiro.
2- As faturas nem sequer fazem prova da verificação efetiva da transação comercial que justificará a respetiva emissão pelo emitente, e quando impugnadas pelo réu, como documentos particulares, ficam sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova.
(…)

Assim sendo, impõe-se afirmar que, pela sua natureza e atenta a sua impugnação, as facturas não fornecem sequer um principio de prova que leve à necessidade de produção de prova pessoal, pois não são documentos que provenham dos interessados no presente inventário (e nomeadamente da recorrida, que inclusive as impugnou) ou em que estes tenham tido qualquer intervenção, mas documentos que resultam de um ato voluntário e livre do próprio credor e, portanto, apenas se provam a si mesmas e não o seu conteúdo.

E assim sendo, a prova pessoal arrolada nunca seria destinada a “completar, interpretar ou esclarecer os resultados decorrentes da prova documental”, mas sim a fornecer a prova do facto em discussão.

Destarte e quanto à verba n.º 6 do passivo, a decisão recorrida, de remeter os interessados para os meios comuns, deve manter-se e quanto a ela e, assim, nesta parte o recurso deve ser julgado improcedente.

Relativamente à verba n.º 7, a recorrida impugnou-a pelos fundamentos constantes da oposição que apresentou no processo de injunção apresentado pela EMP02..., sendo um desses fundamentos a nulidade do contrato à luz da Lei n.º 41/2015.

Neste caso foi relacionado pelo cabeça de casal, como dívida do extinto casal, o “preço” de um contrato de empreitada (e não o valor a restituir em função da nulidade do contrato).

Sendo assim, para o tribunal (do inventário) julgar da existência e montante da dívida relacionada, isto é, considerar que aquela quantia é devida a título de preço da empreitada (por ser isso que está relacionado, não cabendo indagar se é devida alguma quantia e qual, a título de nulidade do contrato) é necessária prova documental  ad substantiam – a celebração do contrato por escrito.

Não tendo sido junta essa prova (o único documento junto foi uma factura, que, tendo sido impugnada e pelas razões já referidas na apreciação da questão relativamente á verba n.º 6, não constitui sequer principio de prova), o tribunal não pode resolver com segurança a questão relativamente à verba n.º 7.

Assim e também quanto à verba n.º 7 do passivo, a decisão recorrida, de remeter os interessados para os meios comuns, deve manter-se e quanto a ela o recurso deve ser julgado improcedente.

4.3. Custas
Dispõe o art.º 527º, n.º 1 do CPC que a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.

E nos termos do n.º 2, entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

O recorrente ficou totalmente vencido, pois a decisão de remeter os interessados para os meios comuns deve manter-se na totalidade.

Neste contexto, as custas devem ficar integralmente a cargo do recorrente

5. Decisão

Termos em que acordam os Juízes da 1ª Secção da Relação de Guimarães em manter na integra a decisão recorrida e, assim, em julgar totalmente improcedente o recurso.

Custas da apelação pelo recorrente.

Notifique-se
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Guimarães, 27/06/2024

(O presente acórdão é assinado electronicamente)
            
Relator: José Carlos Pereira Duarte
Adjuntos: Gonçalo Oliveira Magalhães
Fernando Manuel Barroso Cabanelas