Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2889/17.5T8VCT.G1
Relator: PAULO REIS
Descritores: FACTOS ASSENTES POR PRESUNÇÃO JUDICIAL
REGISTO PREDIAL
DUPLICAÇÃO DE INSCRIÇÕES
DESCRIÇÕES PREDIAIS
PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE OU DA INDIVIDUALIZAÇÃO
AQUISIÇÃO DO DIREITO DE PROPRIEDADE
PRESUNÇÃO LEGAL DA PROPRIEDADE
USUCAPIÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/27/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Conforme resulta do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC, o Tribunal só deve responder aos factos que julga provados e não provados, não envolvendo esta pronúncia aqueles pontos que contenham matéria conclusiva, irrelevante ou de direito;

II - Se a modificação da decisão de facto peticionada pela apelante importa o aditamento à matéria provada de juízos valorativos ou conclusivos que encerram parte essencial da controvérsia que constitui o objeto do litígio a apreciar e decidir na ação, deve tal matéria ser eliminada do elenco dos factos relevantes para a decisão da causa ficando prejudicada a apreciação da impugnação da matéria de facto quanto a tais pontos;

III - Tendo sido impugnados factos julgados assentes por presunção judicial, cumpre verificar, em sede de reapreciação da decisão proferida, se os factos que constituíram a base material da presunção podem ser tidos como assentes e, de seguida, se destes pode inferir-se a matéria impugnada, considerando provados os factos em causa;

IV - A consequência legal prevista para a situação em que se reconheça a duplicação de inscrições - conducente à reprodução na ficha de uma delas dos registos em vigor nas restantes fichas, com a consequente inutilização das correspondentes descrições -, só pode ter aplicação nos casos de duplicação total e não nas situações de duplicação ou sobreposição parcial de descrições, atento o princípio da especialidade ou da individualização, que impede a constituição de direitos reais sobre coisas que não estejam juridicamente individualizadas.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

CAIXA A, S.A. (CAIXA A) instaurou ação declarativa sob a forma de processo comum contra CAIXA B CRL. (CAIXA B), pedindo: a) Se declare a nulidade do modelo 129 do ano de 1992 referente ao prédio inscrito na matriz sob o artigo 777.º, da união de freguesias de X e R, e consequente eliminação do artigo matricial 777 urbano da referida freguesia; b) E, em consequência, se ordene o cancelamento de todos os registos em vigor relativamente à descrição predial 950 da freguesia de X, nomeadamente da aquisição registada pela Ap. 1146 de 2015/10/16 a favor da Ré CAIXA B, CRL; c) Ordenada a eliminação da descrição predial 950 da freguesia de X, por duplicação.

Alegou para o efeito, e em síntese, que: é titular inscrita do Prédio Urbano, sito na freguesia de ..., X, inscrito na matriz predial sob o artigo n.º 977, descrito no registo predial sob o n.º 731; tal prédio teve origem no artigo matricial urbano n.º 944, criado pela apresentação do Modelo 129, no qual foi declarado que provinha do artigo matricial rústico n.º 284; por sua vez, a ré é titular inscrita do Prédio Urbano, sito na freguesia de ..., X, inscrito na matriz predial sob o artigo n.º 777, descrito no registo predial sob o n.º 950; tal prédio teve origem no artigo matricial urbano n.º 694, criado pela apresentação do Modelo 129 do ano de 1992 como “prédio novo”; em 9 de julho de 2001, a sociedade “Y - Produção e Comercialização de Artigos Decorativos e Utilidades, L.da” comprou ao Município de X o “prédio urbano, parcela de terreno para construção, com a área de 10 328 m2, sito na freguesia de ..., X, inscrito na matriz predial sob o artigo n.º 944, descrito no registo predial sob o n.º 731; em 10 de julho de 2001, a sociedade “Y - Produção e Comercialização de Artigos Decorativos e Utilidades, L.da” constituiu hipoteca a favor da autora sobre o prédio descrito no registo predial sob o n.º 731, para garantia do pagamento de empréstimo e outras obrigações; em 18 de julho de 2008, a sociedade “Y” foi declarada insolvente no processo n.º 108/08.4TBPCR, tribunal de X; o histórico do registo predial refere que, em 21 de abril de 2009 esse prédio foi adquirido pela sociedade “... Espana, S.L.”, em 5 de maio de 2009 foi adquirido pela sociedade “JC - Imobiliária, Lda” e em 28 de agosto de 2009 foi constituída hipoteca a favor da ré; em 7 de março de 2012, a autora adquiriu esse prédio pelo preço de € 90 000,00, no âmbito do processo de insolvência da “Y”; não obstante a descrição desse prédio ser “terreno para construção”, no mesmo encontra-se implementada uma edificação, há mais de 20 anos; em 15 de junho de 2012, a CM de X certificou que “Y” é titular do processo de licenciamento n.º 37/90, do alvará de licença de construção n.º 08/91 e do alvará de licença de utilização n.º 98/2006, referente ao “prédio sito no lugar de ..., X, inscrito na matriz predial sob o artigo n.º 944.º-U, descrito no registo sob o n.º 731”; uma imagem retirada do programa interno de urbanismo da CM de X, mostra que no artigo 977.º, pertença da autora, se encontra a edificação; uma planta topográfica referente à parcela de terreno vendida em 2001 pela CM de X à “Y”, mostra a existência da edificação sobre essa parcela de terreno; o prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo n.º 777, descrito no registo predial sob o n.º 950 está localizado em área do prédio da autora, existindo uma duplicação parcial de artigos ; o prédio referido urbano inscrito na matriz predial sob o artigo n.º 777, descrito no registo predial sob o n.º 950 corresponde a “um pré-fabricado, com a área total de 3830 m2, área coberta de 1931,30 m2, composto de rés-do-chão com duas divisões, uma destinada a escritório e outra ao desenvolvimento da produção”; no ano de 2007, foi penhorado o artigo matricial n.º 777, não descrito no registo predial, o que originou a abertura da descrição predial n.º 950; no ano de 2007, foi penhorado o artigo matricial n.º 777, não descrito no registo predial, o que originou a abertura da descrição predial n.º 950; em 11 de junho de 2014, foi declarada a insolvência da sociedade “JC - Imobiliária, Lda”, no âmbito do processo n.º 174/13.0TBPCR, tribunal de X; em 16 de outubro de 2015, no âmbito desse processo de insolvência, a ré adquiriu esse imóvel; o pavilhão que deu origem ao artigo matricial 777.º, pertença da ré, encontrava-se implementado no terreno com o artigo matricial 977.º, pertença da autora. Conclui que o Modelo 129 que deu origem ao artigo matricial urbano n.º 694 é falso e, consequentemente, nulo, existindo uma duplicação parcial de descrições, uma vez que a descrição 950 se refere à edificação que pertence à descrição 731, não podendo existir duas descrições prediais e artigos matriciais para o mesmo bem imóvel, sob pena de uma duplicação de alienações e transmissões. O modelo 129 do ano de 1992 referente ao imóvel descrito sob o n.º 950 contém declarações falsas, uma vez que se refere a um “prédio novo”, quando o mesmo já existia, importando necessariamente o cancelamento de todos os registos em vigor relativamente à descrição 950 sendo que a autora desde 7 de março de 2012 tem a propriedade e a posse do bem imóvel descrito na CRP de X sob o n.º 731, onde se encontra implementado o edifício que a Ré se arroga proprietária e possuidora. Em consequência, a Ré CAIXA B adquiriu, no papel, um bem imóvel que tem uma descrição predial autónoma, mas que fisicamente pertence à Autora CAIXA A, S.A.

Contestou a ré, impugnando os factos alegados pela autora, invocando a aquisição, derivada e originária, do direito de propriedade sobre o prédio urbano sito em X, descrito no registo predial sob o n.º 950: a aquisição derivada no processo de insolvência n.º 174/13.0TBPCR; e aquisição originária por usucapião. Deduziu reconvenção no termos da qual e na procedência da mesma pediu que - se declare a ré legítima proprietária do prédio urbano com a exata composição e identificação transcrita no ponto 17.º da contestação.

Alegou para o efeito, em síntese, que o bem imóvel descrito na CRP de X sob o n.º 950 existe há, pelo menos, 25 anos, perfeitamente visível e definido no local e perfeitamente demarcado dos prédios vizinhos e, foi nessa circunstância, que o adquiriu em 16 de Outubro de 2015. O bem imóvel referido no artigo 17.º da contestação foi devidamente publicitado no decurso do período da fase de liquidação do activo no processo de insolvência n.º174/13.0TBPCR-B e nunca alguém, designadamente a Autora CAIXA A, S.A., colocou qualquer questão ou dúvida de que esse prédio estava implementado em terreno pertença da Autora.

Replicou a autora impugnando os factos alegados pela ré/reconvinte e alegando que nos termos do artigo 1294.º do Código Civil (CC), a aquisição por usucapião de um bem imóvel tem lugar, pelo menos, decorridos 10 anos de posse, pelo que, no caso em apreço, invocando a ré CAIXA B uma alegada posse desde outubro de 2015, ou seja, de dois anos, improcede necessariamente qualquer pedido de aquisição por usucapião.

Admitida a reconvenção e dispensada a audiência prévia, prosseguiram os autos com a prolação do despacho saneador, tendo sido fixado o valor da causa, delimitado o objeto do litígio e selecionados os temas da prova.
Foram admitidos os meios de prova.

Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença a julgar a ação improcedente e procedente a reconvenção, decidindo o seguinte:

«1. Pelo exposto, o Tribunal decide julgar improcedente a acção e, em consequência decide absolver a Ré dos pedidos contra si formulados.
2. Mais se decide julgar procedente a reconvenção e, em consequência, decide-se declarar que a reconvinte “CAIXA B, Crl.” é a legítima proprietária do prédio urbano descrito na CRP com o nº950º e inscrito na matriz sob o artigo 777º, com a composição e identificação descrita no ponto 1.30. dos factos provados.
3. Custas da acção e da reconvenção a cargo da A./reconvinda.
4. Registe e notifique».

Inconformada, veio a autora/reconvinda interpor recurso da sentença pugnando no sentido da revogação da decisão, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1. O presente recurso vem interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância que julgou a presente ação improcedente e, por outro lado, julgou procedente a reconvenção deduzida pela Ré e a declarou a legítima proprietária do prédio urbano descrito na CRP sob o n.º 950 e inscrito na matriz sob o artigo 777.º, com a composição e identificação descrita no ponto 30 dos factos provados.
2. A enumeração dos factos provados, constante da sentença ora em crise, tem uma duplicação, uma vez que, após o facto provado n.º 31, o Douto Tribunal a quo recomeça uma nova numeração dos factos provados, quando deveria ter continuado a numeração ascendente para o facto provado n.º 32 até ao facto provado n.º 57.
3. Na numeração dos factos provados, temos os factos provados de 1 a 31 e, depois, novamente de 1 a 26, pelo que, os segundos factos provados de 1 e 26 devem ler-se de 32 a 57, respetivamente, cuja retificação desde já se requer, sendo que, para efeitos do recurso de apelação, irá ter-se em consideração os factos provados de 1 a 57.
4. Face à prova produzida, documental e testemunhal, a ora Recorrente não pode concordar com o entendimento do Douto Tribunal de Primeira instância no que diz respeito aos factos provados n.º 46 a 53 e aos factos não provados n.º 2.1 a 2.8.
5. O Douto Tribunal a quo não atendeu, nem deu a devida relevância, quer aos documentos constantes dos presentes autos, quer aos depoimentos prestados por J. M., funcionário da Câmara Municipal de X, por H. R., M. P., N. C., Eng. C. P., e C. G., todos estes funcionários da Autora CAIXA A, S.A.
6. O Douto Tribunal a quo entendeu que não se provou nos presentes autos que no bem imóvel inscrito em nome da Autora CAIXA A, S.A. se encontra implementada uma edificação há mais de 20 anos, a qual não se encontrava averbada pelo facto de não estar concluído o respetivo processo de licenciamento (ponto 2.1), e que aquele bem imóvel tem uma área de 10.328m2 (ponto 2.8).
7. No entanto, a Autora CAIXA A, S.A. logrou demonstrar que o bem imóvel descrito na Conservatória de Registo Predial de X sob o n.º 731 é composto pela área de 10.328m2, na qual se encontram implementadas duas edificações que não foram averbadas por falta de licenciamento.
8. Através do Protocolo de 24 de maio de 1989, a Câmara Municipal cedeu à sociedade comercial Y – Produção e Comercialização de Produtos de Artigos Decorativos e Utilidades, Lda. uma parcela de terreno com a área de 3.830 m2 para proceder à construção de uma unidade fabril.
9. A parcela de terreno com a área de 3.830 m2 deu origem ao Modelo 129 de 20 de dezembro de 1991, nos termos da qual é possível aferir que se trata de um “prédio novo”.
10. Na carta datada de 4 de agosto de 2000, a sociedade comercial “Y, Lda.” solicita a cedência de uma área de 1000 m2 e refere que, já em 1995, a Câmara Municipal havia cedido uma área aproximada de 4.500m2.
11. Em 27 de abril de 2001, a Câmara Municipal emite uma declaração de destaque de uma parcela de 10.328 m2, os quais têm origem num prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 284.º, tendo sido criado o artigo 944.º, sendo que, na respetiva planta do destaque constam duas edificações.
12. Em 9 de julho de 2001, foi celebrada uma escritura de compra e venda entre a Câmara Municipal de X e a sociedade comercial Y Lda. do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 944.º, da freguesia de X, com a área de 10328m2, que permitiu a abertura da descrição predial 731/20010507 e, posteriormente, foi promovido o registo da aquisição daquela área de 10328 m2 a favor da Y Lda.
13. As testemunhas vêm corroborar que o destaque efetuado pela Câmara Municipal veio permitir à sociedade Y registar em seu nome os terrenos que anteriormente lhe haviam sido cedidos pela Câmara Municipal.
14. A testemunha J. M., funcionário da Câmara Municipal de X, vem informar que o destaque dos 10.328 m2 ocorreu porque a Y, Lda. não conseguia fazer o registo em seu nome dos terrenos, já com edificações [00.35.49-00.37.17]
15. O terreno com a área de 3.830m2, que foi cedido através do Protocolo de 1989, somente originou uma inscrição na matriz em dezembro de 1991, mas não possibilitou a abertura de uma descrição predial em nome da sociedade Y, Lda.
16. A testemunha afirma que o destaque de 10.328m2 destinou-se a formalizar uma situação que já existia, uma vez que a Y Lda. não conseguia registar aquilo que já lhe havia sido cedido, sendo que os terrenos eram da CM [00.37.59-00.38.11], [00.38.58- 00.39.22], [00.43.30-00.44.03], [00.54.37-00.55.10].
17. A testemunha J. M. corrobora que, naquele terreno, encontravam-se edificadas as construções efetuadas pela sociedade comercial Y Lda. [00.33.47-00.34.51].
18. A Câmara Municipal de X, em 1989, cedeu um terreno de 3.830m2 à sociedade comercial Y, Lda. para a construção de uma unidade fabril, tendo, em 1991, dado origem à inscrição na matriz do artigo 694 (atual 777), tendo, posteriormente, a Câmara Municipal cedido mais terrenos à sociedade Y Lda..
19. Em abril de 2001, pelo facto de a sociedade comercial Y, Lda. não conseguir registar os terrenos em seu nome, a Câmara Municipal destacou a globalidade do terreno cedido de 10.328m2 e criou o respetivo artigo matricial 944 (atual 977) e, em julho de 2001, vendeu essa área à sociedade Y, Lda., a qual conseguiu registar em seu nome através da descrição 731/20010507.
20. A sociedade comercial Y, Lda. registou em seu nome a área de 10.328m2 na Conservatória de Registo Predial de X sob o n.º 731 através da Ap. 1 de 2001/07/09, sendo denominado de “parcela de terreno para construção”.
21. Através da Ap. 2 de 2001/07/10 foi registada uma hipoteca voluntária genérica a favor da CAIXA A, S.a. para garantia do montante máximo assegurado de Esc. 105.245.000$00, sendo que, na escritura de constituição de hipoteca, celebrada a 11 de junho de 2001, a mesma foi constituída sobre “o seguinte imóvel (incluindo as edificações urbanas e benfeitorias que nele sejam, ou estejam, implantadas): prédio urbano composto de uma parcela de terreno para construção, com a área de dez mil, trezentos e vinte e oito metros quadrados, situado no Lugar de ..., da freguesia e concelho de X, descrito na Conservatória de Registo Predial desse concelho sob o numero setecentos e trinta e um – X, ainda omisso na respetiva matriz, mas tendo já sido apresentada a participação para a sua inscrição matricial em vinte e sete de abril desde ano (…)”.
22. A hipoteca voluntária foi constituída sobre o bem imóvel descrito na CRP de X sob o n.º 731 e inclui todas as edificações nele implementadas, não obstante não estarem as mesmas descritas na Conservatória.
23. A testemunha M. P., funcionária da Autora CAIXA A, S.a., e que teve intervenção na referida escritura de constituição de hipoteca e foi várias vezes à CM, explicou aos autos o contexto da constituição da referida garantia real [00.01.47-00.03.37].
24. A referida testemunha informou que, à data da constituição da hipoteca, os edifícios já existiam e que foram os mesmos dados de hipoteca, não obstante não constarem da descrição na Conservatória de Registo Predial [00.03.38-00.04.12], [00.04.37-00.04.53], [00.05.56-00.07.28].
25. A testemunha afirma que a escritura de constituição de hipoteca não especificou a existência de duas edificações porquanto as mesmas não se encontram licenciadas na Câmara Municipal, sendo que, na certidão predial do prédio urbano com a descrição 950/X, se encontra registada pela Ap. 3680 de 2009/05/04 uma autorização de utilização com o n.º 98/2006, datada de 21/11/2006 e emitida pela Camara Municipal [00.10.15-00.11.28], [00.18.45-00.19.26], [00.20.16-00.21.02].
26. A testemunha M. P. demonstrou que a hipoteca voluntária constituída a favor da CAIXA A, S.A. incluiu as edificações constante do terreno com a desc. 731/X e que as mesmas somente não se encontram ali descritas uma vez que não se encontravam licenciadas.
27. A sociedade comercial Y Lda. foi declarada insolvente a 18 de julho de 2008 no âmbito do processo n.º 108/08.4TBPCR, onde foi nomeado como Administrador de Insolvência o Exmo. Senhor Dr. R. A., tendo o mesmo informado que procedeu à venda à CAIXA A do terreno com as edificações [00.09.01-00.12.18].
28. Por contrato de compra e venda celebrado em 7 de março de 2012, a CAIXA A, S.A. adquiriu o bem imóvel descrito na CRP de X sob o n.º 731 e inscrito na matriz sob o artigo 944.º, ou seja, sobre o qual tinha registada a hipoteca voluntária de julho de 2001, que englobava o terreno e as edificações.
29. A testemunha H. R., responsável pela regularização de imóvel desde 2007, afirmou que a Autora adquiriu o bem imóvel com as mesmas características da data da constituição da hipoteca, ou seja, com 10328m2 e com duas edificações [00.05.01-00.05.05.57] e que a Autora procedeu à avaliação do referido bem imóvel com as duas edificações [00.30.50-00.31.32].
30. A testemunha ENG C. P., prestador de serviços para a Autora e para a Ré, que efetuou duas avaliações da descrição 731 de X e uma da descrição 950, informou que somente valorizou um dos pavilhões face à certidão emitida pela Câmara Municipal de X datada de 15 de junho de 2012, uma vez que, de outra forma, não valorizaria edificações não licenciadas [00.04.10-00.07.02].
31. O bem imóvel adquirido pela CAIXA A, S.A. com a descrição 731 de X tem uma área de 10.328m2 e no qual encontram-se implementadas duas edificações, as quais, à data da constituição da hipoteca, não estavam licenciadas, pelo que devem ser dados como provados os factos n.º 2.1, 2.7 e 2.8 da matéria de facto dada como não provada.
32. Também devem ser também dados como provados os factos 2.2 a 2.6 da matéria de facto não provada, uma vez que ocorreu uma duplicação de artigos para o mesmo terreno 33.Através do Protocolo de 1989, a Câmara Municipal de X cedeu à sociedade comercial Y Lda. uma parcela de terreno com a área de 3830m2 para construção de uma unidade fabril, tendo sido criado, em 20/12/1991, o artigo 694 (atual artigo 777) que teve origem como “prédio novo”.
34. Não se tratava de um “prédio novo”, mas de um prédio cedido pela Câmara Municipal que tinha necessariamente uma inscrição rústica nas Finanças, uma vez que um prédio urbano não tem origem “do nada”, mas tem de provir de um terreno rústico.
35. A sociedade comercial “Y, Lda.” solicitou novas cedências de terreno à Camara Municipal de X de forma a ampliar aquilo que já lhe havia sido anteriormente cedido.
36. Pelo facto de não conseguir registar em seu nome os terrenos que já lhe haviam sido cedidos pela Câmara Municipal de X, em 27/04/2001, esta procedeu ao destaque da área de 10.328m2 e criou o artigo urbano 944.º (atual 977.º), o qual proveio do artigo rústico 284.º, tendo o destaque englobado todos os terrenos que haviam sido cedidos pela Câmara Municipal à sociedade Y, incluindo as duas edificações anteriormente construídas.
37. Na sequência do destaque da área de 10.328m2 e da inscrição do mesmo na matriz sob o artigo 944.º, a Câmara Municipal vendeu à sociedade Y a referida área, através da escritura datada de 9/07/2001, o que permitiu a abertura da descrição predial n.º 731/X e o registo em nome da sociedade Y, Lda.
38. No dia 10/07/2001 foi registada a hipoteca voluntária a favor da CAIXA A, S.A., a qual, sabendo da atividade comercial da sociedade Y, Lda. e da respetiva unidade fabril, pretendia a constituição da hipoteca sobre a fábrica e não apenas sobre um terreno e um barraco.
39. A duplicação de artigos surge uma vez que o artigo 694 (atual 777), criado em 1991, aquando da cedência dos 3.830m2, não é cancelado aquando do destaque da área de 10.328m2, que englobou aqueles 3.830m2, sendo que o artigo 777 foi localizado, posteriormente, por um Agente de Execução que procedeu à abertura da descrição predial 950.
40. Tudo se desenrola posteriormente como se existissem dois prédios distintos com artigos matriciais distintos e descrições prediais distintas, até porque existiam dois pavilhões (ainda que um fosse um mero barraco).
41. A testemunha N. C. fez várias visitas ao local do imóvel e à Câmara Municipal de X, tendo consultado os respetivos processos, e concluiu que o destaque de 10.328m2 corresponde ao imóvel da Autora e que do mesmo fazem parte as edificações [00.04.52-00.05.26], [00.06.45-00.08.11], [00.11.30-00.13.25]
42. Na planta do destaque consta a área destacada de 10.328m2, onde se incluem os dois pavilhões construídos pela sociedade Y, Lda., e a área sobrante de 4.372m2.
43. O artigo rústico 384, referido no modelo 129 de 27/04/2001, tinha uma área global de 14.700m2, conforme resulta da planta do destaque junta aos presentes autos, dos quais 10.328m2 foram destacados, sobrando a área de 4.372m2.
44. Não faria qualquer sentido que a sociedade comercial Y, Lda., querendo registar tudo aquilo que lhe tinha sido cedido pela Camara Municipal, não tivesse procedido à abertura de uma descrição predial do pavilhão, ou seja, da área de 3830m2, a qual somente veio a suceder com o registo de uma penhora.
45. A sociedade Y Lda. já havia procedido ao registo de tudo o que lhe havia sido cedido pela Camara Municipal através da descrição predial 731, aberta em julho de 2001.
46. A testemunha C. G., que se deslocou ao local e à Câmara Municipal de X, informou os autos que a Câmara Municipal adquiriu por usucapião a parcela de 14.700m2 e fez um destaque da parcela de 10380m2 que vendeu à sociedade Y, Lda. [00.12.52-00.14.15-manhã], [00.15.25-00.16.32-manhã], [00.02.21-00.02.41-tarde].
47. O bem imóvel descrito na CRP sob o n.º 731 foi desanexado do n.º 722/010108, o que corrobora a tese de que a área de 10328m2 foi destacada de um terreno percentente à Câmara Municipal de X e que proveio de um prédio registado e já existente, ao contrário do que sucede com a descrição 950 que terá provindo de um “prédio novo”.
48. Face à prova produzida, quer documental, quer testemunhal, a parcela de terreno de 3830m2 foi inicialmente cedida à Y pela Camara Municipal, pelo que não era aquele um prédio novo, mas já existente.
49. Ocorreu uma manifesta duplicação de artigos, uma vez que o artigo 694 (atual 777) não foi cancelado aquando da criação do artigo 944 (atual 977), o qual englobou todas as parcelas de terreno que haviam sido cedidas pela Câmara Municipal à Y.
50. A falta de cancelamento do artigo 777.º fez com que, posteriormente à insolvência da sociedade comercial Y, tudo se passasse como se existissem dois artigos distintos referentes a duas parcelas de terreno distintas, o que permitiu que a sociedade comercial JC, adquirindo a descrição 950, tivesse utilizado ambos os pavilhões para proceder ao armazenamento de materiais de construção.
51. Não obstante a CAIXA A, S.A. tenha adquirido a propriedade da descrição 731, em 2012, no âmbito do processo de insolvência da Y, não fez a mesma diligências para a tomada de posse do imóvel, o que possibilitou que os pavilhões fossem utilizados pela sociedade JC, a qual adquiriu a propriedade da descrição 950.
52. Devem ser dados como provados os factos n.º 2.2 a 2.6 da matéria de facto dada como não provada perante a prova documental e testemunhal produzida nos presentes autos, tal como deve ser dado como não provado o facto provado n.º 53.
53. Nos factos n.º 46 a 52 dos factos provados, o Douto Tribunal a quo deu como provado que a Ré Caixa B, por si e seus antecessores, desde há 20 e mais anos, que utiliza o bem imóvel com a descrição 950, tal como é a Ré que limpa os terrenos, efetua obras de conservação, repara infiltrações e humidades, pinta os muros, faz contratos de arrendamento, entre outros atos materiais.
54. A Ré Caixa B não juntou um único documento comprovativo dos alegados atos materiais demonstrativos da utilização do bem imóvel com a descrição 950, nomeadamente, contrato de arrendamento ou respetivos recibos de renda, tal como não juntou nenhuma fatura relativa à realização de obras de conservação, de pinturas, de reparação de infiltrações e humidades, limpeza dos terrenos, e mesmo de facturação de eletricidade e água.
55. No relatório pericial efetuado ao bem imóvel com a descrição 950 de X, resulta que o mesmo se encontra ocupado e, de acordo com as fotografias, vislumbram-se enfeites de festas municipais, cestos de basquete, cabos, caixotes do lixo, entre outros.
56. No relatório pericial pode ler-se que o bem imóvel “encontra-se em mau estado de conservação, a necessitar de obras de conservação”, o que demonstra, desde logo, que a Ré não efetua obras de conservação do prédio, tais como pintura de muros, paredes, portas e janelas, reparação de infiltrações e humidade e irregularidades no piso, entre outras.
57. A testemunha H. R. informou os autos que foi ao local no ano de 2017 e que o pavilhão grande estaria a ser ocupado por indivíduos da Câmara Municipal [00.11.52-00.12.39], [01.04.35-01.05.12].
58. A testemunha M. P., que passa frequentemente pelo terreno, afirma que nunca viu quaisquer obras nos pavilhões e que os mesmos não têm qualquer atividade, encontrando-se apenas com caixotes do lixo da Câmara Municipal [00.04.15-00.05.47], [00.12.48-00.13.27], [00.21.59-00.22.36].
59. Dos depoimentos das testemunhas, bem assim como do relatório pericial, resulta que o pavihão maior se encontra em mau estado de conservação, a necessitar de obras, encontrando-se ocupado com contentores do lixo.
60. O Eng. C. P. afirma que o terreno se encontra ocupado com contentores verdes que pressupõe serem da Câmara Municipal de X [00.20.07- 00.21.23].
61. A testemunha C. G. afirma que o terreno se encontra com contentores do lixo da Câmara Municipal [00.10.02-00.10.45], [00.19.17-00.20.02].
62. Não se pode dar como provado que a Ré Caixa B se encontre a utilizar o bem imóvel com a descrição 950, nem tão pouco que efetue obras de conservação do mesmo, designadamente, a limpeza do terreno, a pintura de muros, paredes, portas, portões ou janelas, a reparação de infiltrações ou humidades, entre outros atos materiais, pelo que devem ser dados como não provados os factos n.º 46 a 52 da matéria de facto provada.
63. A Câmara Municipal de X começou por ceder à Y, Lda. Uma parcela de terreno com a área de 3830m2 destinada à construção de uma unidade fabril, tendo sido criado o artigo 694 (777) como “prédio novo”.
64. A sociedade comercial Y, Lda. voltou a solicitar à Câmara Municipal a cedência de mais parcelas de terreno, sendo que a Y, Lda. não conseguia registar em seu nome as parcelas de terreno que lhe haviam sido cedidas pela Câmara Municipal.
65. A 27/04/2001, a Câmara Municipal de X procedeu ao destaque da parcela de terreno destinada a construção com a área de 10328m2, a qual provém do prédio rústico com o artigo 284.º, que permitiu a criação do artigo matricial urbano 944.º
(atual 977.º).
66. Na planta do destaque da Câmara Municipal de X, a área de 10.328m2 incluía duas edificações já existentes no terreno, as quais não foram descritas na abertura da inscrição matricial por falta de licenciamento das construções àquela data.
67. Posteriormente, a 09/07/2001, a Câmara Municipal vendeu à Y Lda. a parcela de terreno para construção com a área de 10.328m2, que permitiu a abertura da descrição predial 731 e o registo da aquisição a favor da Y, Lda. através da Ap. 1 de
2001/07/09.
68. A Sociedade comercial Y Lda. conseguiu o registo da hipoteca voluntária a favor da CAIXA A, S.A. através da Ap. 2 de 2001/07/10, a qual recaiu sobre o prédio urbano descrito na CRP sob o n.º 731 e expressamente englobou todas edificações urbanas e benfeitorias que neles estivessem implantadas.
69. A sociedade comercial Y Lda. pretendia o registo em seu nome de todas as parcelas que haviam sido cedidas pela Câmara Municipal a fim de poderem as mesmas ser dadas de garantia à CAIXA A, S.A.
70. Com a criação da inscrição matricial 944.º (atual 977) e a descrição predial 731, referentes à área de 10.328m2, não se procedeu ao cancelamento da inscrição matricial 694 (atual 777), o que levou a que tudo se processasse como se existissem dois imóveis distintos.
71. A sociedade comercial Y Lda. não procedeu à abertura da descrição predial correspondente ao artigo matricial 694.º (atual 777.º), mas apenas do artigo 944 (atual 977), a qual englobava todas as cedências efetuadas pela Camara Municipal com área de 10.328m2.
72. A autorização de utilização do pavilhão maior com a área coberta de 1931m2 somente foi emitida pela Câmara Municipal em 21 de novembro de 2006, o que demonstrou o mesmo não podia estar descrito na composição da descrição 731 à data da abertura da descrição predial em julho de 2001.
73. Com a insolvência da sociedade comercial Y, Lda, no âmbito do processo n.º 108/08.4TBPCR, a Autora CAIXA A, S.A., em 7 de março de 2012, adquiriu o bem imóvel com a desc. 731 nos exactos termos em que o mesmo foi dado de garantia, ou seja, com as edificações implantadas.
74. A Autora CAIXA A, S.A. não era obrigada a saber que a descrição 950 era uma sobreposição parcial sobre a descrição 731 por si adquirida.
75. Ocorreu uma duplicação parcial de descrições sobre o mesmo terreno, sendo que o bem imóvel com a descrição 731 e artigo 977 (anterior 944) tem a área de 10328m2 e no qual se encontram implementadas duas edificações.
76. A inscrição matricial 694 (atual 777) deveria ter sido cancelada aquando da inscrição na matriz do artigo 944 (atual 977), uma vez que este englobou a área daquele com as edificações.
77. No modelo 129 datado de 20/12/1991 é referido que a área de 3830m2 provem de um “prédio novo” quando, na verdade, se tratava de uma parcela de terreno pertencente à Câmara Municial de X e esta não podia ceder um terreno que não estivesse incrito na matriz.
78.Face a todo o exposto, deve ser julgada manifestamente procedente o pedido
formulado pela Autora CAIXA A, S.A. e, em consequência, ser ordenado o cancelamento da inscrição na matriz sob o artigo 694 (atual 777).
79. O Douto Tribunal a quo julgou procedente a reconvenção deduzida pela Ré Caixa B e conclui que esta, quer por aquisição derivada, quer por aquisição originária, é a legitima possuidora e proprietária do bem imóvel com a desc. 950.
80. Relativamente à aquisição derivada, a Ré Caixa B adquiriu, em 16 de outubro de 2015, a descrição predial 950/X, no âmbito do processo de insolvência da sociedade comercial JC Imobiliária Lda., tal como a Autora CAIXA A, S.A. adquiriu, em 7 de março de 2012, a descrição predial 731/X, no âmbito do processo de insolvência da sociedade comercial Y Lda.
81.Quer a Autora, quer a Ré, são proprietárias dos bens imóveis com as descrições 731 e 950, respetivamente, uma vez que foram adquiridos os bens imóveis nas mesmas circunstâncias, ou seja no âmbito de um processo de insolvência.
82. Relativamente à aquisição originária, a sociedade comercial Y, Lda. Manteve a propriedade e a posse do terreno com a área de 10328m2 na qual se encontravam implementadas duas edificações até à data da sua declaração de insolvência em 18 de julho de 2008.
83. Perante a impugnação da matéria de facto dada como provada e não provada, ocorreu uma duplicação de descrições para o mesmo terreno, uma vez que a descrição 950 faz parte da descrição 731, sendo que o respetivo artigo matricial 694 (atual 777) não foi cancelado aquando da criação do artigo 944 (atual 977).
84. O artigo 1296.º do Código Civil dispõe que, não havendo registo do título nem da mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo de quinze anos, se a posse for de boa fé, e de vinte anos, se for de má fé.
85. Desde que a sociedade comercial Y Lda. foi declarada insolvente, em julho de 2008, não decorreram 15 anos do exercício da posse sobre o pavilhão descrito na CRP sob o n.º 950.
86.A Ré Caixa B não provou a sua posse efetiva no pavilhão com a descrição 950, designadamente, as alegadas obras de conservação ou contratos de arrendamento.
87. Do relatório pericial resulta que o pavilhão se encontra em mau estado de conservação e, do depoimento da maioria des testemunhas, resulta que o pavilhão se encontra com contentores do lixo da Câmara Municipal.
88. Para além de não terem decorrido 15 anos do exercício da posse desde a declaração de insolvência da Y, também se verifica que Ré Caixa B, desde a aquisição em 2015, não praticou os atos materiais contendentes ao exercício da posse.
89. Em consequência, não se pode dar como provado que a Ré Caixa B tenha adquirido por ususcapião a descrição predial 950 de X.

Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a Douta Sentença na parte em que julgou improcedente a existência de duplicação parcial de artigos e, por outro, na parte em que julgou procedente a reconvenção apresentada pela Ré».

A ré/reconvinte apresentou resposta, sustentando a improcedência da apelação e a consequente manutenção do decidido.
O recurso foi admitido para subir de imediato, nos próprios autos, e com efeito devolutivo.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) - o objeto da presente apelação circunscreve-se às seguintes questões:

A) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
B) Apreciar se a ocorre vício suscetível de levar à anulação do modelo 129 do ano de 1992 referente ao prédio inscrito na matriz sob o artigo 777.º, da união de freguesias de X e R, nos termos pretendidos pela autora, e consequente eliminação do artigo matricial 777.º urbano da referida freguesia e, ainda, ao cancelamento de todos os registos em vigor relativamente à descrição predial 950 da freguesia de X, nomeadamente da aquisição registada pela Ap. 1146 de 2015/10/16 a favor da ré CAIXA B, CRL (CAIXA B) e à eliminação da descrição predial 950 da freguesia de X, por duplicação de descrições relativamente à descrição predial n.º 731/20010507 da freguesia de X;
C) Verificar se a ré/reconvinte adquiriu validamente o prédio a que se reporta do artigo matricial urbano 777.º da referida freguesia a que corresponde a descrição predial n.º 950 da freguesia de X e se estão reunidos os pressupostos da aquisição pela ré/reconvinte de tal prédio, por usucapião.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos

1.1. Factos considerados provados pela 1.ª instância na sentença recorrida:
1.1.1. A Autora CAIXA A SA, é titular inscrita do prédio urbano sito em ..., freguesia e concelho de X inscrito na matriz predial sob o artigo matricial urbano nº 977 e descrito na respectiva Conservatória de Registo Predial sob o nº 731, da referida freguesia, conforme documentos nºs 1 e 2 juntos com a p.i.
1.1.2. Tal prédio, actualmente inscrito na matriz predial urbano sob o n.º 977, teve origem no artigo matricial urbano 944.º, criado pela apresentação do Modelo 129, em 27/4/2001, no qual foi declarado que provinha do artigo rústico 284, conforme cópia do Modelo 129 que serviu de base ao destaque e criação do artigo matricial urbano 944, conforme documento nº 3 junto com a p.i.;
1.1.3. A Ré Caixa B CRL, adiante designada por CAIXA B CRL, é titular inscrita do prédio urbano sito em ..., freguesia e concelho de X, inscrito na matriz predial urbana nº 777 e descrito na respectiva Conservatória de Registo Predial sob o nº 950, da referida freguesia, conforme cópia da descrição predial 950 e caderneta da matriz urbana 777 - cf documentos nºs 4 e 5 juntos com a p.i..
1.1.4. Tal prédio, actualmente inscrito na matriz predial urbana sob o n.º 777, teve origem no artigo matricial urbano 694.º, criado pela apresentação em 20/12/1991 do Modelo 129 como “prédio novo”, ou seja, sem origem em qualquer outro artigo rústico ou urbano, conforme cópia do Modelo 129, junto como documento n.º 6, apresentado pela “Y – Produção e Comercialização de Artigos Decorativos, Lda.”, com área total de 3.850 m2, sendo a coberta de 1.400 m2 e a descoberta de 2.430m2, descrita como sendo um “prédio constituído por uma grande divisão que é onde se desenvolve a produção e armazém, tendo mais duas divisões que são as casa de banho e escritório.
1.1.5. Das referidas descrições prediais não constam quaisquer outros titulares inscritos.
1.1.6. No dia 9 de julho de 2001, a sociedade comercial “Y - Produção e Comercialização de Artigos Decorativos e Utilidades Lda.” comprou ao Município de X, que vendeu, o prédio urbano denominado de parcela de terreno para construção situado em ..., da Freguesia e do Concelho de X, inscrito na matriz sob o artigo 944.º e descrito na Conservatória de Registo Predial de X sob o n.º 731 conforme cópia informativa da descrição predial com história junto como documento n.º 7 com a p.i.
1.1.7. A referida aquisição encontra-se registada através da Apresentação 1 de 2001/07/09 – cfr. documento n.º 7 junto com a p.i..).
1.1.8. Da descrição predial do bem imóvel adquirido pela sociedade comercial “Y – Produção e Comercialização de Artigos Decorativos e Utilidades Lda.”ao Município de X, consta que o mesmo é composto por uma área total de 10.328 m2 – cfr. documento n.º 7.
1.1.9. Para garantia do pagamento de empréstimo e de todas as obrigações pecuniárias, assumidas ou a assumir, em conjunto ou em separado, pela sociedade comercial “Y – Produção e Comercialização de artigos Decorativos e Utilidades, Lda.”, decorrentes de quaisquer operações bancárias, designadamente mútuos, aberturas de crédito de qualquer natureza, descobertos em contas à ordem, letras, livranças, cheques, extractos de factura, warrants, garantias bancarias, fianças, avales e empréstimos obrigacionistas, foi constituída uma hipoteca, a favor da Autora CAIXA A, S.A., sobre o referido bem imóvel (incluindo as edificações urbanas e benfeitorias que nele sejam, ou estejam, implantadas) descrito na Conservatória de Registo Predial de X sob o n.º 731 e aí registada pela Apresentação 2 de 2001/07/10 – conforme escritura de constituição de hipoteca junta como doc. 8 com a p.i.
1.1.10. A sociedade comercial “Y – Produção e Comercialização de Artigos Decorativos e Utilidades, Lda.” foi declarada insolvente por sentença proferida a 18 de Julho de 2008 no âmbito do processo n.º 108/08.4TBPCR, que correu os seus termos no Tribunal da Comarca; de X, de acordo com o Anúncio n.º 5535/2008 - documento n.º 9 junto com a p.i.
1.1.11. De acordo com o histórico da respectiva certidão predial (doc. 7 da p.i, fls. 36 e ss) o bem imóvel descrito sob o nº731/artigo matricial 944º foi adquirido pela sociedade comercial “... Espana, S.L. – Sucursal em Portugal”, em 21 de Abril de 2009 e, posteriormente, pela sociedade comercial “JC – Imobiliária, Lda.”, em 05 de maio de 2009, tendo sido constituída uma hipoteca genérica a favor da Ré CAIXA B, CRL., em 28 de agosto de 2009.;
1.1.12. No entanto, todos os respectivos registos referentes aos negócios jurídicos descritos em 1.11. foram objecto de cancelamento de acordo com as Apresentações 3193, 3194 e 3195 de 2010/06/28.
1.1.13. Posteriormente, no âmbito do processo de insolvência da sociedade comercial “Y - Produção e Comercialização de Artigos Decorativos e Utilidades, Lda., a Autora CAIXA A, S.A. veio a adquirir o bem imóvel descrito na CRP com o nº731 por escritura pública outorgada a 7 de março de 2012 pelo preço global de € 90.000,00 – cfr. documento n.º 10 junto com a p.i.
1.1.14. De acordo com a respectiva caderneta predial urbana, o referido bem imóvel encontrava-se inscrito na matriz sob o artigo 944.º, da freguesia de X, o qual teve origem no artigo rústico 284.º, da freguesia de X – cfr. documento n.º 11 com a p.i. fls. 61.
1.1.15. Na referida caderneta predial urbana consta a descrição do prédio como “terreno para construção” com uma área de 10.328 m2 – cfr. documento n.º 11.
1.1.16. Nos termos da certidão emitida pela Câmara Municipal de X, em 15 de Junho de 2012 que: “Y Produção e Comercialização de Artigos Decorativos e Utilidades, Lda. é titular do processo de licenciamento de obras n.º 37/90; do Alvará de Licença de Construção n.º 08/91 de 23 de Janeiro e do Alvará de Licença de Utilização n.º 98/2006 de 21 de Novembro referente ao prédio, sito no Lugar de ..., freguesia e concelho de X, inscrito na matriz predial da freguesia de X sob o artigo 944.º-U e descrito na Conservatória de Registo de X sob o n.º 731. – cfr documento nº 12 – fls. 62.
1.1.17. Após a aquisição do prédio urbano inscrito na matriz predial 977 (anterior 944), e durante as diligências para tomada de posse do mesmo, a A. foi informada que a edificação ali existente seria propriedade da Ré CAIXA B do Noroeste CRL.
1.1.18. De acordo com a respectiva caderneta predial, o prédio inscrito na matriz sob o artigo 777.º, da união de freguesias de X e R, consta como inscrito na matriz no ano de 1992, tendo origem no artigo 694º, corresponde a um pré-fabricado, composto de rés-do-chão com duas divisões, uma destinada a escritório e outra ao desenvolvimento da produção – cfr documento n.º 5.
1.1.19. Ao prédio urbano referido no artigo anterior foi atribuída uma área total de terreno de 3.830 m2 – cfr. documento n.º 5, fls. 30.
1.1.20. No âmbito de execução movida contra a Y Lda em 2007 terá sido localizado o artigo matricial 777, omisso na Conservatória de Registo Predial, tendo o Agente de Execução, Dr. P. P., procedido junto da Conservatória de Registo Predial de X à apresentação do registo de penhora do prédio não descrito e inscrito na matriz sob o artigo 777.º, e que originou a abertura da descrição predial n.º 950 – cópia informativa da descrição predial com histórico documento n.º 15. – fls. 66 e ss.
1.1.21. De acordo com a respectiva certidão predial, estamos perante um prédio urbano denominado de Pré-Fabricado, situado em ..., composto por rés-do-chão destinado a escritório e desenvolvimento da produção, armazéns e actividade industrial, com a área total de 3830 m2, da qual consta como área coberta 1931,3 m2 – cfr. documento n.º 15.
1.1.22. Face à declaração de insolvência da proprietária “Y – Produção e comercialização de Artigos Decorativos e Utilidades, Lda.”, o referido bem imóvel (descrição 950e artigo matricial 777) foi também adquirido pela sociedade “... Espana, S.L. – Sucursal em Portugal”, em 21 de abril de 2009 e, posteriormente, pela sociedade comercial “JC – Imobiliária, Lda.”, em 4 de maio de 2009 – cfr. documento n.º 15.
1.1.23. A 25 de agosto de 2009, foi constituída a favor da Ré CAIXA B do Noroeste, CRL uma hipoteca voluntária sobre o bem imóvel descrito na Conservatória de Registo Predial de X sob o n.º 950 e aí registada pela Ap. 2717 de 2009/08/25 - cfr. documento n.º 10.
1.1.24. A sociedade comercial “JC – Imobiliária, Lda.” Foi declarada insolvente por sentença proferida a 11 de junho de 2014 no âmbito do processo n.º 174/13.0TBPCR, que correu termos no Tribunal Judicial de X - cfr. documento n.º 16 junto com a p.i.
1.1.25. No referido processo de insolvência, a Ré CAIXA B do Noroeste, CRL adquiriu o referido bem imóvel registado pela Apresentação 1146 de 2015/10/16 - cfr. documento n.º 15.
1.1.26. De acordo com o modelo 129 que serviu de base à criação do actual artigo matricial 777.º, da união de freguesias de X e R, que se junta como documento n.º 6, o motivo que deu lugar à apresentação da referida declaração foi “o prédio é novo”.
1.1.27. Em 11 de Junho de 2014, o tribunal judicial de X declarou a insolvência de “JC - Imobiliária, Lda”, com sede na Rua …, em X.
1.1.28. Em 25 de Julho de 2014, a administradora de insolvência Dra. Maria apresentou no apenso respectivo a lista dos créditos reclamados, entre os quais o crédito da ré de € 1.526.777,98 (um milhão, quinhentos vinte seis mil euros e noventa e oito cêntimos).
1.1.29. Também nessa altura a administradora de insolvência apresentou no apenso respectivo o inventário dos bens apreendidos à insolvente, composto por 70 imóveis e um veículo automóvel.
1.1.30. Um dos imóveis aí relacionados era a verba 65, assim identificada: PRÉDIO URBANO - rés-do-chão - escritório e desenvolvimento da produção - armazéns e actividade industrial - sito em ..., denominado “Pré-Fabricado” - com a área de 3830 m2, sendo 1 400 m2 de área coberta e 2430 m2 de área descoberta, confronta a norte e poente com Câmara Municipal, a sul e nascente com caminho público, descrito na conservatória do registo predial de X sob o n.º 950/2007.11.02, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 777, União de Freguesias de X e R, concelho de X, com o valor patrimonial de 282.510,00 €.
1.1.31. Em 3 de Dezembro de 2014, a administradora de insolvência incumbiu o perito avaliador Eng.º R. P. de proceder à avaliação desse prédio, constando do relatório respectivo, em suma, o seguinte:
(…)
Objetivo da avaliação: Estimar o Valor de Mercado do Imóvel à data de hoje, no seu estado actual e em uso continuado (…)
Valor de Mercado - € 169 000,00 (cento e sessenta e nove mil euros)
Valor de Liquidação - € 143 700,00 (cento e quarenta e três mil e setecentos euros)
(…)
1. Identificação do imóvel
Tipo de imóvel: Pavilhão Industrial / armazém
N.º de pisos: 1 (Um)
Afectação: Escritórios, actividade industrial e armazém
Sito em: Lugar de ...
Cod. Postal: X
(…)
Confrontações
Norte: Câmara Municipal
Sul: Caminho Público
Nascente: Caminho Público
Poente: Câmara Municipal
Artigo Matricial n.º: 777 (art.º 694 da extinta freguesia de X)
Descrito na C.R.P. de: X sob o registo n.º 950
Descrição do Prédio segundo a caderneta predial urbana: Prédio em propriedade total, sem andares, nem divisões susceptíveis de utilização independente
Ano de inscrição na matriz: 1992
Afectação/uso: Indústria/armazém e escritórios. Encontra-se devoluto e já apresenta alguns sinais de vandalismo
1 - Descrição das Áreas
CPU CRP Área total do terreno 2 430,00 m2 3 830,00m2
Área implantação edifício 1 898,80 m2 1 400,00 m2
Área Bruta Construção 2 298,80 m2
Área Bruta Dependente 541,30 m2
Área Bruta Privativa 1 757,50 m2
2 - Descrição Exterior
Visibilidade: Com fraca visibilidade. O acesso ao pavilhão é feito através de um caminho público de impasse que apenas serve este imóvel e o pavilhão que com ele confina
(…)
Frente com via pública: Confronta a poente a toda a largura da fachada principal do imóvel com o caminho público de impasse que lhe serve de acesso (…)
Estrutura: Betão e vigas de cobertura em betão pré-fabricado
Cobertura: cobertura em chapas de fibrocimento
Paramentos exteriores: Alvenaria de tijolo rebocada e pintada
Caixilharia: Caixilharia em ferro com vidro simples
Logradouro: O logradouro envolve o pavilhão em todas as frentes. A área do logradouro na fachada principal do pavilhão está destinada a parqueamento e jardim. Tem parte do piso em betuminoso e parte em empedrado.
Na fachada principal está delimitado por muro encimado de grades e por dois portões de grandes dimensões
Cais de Carga: Possui um cais de carga coberto situado na fachada sul do imóvel.
Infraestruturas: Rede de abastecimento de água, rede de saneamento, rede elétrica, rede de telecomunicações (…) - cfr. doc. n.º 5 junto.
1.1.32(1). Na sequência desta avaliação a administradora de insolvência marcou venda desse e outros prédios, para o dia 22 de Janeiro de 2015, por meio de propostas em carta fechada, no seu escritório - cfr. doc. n.º 6 junto.
1.1.33. A administradora de insolvência publicitou essa venda com a antecedência de 20 dias, através de anúncios nos jornais nacionais, jornal local de X, editais e na sua página na internet.
1.1.34. No dia designado para a abertura de propostas nenhum interessado apresentou qualquer proposta de compra.
1.1.35. Na sequência a administradora de insolvência decidiu diligenciar ela própria pela venda desse prédio - e de outros - tendo-se frustrado todas essas diligências.
1.1.36. No final do mês de Fevereiro de 2015, a administradora de insolvência encarregou a leiloeira “..., S.A.” de proceder à venda desse prédio - entre outros - pelo meio que entendesse.
1.1.37. Essa leiloeira marcou para o dia 20 de Março de 2015, às 14.30 horas, a venda desse prédio - e outros - através de hasta pública ao licitante que oferecesse o melhor preço - cfr. doc. n.º 7 junto.
1.1.38. Essa leiloeira publicitou previamente essa venda através de anúncios nos jornais nacionais de maior tiragem, comunicações aos 320 000 clientes existentes na sua base de dados e anúncio na sua página na internet - cfr. doc. n.º 7 junto
1.1.39. Essa publicidade incluiu a fotografia do prédio e todos os dados de identificação do mesmo - localização, envolventes, composição, afectação, área coberta e descoberta e acessos.
1.1.40. No dia designado para esse leilão não foi apresentada qualquer proposta de compra para esse prédio.
1.1.41. No decorrer de todas estas diligências - ou seja, no período de 22.01.2015 a 16.10.2015 - a administradora de insolvência, a leiloeira, o representante da insolvente e a ré, levaram ao local diversos potenciais interessados.
1.1.42. Essas visitas realizaram-se à luz do dia, percorrendo as pessoas livremente esse prédio - área coberta e descoberta - examinando o local, pedindo esclarecimentos e colocando dúvidas.
1.1.43. Nunca alguém - e designadamente a autora - em qualquer momento, colocou sequer a dúvida de que esse prédio estivesse implantado em terreno pertença daquela.
1.1.44. É que esse prédio encontra-se, desde há pelo menos 25 anos, perfeitamente visível e definido no local, perfeitamente demarcado dos prédios vizinhos, com acesso próprio a partir do caminho público e com um portão de correr em barras de ferro.
1.1.45. Foi neste concreto circunstancialismo que a ré adquiriu, em 16 de Outubro de 2015, o prédio urbano identificado supra em 1.30.
1.1.46. A ré, por si e seus antecessores, desde há 5, 10, 15, 20 e mais anos, entra e permanece, quando e do modo que entende, no prédio tal como descrito em 1.30. e 1.44.
1.1.47. É a ré, com exclusão de outrem, que abre o portão de acesso ao prédio, entra na área descoberta e coberta do mesmo, limpa regularmente essas áreas, liga e desliga a luz eléctrica e o abastecimento de água.
1.1.48. É a ré que, sempre que necessário, efectua obras de conservação do prédio, tais como, substituição de fechaduras, afinação de portas, pintura de portões, portas e janelas, reparação das redes de energia eléctrica e abastecimento de água.
1.1.49. É a ré que, sempre que necessário, repara as infiltrações de água pelo telhado, as humidades que aparecem nas paredes interiores, as irregularidades do piso e as oxidações nos tubos de ferro.
1.1.50. É a ré que, regularmente, proceda à pintura dos muros, paredes, portões, portas e janelas do prédio.
1.1.51. É a ré, com exclusão de outrem, que, quando entende, negoceia e dá de arrendamento esse prédio, recebe as rendas e fiscaliza o uso e conservação do mesmo, ou, simplesmente, autoriza a ocupação do prédio por terceiro, paga o IMI devido pelo prédio.
1.1.52. A ré procede desde modo, reiteradamente, à vista de todos, pacificamente, de boa-fé e com a convicção de que é a legítima e única titular do direito de propriedade sobre esse prédio.
1.1.53. A parcela de terreno pertença da autora sempre foi definida com uma área livre, sem qualquer construção, tendo sido adquirida pela autora exactamente nesse estado.
1.1.54. A autora pela aquisição do prédio inscrito na matriz sob o artigo 977.º e descrito na CRP com o n.º 731 pagou o preço de € 90.000,00.
1.1.55. Em 16 de outubro de 2015, por meio de contrato de compra e venda, a ré adquiriu à “Massa Insolvente de JC - Imobiliária, Lda”, o prédio urbano identificado em 1.30.
1.1.56. No mesmo dia, através da Ap. 1146, a ré fez registar a seu favor a aquisição do direito de propriedade sobre esse prédio.
1.1.57. A edificação inscrita na matriz sob o artigo 777.º e descrita CRP com o nº 950.º encontra-se construída há mais de 20 anos.
1.2. Na decisão recorrida, o Tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos:

1.2.1. Não obstante a descrição do bem imóvel adquirido pela A. (inscrito na matriz sob o artigo 977º e descrito na CRP sob o n.º 731) ser de “terreno para construção”, no mesmo encontra-se implementada uma edificação há mais de 20 anos, a qual, à data da constituição da hipoteca a favor da CAIXA A SA, não se encontrava averbada por não estar concluído o respectivo processo de licenciamento, embora já estivesse edificada.
1.2.2. Só após a aquisição do prédio inscrito na matriz sob o artigo 977.º e descrito na CRP sob o n.º 731 pela A. teve esta conhecimento da existência de um artigo matricial urbano com o atual n.º 777.º da união de freguesias de X e R, que proveio do anterior artigo 694.º da freguesia de X, o qual se localiza em área pertencente ao artigo 977.º, propriedade da Autora CAIXA A, S.A, existindo assim uma duplicação parcial de artigos para o mesmo terreno.
1.2.3. O pavilhão que deu origem ao artigo matricial 777.º, da união de freguesias de X e R, adquirido pela Ré CAIXA B do Noroeste, CRL, encontra(va)-se implementado no terreno com o artigo matricial 977.º, da união de freguesias de X e R, pertencente à Autora CAIXA A, S.A., sem nunca ter sido deste destacado.
1.2.4. A referida declaração constante do modelo 129 não corresponde à verdade dos factos, porquanto o pavilhão em questão, objecto das referidas licenças de construção e de utilização (08/91 e 98/2006, respectivamente), referia-se ao prédio inscrito na matriz predial sob o artigo 977 e descrito na Conservatória de Registo Predial de X sob o n.º 731, ou seja, pertencente à Autora CAIXA A, S.A.
1.2.5. A referida declaração é falsa, tendo originado uma sobreposição parcial do prédio com o artigo 777.º, da união de freguesias de X e R, inscrito a favor da Ré, sobre o prédio com o artigo 977.º, da união de freguesias X e R, propriedade da Autora CAIXA A SA.
1.2.6. A inscrição matricial do artigo 777.º, da união de freguesias de X e R, teve por base informações falsas que levaram à criação de um prédio sobreposto e duplicação parcial de artigos e descrições prediais.
1.2.7. A edificação, que compõe a descrição do artigo matricial 777º e descrição predial 950º, não foi averbada na Conservatória de Registo Predial relativa ao prédio descrito com o nº731º porquanto o respectivo processo de licenciamento não estava concluído.
1.2.8. O bem imóvel adquirido pela Autora CAIXA A, S.A. tem uma área de 10.328 m2.

2. Apreciação sobre o objeto do recurso

2.1. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto

A apelante impugna a decisão relativa à matéria de facto, alegando a propósito nas respetivas conclusões, e em síntese, o seguinte:

i) Face à prova produzida, documental e testemunhal, a ora recorrente não pode concordar com o entendimento do douto tribunal de primeira instância no que diz respeito aos factos provados n.º 46 a 53 e aos factos não provados n.º 2.1 a 2.8 (conclusão 4.ª das alegações);
ii) O bem imóvel adquirido pela CAIXA A, S.A. com a descrição 731 de X tem uma área de 10.328m2 e no mesmo encontram-se implementadas duas edificações, as quais, à data da constituição da hipoteca, não estavam licenciadas, pelo que devem ser dados como provados os factos n.º 2.1, 2.7 e 2.8 da matéria de facto dada como não provada (conclusão 31.ª das alegações);
iii) Devem ser dados como provados os factos n.º 2.2 a 2.6 da matéria de facto dada como não provada perante a prova documental e testemunhal produzida nos presentes autos (conclusão 52.ª das alegações);
iv) Tal como deve ser dado como não provado o facto provado n.º 53 (conclusão 52.ª das alegações);
v) Não se pode dar como provado que a ré Caixa B se encontre a utilizar o bem imóvel com a descrição 950, nem tão pouco que efetue obras de conservação do mesmo, designadamente, a limpeza do terreno, a pintura de muros, paredes, portas, portões ou janelas, a reparação de infiltrações ou humidades, entre outros atos materiais, pelo que devem ser dados como não provados os factos n.º 46 a 52 da matéria de facto provada (conclusão 62.ª das alegações).

A impugnação da decisão relativa à matéria de facto obedece a determinadas exigências. Neste domínio, o artigo 640.º do CPC, prevê diversos ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, prescrevendo o seguinte:

Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.

Relativamente ao alcance do regime decorrente do preceito legal acabado de citar, refere António Santos Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2013, p. 126), que “a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar, com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d) O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto”.

No caso vertente, verifica-se pela análise das alegações da recorrente que esta indica os pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, nos termos enunciados em i) a v) supra.

Relativamente à decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, resulta da análise das alegações apresentadas que a recorrente especifica suficientemente a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre os pontos da impugnação da matéria de facto enunciados supra, indicando que os factos n.º 2.1 a 2.8 da matéria de facto não provada devem ser dados como provados e que devem ser dados como não provados os factos n.º 46 a 53 da matéria de facto provada.

Por último, verifica-se que os recorrentes especificam os meios probatórios que entendem impor as pretendidas alterações, indicando os elementos que permitem minimamente a sua identificação pelo que se considera suficientemente cumprido o ónus imposto pelo artigo 640.º do CPC.

Analisando a decisão recorrida, verifica-se que os concretos pontos da matéria de facto provada que a recorrente considera incorretamente julgados têm a seguinte redação:

1.1.46. A ré, por si e seus antecessores, desde há 5, 10, 15, 20 e mais anos, entra e permanece, quando e do modo que entende, no prédio tal como descrito em 1.30. e 1.44.
1.1.47. É a ré, com exclusão de outrem, que abre o portão de acesso ao prédio, entra na área descoberta e coberta do mesmo, limpa regularmente essas áreas, liga e desliga a luz eléctrica e o abastecimento de água.
1.1.48. É a ré que, sempre que necessário, efetua obras de conservação do prédio, tais como, substituição de fechaduras, afinação de portas, pintura de portões, portas e janelas, reparação das redes de energia eléctrica e abastecimento de água.
1.1.49. É a ré que, sempre que necessário, repara as infiltrações de água pelo telhado, as humidades que aparecem nas paredes interiores, as irregularidades do piso e as oxidações nos tubos de ferro.
1.1.50. É a ré que, regularmente, proceda à pintura dos muros, paredes, portões, portas e janelas do prédio.
1.1.51. É a ré, com exclusão de outrem, que, quando entende, negoceia e dá de arrendamento esse prédio, recebe as rendas e fiscaliza o uso e conservação do mesmo, ou, simplesmente, autoriza a ocupação do prédio por terceiro, paga o IMI devido pelo prédio.
1.1.52. A ré procede desde modo, reiteradamente, à vista de todos, pacificamente, de boa-fé e com a convicção de que é a legítima e única titular do direito de propriedade sobre esse prédio.
1.1.53. A parcela de terreno pertença da autora sempre foi definida com uma área livre, sem qualquer construção, tendo sido adquirida pela autora exactamente nesse estado.

Por outro lado, os pontos da matéria de facto não provada que a recorrente considera incorretamente julgados têm a seguinte redação:

1.2.1. Não obstante a descrição do bem imóvel adquirido pela A. (inscrito na matriz sob o artigo 977º e descrito na CRP sob o nº731) ser de “terreno para construção”, no mesmo encontra-se implementada uma edificação há mais de 20 anos, a qual, à data da constituição da hipoteca a favor da CAIXA A SA, não se encontrava averbada por não estar concluído o respectivo processo de licenciamento, embora já estivesse edificada.
1.2.2. Só após a aquisição do prédio inscrito na matriz sob o artigo 977.º e descrito na CRP sob o n.º 731 pela A. teve esta conhecimento da existência de um artigo matricial urbano com o atual n.º 777.º da união de freguesias de X e R, que proveio do anterior artigo 694.º da freguesia de X, o qual se localiza em área pertencente ao artigo 977.º, propriedade da Autora CAIXA A, S.A, existindo assim uma duplicação parcial de artigos para o mesmo terreno.
1.2.3. O pavilhão que deu origem ao artigo matricial 777.º, da união de freguesias de X e R, adquirido pela Ré CAIXA B do Noroeste, CRL, encontra(va)-se implementado no terreno com o artigo matricial 977.º, da união de freguesias de X e R, pertencente à Autora CAIXA A, S.A., sem nunca ter sido deste destacado.
1.2.4. A referida declaração constante do modelo 129 não corresponde à verdade dos factos, porquanto o pavilhão em questão, objecto das referidas licenças de construção e de utilização (08/91 e 98/2006, respectivamente), referia-se ao prédio inscrito na matriz predial sob o artigo 977 e descrito na Conservatória de Registo Predial de X sob o n.º 731, ou seja, pertencente à Autora CAIXA A, S.A.
1.2.5. A referida declaração é falsa, tendo originado uma sobreposição parcial do prédio com o artigo 777.º, da união de freguesias de X e R, inscrito a favor da Ré, sobre o prédio com o artigo 977.º, da união de freguesias X e R, propriedade da Autora CAIXA A SA.
1.2.6. A inscrição matricial do artigo 777.º, da união de freguesias de X e R, teve por base informações falsas que levaram à criação de um prédio sobreposto e duplicação parcial de artigos e descrições prediais.
1.2.7. A edificação, que compõe a descrição do artigo matricial 777º e descrição predial 950.º, não foi averbada na Conservatória de Registo Predial relativa ao prédio descrito com o n.º 731.º porquanto o respectivo processo de licenciamento não estava concluído.
1.2.8. O bem imóvel adquirido pela Autora CAIXA A, S.A. tem uma área de 10.328 m2.

Resulta do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, com a epígrafe Modificabilidade da decisão de facto, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Tal como ressalta do preceito legal antes citado, a reapreciação da decisão proferida sobre determinados pontos da matéria de facto deve ter a mesma amplitude que o julgamento efetuado em 1.ª instância, dispondo para tal a Relação de autonomia decisória de forma a assegurar o duplo grau de jurisdição.

A este propósito, refere António Santos Abrantes Geraldes (2), que “ (…) sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente e que está concretizado nos termos previstos no art. 640º, quando estejam em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos à livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência.

(…) a Relação deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações que se justificarem”.

Isto mesmo tem vindo a ser sublinhado pelo Supremo Tribunal de Justiça, conforme resulta do sumário do Ac. do STJ de 24-09-2013 (relator: Azevedo Ramos) (3): “I - Ao afirmar que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios, o legislador pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise.

II - A reapreciação da prova pela Relação (…), tem a mesma amplitude de poderes que tem a 1.ª instância.
III - A Relação não pode remeter para o juízo de valoração da prova feito na 1.ª instância, pois tem de fazer, com autonomia, o seu próprio juízo de valoração que pode ser igual ao primeiro ou diferente dele.
(…)”.

E tal como sublinha ainda o citado autor (4), “Em qualquer destes casos, a Relação, limitando-se a aplicar regras vinculativas extraídas do direito probatório material, deve integrar na decisão o facto que a 1ª instância considerou não provado ou retirar dela o facto que ilegitimamente foi considerado provado (sem prejuízo da sua sustentação noutros meios de prova), alteração que nem sequer depende da iniciativa da parte.

Com efeito, nos termos do art. 663, nº 2, aplicam-se ao acórdão da Relação as regras prescritas para a elaboração da sentença, entre as quais se insere o art. 607º, nº 4, norma segundo a qual o juiz deve tomar em consideração na fundamentação da sentença (…)”.

Neste domínio, e tal como sublinha o Ac. do STJ de 28-09-2017 (relatora: Fernanda Isabel Pereira) (5), «Muito embora o art. 646.º, n.º 4, do anterior CPC tenha deixado de figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no art. 607.º, n.º 4, do CPC, devem constar da fundamentação da sentença os factos julgados provados e não provados, deve expurgar-se da matéria de facto a matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos».

Na verdade, e conforme resulta do disposto no artigo 607.º, n.º 4 do CPC, o Tribunal só deve responder aos factos que julga provados e não provados, não envolvendo esta pronúncia aqueles pontos que contenham matéria conclusiva, irrelevante ou de direito.

Ora, neste contexto, resulta evidente que a matéria vertida nos pontos 1.2.4 (“A referida declaração constante do modelo 129 não corresponde à verdade dos factos, porquanto o pavilhão em questão, objeto das referidas licenças de construção e de utilização (08/91 e 98/2006, respectivamente), referia-se ao prédio inscrito na matriz predial sob o artigo 977 e descrito na Conservatória de Registo Predial de X sob o n.º 731, ou seja, pertencente à Autora CAIXA A, S.A.”), 1.2.5 (“A referida declaração é falsa, tendo originado uma sobreposição parcial do prédio com o artigo 777.º, da união de freguesias de X e R, inscrito a favor da Ré, sobre o prédio com o artigo 977.º, da união de freguesias X e R, propriedade da Autora CAIXA A SA”), 1.2.6 (“A inscrição matricial do artigo 777.º, da união de freguesias de X e R, teve por base informações falsas que levaram à criação de um prédio sobreposto e duplicação parcial de artigos e descrições prediais”), bem como no segmento final do ponto 1.2.2 (“…o qual se localiza em área pertencente ao artigo 977.º, propriedade da Autora CAIXA A, S.A, existindo assim uma duplicação parcial de artigos para o mesmo terreno”), encerram matéria de índole conclusiva por dever ser retirada como consequência da apreciação da matéria de facto provada, consubstanciando por isso juízos valorativos ou conclusivos que encerram parte essencial da controvérsia que constitui o objeto do litígio a apreciar e decidir na presente ação.

Por conseguinte, é manifesto que não pode proceder a alteração agora proposta pela recorrente CAIXA A, quanto aos concretos enunciados no parágrafo anterior, porquanto os mesmos não deviam ter sido objeto de resposta do tribunal em sede de decisão da matéria de facto.

Assim sendo, não pode tal matéria ser incluída nos factos provados ou nos não provados por consubstanciar matéria conclusiva.

Em consequência, por conterem matéria de direito, decide-se:

i) Eliminar o ponto 1.2.4 (“A referida declaração constante do modelo 129 não corresponde à verdade dos factos, porquanto o pavilhão em questão, objecto das referidas licenças de construção e de utilização (08/91 e 98/2006, respectivamente), referia-se ao prédio inscrito na matriz predial sob o artigo 977 e descrito na Conservatória de Registo Predial de X sob o n.º 731, ou seja, pertencente à Autora CAIXA A, S.A.”) do elenco dos factos “Não provados”, julgando prejudicada a apreciação da impugnação da matéria de facto quanto a este ponto;
ii) Eliminar o ponto 1.2.5 (“A referida declaração é falsa, tendo originado uma sobreposição parcial do prédio com o artigo 777.º, da união de freguesias de X e R, inscrito a favor da Ré, sobre o prédio com o artigo 977.º, da união de freguesias X e R, propriedade da Autora CAIXA A SA”) do elenco dos factos “Não provados”, julgando prejudicada a apreciação da impugnação da matéria de facto quanto a este ponto;
iii) Eliminar o ponto 1.2.6 (“A inscrição matricial do artigo 777.º, da união de freguesias de X e R, teve por base informações falsas que levaram à criação de um prédio sobreposto e duplicação parcial de artigos e descrições prediais”) do elenco dos factos “Não provados”, julgando prejudicada a apreciação da impugnação da matéria de facto quanto a este ponto;
iv) Eliminar o segmento final do ponto 1.2.2 (“…o qual se localiza em área pertencente ao artigo 977.º, propriedade da Autora CAIXA A, S.A, existindo assim uma duplicação parcial de artigos para o mesmo terreno”), do elenco dos factos “Não provados”, julgando prejudicada a apreciação da impugnação da matéria de facto quanto a este segmento e alterando, em conformidade, o teor do referido ponto 1.2.2.
Cumpre, então proceder à reapreciação da decisão proferida pela 1.ª instância relativamente à restante factualidade impugnada pela recorrente.
Com vista à reapreciação da matéria de facto impugnada, foram revistos e analisados de forma atenta os concretos meios probatórios indicados pela recorrente em sede de alegações do presente recurso. Mais, procedeu-se à audição integral dos registos da gravação efetuada em sede de audiência final, constantes do Citius, relativamente a todos os depoimentos prestados.
Foram ainda analisados todos os documentos juntos aos autos, o relatório da perícia determinada nos autos - tendo por objeto a descrição, composição, áreas coberta e descoberta, data da construção e valores de mercado em 7 de março de 2012 e dezembro de 2014 relativo ao descrito na Conservatória do Registo Predial de X sob o n.º 950/20071102 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 777.º- e os processos cuja apensação foi determinada pelo Tribunal a quo.
A audiência final realizou-se em várias sessões. A primeira teve lugar em 30 de maio de 2018, com inquirição das testemunhas - H. R., Rui, M. E., M. P. -, tendo sido interrompida para continuar no dia 12 de junho de 2018 com a continuação da inquirição da testemunha M. E. e audição das testemunhas - J. S., N. M., L. M., C. G., Maria, M. J., A. B., I. M., C. A. e C. J.. Por último, em 12 de julho de 2018, foi ouvida a testemunha P. C..

Ora, em primeiro lugar e tal como resulta da motivação da decisão da matéria de facto constante da decisão recorrida, cumpre assinalar que os concretos documentos assinalados pela recorrente como relevantes para a alteração da matéria de facto - à semelhança da globalidade das testemunhas ouvidas em sede de audiência final, não deixaram de ser considerados pelo Tribunal a quo, tal como resulta nomeadamente dos seguintes excertos da motivação da decisão de facto: «Quanto aos factos provados, considerou desde logo a prova documental junta aos autos pelas partes, oportunamente, referida ao lado do respectivo facto considerado provado por tal meio de prova, tendo-se mostrado essencial a participação à matriz de fls. 32, com o teor matricial respectivo de fls. 30, conjugados com os documentos juntos:

- a fls. 173/174, intitulado de “Protocolo” de 24/5/1989 (que titula a compra e venda, ou mais propriamente a cedência da parcela de terreno com área de 3830 m2 pela Câmara à Y que deu origem ao prédio urbano participado à matriz (fls. 30 a 32), ao artigo matricial 777º (com origem no artigo 694) e à descrição predial nº 950, participação essa impugnada com a presente acção, e onde foi construída a unidade fabril que veio a ser adquirida pela Ré; com o documento, consubstanciado num requerimento ao Presidente da Câmara Municipal de X, de fls. 175 e fls. 176».

Sucede, porém, que a Mm.ª Juiz a quo, efetuou uma análise de tais documentos, em conjunto com outros, entre os quais o teor dos apensos de apreensão e bem assim os de liquidação dos processos de insolvência das sociedades “Y” e “JC, Imobiliária, Lda.”, e enquadrou-os criticamente à luz dos depoimentos de diversas testemunhas que entendeu valorar pelas razões explicitadas na referida decisão.

Assim, começou por enfatizar o depoimento prestado pela testemunha M. E., arquiteta da CM de X, para sublinhar que «acabou por esclarecer, após melhor consulta dos processos de licenciamento de obras (apensos aos autos) nºs 37/90 e 151/96, conjugada com o estudo dos documentos que juntou a fls. 172 e ss, não se mostrar correcto o teor da certidão por si subscrita constante do documento de fls. 62, uma vez que tais licenciamentos não se reportam ao prédio inscrito sob o artigo 944.º U e descrito na da mesma CRP com o n.º 731, acabando por conceder que a certidão não deveria mencionar artigo nenhum». Complementarmente, constata-se pela audição do registo integral do referido depoimento que esta testemunha esclareceu ter existido uma falta de precisão na emissão de tal certidão, porquanto só foi mencionado um processo camarário, de 1990, que tem licença de construção e licença de utilização, confessando não ter havido uma busca exaustiva de todos os processos da “Y”, acabando por constar a existência de dois processos e que na informação que dá origem à certidão não está mencionado que o processo diz respeito ao concreto artigo matricial indicado na certidão. Referiu, após consulta do processo de licenciamento n.º 37/90, que o registo da conservatória não era uma peça obrigatória, sendo que em todo o processo de licenciamento também não é mencionado qualquer artigo matricial. A própria licença de construção também não menciona o artigo matricial a que se reporta. Na licença de utilização também consta que o prédio estava omisso na matriz visto que também não havia dados no processo.

Depois, considerou ainda a decisão recorrida o depoimento da testemunha R. M., administrador da insolvência da “Y” que «confirmou que apreendeu dois imóveis para a massa insolvente, imóveis esses que, tal como também referiu eram separados um do outro e com entradas independentes, situando-se em cotas diferentes: um deles era composto pelas instalações fabris e o outro por uma construção tipo armazém pré-fabricado.

Na data da apreensão a unidade fabril estava ocupada pelos trabalhadores, os quais lhe indicaram e identificaram os dois imóveis». Complementarmente, após audição do registo integral do referido depoimento, também este tribunal confirma que a testemunha esclareceu que os dois imóveis não estavam ligados um ao outro, sendo que um constituía uma fábrica onde funcionavam as instalações fabris e no outro imóvel existiam umas instalações mais pequenas - “tipo armazém” armazém pré-fabricado onde, segundo se lembra, na altura um dos sócios da “Y” guardava diversas “Moto 4”. Mais confirmou que a “apreensão dos dois imóveis foi feita fisicamente no local e com base nas certidões e os artigos matriciais”. Porém, acabou por referir não se recordar do auto de apreensão nem conseguir garantir o que foi vendido à CAIXA A (CAIXA A) e o correspondente preço. Com relevo para as questões suscitadas em sede de impugnação da matéria de facto, importa ainda ressalvar o que a testemunha R. M., administrador da insolvência da “Y” esclareceu no sentido de existir uma entrada de carros para a fábrica, enquanto para o outro pavilhão a entrada era feita por um caminho “no meio do campo”, confirmado que esta consistia numa entrada “natural”, sem portão, esclarecendo ainda que o pavilhão de “baixo” era facilmente removível/retirável, em pré-fabricado.

Neste domínio, também a testemunha P. C., advogado - que justificou a respetiva razão de ciência por ter representado enquanto advogado os trabalhadores da “Y” no processo de insolvência desta empresa -, esclareceu ter visitado, na altura, as instalações daquela empresa acompanhado pelo administrador da insolvência tendo então constatado que ali existiam dois prédios: “existia o pavilhão principal (um grande pavilhão onde laborava a empresa) ”, que tinha cozinha, posto médico e a unidade industrial em si, que fabricava produtos derivados da cortiça, com uma área descoberta, à volta, relativamente pequena; e existia um outro pavilhão mais pequeno, da parte de baixo, numa cota inferior, que servia mais ou menos de armazém (todo amplo, sem divisões), e que na altura tinha cerca de 20 a 30 “Moto 4” que supõe serem dos donos da empresa que eram alemães. Esclareceu subsequentemente que a cota de um dos prédios era bem mais baixa e que existia uma delimitação absoluta entre os dois prédios, referindo não apresentar qualquer dúvida para quem observa que são dois prédios diferentes. Mais referiu que lhe foi dado a entender que o único prédio que constaria inscrito como “construído” seria o “tal” pavilhão grande, sendo que o “outro” estaria inscrito, e descrito até na conservatória, como «terreno para construção». Referiu ainda ter tomado conhecimento de que o pavilhão grande foi adquirido pela “JC” a uma empresa espanhola que por sua vez o tinha comprado à administração da insolvência da “Y”, o que referiu saber por ter trabalhado para a firma “JC”, de quem foi também advogado, prestando serviços jurídicos a este empresa. Confirmou que a “JC” passou então a utilizar o pavilhão grande, fez a limpeza do pavilhão tendo chegado inclusivamente a eliminar algumas paredes interiores do mesmo, ali movimentando e guardando materiais de construção civil e realizando diversas diligências no sentido de arrendar o imóvel, o que só não se concretizou por razões diversas mas nunca porque alguém viesse dizer que não o prédio não era da firma, esclarecendo ainda ter elaborado alguns documentos relacionados com contratos que a “JC” tinha em vista realizar com aquele prédio.

A decisão recorrida valorou ainda o depoimento da testemunha Maria, administradora da insolvência da firma “JC”, «descrevendo que o imóvel adquirido pela ré CAIXA B constava da verba 65 do auto de apreensão, a qual, após deslocação ao local verificou na altura tratar-se de uma construção tipo armazém, instalada num terreno, vedado na parte da frente com grades, tendo sido avaliado por €143.700,00. Complementarmente, constata este Tribunal, após audição do registo integral do depoimento da testemunha Maria, que esta testemunha esclareceu ainda que a insolvência da sociedade “JC” ocorreu em julho de 2014, e que apesar de ser grande o acervo patrimonial apreendido no processo de insolvência recorda-se do prédio veio a ser adquirido pela ora ré CAIXA B. Precisou ter-se deslocado ao referido prédio por duas vezes, esclarecendo que o mesmo se encontrava perfeitamente demarcado dos outros prédios contíguos, sendo que a respectiva venda teve várias diligências. Mandou avaliar o prédio na altura, o que foi concretizado em setembro de 2014, pelo valor de € 143.700,00 (tal como se confirma pela consulta do correspondente apenso de liquidação e foi reproduzido no documento 5 da contestação apresentada nos presentes autos), nunca tendo sido suscitada qualquer questão na pendência do processo de insolvência por qualquer interveniente ou credor sobre a titularidade ou a propósito das características do referido prédio. Confirmou que o referido prédio foi efetivamente vendido à ora ré CAIXA B.

Foi ainda considerado o depoimento das testemunhas M. J. - que foi legal representante da firma “JC, L.da”, que entretanto foi declarada insolvente -, e I. M. - dono de um restaurante situado a cerca de 500 metros do pavilhão -, referenciando a propósito que «do depoimento da testemunha M. J., legal representante da “JC”, resultou que esta sociedade adquiriu a uma sociedade espanhola o prédio que corresponde à descrição predial 950 e matricial 777º, adquirido pela ré, descrevendo que o prédio estava vedado e delimitado dos restantes, tendo na frente um muro com grades de ferro, referindo que após a compra sempre o usou como armazém onde depositava os materiais da construção civil da empresa, tendo estado a ocupar e a utilizar o referido prédio entre 2009 e 2014. A testemunha A. B. afirmou conhecer o prédio que tem o pavilhão com terreno livre à volta, que tinha sido adquirido pela “JC”, está separado dos restantes prédios à sua volta por uma vedação, sendo na parte da frente de blocos e grades de ferro; confirmando que era usado pela sociedade para depósito de materiais da construção civil, fazendo-se daquele pavilhão um estaleiro.

Por último, depôs de forma convincente, com conhecimento directo e sem qualquer interesse na causa, a testemunha Ilídio Montenegro, dono de um restaurante situado a 500m do pavilhão, conhecendo bem a parcela de terreno adquirida pela Ré referindo que aquele prédio pertenceu a um alemão (da “Y”) que acabou por encerrar a empresa, tendo sido adquirido pelo M .J. (da “JC”), o qual o possuiu à vista de toda a gente como seu proprietário. Mais esclareceu que este prédio não se confunde com os outros com que confronta na medida em que está visivelmente separado fisicamente deles».

Em face da prova documental e testemunhal considerada, entendeu ainda o Tribunal a quo não acolher o depoimento das restantes testemunhas, em especial as restantes da autora por «não revelarem conhecimento directo e de facto sobre a alegada duplicação e alegada construção e inserção do prédio urbano da Ré no prédio da autora, limitando-se uma leitura parcial, dedutiva e descontextualizada e não completa, de apenas parte dos documentos necessários para apreciação da causa, sendo que o apuramento e conjugação de todos os documentos necessários para apuramento da verdade histórica, contextualizada e sequencial dos imóveis envolvidos apenas se obteve com a realização do julgamento».

Neste domínio, constata-se que a testemunha H. R. - responsável pelo departamento de regularização de imóveis da autora/recorrente CAIXA A desde janeiro de 2017 -, esclareceu que a respetiva razão de ciência assentava na análise de documentos por via das funções exercidas na autora, nunca tendo ido ao local. Também a testemunha C. G. - responsável da parte do imobiliário (norte e centro) da CAIXA A (grandes imóveis) -, referiu que foi por via do exercício das suas funções na CAIXA A que teve conhecimento da situação que deu origem aos presentes autos, o que terá sucedido em 2016 e que, nessa altura, se terá deslocado ao local onde terá visto o “pavilhão” por fora. Desconhece a relação comercial que a “Y” manteve com a CAIXA A. Confirmou que a CAIXA A nunca teve o uso do imóvel mas que inicialmente constatou pelas consultas que efetuou que a CAIXA A seria proprietária desde 2012 de um imóvel que pertencera à “Y”. Enunciou diversas diligências que efetuou desde então no sentido de averiguar o estado e a situação do imóvel, incluindo deslocações à Câmara Municipal para tentar esclarecer a situação. A testemunha L. M. da C. P., que referiu ter uma empresa de avaliação imobiliária e, através desta, um contrato de prestação de serviços com a CAIXA A no âmbito da avaliação imobiliária, o que de resto também sucede com a ré CAIXA B. Esta última testemunha referiu que efetuou três avaliações no local, sendo a primeira em 18-09-2012, outra em 27-06-2015 (ambas a pedido da autora, ora recorrente CAIXA A), e outra a pedido da ré, ora recorrida CAIXA B, da qual não precisou a data mas que localizou no período temporal situado entre as avaliações que fez para a CAIXA A. Referiu que quando efetuou as avaliações a pedido da CAIXA A não teve acesso à chave do referido imóvel nem chegou a entrar dentro do pavilhão, sendo que aquando da primeira avaliação (em 2012) nem sequer conseguiu aceder ao interior da vedação (gradeamento) do imóvel posto que este estava vedado e pensa que até tinha um cadeado. Já na avaliação que realizou a pedido da ora ré/recorrida CAIXA B referiu ter tido acesso ao interior do imóvel porquanto a CAIXA B tinha a chave e permitiu-lhe a entrada no imóvel, acompanhado de pessoas da CAIXA B. De relevante, referiu que no âmbito da avaliação que realizou para a CAIXA B e na 2.ª avaliação para a CAIXA A chamou a atenção nos relatórios para o facto de ter tido acesso à descrição predial 950 cuja matriz é a 777 e que corresponde a um prédio urbano cuja descrição é similar ao imóvel em avaliação na CAIXA A. Por seu turno, a testemunha N. M. - engenheiro técnico civil, prestador de serviços externos à CAIXA A -, referiu ter feito uma peritagem ao imóvel em 2016, a pedido da CAIXA A, alegadamente por existir uma questão de incoerência de áreas de delimitação entre prédios. Esclarece que teve por base diversos documentos que lhe foram enviados pela CAIXA A, após o que realizou diversas diligências junto de diversos serviços, concretamente, da Câmara Municipal, das finanças e conservatórias, que descreveu, tendo feito ainda uma passagem rápida no local para elaborar o relatório. Esclareceu não ter conseguido detetar qual a origem dos prédios porquanto o objetivo das diligências era apenas perceber qual era o edifício da CAIXA A mas referiu que na consulta que efetuou junta da Câmara Municipal analisou uma planta correspondente a um “destaque” de uma área de terreno naquele local e que, segundo referiu, corresponde à área que consta da descrição predial 731, sendo que nessa planta são ainda visíveis o terreno e dois pavilhões. Esclareceu, porém, que da certidão do prédio a partir do qual teria sido feito o “destaque” resulta que a referida área continua a constar de tal prédio, ou seja, considera que a Câmara continua atualmente a ter uma área sobreposta sobre um terreno que terá sido destacado e vendido. Referiu não ter confirmado o teor da inscrição matricial referente ao art.º 777. Esclareceu que a análise efetuada teve por base a ponderação e o confronto de documentos. Referiu que na Câmara Municipal conseguiu uma cópia simples da “planta do destaque”, a qual juntou ao parecer que enviou à CAIXA A e que confirmou corresponder ao documento n.º 14 junto com a p.i. - de fls. 65 - com o qual foi confrontado em sede de audiência de julgamento. A testemunha M. P., que conheceu a empresa “Y” por ser de X e por via das funções profissionais exercidas na CAIXA A, da qual ainda é funcionária, começou por referir - a propósito da hipoteca voluntária que foi registada em 10-07-2001 -, não ter tido intervenção direta na negociação ou preparação da referida garantia com aquela empresa devido ao volume de negócios da mesma, o que implicou que tudo fosse tratado pelo gabinete de empresas da CAIXA A. Ainda assim, confirmou ter sido ela a assinar a escritura de hipoteca em representação da CAIXA A. Chegou a ter diversas reuniões de acompanhamento com a empresa, mas referentes a assuntos comerciais, posto que a conta bancária da “Y” estava sedeada na agência da CAIXA A de X. Referiu que os edifícios construídos pela “Y” já existiam à data da constituição da hipoteca, expressando a sua convicção no sentido de que os mesmos terão sido pressuposto da hipoteca constituída pela CAIXA A, bem como que os dois pavilhões só não figuraram da escritura de hipoteca outorgada com a CAIXA A porque ainda não estavam licenciados pelo Município, referenciando que chegou a deslocar-se à Câmara para saber da situação do respetivo licenciamento. Precisou que deixou de ter contactos com a empresa “Y” e com os assuntos relacionados com esta logo após a escritura de hipoteca, em 2001, mas referiu que continua a passar perto do local onde ficavam as instalações da empresa porque fica a caminho da casa dos sogros.

Feita a reapreciação crítica e concatenação de toda a prova produzida julgamos que os meios probatórios constantes dos autos e produzidos no processo permitem formular uma convicção idêntica à do Tribunal a quo no que concerne à matéria de facto concretamente impugnada pela apelante/autora. Na verdade, a valoração dos concretos documentos juntos aos autos e que foram ponderados na decisão recorrida não pode restringir-se ao resultado da interpretação carreada por algumas testemunhas a propósito do alcance/conteúdo dos mesmos ou relatando o resultado de diligências efetuadas, designadamente junto da Câmara Municipal de X. Assim, desconhecem-se com rigor as condições em que ocorreu o referenciado “destaque” sendo certo que o teor de eventuais projetos de licenciamento, em curso ou já decididos, e respetivos conteúdos, pareceres e/ou decisões só podiam ser comprovadas nos autos mediante a junção das correspondentes certidões, informações ou outros documentos emitidos pela entidade competente para o efeito, eventualmente complementados por outros meios de prova destinados a delimitar objetivamente o conteúdo dos mesmos. Ora, os documentos juntos aos autos a fls. 64 e 65 constituem meras cópias e não permitem consubstanciar de forma minimamente segura e precisa qual o respetivo contexto, objeto, alcance e significado, isto apesar do enquadramento interpretativo que resultou do depoimento prestado em sede de audiência final pela testemunha N. M.. Releva ainda, a propósito, o depoimento prestado pela testemunha M. E., arquiteta da CM de X - que se fez acompanhar em audiência final do próprio processo de licenciamento da Câmara Municipal de X -, a quem foi perguntado se constava de tal processo alguma “planta”, ao que a referida testemunha respondeu que a “planta” existente tem um limite do terreno e da mesma consta apenas aquilo que pretendiam construir em 1990. Foi confrontada com o teor do documento 14 junto com a p.i. (fls. 65), tendo referido que não corresponde à “planta” que consta do processo de licenciamento, pois o que está nesse processo é mesmo o “levantamento topográfico”. Reiterou, após análise do referido documento de fls. 65 não ser aquela a “planta” que consta do processo de licenciamento ainda que reconhecendo tratar-se da mesma zona. Foi então instada sobre a razão de constarem reproduzidos dois pavilhões na “planta” junta aos autos pela autora CAIXA A, a fls. 65, ao que respondeu: «não sei se isto está datado. Mas eu penso que isto é posterior a 1990. No processo de licenciamento tem o terreno sem nada, com o levantamento topográfico, o limite e o local onde iam implantar o pavilhão».

Também o depoimento prestado pela testemunha M. P., ainda que analisado à luz da razão de ciência invocada, não possui força probatória bastante para a completa dilucidação dos factos, por natureza complexos, atinentes ao âmbito e alcance da hipoteca constituída a favor da CAIXA A e aludida no ponto 1.1.9 dos factos provados, atendendo ao teor e à natureza da declaração que ficou vertida em tal negócio formal e ponderando, por outro lado, que a própria testemunha reconheceu não ter tido intervenção direta na negociação ou preparação da referida garantia com aquela empresa devido ao volume de negócios da mesma, o que implicou que tudo fosse tratado pelo gabinete de empresas da CAIXA A ainda que tenha confirmado ter sido ela a assinar a escritura de hipoteca em representação da CAIXA A.

Em conclusão, nunca um juízo rigoroso sobre a alteração da concreta factualidade impugnada poderá ser feito tendo por base tais depoimentos ainda que devidamente confrontados com os elementos documentais constantes dos autos.

Acresce a constatação de não vir impugnada no presente recurso determinada matéria de facto que se revela idónea a consubstanciar com verosimilhança a realidade histórica, contextual e sequencial dos imóveis em causa nos presentes autos.

Assim, começando pelo ponto 1.30. da matéria de facto provada, reporta-se o mesmo a um dos imóveis relacionados e apreendidos no âmbito da insolvência da firma “JC - Imobiliária, L.da” - decretada em 11 de junho de 2014 tal como também decorre dos pontos 1.27 da matéria de facto provada. Tal prédio foi adquirido pela ora ré CAIXA B no aludido processo de insolvência (ponto 1.1.25 dos factos provados), ali descrito como verba 65, assim identificada «Prédio Urbano - rés-do-chão - escritório e desenvolvimento da produção - armazéns e actividade industrial - sito em ..., denominado “Pré-Fabricado” - com a área de 3.830 m2, sendo 1.400 m2 de área coberta e 2.430 m2 de área descoberta, confronta a norte e poente com Câmara Municipal, a sul e nascente com caminho público, descrito na conservatória do registo predial de X sob o n.º 950/2007.11.02, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 777, União de Freguesias de X e R, concelho de X, com o valor patrimonial de €282 510,00». Ora, se atentarmos na descrição do referido prédio, desde logo se mostra inequívoca a conclusão de que se trata do mesmo prédio que foi criado pela apresentação, em 20-12-1991 do Modelo 129 apresentado pela própria “Y - Produção e Comercialização de Artigos Decorativos, Lda.”, sem origem em qualquer outro artigo rústico ou urbano, conforme cópia do Modelo 129, junto como documento n.º 6, com a área total de 3.850 m2, sendo a coberta de 1.400 m2 e a descoberta de 2.430m2, descrita como sendo um “prédio constituído por uma grande divisão que é onde se desenvolve a produção e armazém, tendo mais duas divisões que são as casa de banho e escritório (cfr. o ponto 1.1.4 dos factos provados). Na verdade, e tal como não teve dúvidas em confirmar a testemunha J. S. - engenheiro civil, funcionário da Câmara Municipal de X há 32 anos -, foi na sequência de um acordo celebrado entre a Câmara Municipal de X e a empresa “Y - Produção e Comercialização de Artigos Decorativos e Utilidades, L.da, em 24 de maio de 1989, o qual consta do documento com a epígrafe “Protocolo” junto aos autos em sede de audiência final, que aquela entidade terá “vendido” (nas palavras da testemunha) a esta última firma uma parcela de terreno com a área de 3.830 m2, situada no lugar da ..., X e - tal como resulta do teor do aludido documento - pelo preço simbólico de 1$00 m2, para fins exclusivamente industriais (ainda, à data, sem referência a qualquer inscrição matricial, rústica ou urbana, do referido prédio). Foi então a firma “Y” que construiu, por sua conta e encargo, o primeiro pavilhão industrial, confirmando aquela testemunha que o representante da “Y”, anos mais tarde, referia não conseguir registar o pavilhão que construíra no terreno que a Câmara lhe “vendera”, ao mesmo tempo que tentava negociar com a Câmara a cedência/venda de mais terreno para construção de outro pavilhão, o que, de resto, surge suficientemente enquadrado à luz do documento junto a fls. 175 (requerimento dirigido pela firma “Y” ao Presidente da Câmara Municipal de X, em 4-08-2000), do qual resulta, além do mais e após confronto com o teor do documento junto a fls. 173-174 (“Protocolo” de 24 de maio de 1989), que a totalidade das cedências confessadas e reclamadas pelo legal representante da “Y” permitem perfazer a área total de 9.330m2. A referida testemunha - J. S. - nada mais logrou esclarecer de relevante a propósito do processo de licenciamento das construções e da utilização do prédio levadas a cabo pela “Y”, por referir não ter conhecimento desta matéria, ainda que tenha manifestado a sua convicção no sentido de que, com a escritura de 2001 era intenção do município vender mais terreno à “Y”, aproveitando ainda para viabilizar a obtenção do registo por parte da “Y” no que concerne às áreas já anteriormente cedidas face ao descontentamento que vinha sendo revelado pelo legal representante da “Y”. Ora, ainda que o registo definitivo constitua presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define - cfr. o artigo 7.º do Código do Registo Predial - é entendimento pacífico que tal presunção não abarca a composição, área e as confrontações da descrição predial posto que o registo não é constitutivo (6). Porém, o que os autos revelam em termos objetivos a propósito da escritura pública celebrada entre a firma “Y - Produção e Comercialização de Artigos Decorativos e Utilidades Lda” e o Município de X, em 11 de junho de 2001 pela qual o município declarou vender à primeira, pelo preço de um milhão e quinhentos mil escudos, o imóvel composto por parcela de terreno para construção, sito no lugar de ..., freguesia e concelho de X, descrito na Conservatória do Registo Predial de X sob o n.º 00731/20010507, omisso na respetiva matriz - mas que veio a ser participado à matriz em 27-04-2001 e que sabemos veio a ser inscrito sob o artigo 944.º da freguesia de X (aí referenciado como tendo tido origem no artigo rústico 284.º) -, é a mera remissão para a descrição predial aludida, da qual consta, de relevante, que o mesmo é composto por uma área total de 10.328m2, correspondente a idêntica área descoberta, com a denominação «Parcela de terreno para construção», ou seja, uma área não coincidente com a totalidade das áreas referenciadas pelo representante legal da “Y” no requerimento dirigido pela firma “Y” ao Presidente da Câmara Municipal de X, em 4-08-2000.

Por outro lado, justifica-se que na decisão recorrida se tenha dado como provado que o «Prédio Urbano - rés-do-chão - escritório e desenvolvimento da produção - armazéns e actividade industrial - sito em ..., denominado “Pré-Fabricado” - com a área de 3.830 m2, sendo 1.400 m2 de área coberta e 2.430 m2 de área descoberta, confronta a norte e poente com Câmara Municipal, a sul e nascente com caminho público, descrito na conservatória do registo predial de X sob o n.º 950/2007.11.02, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 777, União de Freguesias de X e R, concelho de X, com o valor patrimonial de €282 510,00» (tal como aludido em 1.1.30) encontra-se, desde há pelo menos 25 anos, perfeitamente visível e definido no local, perfeitamente demarcado dos prédios vizinhos, com acesso próprio a partir do caminho público e com um portão de correr em barras de ferro (ponto 1.1.44 da matéria de facto provada), facto que, como se viu, não foi concretamente impugnado na presente apelação. E, no enquadramento global da prova produzida, tal como anteriormente enunciado, não se vislumbram razões para censurar a decisão do Tribunal a quo ao dar como provado o ponto enunciado em 1.1.46 da matéria de facto provada, concretamente, que a «ré, por si e seus antecessores, desde há 5, 10, 15, 20 e mais anos, entra e permanece, quando e do modo que entende, no prédio tal como descrito em 1.30. e 1.44» (ponto 1.1.15 da matéria de facto provada). Assim, dúvidas parecem não subsistir no sentido de que foi a “Y” que planeou, construiu e passou a utilizar e explorar esse prédio (tal como aludido em 1.1.30) no exercício da sua atividade, enquanto prédio dotado de autonomia (física e matricial), com configuração, utilidades e afetações específicas, desde há pelo menos 25 anos, permanecendo o mesmo com tal configuração e afetação perfeitamente visível e definido no local, perfeitamente demarcado dos prédios vizinhos, com acesso próprio a partir do caminho público e com um portão de correr em barras de ferro até ao presente. É o prédio a que veio a corresponder o artigo matricial 777.º - o qual teve origem no artigo matricial urbano 694.º do ano de 1992 criado pela apresentação da declaração do Modelo 129 em 20-12-1991 pela própria “Y - Produção e Comercialização de Artigos Decorativos, Lda.”, com a área total de 3.850 m2, sendo a coberta de 1.400 m2 e a descoberta de 2.430m2, descrita como sendo um “prédio constituído por uma grande divisão que é onde se desenvolve a produção e armazém, tendo mais duas divisões que são as casa de banho e escritório.

Por conseguinte, tal prédio existia há cerca de 10 anos quando foi celebrada entre a firma “Y - Produção e Comercialização de Artigos Decorativos e Utilidades Lda” e o Município de X, a escritura de 11 de junho de 2001 pela qual o município declarou vender à primeira, pelo preço de um milhão e quinhentos mil escudos, o imóvel composto por parcela de terreno para construção, sito no lugar de ..., freguesia e concelho de X, descrito na Conservatória do Registo Predial de X sob o n.º 00731/20010507, omisso na respetiva matriz, mas que veio a ser participado à matriz em 27-04-2001 e que sabemos veio a ser inscrito sob o artigo 944.º da freguesia de X, aí referenciado como tendo tido origem no artigo rústico 284.º.

Isso mesmo resulta ainda de outros meios de prova relevantes que constam do próprio processo de insolvência da sociedade comercial em referência - a “Y - Produção e Comercialização de Artigos Decorativos e Utilidades, Lda.” - a qual foi declarada insolvente por sentença proferida a 18 de julho de 2008 no âmbito do processo n.º 108/08.4TBPCR, que correu os seus termos no Tribunal da Comarca de X, de acordo com o Anúncio n.º 5535/2008 (documento n.º 9 junto com a p.i.), no qual se verifica terem sido arrolados pelo Administrador de Insolvência, os seguintes bens imóveis da insolvente:

“Verba 1
Prédio Urbano - situado em ..., rés-do-chão, escritório e desenvolvimento da produção - armazéns e actividade industrial; a confrontar a norte e poente, Câmara Municipal; sul e nascente, caminho público; inscrito na Matriz sob o artigo 694 e descrito na Conservatória do registo Predial de X sob o n.º 950/20071102, freguesia de X com o Valor Patrimonial de € 57.517,06;

Verba 2
Prédio Urbano - situado em ..., Parcela de terreno para construção; a confrontar a norte, …; sul, … e herdeiros de …; nascente, …, … e caminho público, poente, Câmara Municipal; inscrito na Matriz sob o artigo 954 e descrito na Conservatória do Registo Predial de X sob o n.º 731/2001050, freguesia de X com o valor patrimonial de €61.800,00”, tudo conforme teor do “Auto de Arrolamento de Imóveis” datado de 4 de agosto de 2008, subscrito pelo Administrador de Insolvência de “Y - Produção e Comercialização de Artigos Decorativos e Utilidades, Lda.” - reproduzido a fls. 2 do apenso de liquidação de bens do referido processo - testemunha no presente processo, R. M..

Mais resulta pacificamente demonstrado nos autos que «face à declaração de insolvência da proprietária “Y - Produção e comercialização de Artigos Decorativos e Utilidades, Lda.”, o referido bem imóvel (descrição 950 e artigo matricial 777.º) foi adquirido pela sociedade “... Espana, S.L. - Sucursal em Portugal”, em 21 de abril de 2009 e, posteriormente, pela sociedade comercial “JC - Imobiliária, Lda.”, em 4 de maio de 2009» - cfr. documento n.º 15 (Facto 1.1.22 da matéria provada).

Por outro lado, tal como decorre do ponto 1.1.13 da “Matéria de facto provada”, «posteriormente, no âmbito do processo de insolvência da sociedade comercial “Y - Produção e Comercialização de Artigos Decorativos e Utilidades, Lda., a Autora CAIXA A, S.A. veio a adquirir o bem imóvel descrito na CRP com o n.º 731 por escritura pública outorgada a 7 de março de 2012 pelo preço global de € 90.000,00 - cfr. documento n.º 10 junto com a p.i.

Ora, com relevo para a apreciação da presente impugnação da decisão sobre a matéria de facto, a título de enquadramento do juízo valorativo a empreender a propósito dos meios de prova disponíveis, importa ainda considerar como elemento pertinente o teor dos documentos juntos pela CAIXA A com o requerimento apresentado no âmbito do processo de liquidação instaurado por apenso à Insolvência de “Y - Produção e Comercialização de Artigos Decorativos e Utilidades, Lda.”, datado de 2 de junho de 2010 e dos quais consta, além do mais, uma comunicação dirigida pela CAIXA A ao administrador de insolvência, Dr. R. A., datada de 2-02-2010, pelo qual comunica o seguinte “ Face à sua comunicação do passado dia 27.01.2010 na qual refere que a nossa proposta de €90.000,00 para aquisição da verba n.º 2 foi aceite, vimos dizer que aguardamos que nos notifique para proceder ao pagamento do valor que venha a faltar (…)”. Decorre ainda de tais documentos que tal comunicação foi enviada pela ora autora/recorrente CAIXA A em resposta a uma comunicação do administrador de insolvência, de 27-01-2010, da qual consta, além do mais, que “(…) Face à não oposição dos membros da C. Credores e na ausência de interessados em melhorar a proposta apresentada por V. Exas. Para aquisição do imóvel correspondente à verba n.º 2 do Auto de Apreensão de Bens Imóveis, o AI aceita a V/proposta de aquisição do referido imóvel, pelo valor de 90.000,00€(…)”.

Temos assim por evidente que a ora recorrente quis efetivamente adquirir a verba n.º 2 do auto de “Auto de Arrolamento de Imóveis” datado de 4 de agosto de 2008, subscrito pelo administrador de insolvência, nos termos antes enunciados, o que veio a concretizar.

Por outro lado, da análise dos elementos contidos em tal processo não transparece que a ora recorrente CAIXA A tenha oportunamente apresentado no referido processo de liquidação alguma proposta de aquisição da verba n.º 1 do referido auto de arrolamento.

Todos estes elementos foram, no essencial, ponderados na decisão recorrida, e permitem, além do mais, tornar consistente o juízo formulado pelo Tribunal a quo a propósito da resposta dada ao ponto 1.1.15 da matéria de facto provada, quando conjugado com o depoimento da testemunha M. J., que foi legal representante da firma “JC”, quando esclareceu que a “JC” adquiriu a uma sociedade espanhola o prédio que corresponde à descrição predial 950 e matricial 777.º (que teve origem no artigo matricial urbano 694.º), descrevendo que o prédio estava e continua a estar vedado e delimitado dos restantes, tendo na frente um muro com grades de ferro, referindo que após a compra sempre o usou como armazém onde depositava os materiais da construção civil da empresa, o que se verificou entre 2009 e 2014.

E no referido contexto histórico e sequencial dos concretos atos materiais incidentes sobre os imóveis em causa nos presentes autos resulta ademais comprovado que no âmbito do processo de insolvência da sociedade “JC - Imobiliária, Lda”, a administradora de insolvência, na sequência de avaliação, marcou a venda desse e outros prédios, para o dia 22 de Janeiro de 2015 por meio de propostas em carta fechada, no seu escritório (ponto 1.1.32 dos factos provados), publicitou essa venda com a antecedência de 20 dias, através de anúncios nos jornais nacionais, jornal local de X, editais e na sua página na internet (ponto 1.133 dos factos provado), no dia designado para a abertura de propostas nenhum interessado apresentou qualquer proposta de compra (ponto 1.1.34 dos factos provado), na sequência a administradora de insolvência decidiu diligenciar ela própria pela venda desse prédio - e de outros - tendo-se frustrado todas essas diligências (ponto 1.1.35 dos factos provado), no final do mês de fevereiro de 2015, a administradora de insolvência encarregou a leiloeira “..., S.A.” de proceder à venda desse prédio - entre outros - pelo meio que entendesse (ponto 1.1.36 dos factos provado), essa leiloeira marcou para o dia 20 de março de 2015, às 14.30 horas, a venda desse prédio - e outros - através de hasta pública ao licitante que oferecesse o melhor preço (ponto 1.1.37 dos factos provado), essa leiloeira publicitou previamente essa venda através de anúncios nos jornais nacionais de maior tiragem, comunicações aos 320 000 clientes existentes na sua base de dados e anúncio na sua página na internet - (ponto 1.1.38 dos factos provados), essa publicidade incluiu a fotografia do prédio e todos os dados de identificação do mesmo - localização, envolventes, composição, afectação, área coberta e descoberta e acessos (ponto 1.1.39 dos factos provados), no dia designado para esse leilão não foi apresentada qualquer proposta de compra para esse prédio (ponto 1.1.40 dos factos provados), no decorrer de todas estas diligências - ou seja, no período de 22.01.2015 a 16.10.2015 - a administradora de insolvência, a leiloeira, o representante da insolvente e a ré, levaram ao local diversos potenciais interessados (ponto 1.1.41 dos factos provados), essas visitas realizaram-se à luz do dia, percorrendo as pessoas livremente esse prédio - área coberta e descoberta - examinando o local, pedindo esclarecimentos e colocando dúvidas (ponto 1.1.42 dos factos provados), nunca alguém - e designadamente a autora - em qualquer momento, colocou sequer a dúvida de que esse prédio estivesse implantado em terreno pertença daquela (ponto 1.1.43 dos factos provados), é que esse prédio encontra-se, desde há pelo menos 25 anos, perfeitamente visível e definido no local, perfeitamente demarcado dos prédios vizinhos, com acesso próprio a partir do caminho público e com um portão de correr em barras de ferro (ponto 1.1.44 dos factos provados), tendo sido neste concreto circunstancialismo que a ré adquiriu, em 16 de outubro de 2015, o prédio urbano identificado supra em 1.30 (ponto 1.1.45 dos factos provados).

Porém, analisadas as conclusões vertidas pela recorrente a propósito dos concretos pontos da matéria de facto provada que impugnou no âmbito da presente apelação verifica-se a propósito desta matéria que a apelante vem sustentar, no essencial, que a ré Caixa B não provou a sua posse efetiva no pavilhão com a descrição 950, designadamente, as alegadas obras de conservação ou contratos de arrendamento, sustentando resultar do relatório pericial junto aos autos que o pavilhão se encontra em mau estado de conservação e, do depoimento da maioria das testemunhas, resulta que o pavilhão se encontra com contentores do lixo da Câmara Municipal.

Ora, ainda que se constate que o âmbito material dos depoimentos prestados pelas testemunhas referenciadas pela recorrente como relevantes para a alteração da matéria de facto sobre esta matéria (H. R., M. P., L. M. e C. G.) - coincide com o vertido nas transcrições e nas concretas passagens da gravação relevantes que foram reproduzidas em sede de alegações de recurso, certo é que das referidas declarações, quando analisadas integralmente, à luz da razão de ciência invocada pelas referidas testemunhas e por confronto com a restante prova produzida não resulta qualquer constatação relevante que nos permita divergir da análise crítica e ponderada de toda a prova produzida feita pelo Tribunal a quo a propósito da concreta matéria de facto agora em apreciação.

Assim, cumpre salientar, em primeiro lugar, que todas as testemunhas referidas a este propósito pela recorrente são funcionários da autora CAIXA A, com exceção da testemunha L. M. da C. P., que referiu ter uma empresa de avaliação imobiliária e, através desta, um contrato de prestação de serviços com a CAIXA A no âmbito da avaliação imobiliária, o que de resto também sucede com a ré CAIXA B. Esta última testemunha referiu ainda que voltou a passar no local recentemente, tendo verificado que lá existem diversos contentores verdes, pressupondo que são da Câmara Municipal de X.

A testemunha H. R. confirmou ainda que a CAIXA A nunca teve as chaves de qualquer imóvel existente no local e que em 2012 aquando da aquisição de um imóvel pela CAIXA A no processo de insolvência da “Y”, o administrador desta insolvência não lhes facultou as chaves do imóvel tendo dito que se tratava de um imóvel de “acesso fácil”. Confirmou que entre 2012 e 2016 a CAIXA A não efetuou qualquer diligência ou ato material tendente à ocupação ou utilização do imóvel adquirido, tendo sido então em 2016 que CAIXA A retomou a análise do correspondente processo. Posteriormente, em 2017 constataram que o pavilhão principal estava ocupado por parte dos serviços da Câmara Municipal de X. Referiu ainda que nessa altura contactaram a Câmara Municipal que terá prestado a informação de que o Município estava a ocupar o prédio com o pavilhão industrial mediante prévia autorização dada pela CAIXA B.
A testemunha M. P., afirmou que há muitos anos que não se lembra de lá ver fazer obras e que desde que a “Y” deixou aquilo está abandonado. Tem lá visto uns caixotes do lixo que a Câmara põe lá. Esclareceu que vê lá os contentores do lixo da Câmara talvez há 2 ou 3 anos, mas referiu desconhecer a que título lá estão os contentores.

Também a testemunha C. G. - responsável da parte do imobiliário (norte e centro) da CAIXA A (grandes imóveis) -, referiu que numa das deslocações que efetuou a X verificou que o imóvel estava cheio de caixotes de lixo do município, tendo então concluído que o prédio estava ocupado pela Câmara Municipal de X, o que voltou a constatar recentemente. Esclareceu ter escrito uma carta à Câmara Municipal a solicitar o esclarecimento da situação, a qual não foi respondida. Posteriormente terá conseguido falar telefonicamente com o presidente da Câmara Municipal que lhe terá confirmado que existia um acordo de intenção entre o município e a CAIXA B no sentido da aquisição pala Câmara Municipal de tal pavilhão. Esta testemunha acabou mesmo por afirmar ter conhecimento que a CAIXA B “tomou posse” do imóvel na sequência da venda que lhe foi feita no processo de insolvência mas que terá feito um acordo com a Câmara Municipal de X, que a testemunha afirmou desconhecer, no âmbito do qual a Câmara veio a ocupar o imóvel. Referiu ter a certeza de que tal imóvel não foi vendido à Câmara Municipal pela CAIXA B mas ser a CAIXA B quem ocupa o imóvel.

Ora, como se vê, a análise dos depoimentos das concretas testemunhas indicadas pela recorrente como relevantes para a alteração da matéria de facto não consente as conclusões vertidas a propósito pela apelante, sendo certo nada resultar dos mesmos que permita infirmar o que mesmo algumas delas confirmaram, ou seja, que quem ocupa o imóvel desde a aquisição efetuada em processo de insolvência é a ré CAIXA B ainda que tenha autorizado a Câmara Municipal a utilizar as instalações, em condições que desconhecem.
Acresce que tal constatação resulta credivelmente consubstanciada após análise conjugada dos depoimentos das testemunhas C. J. e C. A., ambos funcionários da ré/recorrida CAIXA B. Assim, a testemunha C. J., funcionária da CAIXA B há 32 anos, referiu ter tido intervenção direta na escritura de aquisição do imóvel, em representação da CAIXA B no processo de insolvência tendo sido portadora de um cheque que entregou à administradora de insolvência por conta do pagamento do preço, no valor previamente indicado. Tratou da obtenção dos documentos do IMT e do imposto de selo. Relativamente à ocupação do imóvel adquirido esclareceu que quem foi “tomar posse” foi o colega do “património”, o Dr. C. A.. Ouvida a testemunha C. A. - funcionário da CAIXA B - a mesma referiu que faz a gestão do património da CAIXA B. Esclareceu que após receber a “papelada” do imóvel adquirido verifica se os documentos estão em conformidade e vai “tomar posse”. Confirmou que lhe foram entregues as chaves do referido imóvel, as quais lhe foram entregues diretamente pela administradora da insolvência. Confirmou que mudou os “canhões das fechaduras” no local, fez nova chave para o imóvel e mandou fazer a limpeza do imóvel, esclarecendo que o imóvel apresentava muita “mata”, Após, tomou conta do imóvel. Referiu que, entretanto, a Câmara Municipal de X entrou em contacto a dizer que tinha todo o interesse no imóvel, após o que a testemunha comunicou à Câmara Municipal de X que a CAIXA B vendia o imóvel pelo preço de aquisição, ou seja, por €145.000,00. Esclareceu que submeteu tal proposta à administração da CAIXA B e a mesma foi aprovada, tendo estado marcada a escritura de venda, a qual só não se concretizou devido ao conhecimento de ter sido instaurada entretanto uma ação em tribunal.

É certo, por outro lado, que o relatório da perícia determinada nos autos - tendo por objeto a descrição, composição, áreas coberta e descoberta, data da construção e valores de mercado em 7 de março de 2012 e dezembro de 2014 relativo ao descrito na Conservatória do Registo Predial de X sob o n.º 950/20071102 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 777.º- com data de 16 de abril de 2018, refere, além do mais, que “encontra-se em mau estado de conservação, a necessitar de obras de conservação”. Porém, refere também o mesmo relatório que o referido imóvel “encontra-se atualmente ocupado”.

Assim sendo, resulta indiscutível da análise conjugada dos meios de prova antes enunciados que é a ré/recorrida CAIXA B quem detém a disponibilidade e o uso material e efetivo de tal prédio, detendo as chaves do prédio, mudando a fechadura e as chaves, mandando fazer a limpeza do imóvel, negociando com terceiros as condições de uma eventual venda e, bem assim, autorizando a permanência destes no local.

As presunções são, conforme as define o artigo 349.º do Código Civil, “as ilações que a lei ou o julgador tiram de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”.

A prova de um facto por presunção judicial assenta no raciocínio do juiz, baseado em regras de experiência comum, conjugadas com princípios da lógica e com juízos de probabilidade. Explicam Pires de Lima/Antunes Varela (7) que as presunções judiciais, “simples ou de experiência”, “assentam no simples raciocínio de quem julga”, inspirando-se “nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana”. A propósito, esclarece Luís Filipe Pires de Sousa (8) que “a presunção pode definir-se como um raciocínio em virtude do qual, partindo de um facto que está provado (facto-base/facto indiciário), chega-se à consequência da existência de outro facto (facto presumido), que é o pressuposto fáctico de uma norma, atendendo ao nexo lógico existente entre os dois factos”.

Neste contexto, resulta manifesto que as referidas circunstâncias de facto constituem uma base material relevante a partir da qual é possível inferir-se a restante matéria de facto impugnada que o Tribunal a quo - e bem - entendeu consignar nos pontos 1.1.46, 1.1.47, 1.1.48, 1.1.49, 1.1.50, 1.1.51, e 1.1.52 dos “Factos provados”.

Em decorrência do exposto, não se revela ainda possível a este Tribunal extrair diferente solução relativamente à resposta vertida pelo Tribunal a quo no ponto 1.1.53 dos factos provados porquanto, como se viu, a ora autora/recorrente quis efetivamente adquirir a verba n.º 2 do auto de “Auto de Arrolamento de Imóveis” datado de 4 de agosto de 2008, subscrito pelo administrador de insolvência da sociedade “Y”, descrita no respetivo processo como “parcela de terreno para construção”, nos termos antes enunciados, o que veio a concretizar, não transparecendo, por outro lado, da análise dos elementos contidos em tal processo que a recorrente CAIXA A tenha oportunamente apresentado no referido processo de liquidação alguma proposta de aquisição da verba n.º 1 do referido auto de arrolamento, esta sim descrita, além do mais, como “Prédio Urbano - situado em ..., rés-do-chão, escritório e desenvolvimento da produção - armazéns e actividade industrial”.

Note-se, a propósito, que à data da aquisição pela CAIXA A do prédio descrito na CRP com o n.º 731 no âmbito do processo de insolvência da “Y”, em 7 de março de 2012, já o alvará de utilização do prédio sito no lugar de ..., freguesia de X, n.º 098/2006, a que corresponde o alvará de licença de construção n.º 8/91, emitido em 1991, a favor da “Y - Produção Comercialização de Artigos Decorativos e Utilidades, L.da”, se encontrava há muito aprovado e emitido pelo município, tal como resulta dos documentos juntos aos autos, nada obstando então, ao que parece, a uma eventual iniciativa no sentido da regularização ou retificação da descrição predial do (s) prédio (s), caso se comprovasse que a construção licenciada fazia parte do mesmo (o que de resto não resulta demonstrado à luz dos meios de prova coligidos e produzidos nos autos) e não do prédio descrito na verba n.º 1 do referido auto de arrolamento da insolvência da sociedade “Y”. Tal constatação afasta, desde logo, a possibilidade de se reconhecer como plausível e suficientemente alicerçada a matéria de facto que foi vertida sob os pontos 1.2.2 e 1.2.7 da matéria de facto não provada, ou seja, que “Só após a aquisição do prédio inscrito na matriz sob o artigo 977.º e descrito na CRP sob o n.º 731 pela A. teve esta conhecimento da existência de um artigo matricial urbano com o atual n.º 777.º da união de freguesias de X e R, que proveio do anterior artigo 694.º da freguesia de X” e que “A edificação, que compõe a descrição do artigo matricial 777º e descrição predial 950.º, não foi averbada na Conservatória de Registo Predial relativa ao prédio descrito com o n.º 731.º porquanto o respetivo processo de licenciamento não estava concluído”.

Também relativamente aos restantes factos vertidos em 1.2.1, 1.2.3 e 1.2.8, feita a reponderação dos documentos, depoimentos e relatório da perícia, nos termos supra enunciados, não é possível formular um juízo de suficiente probabilidade da sua verificação atenta a inexistência de elementos probatórios minimamente seguros que permitam considerá-los provados, subsistindo quanto aos mesmos sérias e inultrapassáveis dúvidas.

Em conclusão, feita a ponderação crítica da globalidade da prova produzida entendemos que os concretos meios de prova indicados pela apelante como relevantes para a alteração da matéria de facto não permitem infirmar de forma decisiva a valoração que a propósito foi feita pelo Tribunal a quo, a qual se afigura rigorosa, acertada e absolutamente adequada à prova produzida.

Em consequência, improcede a impugnação da decisão relativa à matéria de facto deduzida pela apelante/autora, mantendo-se as respostas que foram dadas pelo Tribunal a quo, com a ressalva atinente aos pontos da matéria de facto não provada que foram liminarmente rejeitadas por conterem matéria de direito.

2.2. Da Reapreciação de Direito

Atenta a improcedência da impugnação da matéria de facto, resulta evidente que os factos a considerar na apreciação da questão de direito são os que se mostram enunciados sob o ponto 1.1 supra.

Tal como resulta das conclusões das alegações apresentadas, grande parte da argumentação desenvolvida pela apelante/autora visava a alteração da decisão da matéria de facto.

Mantendo-se inalterado o quadro factual julgado provado e não provado pelo Tribunal a quo, vejamos, ainda assim, se existe qualquer desacerto da solução jurídica dada ao caso sub judice.

Está em causa na presente ação saber se existe duplicação ainda que parcial de descrições prediais entre a descrição n.º 950/20071102 da freguesia de X - correspondente ao prédio urbano denominado de Pré-fabricado, situado em ..., composto por rés-do-chão destinado a escritório e desenvolvimento da produção, armazéns e actividade industrial, com a área total de 3.830m2, da qual consta como área coberta 1.931,3 m2 e área descoberta 1.898,7m2 com registo de aquisição a favor da ora ré CAIXA B, CRL mediante AP. 1146 de 2015/10/16 - e a descrição n.º 731/20010507 da freguesia de X - correspondente ao prédio urbano denominado de Parcela de terreno para construção, situado em ..., com a área total de 10.328m2, da qual consta como área descoberta 10.328m2 com registo de aquisição a favor da ora autora CAIXA A, SA mediante AP. 17 de 2012/03/08 - originada pela alegada falsidade da declaração de participação à matriz no ano de 1992 que deu origem ao artigo matricial urbano 777.º correspondente à aludida descrição 950.

Analisando as concretas pretensões formuladas pela autora, aqui apelante, e interpretando os concretos fundamentos alegados pela autora no sentido do efeito jurídico pretendido verifica-se que a mesma peticiona a eliminação da descrição predial 950 da freguesia de X, por alegada duplicação ou sobreposição parcial nos termos supra enunciados, suscitando, por outro lado, o cancelamento de todos os registos em vigor relativamente à referida descrição predial 950, nomeadamente a aquisição registada pela Ap. 1146 de 2015/10/16 a favor da ré CAIXA B, CRL, tendo por base a nulidade resultante da alegada falsidade das declarações constantes do modelo 129 que serviu de base à criação do actual artigo matricial 777.º da união das freguesias de X (a que corresponde o prédio descrito sob o n.º 950/20071102 da freguesia de X), por não corresponderem à verdade dos factos, visto o pavilhão referenciado no artigo matricial 777.º, objecto das licenças de construção e utilização 09/91 e 98/2006, respetivamente, se encontrar implementado e respeitar ao terreno com o artigo matricial 977.º da união de freguesias de X e descrito na Conservatória do Registo Predial de X sob o n.º 731.

No caso em apreciação, a 1.ª instância analisou a matéria de facto relevante, entendendo não ter a autora logrado provar existir alegada duplicação parcial de descrições originada pela referida falsa participação à matriz.

Ora, ponderando o que decorre da matéria de facto provada, entendemos que se impõe, neste domínio, um juízo de total concordância relativamente à sentença recorrida.

Neste domínio, prevê o artigo 86.º do Código do Registo Predial (CRPredial), com a epígrafe “Descrições duplicadas”:

“1 - Quando se reconheça a duplicação de descrições, reproduzir-se-ão na ficha de uma delas os registos em vigor nas restantes fichas, cujas descrições se consideram inutilizadas.
2 - Nas descrições inutilizadas e na subsistente far-se-ão as respetivas anotações com remissões recíprocas”.

Ainda que o preceito legal agora em referência não defina o conceito de “duplicação de descrições”, facilmente se concluirá que tal realidade se preenche mediante a constatação da existência de repetição da descrição de um prédio, circunstância que configura, desde logo a violação da norma do artigo 79.º, n.º 2, do CRPredial, do qual resulta que de cada prédio é feita uma descrição distinta.

Resulta ainda evidente da análise do citado artigo 86.º do CRPredial que a consequência legal prevista para a situação em que se reconheça a duplicação de inscrições - conducente à reprodução na ficha de uma delas dos registos em vigor nas restantes fichas, com a consequente inutilização das correspondentes descrições -, só pode ter aplicação nos casos de duplicação total e não nas situações de duplicação ou sobreposição parcial (9) de descrições, porquanto, como facilmente se compreende, “está desde logo em causa o princípio da especialidade ou da individualização, que impede a constituição de direitos reais sobre coisas que não estejam juridicamente individualizadas” (10).

Este enquadramento resulta, aliás, bem patente nos fundamentos enunciados pelo Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2017, publicado no Diário da República n.º 38/2017, Série I de 2017-02-22. Este acórdão debruçou-se sobre uma questão específica, uniformizando a seguinte jurisprudência: “Verificando-se uma dupla descrição, total ou parcial, do mesmo prédio, nenhum dos titulares registais poderá invocar a seu favor a presunção que resulta do artigo 7.º do Código do Registo Predial, devendo o conflito ser resolvido com a aplicação exclusiva dos princípios e das regras de direito substantivo, a não ser que se demonstre a fraude de quem invoca uma das presunções”. Porém, os respetivos fundamentos são ainda particularmente esclarecedores no sentido de que a disciplina prevista no artigo 86.º do CRPredial não pode ser aplicada à duplicação parcial de descrições, porquanto refere, designadamente, que «A resposta dada pelo Código do Registo Predial às duplicações das descrições - aliás, e ao que parece, apenas a algumas, a saber, as duplas descrições totais, porquanto as parciais não parece que sejam abrangidas pelo preceito - no seu artigo 86.º (…)».

Ora, no caso em apreciação vem invocada uma alegada duplicação ou sobreposição parcial de descrições, o que, a comprovar-se, nunca importaria, como se viu, o efeito jurídico pretendido pela autora/recorrente quanto ao cancelamento de todos os registos em vigor relativamente à descrição predial 950 da freguesia de X.

Suscita, porém, a autora a nulidade resultante da alegada falsidade da declaração constante do modelo 129 que serviu de base à criação do atual artigo matricial 777.º da união das freguesias de X (a que corresponde o prédio descrito sob o n.º 950/20071102 da freguesia de X), defendendo que o referido modelo 129 do ano de 1992 contém declarações falsas e que tal falsidade consubstancia nulidade que inquina necessariamente todos os atos posteriormente praticados, nomeadamente a descrição predial 950 e a aquisição registada a favor da ré.

A lei prevê expressamente os vícios de que o registo pode padecer, enunciando a propósito regimes e classificações específicas de acordo com a respetiva causa, encontrando-se consagrada a distinção entre as “causas de inexistência” - expressamente previstas no artigo 14.º do CRPredial -, as “causas de nulidade”- expressamente enunciadas no artigo 16.º do CRPredial - ou ainda a “inexactidão do registo” (artigo 18.º do CRPredial).

Neste domínio, o artigo 16.º do CRPredial, com a epígrafe “Causas de nulidade”, prevê o seguinte:

O registo é nulo:

a) Quando for falso ou tiver sido lavrado com base em títulos falsos;
b) Quando tiver sido lavrado com base em títulos insuficientes para a prova legal do facto registado;
c) Quando enfermar de omissões ou inexatidões de que resulte incerteza acerca dos sujeitos ou do objeto da relação jurídica a que o facto registado se refere;
d) Quando tiver sido efetuado por serviço de registo incompetente ou assinado por pessoa sem competência, salvo o disposto no n.º 2 do artigo 369.º do Código Civil e não possa ser confirmado nos termos do disposto no artigo seguinte;
e) Quando tiver sido lavrado sem apresentação prévia ou com violação do princípio do trato sucessivo.

Ora, apesar de se desconhecer no processo quais os concretos documentos que serviram de base às inscrições constantes da descrição predial impugnada também aqui se verifica que os factos que sustentavam a alegada inveracidade das declarações ou “falsidade intelectual” apostas no modelo 129 do ano de 1992 - que serviu de base à criação do atual artigo matricial 777.º da união das freguesias de X -, não lograram comprovação, tal como manifestamente decorre da matéria de facto declarada não provada. Ao invés, apuraram-se factos que permitem corroborar a conformidade entre a declaração efetuada em 1991 e as circunstâncias já então existentes porquanto dúvidas parecem não subsistir de que foi a “Y” que planeou, construiu e passou a utilizar e explorar esse prédio (tal como aludido em 1.1.30) no exercício da sua atividade, enquanto prédio dotado de autonomia (física e matricial), com configuração, utilidades e afetações específicas, desde há pelo menos 25 anos, permanecendo o mesmo com tal configuração e afetação perfeitamente visível e definido no local, perfeitamente demarcado dos prédios vizinhos, com acesso próprio a partir do caminho público e com um portão de correr em barras de ferro até ao presente. É o prédio a que veio a corresponder o artigo matricial 777.º - o qual teve origem no artigo matricial urbano 694.º do ano de 1992 criado pela apresentação da declaração do Modelo 129 em 20-12-1991 pela própria “Y - Produção e Comercialização de Artigos Decorativos, Lda.”, com a área total de 3.850 m2, sendo a coberta de 1.400 m2 e a descoberta de 2.430m2, descrita como sendo um “prédio constituído por uma grande divisão que é onde se desenvolve a produção e armazém, tendo mais duas divisões que são as casa de banho e escritório.

Mais se verifica que a apelante/autora não logrou evidenciar que o artigo matricial urbano 777.º da união de freguesias de X - a que corresponde a descrição predial 950 - se localiza em área pertencente ao artigo matricial 977.º correspondente à descrição 731 porquanto tal pressuposto se baseava em matéria de facto declarada não provada.

Por conseguinte, não se verifica a alegada duplicação ou sobreposição ainda que parcial de descrições prediais nem a invocada nulidade resultante da alegada falsidade da declaração constante do modelo 129 que serviu de base à criação do atual artigo matricial 777.º da união das freguesias de X (a que corresponde o prédio descrito sob o n.º 950/20071102 da freguesia de X).

Pelo exposto, resta concluir, tal como na 1.ª instância, pela improcedência total da ação e a consequente absolvição da ré da totalidade dos pedidos contra si formulados.

A autora/reconvinda, ora recorrente, manifesta, ainda, a respetiva discordância da decisão recorrida, sustentando que artigo 1296.º do CC dispõe que, não havendo registo do título nem da mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo de quinze anos, se a posse for de boa-fé, e de vinte anos, se for de má-fé, sendo que desde que a sociedade comercial “Y Lda” foi declarada insolvente, em julho de 2008, não decorreram 15 anos do exercício da posse sobre o pavilhão descrito na CRP sob o n.º 950. Para além de não terem decorrido 15 anos do exercício da posse desde a declaração de insolvência da Y, também se verifica que a ré Caixa B, desde a aquisição em 2015, não praticou os atos materiais atinentes ao exercício da posse. Conclui que não se pode dar como provado que a ré Caixa B tenha adquirido por usucapião a descrição predial 950 de X.

Já a ré/reconvinte, ora recorrida, sustenta que manteve a posse do imóvel de forma titulada, pacífica, à vista de todos, suportando todos os custos com a sua manutenção, usando e cedendo o seu gozo de boa-fé e com a convicção de que é a legítima e única titular do direito de propriedade sobre este bem, como, de resto, os seus anteriores possuidores, pressuposto que é facultado à Caixa B, por via da acessão da posse, juntar à sua posse a posse do antecessor, não subsistem dúvidas do preenchimento dos requisitos para fazer valer a aquisição por via da usucapião.

Com relevo para a apreciação da questão, consta da fundamentação da decisão o seguinte:

«Tendo-se apurado que o prédio urbano propriedade da ré - composto de “escritório e desenvolvimento da produção, armazéns e actividade industrial” - é absolutamente autónomo da parcela de terrena pertença da autora, ficaram apurados igualmente factos de onde se conclui que a Reconvinte, quer por aquisição derivada (sucessivas transacções anteriores desde a empresa Y, apreensão na insolvência desta, sua venda à …, posteriormente à “JC” até chegar à aquisição por compra pela Ré na insolvência desta última sociedade), quer por aquisição originária (artigos 1260º, nº1, 1261º, 1262º, 1268º e 1296º Cód. Civil) é a legítima possuidora e proprietária do prédio inscrito na matriz sob o artigo 777º e descrito na CRP de X com o nº 950».

Ora, relativamente à conclusão vertida pela recorrente no sentido de se constatar que a ré Caixa B, desde a aquisição em 2015, não praticou os atos materiais atinentes ao exercício da posse, resulta manifesto que a sua procedência dependia, na totalidade, do prévio sucesso da alteração da decisão de facto suscitada pela apelante sobre a matéria de facto relevante para o efeito, o que não se verificou.

Contudo, temos por certo à luz dos factos que ficaram provados que a ré, por si e seus antecessores, desde há 5, 10, 15, 20 e mais anos, entra e permanece, quando e do modo que entende, no prédio tal como descrito em 1.30. e 1.44. É a ré, com exclusão de outrem, que abre o portão de acesso ao prédio, entra na área descoberta e coberta do mesmo, limpa regularmente essas áreas, liga e desliga a luz eléctrica e o abastecimento de água. É a ré que, sempre que necessário, efetua obras de conservação do prédio, tais como, substituição de fechaduras, afinação de portas, pintura de portões, portas e janelas, reparação das redes de energia eléctrica e abastecimento de água. É a ré que, sempre que necessário, repara as infiltrações de água pelo telhado, as humidades que aparecem nas paredes interiores, as irregularidades do piso e as oxidações nos tubos de ferro. É a ré que, regularmente, proceda à pintura dos muros, paredes, portões, portas e janelas do prédio. É a ré, com exclusão de outrem, que, quando entende, negoceia e dá de arrendamento esse prédio, recebe as rendas e fiscaliza o uso e conservação do mesmo, ou, simplesmente, autoriza a ocupação do prédio por terceiro, paga o IMI devido pelo prédio. A ré procede desde modo, reiteradamente, à vista de todos, pacificamente, de boa-fé e com a convicção de que é a legítima e única titular do direito de propriedade sobre esse prédio.

Nos termos do disposto no artigo 1316.º do CC, “o direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei”.

Relativamente à aquisição originária, no que aqui releva, o artigo 1287.º do CC prevê que “a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião”.
Deste modo, a usucapião “é uma forma de aquisição de direitos, que se funda na posse, quando esta reveste certas características e verificados alguns requisitos, relativos nomeadamente ao seu tempo de duração” (11). Perante o artigo 1287.º, “o possuidor tem a faculdade de adquirir o direito a cujo exercício corresponde a sua atuação, querendo isto dizer que, havendo na posse uma atuação correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (art. 1251.º) é o direito possuído, e não outro, o que pode ser adquirido por usucapião” (12).

Por sua vez, o artigo 1251.º do CC, define posse como “o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real”.

Tal como anotam Rui Pinto, Cláudia Trindade (13), a posse apresenta como primeiro pressuposto “a verificação de subordinação da coisa à vontade de um sujeito, a qual pode ou não corresponder a um direito legítimo. Essa subordinação designa-se tradicionalmente por corpus e tem o seu início no momento da constituição da posse (…). O corpus não é uma situação material stricto sensu, pois não se exige o aproveitamento contínuo da coisa. O que se exige é que a coisa esteja subordinada à vontade do sujeito. Para tanto basta que esse sujeito possa renovar a atuação material sobre ela sempre que queira. (…) Todavia a verificação de corpus não é bastante para se concluir pela existência de posse. Exige-se um segundo pressuposto de facto: o animus possidendi”.

No caso vertente, mostra-se indiscutível a demonstração da prática pela ré de atos materiais correspondentes à titularidade de um direito de propriedade sobre o prédio tal como descrito em 1.30. e 1.44, sendo que a descrita atividade vem sendo exercida no local pela ré reiteradamente, à vista de todos, pacificamente, de boa-fé e com a convicção de que é a legítima e única titular do direito de propriedade sobre esse prédio.

Mais se verifica que a referida posse se baseou no contrato de compra e venda celebrado em 16 de outubro de 2015 mediante o qual adquiriu à “Massa Insolvente de JC-Imobiliária, L.da” o prédio urbano identificado em 1.30 sendo que no mesmo dia a ré fez registar a seu favor a aquisição do direito de propriedade sobre esse prédio.

Deste modo, mostram-se reunidos todos os pressupostos da posse pela ré, correspondente ao exercício do direito de propriedade relativamente ao prédio sobre o qual exerce os poderes de facto, provando-se ainda o elemento psicológico que permite qualificar a referida atuação como tal, a qual é titulada, de boa-fé, pacífica e pública, tudo nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 1251.º, 1252.º, 1257.º, 1258.º, 1259.º, n.º1, 1260.º, n.º1, 1262.º, n.º1, e 1262.º, todos do CC.

Tratando-se de posse titulada, de boa-fé, reiterada, contínua e pacífica, e havendo título de aquisição e registo deste pode a ré possuidora usucapir ao fim de 10 anos contados desde a data do registo, tal como resulta do disposto no artigo 1294.º, al. a), do CC.
Sustenta a recorrente que desde que a sociedade comercial “Y Lda” foi declarada insolvente, em julho de 2008, não decorreram 15 anos do exercício da posse sobre o pavilhão descrito na CRP sob o n.º 950 tendo certamente por referência a data da propositura da ação.
Provou-se, contudo, que a ré, por si e seus antecessores, desde há 5, 10, 15, 20 e mais anos, entra e permanece, quando e do modo que entende, no prédio tal como descrito em 1.30. e 1.44. o que aliás resulta consubstanciado mediante as sucessivas transmissões do prédio desde a sua possuidora inicial, a “Y - Produção e Comercialização de Artigos Decorativos, L.da”, posto que o prédio se encontra desde há pelo menos 25 anos perfeitamente visível e definido no local, perfeitamente demarcado dos prédios vizinhos, com acesso próprio a partir do caminho público e com um portão de correr em barras de ferro, encontrando-se comprovados todos os atos posteriores com eficácia translativa da propriedade até à ré.
Acresce que todos os antepossuidores da ré gozam da presunção legal estatuída no artigo 1252.º, n.º 2, do CC, da qual resulta que em caso de dúvida, presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto, sendo que, o Acórdão do Pleno das Secções Cíveis do STJ de 14-05-1996, publicado no DR, II Série, n.º 144, de 24-06-1996, uniformizou jurisprudência no sentido que “podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa”.

Em conclusão, deve aditar-se à posse da ré as posses dos seus antepossuidores, nos termos previstos no artigo 1256.º, n.º1, do CC, do qual resulta que o possuidor atual pode juntar à sua a posse dos seus antecessores.

Acresce que a usucapião foi invocada pela ora ré, enquanto possuidor a quem a usucapião aproveita, e os seus efeitos retrotraem-se à data do início da posse, nos termos previstos nos artigos 1287.º e 1288.º do CC.

Neste enquadramento, considerando que a posse é exercida pela ré, por si e seus antecessores, desde há 5, 10, 15, 20 e mais anos, sobre o prédio tal como descrito em 1.30. e 1.44, cumpre concluir que a ré adquiriu a propriedade do referido prédio por usucapião.

No caso vertente, não vinha posta em causa a titularidade do prédio em causa pela ré CAIXA B CRL, enquanto titular inscrita do prédio urbano sito em ..., freguesia e concelho de X, inscrito na matriz predial urbana n.º 777 e descrito na respetiva Conservatória do Registo Predial sob o n.º 950, da referida freguesia, conforme cópia da descrição predial 950 (ponto 1.1.3 dos “Factos provados”) por o ter adquirido em 16 de outubro de 2015, por meio de contrato de compra e venda à “Massa Insolvente de JC – Imobiliária, L.da”, mas a sua delimitação e, concretamente, se o mesmo faz parte integrante de outro prédio correspondente à descrição predial n.º 731/20010507 da freguesia de X - prédio urbano denominado de Parcela de terreno para construção, situado em ..., com a área total de 10.328m2, da qual consta como área descoberta 10.328m2 com registo de aquisição a favor da ora autora CAIXA A, SA mediante AP. 17 de 2012/03/08.

Ora, restando indemonstrada a alegada duplicação ou sobreposição ainda que parcial de descrições prediais bem como a invocada nulidade resultante da falsidade da declaração constante do modelo 129 que serviu de base à criação do atual artigo matricial 777.º da união das freguesias de X (a que corresponde o prédio descrito sob o n.º 950/20071102 da freguesia de X), resulta manifesto que no domínio da prova do modo de aquisição derivada do direito de propriedade a ré pode beneficiar da presunção legal da propriedade, por força do disposto no artigo 7.º do CRPredial antes aludido, posto que, nos termos previstos nos artigos 344.º, n.º1, e 350.º, do CC, cabia à parte contrária afastar tal presunção, mediante prova em contrário, nada obstando, por isso, ao reconhecimento da aquisição do direito de propriedade da ré sobre o referido prédio, por aquisição derivada.

Sucede que como se viu ser jurisprudência pacífica, a presunção que decorre do registo predial limita-se à titularidade do direito inscrito, nos precisos termos em que o registo o define, mas não abrange as respetivas áreas, limites, delimitações ou confrontações.

Porém, nos presentes autos a ré/reconvinte veio também invocar concretos atos materiais e possessórios praticados sobre o referido prédio, com a concreta delimitação, composição e identificação descritas no ponto 1.30 dos factos provados, pelo período temporal e com as condições exigidas para a aquisição por usucapião. Mais se verifica que tal materialidade logrou efetiva demonstração, o que levou à conclusão antes enunciada no sentido de que adquiriu a propriedade do referido prédio por usucapião.
Daí que não mereça censura a decisão recorrida, improcedendo na íntegra as conclusões da autora/reconvinda, aqui apelante.

Síntese conclusiva:

I - Conforme resulta do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC, o Tribunal só deve responder aos factos que julga provados e não provados, não envolvendo esta pronúncia aqueles pontos que contenham matéria conclusiva, irrelevante ou de direito;
II - Se a modificação da decisão de facto peticionada pela apelante importa o aditamento à matéria provada de juízos valorativos ou conclusivos que encerram parte essencial da controvérsia que constitui o objeto do litígio a apreciar e decidir na ação, deve tal matéria ser eliminada do elenco dos factos relevantes para a decisão da causa ficando prejudicada a apreciação da impugnação da matéria de facto quanto a tais pontos;
III - Tendo sido impugnados factos julgados assentes por presunção judicial, cumpre verificar, em sede de reapreciação da decisão proferida, se os factos que constituíram a base material da presunção podem ser tidos como assentes e, de seguida, se destes pode inferir-se a matéria impugnada, considerando provados os factos em causa;
IV - A consequência legal prevista para a situação em que se reconheça a duplicação de inscrições - conducente à reprodução na ficha de uma delas dos registos em vigor nas restantes fichas, com a consequente inutilização das correspondentes descrições -, só pode ter aplicação nos casos de duplicação total e não nas situações de duplicação ou sobreposição parcial de descrições, atento o princípio da especialidade ou da individualização, que impede a constituição de direitos reais sobre coisas que não estejam juridicamente individualizadas.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação apresentada pela autora/reconvinda, em consequência do que confirmam a sentença recorrida.
Custas da apelação a cargo da apelante/autora.
Guimarães, 27 de junho de 2019

(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (relator)
Espinheira Baltar (1.º adjunto)
Eva Almeida (2.º adjunto)


1. Da sentença recorrida consta a numeração dos factos provados de 1 a 31 e, depois novamente de 1 a 26. Trata-se, porém, de manifesto lapso, revelado no próprio contexto da referida decisão posto que no ponto 15.º da aludida repetição consta a expressa remissão para o ponto 1.44. o que demonstra que só por mero lapso de escrito o Tribunal a quo recomeçou em 1.32 uma nova numeração dos factos provados. Tal constatação impõe se proceda aqui à devida retificação da numeração dos factos provados porquanto a recorrente suscitou a sua existência em sede de alegações, a mesma foi aceite pela recorrida e do processo constam todos os elementos para o efeito, ao abrigo do disposto nos artigos 249.º do CC, 613.º, 614.º, n.º 2, e 662.º, do CPC.
2. In Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2013, p. 224-225
3. P. n.º 1965/04.9TBSTB.E1.S1 – 6.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt
4. Ob. cit., p. 226
5. P. n.º 809/10.7TBLMG.C1.S1 – 7.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt
6. Cfr, por todos, o Ac. do TRG de 30-05-2018 (relatora: Helena Melo), p. 8250/15.9T8VNF.G1 disponível em www.dgsi.pt citando, a propósito, diversa doutrina e jurisprudência que julgamos elucidativa.
7. Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição revista e atualizada, com a colaboração de Henrique Mesquita, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, p. 312.
8. Prova por Presunção no Direito Civil, Coimbra, Almedina, 2013, 2.ª edição, p. 29-30.
9. “A duplicação parcial de descrições consiste em uma porção de terreno, descrita autonomamente enquanto prédio sob determinado número, fazer também parte da descrição de outro prédio. Ou seja, existe duplicação parcial de descrições quando determinada porção de terreno no sistema registal é simultaneamente tratada como prédio e como parte integrante de prédio”- cfr. Parecer do IRN p. R.P. 67/2010 SJC-CT (Duplicação de descrições), p. 8 – disponível em http://www.irn.mj.pt/sections/irn/doutrina/pareceres/predial/2010/p-r-p-206-2010-sjc-ct/)
10. Cfr., entre outros, o Parecer do IRN p. R.P. 67/2010 SJC-CT antes citado
11. Luís A. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, Lisboa, QUID JURIS? Sociedade Editora1996, p. 51
12. Cfr. L.P.Moitinho de Almeida, Restituição de Posse e Ocupações de Imóveis, 3.ª edição, Coimbra Editora, 1986, p. 95
13. Código Civil Anotado, Coord. Ana Prata, Volume II, Coimbra, Almedina, 2017, p. 17