Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
753/20.0T8VNF-J.G2
Relator: GONÇALO OLIVEIRA MAGALHÃES
Descritores: CASO JULGADO MATERIAL
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
EXCEÇÃO ATÍPICA DE TRANSAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – A força obrigatória da sentença transitada em julgado desdobra-se num duplo sentido: a um tempo, no da proibição de repetição da mesma pretensão ou questão, por via da exceção dilatória do caso julgado; a outro, no da vinculação das partes e do tribunal a uma decisão anterior, o que corresponde à denominada autoridade do caso julgado.
II – A questão da autoridade do caso julgado material respeita, sobretudo, à extensão da auctoritas rei iudicatae à solução das questões prejudiciais, assim denominadas as relativas a relações jurídicas distintas da deduzida em juízo pelo autor, mas de cuja existência ou inexistência dependa logicamente o teor da decisão do pedido, sobre as quais não ocorre decisão, mas simples cognitio.
III – A autoridade do caso julgado não prescinde da identidade de partes, o que é consequência dos princípios da proibição da indefesa e do contraditório.
IV – A sentença homologatória da transação não tem um conteúdo especificamente jurisdicional ou decisório sobre o objeto, já que são as partes quem dispõe da situação e escolhem a solução a dar ao litígio.
V – Como tal, quando estejam em causa os efeitos da transação em subsequente ação, é mais correto falar-se numa exceção atípica de transação, a qual desempenha função semelhante à do caso julgado.
VI – Tal exceção apenas pode ser invocada perante quem foi parte na transação, o que é uma consequência do princípio da eficácia relativa dos contratos (art. 406/2 do Código Civil), sem prejuízo das situações excecionais em que o contrato acaba por produzir efeitos, negativos ou positivos, junto de determinados terceiros.
Decisão Texto Integral:
1. I..., SA (Autora), intentou, por apenso aos autos do processo de insolvência n.º 753/20...., a presente ação declarativa, sob a forma comum, contra D... – Importação e Exportação, Lda. (1.ª Ré), e Massa Insolvente de S..., SA (2.ª Ré), pedindo que (transcrição):
“A) Declarado cessado o contrato de arrendamento por denúncia operada pela Sra. AI e, em consequência: (i) ser declarada a ilegalidade do contrato de trespasse celebrado;(ii) serem os RR. condenados à entrega do imóvel no mesmo estado em que a arrendatária o recebeu, livre e desimpedido de pessoas e bens; (iii) ser a Massa Insolvente condenada a pagar, até ao momento da restituição, uma indemnização pelo atraso na restituição da coisa correspondente a renda, elevada para o dobro em caso de mora;

Caso assim não se entenda,

B) Declarado o trespasse ilegal e, em consequência: (i) ser declarado que se operou uma cedência de gozo do imóvel não autorizada e, como tal, ilícita, (ii) ser declarado o contrato resolvido, operando-se a resolução na data da citação da Ré para os termos da ação, (iii) ser a Massa Insolvente condenada no pagamento das rendas vencidas desde a data da declaração de insolvência e até à data da resolução do contrato, acrescidas de uma indemnização correspondente a 20% atenta a mora verificada,(iv) serem as RR. condenadas na entrega do imóvel no mesmo estado em que a arrendatária o recebeu, livre e desimpedido de pessoas e bens, (v) ser a Massa Insolvente condenada a pagar, até ao momento da restituição, uma indemnização pelo atraso na restituição da coisa correspondente a renda, elevada para o dobro em caso de mora.
Caso assim não se entenda,
C) Declarado o contrato resolvido com justa causa, o contrato resolvido com base em incumprimento pela outra parte, designadamente por força do encerramento do locado e utilização do imóvel para fim diverso, operando-se a resolução da data da citação da Ré para os termos da ação, e em consequência: (i) serem as RR. condenadas no pagamento das rendas vencidas desde a data da declaração de insolvência e até à data da resolução do contrato, acrescidas de uma indemnização correspondente a 20% atenta a mora verificada;(ii) serem as RR. condenadas na entrega do imóvel no mesmo estado em que a arrendatária o recebeu, livre e desimpedido de pessoas e bens, (iii) serem as RR. condenadas a pagar, até ao momento da restituição, uma indemnização pelo atraso na restituição da coisa correspondente a renda, elevada para o dobro em caso de mora;
Caso assim não se entenda,
D) Ser o contrato declarado resolvido por falta de pagamento de rendas, e em consequência:(i) serem as RR. condenadas no pagamento das rendas vencidas desde a data da declaração de insolvência e até à data da resolução do contrato, acrescidas de uma indemnização correspondente a 20% atenta a mora verificada, (ii) serem as RR. condenadas na entrega do imóvel no mesmo estado em que a arrendatária o recebeu, livre e desimpedido de pessoas e bens, (iii) serem as RR condenadas a pagar, até ao momento da restituição, uma indemnização pelo atraso na restituição da coisa correspondente a renda, elevada para o dobro em caso de mora.
Em qualquer dos casos,
Deve ser ordenado o despejo e entregar à Autora o imóvel, completamente livre de pessoas e bens; e
Caso assim não se entenda,
E) Ser reconhecido à I... o direito de preferência no trespasse, reconhecendo-se à AUTORA o direito de haver para si o estabelecimento.”
Alegou, em síntese, que: é proprietária do prédio urbano composto por um edifício fabril descrito na CRP ... sob o n.º ...28; arrendou esse prédio à sociedade S..., SA, para que esta exercesse nele a sua atividade industrial; por sentença de 10 de fevereiro de 2020, proferida no identificado processo de insolvência, a sociedade arrendatária foi declarada insolvente; no dia 13 de fevereiro de 2020, a administradora da insolvência nomeada decidiu cessar a atividade da insolvente e encerrar o respetivo estabelecimento; nessa medida, não procedeu à apreensão do estabelecimento “enquanto conjunto de bens, móveis e/ou imóveis e direito e/ou obrigações, que constituem uma universalidade de direito indissociável,” (sic.) para a massa insolvente, mas apenas à apreensão dos bens móveis que existiam dentro do referido edifício; não procedeu, também, à apreensão do direito ao arrendamento resultante do contrato celebrado entre a insolvente e a Autora; deixou de proceder ao pagamento da renda devida à Autora como contrapartida pela cedência do gozo do prédio; esse comportamento da administradora da insolvência configura uma declaração tácita de denúncia do contrato de arrendamento celebrado entre a insolvente e a Autora; com essa denúncia, o contrato de arrendamento cessou e a Autora na expetativa de que lhe seria restituído o prédio; entretanto, a mesma administradora da insolvência procedeu à resolução de um contrato de compra e venda de que equipamentos havia sido celebrado entre a sociedade insolvente e a ora 1.ª Ré (ao qual respeita a fatura n.º ...26); na sequência, a 1.ª Ré propôs, contra a massa insolvente, ação de impugnação da resolução, a qual constitui o apenso C ao processo de insolvência; nessa ação, as Rés apresentaram, por requerimento de 23 de agosto de 2021, escrito em que consignaram transigir quanto ao respetivo objeto mediante a transmissão, da massa insolvente para a D..., do estabelecimento industrial da insolvente, integrado por “todos os bens apreendidos para a massa insolvente (…), bem como a transferência temporária e onerosa, em conjunto com a exploração do estabelecimento que pertencia à devedora/insolvente[,] da fração autónoma composta por edifício fabril (…) melhor descrita no contrato de arrendamento celebrado em 1.05.2009”, tendo como contrapartida um preço fixado em € 500 000,00; essa transação foi homologada por sentença de 27 de agosto de 2021, que a julgou válida, quer quanto ao objeto, quer quanto à qualidade dos sujeitos intervenientes; na medida em que o estabelecimento transmitido já não existia, tal transação consubstancia a “venda de um direito inexistente (alheio)”, pelo que o “negócio é nulo por força do disposto no art. 892.º do Código Civil” (sic.); de qualquer modo, o comportamento da massa insolvente, através da respetiva administradora, na medida em que contraria a anterior declaração tácita de denúncia do contrato de arrendamento, configura um abuso do direito, “nos termos do art. 334.º do Código Civil na modalidade de venire contra factum proprium”; tendo cessado o contrato de arrendamento, “tem direito a obter a restituição do prédio arrendado e, bem assim, a receber uma indemnização pelo atraso no cumprimento da correspondente obrigação, no valor correspondente à renda (€ 4 112,18 mensais), elevado ao dobro, nos termos do disposto no art. 1045.º do Código Civil; ainda que se entenda que o contrato de arrendamento não cessou em virtude da referida denúncia tácita, sempre se tem de considerar que a transação configura uma cedência não autorizada pelo senhorio do prédio arrendado, por não existir, aquando da sua celebração, qualquer estabelecimento comercial, conferindo, assim, à Autora o direito à resolução do contrato de arrendamento (art. 1083.º, n.º 2, e), do Código Civil), com a consequente restituição do arrendado”; no mesmo pressuposto (o de que o contrato de arrendamento não cessou em virtude da referida denúncia tácita), a Autora tem direito à resolução do contrato de arrendamento, nos termos do disposto no art. 1083.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil, uma vez que, a partir da data de encerramento do estabelecimento, a massa insolvente passou a usar o prédio arrendado para armazenar os bens móveis apreendidos para a massa, o que constitui fim diverso do convencionado; tem, finalmente, direito à resolução do arrendamento, “nos termos do disposto no art. 1083.º, n.ºs 1 e 3 do Código Civil, uma vez que a renda não é paga desde março de 2020”; em caso de resolução do arrendamento, tem também direito a obter o pagamento das rendas vencidas desde a data da declaração da insolvência e das que se vencerem até à data da resolução, acrescido de uma indemnização de 20%, atenta a mora verificada, e de uma indemnização pela mora na restituição; caso se considere que a transmissão onerosa do estabelecimento operada pela transação é válida e eficaz, “devia ter sido notificada para exercer o direito de preferência consagrado no art. 1112.º, n.º 4, do Código Civil, o que não sucedeu, pelo que deve ser reconhecido o direito de haver para si o estabelecimento.”
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2. As Rés contestaram.

A 1.ª disse, em síntese, que: sob a epígrafe “Exceção de autoridade de caso julgado”, “a discussão que a Autora aqui pretende repetir foi decidida no apenso C, por sentença homologatória e por isso o facto – transmissão do estabelecimento – está definitivamente decidido por sentença, que constitui autoridade de caso julgado, e com ele se impede nova discussão do mesmo facto” (sic.); a Autora interpôs, no apenso C, recurso de apelação da sentença homologatória da transação, pedindo a sua revogação e extinção por outra que julgue a transação inválida e ilegal”; a procedência desse recurso levará à satisfação integral do seu interesse; a improcedência levará a que a questão da transmissão fique definitivamente resolvida; existe, portanto, causa prejudicial que deve ter como consequência a suspensão da instância; a administradora da insolvência não encerrou definitivamente a atividade da insolvente nem teve qualquer comportamento que possa ser configurado como uma denúncia tácita do contrato de arrendamento celebrado entre esta e a Autora; em 17 de outubro de 2019, a Autora propôs à sociedade insolvente a atualização do valor da renda, pelo que incorre em abuso do direito ao alegar uma hipotética denúncia tácita do arrendamento; a sua posição jurídica está tutelada em resultado das expetativas que lhe foram criadas pela administradora da insolvência e pelo Tribunal ao homologar a transação; na hipótese de ser como alega a Autora, haveria uma “colisão de direito de espécie diferente, devendo prevalecer o que deva considerar-se superior”, que é o por si titulado (exercício de uma atividade industrial produtora de riqueza e geradora de postos de trabalho), uma vez que a Autora não alega qualquer prejuízo que lhe advenha da celebração da transação; não houve qualquer incumprimento das normas legais e a transmissão do estabelecimento ocorreu “não por via de um negócio inter partes, mas antes por via judicial, através da sentença homologatória” (sic.); a função do arrendado não foi alterada; após a celebração da transação, as Rés solicitaram o IBAN da Autora para procederem ao pagamento das rendas em dívida; perante a recusa desta, depositou as rendas relativas aos meses de novembro e dezembro de 2021 na Banco 1...; a Autora atua em abuso do direito uma vez que “teve oportunidade de resolver o contrato de arrendamento por falta de pagamento das rendas” logo em março de 2020; a Autora teve conhecimento do projeto de transação e manifestou desinteresse na aquisição do estabelecimento, pelo que é inócua a eventual omissão da comunicação para o exercício do direito de preferência; a Autora omitiu o depósito do preço, que é condição do exercício do direito de preferência, nos termos do disposto no art. 1410.º, n.º 1, do Código Civil.
Concluiu pela procedência da “exceção de autoridade de caso julgado” e, caso assim não seja entendido, pela improcedência dos pedidos formulados pela Autora.
A 2.ª Ré disse que: o encerramento do estabelecimento foi um ato de preservação do património da insolvente, que visou impedir a laboração e gestão do negócio por parte desta; não se pretendeu pôr termo ao negócio como ativo da massa, tanto que a apreensão recaiu sobre “todo o imobilizado da insolvente do qual faz parte o estabelecimento comercial como um todo, como uma universalidade de direito, com o direito ao arrendamento incluso” (sic.); havendo dúvidas quanto ao IBAN da Autora, solicitou que esta o fornecesse; a Autora não respondeu, obstando, dessa forma, ao cumprimento da obrigação de pagamento das rendas; a Autora foi previamente avisada do projeto de transação, não reclamando a titularidade do direito de preferência.
Concluiu pela improcedência da ação.
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3. Na sequência de despacho, a Autora respondeu dizendo que: não existe qualquer situação de caso julgado, uma vez que o objeto da presente ação não coincide com o da ação que constitui o apenso C; não existe fundamento para a suspensão da instância, posto que a ação que constitui o apenso C não constitui causa prejudicial relativamente à presente; as Rés foram interpeladas, por carta de 22 de setembro de 2021, para procederem ao pagamento das rendas, facto que aceitaram; a consignação em depósito alegada foi feita depois de decorrido o prazo previsto no n.º 2 do art. 1041.º do Código Civil, pelo que não fez cessar o direito à resolução do contrato de arrendamento com fundamento na falta de pagamento das rendas. No mais, impugnou o alegado pelas Rés, concluindo que a ação deve ser julgada procedente.
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4. Por despacho de 14 de fevereiro de 2022, foi considerado que a ação que constitui o apenso C é causa prejudicial relativamente à presente e, com esse fundamento, suspendeu-se a instância até ao trânsito em julgado do acórdão que viesse a “versar sobre o recurso da sentença de homologação proferida.”
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5. A Autora apelou para esta Relação. Admitido o recurso, a respetiva foi declarada extinta, em 25 de outubro de 2022, por inutilidade superveniente, uma vez que, entretanto, transitou em julgado a sentença homologatória proferida no apenso C.
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6. No prosseguimento dos autos, foi realizada a audiência prévia, tendo a Autora declarado desistir do último pedido formulado, o que foi homologado por sentença de 22 de fevereiro de 2023.
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7. Na mesma data, foi proferido despacho saneador em que, depois de se afirmar tabularmente a verificação dos pressupostos processuais relativos ao tribunal e às partes, foi julgada verificada a denominada “exceção de autoridade de caso julgado” (sic.) tal como arguida pela 1.ª Ré, com a consequente absolvição das Rés da instância.
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8. Inconformada com o assim decidido, a Autora interpôs o presente recurso de apelação.

Concluiu as suas alegações nos seguintes termos (transcrição):[1]
“(…)
4º - As questões suscitadas em sede do recurso interposto pela I... da sentença homologatória da transação proferida a 27.08.2021 no apenso C não foram material e substancialmente conhecidas pelo Tribunal da Relação de Guimarães.
5º - A transação é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões - art 1248º/1 CC – e homologação dessa transação, necessária apenas para apreciação da legalidade dos seus pressupostos quanto ao objeto e à qualidade dos intervenientes, não lhe retira o carácter e natureza contratual.
6 º- A sentença homologatória que recai sobre a transação limita-se examinar se, pelo seu objeto e pela qualidade das pessoas que nela intervieram, a transação é válida - art. 290º n.º 3 do Código de Processo Civil – isto é, à verificação das condições extrínsecas ao conteúdo material da transação.
7º -Neste sentido, é absolutamente inequívoco que a sentença homologatória proferida no âmbito do Apenso C não incidiu sobre a legalidade e validade do trespasse realizado, desde logo porque esse a validade e legalidade do trespasse não constituía o objeto da ação Apenso C. O objeto da ação do Apenso C versava sobre a resolução de um contrato de compra e venda de bens móveis, onde nem sequer se incluía a transmissão do contrato de arrendamento.
8º- A sentença homologatória da transação, para além de não decidir do objeto da ação, não conhecendo da controvérsia substancial da ação, não conhece da validade e legalidade do negócio jurídico inserto transação – validade material da transação- donde se concluiu que a sentença de homologação de uma transação não constitui caso julgado ou autoridade de caso julgado, e muito menos em relação a terceiros.
9º - O trânsito em julgado da sentença proferida sobre a transação não obsta a que se intente ação destinada à declaração da sua nulidade ou à sua anulação ou uma ação em que se coloque em causa a validade e legalidade do negócio jurídico celebrado por via da transação - Artigo 291.º do Código de Processo Civil.
10º - A transação numa ação de impugnação de ato resolutivo operado pelo A.I. em benefício da massa insolvente não impede os interessados, que pretendem discutir e ver declarada a validade/eficácia substancial das cláusulas da transação, de intentar a competente ação.
11º - A transação, enquanto negócio jurídico, não vincula os terceiros que nela não tenham sido partes - art.º 406º, n.º 1 do CC – pelo que os terceiros, não intervenientes na transação, não estão impedidos de exercer os seus direitos contra uma transação (negócio jurídico).
12º - Ainda que assim não fosse - e se considerasse que a sentença homologatória da transação constitui uma decisão de mérito quanto ao negócio jurídico celebrado, o que apenas se equaciona para demonstrar o flagrante demérito da sentença recorrida - no caso dos autos jamais se verificaria a exceção de autoridade de caso julgado, porquanto: a) Entre o objeto da ação Apenso C e o objeto da ação apenso J inexiste qualquer ponto de conexão, quer no que respeita às partes, quer no que respeita à causa de pedir, quer no que respeita ao pedido, inexistindo qualquer prejudicialidade entre objetos processuais que possa justificar a autoridade de caso julgado; b) Na ação Apenso C o objeto da ação centra-se na resolução do negócio celebrado entre a Insolvente e a D... relativamente a um conjunto de bens móveis, enquanto na ação Apenso J o objeto da ação centra-se na validade e existência do contrato de arrendamento e na legalidade do trespasse por aplicação do disposto no art. 1112º do CC; c) Inexiste qualquer decisão material e substancialmente proferida na ação Apenso C que possa constituir causa ou pressuposto da decisão a proferir na ação apenso J, d) Face às normas de direito material que regem as relações jurídicas respetivas, a sentença homologatória da transação celebrada no Apenso C mostra-se absolutamente irrelevante para o conhecimento dos direitos a que se arroga a recorrente no âmbito da ação apenso J,
13º - A transação celebrada no âmbito do Apenso C, distanciando-se do objeto da ação (validade da resolução operada pela Administradora de Insolvência relativamente ao contrato de compra e venda de bens móveis celebrado entre a Insolvente e a D...- onde não se incluía o direito ao arrendamento), incidiu, não sobre a validade da resolução de negócio operada, mas serviu para a Massa Insolvente proceder à venda desses bens móveis à D... e para transmitir à D... um contrato de arrendamento, tudo mediante o pagamento de um preço.
14º - A I... não está impedida de colocar em crise o negócio jurídico celebrado entre a Massa Insolvente a D... – na parte relativa ao trespasse – com vista a: A) ver o contrato declarado cessado por denúncia (operada pela Sra. AI no momento de encerramento da atividade da insolvente), B) ver declarada a ilegalidade do trespasse por inexistência de um estabelecimento suscetível de ser objeto de trespasse), C) ver declarada a resolução do contrato com justa causa, com base em incumprimento pela outra parte, designadamente por força do encerramento do locado e utilização do imóvel para fim diverso,
D) ver declarada a resolução do contrato por falta de pagamento de rendas, isto porque, qualquer senhorio, perante um contrato de trespasse não está impedido de se opor à transmissão do contrato de arrendamento nos termos do disposto no art. 1112º, 1038º al. f), 1083º n.º 2 al. e) do Código Civil, de pedir a declaração de inexistência do contrato por denúncia, de promover a resolução do contrato por incumprimento do disposto no art. 1038.º, alínea c), do Código Civil, bem como de promover a resolução do contrato por falta de pagamento de rendas nos termos do artigo 1083.º, n.º 3, do Código Civil, pois, contrariamente ao decidido pelo Tribunal recorrido, o trespasse não tem a virtualidade de tornar válido contrato de arrendamento inexistente ou converter um contrato incumprido em cumprido.
15º - Por fim, muitas foram as questões colocadas à apreciação do Tribunal em sede de ação Apenso J e muitos foram os pedidos aí formulados que rigorosamente nada têm que ver com a legalidade do trespasse, relativamente às quais jamais se verificaria a autoridade do caso julgado.
16º - Isto porque, ainda que o trespasse fosse legal, nada obstaria a que o Tribunal se pronunciasse sobre: A) a cessão do contrato por denúncia (operada pela Sra. AI no momento de encerramento da atividade da insolvente), C) a resolução do contrato com justa causa, com base em incumprimento pela outra parte, designadamente por força do encerramento do locado e utilização do imóvel para fim diverso, D) a resolução do contrato por falta de pagamento de rendas, em virtude do trespasse não prejudicar o direito do senhorio exercer os seus direitos perante o incumprimento contratual, seja ela prévio ou posterior ao trespasse.”
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9. As Rés não responderam.
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II.
As conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo da ampliação deste a requerimento do recorrido (artes. 635/4, 636 e 639/1 e 2 do CPC). Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas, salvo se forem do conhecimento oficioso (art. 608/2, parte final, ex vi do art. 663/2, parte final, ambos do CPC).
Também não é possível conhecer de questões novas – isto é, de questões que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida –, uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação.
Tendo isto presente, no caso, atendendo às conclusões transcritas, a intervenção deste Tribunal de recurso deve recair sobre a questão que se pode sintetizar nos seguintes termos: a sentença homologatória da transação proferida na ação que constitui o apenso C ao processo de insolvência conforma a denominada “exceção de autoridade do caso julgado”, obstando ao conhecimento do mérito da causa.
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III.
1) Ademais dos factos que resultam do relatório que antecede, que descrevem o iter processual relevante, há que considerar os seguintes:
1 A 1.ª Ré intentou contra a 2.ª a ação de impugnação de resolução em benefício da massa insolvente que correu termos por apenso (C) ao processo de insolvência n.º 753/20....;
2 Na petição inicial dessa ação alegou que “[a] Autora foi notificada, por carta registada em 28/02/2020, pela Administradora da Insolvência, da resolução em benefício da massa da venda consubstanciada pela fatura ...26 da sociedade insolvente, com o texto "Equipamentos diversos" "(Diversos bens e equipamentos conforme contrato anexo)" emitida em 18/10/2019; em tal carta resolutiva, a AI omitiu a data em que teve início o processo de insolvência e quais os factos referentes a essa venda suscetíveis de traduzir que as obrigações nela assumidas pela insolvente excedem manifestamente as da contraparte, pelo que a declaração de resolução não se mostra fundamentada, o que significa que está ferida de nulidade; a Autora considera que está em causa uma comunicação e não uma resolução e onde não consta nem um fundamento fático essencial da resolução; na comunicação recebida pela impugnante não é feita nenhuma referência a factos ainda que de forma sintética que sustentem ou demonstrem uma má fé da Autora nem sequer, quanto ao património, é dado um valor de referência pela qual se possa aferir de que existiu ou existe um prejuízo efetivo para a insolvente; a deficiência de fundamentação da declaração de resolução não pode ser suprida na contestação da ação de impugnação daquela resolução; o valor do preço pago pela Autora foi muito superior ao valor de mercado dos bens, como resulta da comparação entre o preço atribuído a cada máquina e equipamento vendido e o valor atribuído pela AI no auto de apreensão de bens; o critério essencial subjacente à definição do preço do negócio de compra e venda foi o de, por meio de tal negócio, prover a SIT com os meios de financiamento necessários para viabilizar a recuperação da empresa, o que justifica o elevado valor atribuído aos bens vendidos e pago pela Autora; inexiste qualquer relação especial entre a autora e a insolvente e os bens vendidos não constituem todo o património da insolvente; o negócio de compra e venda ocorrido não visou causar, nem causou, qualquer prejuízo aos credores da insolvente, mas o ato de resolução - a manter-se - será o causador de prejuízos aos credores, considerando os efeitos da resolução, que implicará que a insolvente mantenha a propriedade dos bens vendidos que se encontram apreendidos no processo, mas tenha de reembolsar a autora do preço pago de 287.038,95€, que constitui dívida da massa insolvente e, nessa medida, a par das custas do processo e das despesas e da remuneração da AI, será pago em primeiro lugar pelo produto da venda dos bens da massa;”
3 Em requerimento apresentado no referido apenso, no dia 23 de agosto de 2021, as Rés declararam que “[c]onsiderando a aprovação por parte da Comissão de Credores, da proposta apresentada pela A., conforme requerimento apresentado nestes autos pelo Exmo. Senhor Administrador de Insolvência, de 05/03/2021.

Vêm junto de V.a Ex.", nos termos dos artigos 277° al. d), 283.°, n." 2, 284.° e 290.° do CPC e 1248.° do CC, requerer a extinção desta instância, mediante a celebração da seguinte TRANSAÇÃO:
1. A Ré aceita a proposta da Autora para a aquisição do estabelecimento da insolvente, o que integra todos os bens apreendidos para a massa insolvente, nomeadamente as verbas 1 a 192, que aqui se juntam (doc. ...), bem como a transferência temporária e onerosa, em conjunto com a exploração do estabelecimento industrial que pertencia à devedora/insolvente da fração autónoma composta por edifício fabril destinado a indústria de confeção com dois pisos e sótão, destinado a armazéns e atividade industrial, sito no lugar ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na respetiva Conservatória do Registo Predial, sob o n.º ...24,inscrito na matriz predial urbana respetiva sob o artigo ...54, melhor descrito no contrato de arrendamento celebrado em 1-5-2009 entre a I..., SA., e a então arrendatária S... SA., entretanto transmitido para a devedora SIT aqui Ré, cujo prazo inicial de 10 anos se renovou por igual prazo de 10 anos em 1-5-2019, sendo absolutamente essencial para a celebração desta transação a transmissão do locado e manutenção do contrato de arrendamento nos termos do contrato existente.
2. Nos termos do disposto no artigo 1109° nº 3 do código civil, a Ré obriga-se a comunicar à Senhoria I... Imobiliária SA., a transferência do estabelecimento.
3. O preço a pagar por esta aquisição é de € 500.000,00 (quinhentos mil euros), não sujeita a iva por força do nº 4 do artigo 3° do CIVA, a pagar por transferência bancária para a conta da Ré com o IBAN  ...23.
4. O pagamento será efetuado imediatamente após ser proferido o despacho/sentença de homologação.
5. A aquisição só produzirá efeitos plenos com a confirmação do pagamento atrás mencionados, data a partir da qual a Autora entrará na posse do estabelecimento.
6. São da responsabilidade da Autora, somente a partir da data do despacho antes referido, o pagamento das rendas do imóvel identificado na cláusula segunda, bem como os encargos com a segurança e a eletricidade.
7. A Ré obriga-se a pagar as rendas em dívida, desde a data da insolvência até à data em que for proferido o despacho de homologação, obrigando-se a Autora a pagar todas as demais, a partir dessa data.
8. As custas do processo serão suportadas em partes iguais pela Autora e Ré, prescindindo ambas das custas de parte.
Termos em que Requerem a V. Exa. se digne homologar a presente transação, nos seus exatos termos”, tudo cf. requerimento apresentado no apenso C, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.
4 No dia 27 de agosto de 2021, foi proferida sentença a considerar “válida a transação apresentada”, “quer quanto ao objeto, quer quanto à qualidade das pessoas que nela intervieram, condenando e absolvendo as partes no cumprimento das obrigações através dela assumidas, nos seus precisos termos” e a declarar extinta instância, tudo cf. a sentença proferida no apenso C;
5 No dia 14 de setembro de 2021, a aqui Autora I..., SA, interpôs recurso da referida sentença, pedindo que “I) se declarar nula a sentença recorrida, II) A sentença recorrida seja revogada e substituída por outra que julgue inválida e ilegal a transação celebrada nos autos;”
6 Por despacho do Exmo. Sr. Juiz Desembargador relator, proferido a 30 de junho de 30 de junho de 2022, esse recurso foi rejeitado com fundamento na falta de legitimidade da recorrente.
7 Exarou-se nesse despacho que “Sendo este o “quadro” da ação, dúvidas não existem que a Credora Recorrente não é parte principal na causa (nem parte acessória), sendo que a mesma jamais invoca ter tal qualidade, acrescendo que esta “falta de qualidade de parte” já foi objeto de expresso despacho pelo Tribunal a quo (despacho proferido em 22/06/2021, que reportando-se precisamente a esta Credora, decidiu “A requerente não é parte nestes autos pelo que não pode intervir nos mesmos. Desentranhe e devolva à apresentante”), o qual não mereceu qualquer impugnação e tem o efeito de caso julgado (cf. art. 620º/1 do C.P.Civil de 2013).
Deste modo, a Credora Recorrente tem a qualidade de terceiro e só pode recorrer (isto é, só terá legitimidade ativa) se se considerar que é “direta e efetivamente prejudicada pela decisão recorrida.”
8 E acrescentou-se que: “Sucede que, de forma imediata e inequívoca, emerge do teor das suas cláusulas (a Autora adquire à Ré o estabelecimento que era da insolvente e paga-lhe a quantia de € 500.000,00, e esta transmite temporariamente para aquela o contrato de arrendamento relativo ao imóvel que se localiza o referido estabelecimento) que a transação celebrada entre Autora e Ré não visa diretamente a Credora Recorrente, mormente do ponto de vista jurídico, ou seja, não determina o reconhecimento e/ou assunção de qualquer obrigação/responsabilidade por parte daquela, tal como não determina a perda de qualquer direito ou interesse de que a mesma fosse titular. E, em estrita consonância com os termos da transação, uma vez que se limitou a condenar e a absolver as partes (isto é, a Autora e a Ré) no cumprimento das obrigações dela decorrentes, também a sentença homologatória não impõe qualquer responsabilidade àquela nem implica a imediata afetação de seus direitos ou interesses juridicamente tutelados.
Neste contexto, não se vislumbra qual o prejuízo atual, real e jurídico que tal sentença pode causar à Credora Recorrente, uma vez que não afeta minimamente o seu património físico e/ou moral (muito antes pelo contrário, uma vez que, na transação, a Autora e a Ré obrigam-se a pagar, de imediato, rendas em dívida à Credora Recorrente – cf. cláusulas 6ª e 7ª -, o que traduz um benefício e jamais um prejuízo).”
9 A Autora apresentou reclamação do citado despacho para a conferência, a qual foi julgada improcedente por Acórdão datado de 22 de setembro de 2022, tudo conforme resulta das referidas peças processuais, constantes da certidão judicial apresentada nos autos sob a ref. ...30, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
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IV.
1. Como foi escrito, a decisão recorrida absolveu as Rés da instância com fundamento na verificação daquilo que, na sequência do alegado na contestação da 1.ª Ré, denominou de “exceção de autoridade de caso julgado.”
Salvo o devido respeito, existe aqui uma patente confusão de conceitos.
Expliquemos.
Com o trânsito da sentença em julgado, produz-se o caso julgado. É o que resulta do disposto no n.º 1 do art. 619 do CPC[2], onde está plasmada a noção de caso julgado material. Aí se diz que, “transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580 e 582...”
Através deste instituto pretende-se evitar que uma mesma ação seja instaurada várias vezes, obstando a que sobre uma mesma situação recaiam decisões contraditórias. Trata-se, no fundo, de um meio de garantir a boa administração da justiça, funcionalidade dos tribunais e salvaguarda da paz social, o que só é possível alcançar se sobre os litígios recaírem decisões definitivas. Sem esta proteção, a função jurisdicional seria meramente consultiva; as opiniões – resoluções, na verdade – dos juízes e dos tribunais, não seriam obrigatórias, já que podiam ser provocadas e repetidas de acordo com a vontade dos interessados. Em especial as sentenças, produto mais relevante do poder judicial, deixariam de sujeitar as partes; a sua execução seria sempre provisória; enfim, a segurança do tráfico entre os homens ficaria terrivelmente ameaçada. Não está, portanto, em causa a ideia de que a decisão transitada em julgado é expressão da verdade dos factos, mas a segurança jurídica.
A referida força obrigatória da sentença desdobra-se num duplo sentido: a um tempo, no da proibição de repetição da mesma pretensão ou questão, por via da exceção dilatória do caso julgado, prevista e regulada em especial nos arts. 577, i), 580 e 581 do CPC, que pode ser sintetizada através do brocardo non bis in idem; a outro, no da vinculação das partes e do tribunal a uma decisão anterior, a que corresponde o brocardo judicata pro veritate habetur.
Dito de outra forma, o caso julgado não tem apenas relevância negativa: como a doutrina[3] e a jurisprudência[4] reconhecem de forma unânime, o caso julgado material pode  funcionar como exceção, com a referida relevância negativa, ou como autoridade, caso em que a sua relevância é positiva.
De acordo com Miguel Teixeira de Sousa, O Objeto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ, n.º 325, p. 168, os efeitos do caso julgado material projetam-se em processos ulteriores necessariamente como autoridade do caso julgado material, em que o conteúdo da decisão anterior constitui uma vinculação à decisão de distinto objeto posterior, ou como exceção de caso julgado, em que a existência da decisão anterior constitui um impedimento à decisão de idêntico objeto posterior.
O mesmo autor acrescenta (O Objeto cit., pp. 171 – 172) que a diversidade entre os objetos de uma e outra ação torna prevalecente um efeito vinculativo, a autoridade de caso julgado material, e a identidade entre os objetos processuais torna preponderante um efeito impeditivo, a exceção de caso julgado. Aquela diversidade e esta identidade são os critérios para o estabelecimento da distinção entre o efeito vinculativo, a vinculação dos sujeitos à repetição e à não contradição da decisão transitada: a vinculação das partes à decisão transitada em processo subsequente com distinto objeto é assegurada pela vinculação à repetição e à não contradição do ato decisório e o impedimento à reapreciação do ato decisório transitado em processo subsequente com idêntico objeto é garantido pelo impedimento dos sujeitos à contradição e à repetição da decisão.
Deste modo, pode dizer-se que a questão da autoridade do caso julgado material respeita, sobretudo, à extensão da auctoritas rei iudicatae à solução das questões prejudiciais, assim denominadas as relativas a relações jurídicas distintas da deduzida em juízo pelo autor, mas de cuja existência ou inexistência dependa logicamente o teor da decisão do pedido, sobre as quais não ocorre decisão, mas simples cognitio.
Isto mesmo é explicado, de forma límpida, no Acórdão desta Relação de 7.08.2014 (600/14...), relatado pelo Desembargador Jorge Teixeira:
“- Quando o objeto processual anterior é condição para a apreciação do objeto processual posterior, o caso julgado da decisão anterior releva como autoridade de caso julgado material no processo subsequente;
- Quando a apreciação do objeto processualmente antecedente é repetido no objeto processual subsequente, o caso julgado da decisão anterior releva como exceção de caso julgado no processo posterior.
Ou seja, a diversidade entre os objetos adjetivos torna prevalecente um efeito vinculativo, a autoridade de caso julgado material, e a identidade entre os objetos processuais torna preponderante um efeito impeditivo, a exceção do caso julgado.
Aquela diversidade e esta identidade são os critérios para o estabelecimento da distinção entre o efeito vinculativo, a vinculação dos sujeitos à repetição e à não contradição da decisão transitada, e o efeito impeditivo, o impedimento dos sujeitos à repetição e à contradição da decisão transitada: a vinculação das partes à decisão transitada em processo subsequente com distinto objeto é assegurada pela vinculação à repetição e à não contradição do ato decisório e o impedimento à reapreciação do ato decisório transitado em processo subsequente com idêntico objeto é garantido pelo impedimento dos sujeitos à contradição e à repetição da decisão.
A delimitação entre as duas figuras pode estabelecer-se, grosso modo, da seguinte forma:
- Se no processo subsequente, nada de novo há a decidir relativamente ao decidido no processo precedente (os objetos de ambos os processos coincidem integralmente, nenhuma franja tendo deixado de ser jurisdicionalmente valorada), verifica-se a exceção de caso julgado;
- Se pelo contrário, o objeto do processo precedente não abarca esgotantemente o objeto do processo subsequente, e neste existe extensão não abrangida no objeto do processo precedente (e por isso não jurisdicionalmente valorada e, logo, não decidida), ocorrendo porém uma relação de dependência ou prejudicialidade entre os dois distintos objetos, verifica-se a autoridade do caso julgado.
Basilar se demonstra então esclarecer, em cada caso concreto, se ocorre diversidade entre os objetos adjetivos das ações (precedente e subsequente) ou antes se se verifica identidade entre os objetos processuais delas, impondo-se, assim, a prévia determinação do conceito de objeto do processo.”
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2. Do exposto pode retirar-se uma conclusão: a sentença homologatória proferida na ação que constitui o apenso C, uma vez transitada em julgado, apenas seria suscetível de produzir o mencionado efeito negativo na presente ação, obstando ao conhecimento do mérito desta, com a consequente absolvição das Rés da instância, se fosse possível concluir-se pela verificação de identidade entre os elementos objetivos – pedido e causa de pedir – e subjetivos de uma e de outra.
Com efeito, para saber em que medida a decisão transitada em julgado obsta à propositura de nova ação sobre a mesma questão, importa averiguar os limites do caso julgado. Para tal, deve atentar-se que a lei estabelece, no art. 581/1, que as exceções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa e que, acrescenta, a causa se repete quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, o que corresponde à denominada tríplice identidade.
Ora, é manifesto que tal identidade não se verifica, como vem dito na conclusão 7.ª da Recorrente: a um tempo, as causas de pedir e os pedidos formulados numa e na outra ação são distintos; a outro, os sujeitos titulares das relações materiais controvertidas são, também eles, distintos, posto que a aqui Autora não foi parte na ação que constitui o apenso C. A conclusão não resulta alterada quando se compare o objeto da transação com o objeto da presente ação.
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3. A ser retirado algum efeito da sentença homologatória proferida no apenso C ele teria de ser, necessariamente, positivo, em termos de vinculação do julgador da presente ação, no ato de conhecimento do mérito, ao anteriormente decidido. A solução nunca poderia ser a absolvição da instância. Como de forma clara escreve Miguel Teixeira de Sousa, “Recurso de revista; dupla conforme”, Blog do IPPC, disponível em https://blogippc.blogspot.com/2022/06/jurisprudencia-2021-224.html, “[a] autoridade de caso julgado nunca obsta ao prosseguimento de nenhuma ação, antes vincula o tribunal da segunda ação ao decidido pelo tribunal da primeira ação. O que tem um efeito obstativo de uma segunda ação é, realmente, a exceção de caso julgado (art. 577.º, al. i), 580.º e 581.º CPC).”
Simplesmente, também esta hipótese é de excluir, desde logo porque o funcionamento do referido efeito positivo do caso julgado, prescindindo embora da identidade dos elementos objetivos – aliás, em rigor, tem como pressuposto que essa identidade não existe, pois caso contrário ocorreria o efeito negativo[5] –, não prescinde da identidade dos elementos subjetivos. Assim, tal efeito apenas se pode admitir perante quem tenha sido parte na ação que foi produzida a sentença ou, não o tendo sido, se encontra abrangido por via da sua eficácia direta ou reflexa.
Neste sentido, escreve Rui Pinto, Exceção e autoridade cit., pp. 19-20, que “[o] efeito positivo do caso julgado tem por sujeitos os destinatários da decisão: as partes da relação processual, nas decisões proferidas mediante pedido; os sujeitos referidos na decisão, nas decisões proferidas oficiosamente – por ex., a parte ou a testemunha condenada ao pagamento de multa por comportamento processual de má fé. Em suma: o caso julgado abrange os sujeitos que puderam exercer o contraditório sobre o objeto da decisão; dito de outro modo, os limites subjetivos do caso julgado coincidem com os limites subjetivos do próprio objeto da decisão.
No caso da sentença de mérito, estes são os limites do objeto processual: o n.º 1 do artigo 619.º dispõe que a “decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º”
Esta solução técnica tem correlação com os critérios de legitimidade processual, maxime do artigo 30.º: a decisão judicial apenas vincula os sujeitos que têm legitimidade processual.
O devido processo legal, do artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, impõe esta solução: em regra, apenas pode ser sujeito aos efeitos – beneficiado ou prejudicado – de um ato do Estado quem participou da sua produção de modo contraditório.” No mesmo sentido, Lebre de Freitas, “Um polvo chamado autoridade do caso julgado”, ROA, ano 79, n.os 3-4 (jul.-dez. 2019), pp. 691-722, em especial pp. 713-718, com enfoque na salvaguarda dos princípios da proibição da indefesa (art. 20/4 da Constituição da República) e do contraditório. Na jurisprudência do STJ, citam-se os seguintes Acórdãos: 18.06.2014 (209/09.1TBPTL.G1.S1), 28.06.2018 (2147/12.1YXLSB.L2.S1), 26.11.2020 (7597/15.9T8LRS.L1.S1), 4.05.2021 (1051/18.4R8CHV.G1.S1), e 11.07.2023 (1284/21.6T8MCN-A.P1-A.S1). Na desta Relação, os recentes Acórdãos de 16.02.2023 (588/21.2T8VCT-E.G1) e 16.03.2023 (809/21.1T8VRL-B.G1).
Ainda no reforço desta ideia pode invocar-se um argumento a minori ad maius retirado do disposto no art. 421/1 do CPC que, acerca do valor extraprocessual das provas, exige que a parte contra quem a prova é invocada – isto é, aquela que fica desfavorecida com o resultado probatório – tenha sido parte no 1.º processo, aquele em que a prova foi produzida, e que nele tenha sido respeitado o princípio da audiência contraditória.
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4. Mais relevante do que aquilo que antecede é a consideração de que a sentença homologatória da transação judicial, sendo embora uma decisão de mérito (Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, I, 4.ª ed., Coimbra: Almedina, 2018, p. 587), apenas constitui caso julgado material (arts. 291/2, 619/1 e 696/1, d)), com as consequências enunciadas, na estrita medida daquilo que foi o ato de julgamento. Este, por definição (art. 290/3), cinge-se à condenação ou absolvição do réu ou à constituição de uma situação jurídica, consoante o negócio jurídico celebrado, e ao prévio controlo do objeto negocial, mais concretamente se ele está na disponibilidade das partes (art. 289) e se tem idoneidade negocial (arts. 280 e 281 do Código Civil), e à capacidade e legitimidade substantiva das partes [entenda-se, as partes no negócio, que pode envolver terceiros, com interesse global no litígio, a par dos sujeitos processuais (Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, I, Coimbra: Almedina, 2018, p. 336)] perante ele (arts. 287 e 288). Em contraponto, a sentença apenas pode ser impugnada, nos termos gerais, pelas partes principais na causa ou por terceiro por ela direta e efetivamente prejudicado (art. 631/1 e 2) – o que não é o caso da aqui Autora relativamente à sentença proferida no apenso C, conforme foi decidido no despacho do relator e subsequente Acórdão desta Relação de 22 de setembro de 2022 –, com fundamento na verificação de razões que teriam justificado a não homologação (Miguel Teixeira de Sousa, Código de Processo Civil Online, Arts. 130.º a 361.º, versão de 2023/06, acessível em https://blogippc.blogspot.com/2023/07/cpc-online-16.html [15.09.2023], p. 187, e RP 24.09.2018, 572/15.5T8GDM.P1).
Compreende-se que assim seja.
Na verdade, a transação judicial, que constitui a base para o proferimento da sentença homologatória, que é, em rigor, a causa da extinção da instância, nos termos do disposto no art. 277, d) (Miguel Teixeira de Sousa, Código de Processo Civil Online cit., p. 176)[6], põe termo ao litígio pendente entre as partes outorgantes mediante recíprocas concessões – que podem ir para além do direito controvertido (STJ 3.03, 2020, 2056/14.0TBGMR.A.G2.S1., ECLI:PT:STJ:2020:2056.14.0TBGMR.A.G2.S1, RG 6.04.2022, 449/21.5T8VCT.G1) –, subtraindo a relação material controvertida objeto da ação ao ato de julgamento. Como tal, no dizer de Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, III, reimpressão, Coimbra: Coimbra Editora, 1960, p. 499, “a lide não é decidida por sentença; é composta por acordo das partes. A função dessa sentença não é decidir a controvérsia substancial, é unicamente fiscalizar a regularidade e validade do acordo. De maneira que a verdadeira fonte da solução do litígio é o ato de vontade das partes e não a sentença do juiz.” O mesmo autor acrescenta, de forma ilustrativa (Comentário cit., p. 534), que “[o] papel do juiz é semelhante ao do notário quando se certifica da identidade e idoneidade dos outorgantes que perante ele comparecem e se dispõem a celebrar uma escritura pública.”
Dito de outra forma, a sentença homologatória da transação não tem um conteúdo especificamente jurisdicional ou decisório sobre o objeto, já que são as partes quem dispõe da situação e escolhem a solução a dar ao litígio. Neste sentido, Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil. Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto, 3.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2013, p. 35, escreve que “podem autor e réu celebrar transação, isto é, acordar em concessões recíprocas para porem termo ao litígio (…). Também nestes casos se segue uma sentença de mérito, mas agora com natureza meramente homologatória, pois o tribunal limita-se a verificar se as partes no negócio eram capazes e tinham legitimidade para se ocupar do objeto negocial e se este era disponível, só não homologando se se verificar incapacidade de uma das partes ou indisponibilidade, subjetiva ou objetiva, do objeto (…). Havendo homologação, a sentença é proferida em conformidade com a vontade das partes e não mediante aplicação do direito objetivo aos factos provados, tutelando o direito subjetivo ou o interesse juridicamente protegido que, em conformidade, se verifique existir.”
Esta constatação leva Alberto dos Reis (Comentário cit., p. 499) a entender que, nas situações em que, realizada uma transação, uma das partes vem propor contra a outra nova ação cujo objeto versa precisamente sobre a relação jurídica substancial auto-composta, não é correto falar-se em de “exceção de caso julgado.”
De facto, a exceção de caso julgado pressupõe, nos termos com que foi iniciada esta exposição, que a causa tenha sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário e tem por fim evitar que o Tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior. O que se verifica é uma exceção atípica de transação, enquadrável na previsão não taxativa do corpo do art. 577. De resto, como nota o citado RE 12.04.2018, os critérios legais tendentes à identificação da repetição da causa para proceder a exceção de caso julgado (art. 581 do CPC) – identidade de sujeito, de pedido e de causa de pedir – são inadequados tendo em conta que as concessões recíprocas podem não se esgotar no direito controvertido e, como tal, modificar o objeto do processo. Neste sentido, podem ver-se STJ 5.03.2001, 01A2924, RE 12.04.2018, 1017/17.1T8FAR.E1, e RG 15.06.2021, 1990/19.5T8VCT.G1. Na doutrina, também Rita Lobo Xavier, “Transação Judicial e Processo Civil”, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, III, Lisboa: FDUL, 2010, pp. 817-835, afasta a invocação, em tais situações, da exceção do caso julgado, argumentando que a situação compositiva tem origem na vontade das partes e não pode considerar-se res iudicata, e designa a exceção (dilatória) traduzida na invocação da sentença homologatória como “exceção preclusiva por efeito de transação.”[7] Tal exceção apenas pode, prima facie, ser invocada perante quem foi parte na transação, o que é uma consequência do princípio da eficácia relativa dos contratos (art. 406/2 do Código Civil). Ressalvam-se as situações excecionais em que o contrato acaba por produzir efeitos, negativos ou positivos, junto de determinados terceiros.[8]
Por outro lado, como resulta claramente do n.º 2 do art. 291, a transação, como negócio jurídico que é, tipificado no art. 1248 do Código Civil, pode ser declarada nula ou anulada como qualquer negócio jurídico, ao que não obsta o trânsito em julgado da respetiva sentença homologatória (art. 291/1 e 2). O interessado, como tal entendido, no caso da declaração de nulidade, em conformidade com o art. 286 do Código Civil, o titular de “qualquer relação cuja consistência, tanto jurídica, como prática, seja afetada pelo negócio” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 4.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1997, p. 263; Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 1987, p. 620), ou, no caso de anulabilidade, a pessoa em cujo interesse a lei a estabelece (art. 287/1 do Código Civil), pode optar entre intentar diretamente o recurso extraordinário de revisão (art. 696, d)) ou começar por propor a ação de declaração de nulidade ou de anulação, embora, neste caso, fique responsável pelo pagamento das respetivas custas (art. 535/1 e 2, d)).
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5. O que antecede, permite concluir, sem necessidade de outras considerações, que a transação celebrada na ação que constitui o apenso C não constitui qualquer obstáculo ao conhecimento do mérito das pretensões formuladas pela Autora na presente ação.
Aliás, se bem atentarmos nessas pretensões, cumuladas entre si segundo um nexo de subsidiariedade, apenas nas duas primeiras é arguida a “ilegalidade” (sic.) do contrato de trespasse. E em ambas mais como um antecedente lógico dos pedidos de condenação da 1.ª Ré na restituição do prédio, integrando, em bom rigor, a causa de pedir. Em todas as demais pretensões, a Autora parte do pressuposto de que a transação foi validamente celebrada, considerando esse um facto essencial da causa de pedir complexa em que estriba a resolução do contrato de arrendamento.
Em suma, os efeitos da transação celebrada na ação que constitui o apenso C e da sentença que a homologou ficam exauridos, na presente ação, enquanto mero pressuposto de facto das pretensões em litígio. Não obstam ao conhecimento do mérito dos pedidos da Autora nem vinculam o julgador num determinado sentido.
Impõe-se, pelo exposto, julgar procedente a apelação e, revogando a decisão recorrida, julgar improcedente a invocada “exceção de autoridade de caso julgado.”
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6. Não havendo norma que preveja isenção (art. 4.º/2 do RCP), o presente recurso está sujeito a custas. A responsabilidade pelo seu pagamento deve ser fixada nesta sede: art. 607/6, ex vi do art. 663/2.
No art. 527/1 diz-se que “[a] decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.”
As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (art. 529/1).
A primeira corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixada em função do valor e complexidade da causa (art. 529/2) nos termos do Regulamento das Custas Processuais (RCP (arts.  5.º a 7.º, 11.º, 13.º a 15.º e as tabelas I e II anexas). Daqui se retira que o impulso processual do interessado constitui o elemento que implica o pagamento da taxa de justiça e corresponde à prática do ato de processo que dá origem a núcleos relevantes de dinâmicas processuais como a ação, a execução, o incidente, o procedimento cautelar e o recurso (Salvador da Costa, As Custas Processuais - Análise e Comentário, 6.ª edição, Coimbra: Almedina, 2017, p. 14).
Os encargos são as despesas resultantes da condução do processo correspondentes às diligências requeridas pelas partes ou ordenadas pelo juiz (art.  529/3), estando o seu regime previsto nos arts. 16 a 20, 23 e 24 do aludido RCP.
As custas de parte compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária nos termos do RCP, essencialmente dos seus arts. 25, 26 e 30 a 33 (art. 530/4).
Dos referidos arts. 527/1 e 2 e 607/6 resulta que a responsabilidade pelo pagamento dos encargos e das custas de parte assenta no critério do vencimento ou decaimento na causa, ou, não havendo vencimento, no critério do proveito. Já no que respeita à taxa de justiça, a responsabilidade pelo seu pagamento decorre automaticamente do impulso processual.
De facto, entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
No dizer de Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, (Código de Processo Civil Anotado, II, 4.ª ed., Coimbra: Almedina, 2019, p. 419, “[d]á causa à ação, incidente ou recurso quem perde. Quanto à acção, perde-a o réu quando é condenado no pedido; perde-a o autor quando o réu é absolvido do pedido ou da instância. Quanto aos incidentes, paralelamente, é parte vencida aquela contra a qual a decisão é proferida: se o incidente for julgado procedente, paga as custas o requerido; se for rejeitado ou julgado improcedente, paga-as o requerente. No caso dos recursos, as custas ficam por conta do recorrido ou do recorrente, conforme o recurso obtenha ou não provimento.”
O princípio da causalidade continua a funcionar em sede de recurso, devendo a parte neste vencida ser condenada no pagamento das custas. Tal condenação apenas envolve, todavia, as custas de parte e, em alguns casos, os encargos. Assim deve suceder mesmo que essa parte não tenha contra-alegado. Com efeito, não existe, atualmente, norma semelhante à que estava prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 2.º do revogado Código das Custas Judiciais no âmbito do recurso de agravo, segundo a qual eram isentos de custas os agravados que, não tendo dado causa ou expressamente aderido à decisão recorrida, a não acompanhassem. Esta norma, então aplicável ao recurso de agravo, e não ao de apelação, não passou para o atual Regulamento das Custas Processuais, conforme decorre do seu art. 4.º. Sobre a questão, vide Salvador da Costa, “Não condenação no pagamento de custas no recurso por virtude de não ter dado causa, aderido ou acompanhado a decisão recorrida proferida em matéria processual”, disponível em https://blogippc.blogspot.com/2019/01/ [14.09.2023]
Parte vencida no presente recurso foi a 1.ª Ré, que viu ser revogada a decisão que julgara improcedente uma exceção dilatória por si arguida na contestação. Deve, portanto, ser condenada no pagamento das custas.
***
V.
Nestes termos, acordam os juízes Desembargadores que compõem o coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em:
Julgar procedente a presente apelação;
Revogar o despacho recorrido e, em consequência, julgar não verificada a arguida “Exceção de autoridade de caso julgado”;
 Determinar a baixa definitiva do processo à 1.ª instância, para os subsequentes termos do processo;
Condenar a 1.ª Ré no pagamento das custas do presente recurso.
Notifique.
*
Guimarães, d.c.s.
Os juízes Desembargadores,

Relator: Gonçalo Oliveira Magalhães
1.º Adjunto: Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício
2.º Adjunto: José Alberto Moreira Dias


[1] Omitem-se as “conclusões” enunciadas em 1.º, 2.º e 3.º lugares uma vez que, em rigor, não revestem essa qualidade, consistindo antes no enquadramento do litígio que tem a sua sede própria nas alegações.
[2] Pertencem ao Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26.06, as disposições legais indicadas sem menção expressa da respetiva proveniência. Os acórdãos citados ao longo do texto estão disponíveis em www.dgsi.pt, salvo indicação em contrário.
[3] Sobre a questão, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, reimpressão, Coimbra: Coimbra Editora, 1993, p. 305; Castro Mendes, Limites Objetivos do Caso Julgado em Processo Civil, Lisboa: Ática, 1968, p. 162; Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2.ª ed., Lisboa: Lex, 1997, p. 576, e O Objeto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ 325, p. 167, Antunes Varela / Miguel Bezerra / Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, p. 703, nota 1; Mariana França Gouveia, A Causa de Pedir na Ação Declarativa, Coimbra: Almedina, 2004, p. 394; Lebre de Freitas / Montalvão Machado / Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, II, Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 325 – 326; Rui Pinto, “Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias”, Julgar Online, disponível em https://julgar.pt/excecao-e-autoridade-de-caso-julgado-algumas-notas-provisorias/ [13.09.2023]; Lebre de Freitas, “Um polvo chamado autoridade do caso julgado”, ROA, ano 79, n.os 3-4 (jul.-dez. 2019), pp. 691-722.
[4] Inter alia, os seguintes arestos do STJ: 30.04.2019 (4435/18.4T8MAI.S1), 14.09.2022 (24558/19.1T8LSB.L1.S1), 2.03.2023 (6055/18.4T8ALM.L1.S1), 12.04.2023 (979/21.9T8VFR.P1.S1), 30.05.2023 (3358/20.1T8BRG.G1.S1) e 4.07.2023 (142/15.8T8CBC-C.G1.S1).
[5] Como escreve Mariana França Gouveia, A Causa cit., p. 415, “a defesa do requisito da identidade da causa de pedir para a autoridade do caso julgado equivale a matar a figura. A autoridade existe onde a exceção não chega, exatamente nos casos em que não há identidade objetiva.”
[6] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lisboa: Lex, 1997, p. 193, qualifica a transação como “negócio processual”, cujos efeitos podem ser constitutivos ou extintivos e podendo até produzir simultaneamente ambos os efeitos: “os negócios processuais são aqueles que produzem efeitos de carácter processual. Mas isso não significa que esses negócios só possam realizar aqueles efeitos, pois que eles também podem produzir efeitos obrigacionais.” E prossegue: “este negócio (que visa compor um litígio mediante recíprocas concessões das partes, art.º 1248º CC, implica a modificação do pedido ou, mais frequentemente, a extinção da instância (…), mas também pode impor certas obrigações às partes, que podem incorrer, por isso, em responsabilidade contratual (art.º 798º CC).” Também o classifica como “negócio processual interlocutório”, pelo facto de ocorrer durante a pendência da causa. E acentua (ob. Cit., p. 207) que “a transação produz efeitos materiais e processuais. Os efeitos materiais são os que se referem à definição da situação substantiva entre as partes, a qual (…) pode resultar de uma alteração quantitativa do objeto do litígio ou da constituição, modificação ou extinção de uma diferente situação subjetiva. Os efeitos processuais traduzem-se, atendendo à amplitude da transação em relação ao objeto do processo, numa modificação do pedido (…) ou na extinção da instância (…).” Na sequência, chama de “novatória” à transação “em que as concessões mútuas entre as partes implicam a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do objeto do litígio.”
[7] Diversamente, Miguel Teixeira de Sousa, “Sentença homologatória; exceção de caso julgado; exceção de preclusão”, Blog do IPPC, https://blogippc.blogspot.com/2015/05/jurisprudencia-132.html [14.09.2023], distingue entre as situações em que, na ação posterior, uma das partes na transação pede o mesmo que já constava do negócio daquelas em que pede algo que já tinha pedido na ação em que foi celebrada a transação, mas que não foi contemplado no negócio. Escreve que, “[n] primeiro caso, é claro que, na segunda ação, opera a exceção de caso julgado (cf. art. 580.º e 581.º CPC). É indubitável que a sentença homologatória de uma transação adquire valor de caso julgado material e fundamenta a exceção de caso julgado. De acordo com o disposto no art. 290.º, n.º 3, CPC, o tribunal deve verificar se a transação celebrada entre as partes é válida e, em caso afirmativo, deve condenar ou absolver nos precisos termos do negócio concluído entre as partes. Isto significa que a sentença homologatória da transação é também uma sentença condenatória e absolutória.” E acrescenta, a propósito do 2.º tipo de situações, que “[a] transação destina-se a compor definitivamente um determinado litígio (cf. art. 1248.º, n.º 1, CC), pelo que, na falta de qualquer restrição constante da transação, há que entender que a mesma compõe todo o litígio que existia entre as partes (aliás, se assim não suceder, a ação terá necessariamente de continuar para apreciação das questões não abrangidas pela transação). Fica assim precludida qualquer ação – e, naturalmente, qualquer procedimento cautelar – com um objeto parcialmente coincidente com o do objeto da ação na qual foi celebrada a transação (e cuja instância se extinguiu depois da transação, precisamente porque este negócio pôs termo ao litígio existente entre as partes).”
[8] Em termos gerais, AA­‑, pelo menos, cinco limites à relatividade das obrigações e contratos, que têm assento legal claro (como o próprio art. 406/2 ressalva): (i)) O contrato a favor de terceiro (arts. 443 e ss.); (ii)) os contratos com eficácia real; (iii)) a impugnação pauliana e o regime da impugnação dos atos praticados pelo insolvente, antes da declaração da insolvência; (iv)) o abuso do direito (art. 334); (v))) a proibição de concorrência desleal (cf. art. 311 do Código da Propriedade Industrial, aprovado pelo DL n.º 110/2018, de 10.12).