Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
573/13.8GBBCL.G1
Relator: ANTÓNIO CONDESSO
Descritores: PROVA POR RECONHECIMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/19/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Sumário: I – A maior ou menor semelhança das pessoas sujeitas ao ato de identificação não é um requisito essencial da validade do reconhecimento, quer porque a “semelhança” nem sempre é objetivável, quer porque nem sempre são possíveis as condições necessárias para a obter.
II – Não existindo registo fotográfico das pessoas que intervieram no reconhecimento, por as mesmas se terem oposto a tal, são irrelevantes simples conjeturas de cariz meramente retórico sobre uma alegada falta de semelhança entre elas.
III – A falta de assinatura no auto de todas as pessoas que intervieram no reconhecimento constitui mera irregularidade sujeita ao regime do art. 123 nº 1 do CPP
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães

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I- Relatório

Nos presentes autos foi proferido acórdão que, entre outros, condenou o arguido Nelson... nos seguintes termos:

- pela prática de um crime de roubo na forma tentada, p. e p. pelos artigos 210.º, n.º 1, 23.º e 73.º do Código Penal, na pena de um ano de prisão;

- pela prática de seis crimes de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de dois anos de prisão por cada um dos três roubos referidos nos pontos 8 a 10, 14 a 16 e 22 a 25 e dois anos e três meses de prisão pelos três roubos referidos nos pontos 5 a 7, 11 a 13 e 19 a 21;

e, em cúmulo jurídico, na pena única de 9 anos de prisão;

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Inconformado recorre o arguido suscitando, em síntese, as seguintes questões:

- nulidade dos reconhecimentos;

- impugnação da matéria de facto;

- medida da pena.

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O MP respondeu pugnando pela improcedência do recurso, com excepção da medida da pena única aplicada ao cúmulo que admite pudesse ser fixada em medida inferior, atendendo a que esta é a primeira vez que o recorrente está privado de liberdade por força de uma condenação judicial.

O Exº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da manutenção do julgado.

Colhidos os vistos cumpre decidir.

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II- Fundamentação

Perante a natureza das questões suscitadas importa transcrever, desde já, a matéria pertinente da peça recorrida.

A- Factos provados

- No Proc. 573/13.8GBBCL

1 - No dia 23 de Abril de 2013, cerca das 18 horas e 30 minutos, no X , em S..., Barcelos, o arguido Nelson, também conhecido pela alcunha “Pica”, decidiu assaltar a ofendida Maria O..., nascida em 22/06/1962, que por ali passava e, assim, apoderar-se de objectos de valor que esta tivesse consigo.

2 - Em execução de tal propósito, o arguido Nelson acercou-se da Maria O... e, num gesto brusco e repentino, desferiu-lhe um empurrão, projectando-a ao chão. Após, agarrou o fio em ouro amarelo, de características e valor não apurados, que esta trazia ao pescoço, puxando-o e assim logrando arrancar-lho, caindo este ao chão.

3 - Quando o arguido Nelson se preparava para o agarrar, foi impedido de o fazer por Manuel G..., marido da ofendida, que também se encontrava no local.

4 – De seguida, o arguido Nelson colocou-se em fuga.

5 - No dia 26 de Abril de 2013, cerca das 16 horas e 30 minutos, na Rua Y, Barcelos, o arguido Nelson decidiu assaltar a ofendida Rosa S..., nascida em 22/10/1939, que por ali passava e, assim, apoderar-se de objectos de valor que esta tivesse consigo.

6 - Em execução de tal propósito, o arguido Nelson acercou-se da Rosa S... e, num gesto brusco e repentino agarrou o fio em ouro amarelo, com 60 centímetros de comprimento, com uma medalha de Cristo, também em ouro da mesma cor, cujo valor não foi concretamente apurado, que esta trazia ao pescoço, puxando-o e assim logrando arrancar-lho.

7 - Após, o arguido Nelson colocou-se em fuga na posse dos referidos bens, fazendo-os seus.

8 - No dia 29 de Abril de 2013, cerca das 17 horas, na Rua P..., em C..., Barcelos, os arguidos José A... e Nelson, que circulavam na viatura automóvel de marca Toyota Corolla, de cor branca, e matrícula 97-62-..., conduzido pelo arguido José A..., seguindo como passageiro o arguido Nelson, decidiram assaltar a ofendida Maria C..., nascida em 10/11/1949, que por ali passava e, assim, apoderarem-se de objectos de valor que esta tivesse consigo.

9 - Em execução de tal propósito, o arguido Nelson saiu da referida viatura, acercou-se da Maria C... e, num gesto brusco e repentino, agarrou o fio em ouro amarelo, com três pedras vermelhas, com o valor de 100 Euros, que esta trazia ao pescoço, puxando-o e assim logrando arrancar-lho.

10 - Após, o arguido Nelson voltou a entrar no referido veículo QS, onde o aguardava o arguido José A... e, na posse do referido bem, puseram-se em fuga, fazendo-o seus.

11 - No dia 1 de Maio de 2013, cerca das 9 horas, na Rua de S. JOSÉ..., em G..., em Barcelos, os arguidos José A... e o Nelson, que circulavam no veículo matrícula 97-62-..., conduzido pelo arguido José A..., seguindo como passageiro o arguido Nelson, decidiram assaltar a ofendida Ana G..., nascida em 16/04/1967, que por ali passava e, assim, apoderarem-se de objectos de valor que esta tivesse consigo.

12 - Em execução de tal propósito, o arguido Nelson saiu da referida viatura, acercou-se da Ana G... e, num gesto brusco e repentino agarrou o telemóvel marca Nokia, de modelo e valor não apurados, mas não inferior a €50,00 e a carteira em tecido, contendo o cartão de cidadão da mesma, €10,00 em moedas e uma nota de €20,00, que esta trazia consigo, logrando retirar-lhos.

13 - Após, o arguido Nelson voltou a entrar no referido veículo QS, onde o aguardava o arguido José A... e, na posse dos referidos bens, puseram-se em fuga, fazendo-os seus.

14 - No dia 1 de Maio de 2013, cerca das 15 horas, na Rua Q..., em P..., Barcelos, os arguidos José A... e o Nelson, que circulavam no veículo matrícula 97-62-..., conduzido pelo arguido José A..., seguindo como passageiro o arguido Nelson, decidiram assaltar o ofendido José L..., nascido em 08/11/1928, que por ali passava e, assim, apoderarem-se de objectos de valor que este tivesse consigo.

15 - Em execução de tal propósito, o arguido Nelson saiu da referida viatura, acercou-se de José L..., após lhe ter desferido um empurrão na zona do peito, num gesto brusco e repentino agarrou o fio em ouro amarelo, com uma medalha de cruz com Cristo e uma outra com inscrições, também em ouro da mesma cor, com o valor total de 500 Euros, que este trazia ao pescoço, puxando-o e assim logrando arrancar-lho.

16 - Após, o arguido Nelson voltou a entrar no referido veículo QS, onde o aguardava o arguido José A... e, na posse dos referidos bens, puseram-se em fuga, fazendo-os seus.

17 - Na posse dos descritos objectos, os referidos arguidos, fazendo-se acompanhar pela arguida Maria I..., dirigiram-se ao estabelecimento de compra de ouro da Gold P..., Lda, sito no Centro C. P..., em Braga, onde a arguida Maria I..., alegando que os mesmos lhe pertenciam, vendeu os referidos objectos em ouro pelo montante de €160,00 (cento e sessenta euros), que logo receberam e fizeram seus.

18 - Os objectos descritos em 15 foram recuperados e entregues ao ofendido José L... no dia 10 de Julho de 2013.

19 - No dia 3 de Maio de 2013, cerca das 13 horas e 15 minutos, na Rua Dr. S..., em Barcelos, o arguido Nelson decidiu assaltar a ofendida Isabel S..., nascida em 23/03/1934, que por ali passava e, assim, apoderar-se de objectos de valor que esta tivesse consigo.

20 - Em execução de tal propósito, o arguido Nelson acercou-se da Isabel Sousa e, num gesto brusco e repentino agarrou o fio em ouro amarelo, com uma volta e um coração com pedras brancas, com o valor não concretamente apurado, que esta trazia ao pescoço, puxando-o e assim logrando arrancar-lho, tendo caído no chão o coração com pedras brancas, que a ofendida logo recuperou.

21 - Após, o arguido Nelson colocou-se em fuga na posse do referido fio em ouro amarelo, fazendo-o seu.

22 - No dia 4 de Maio de 2013, cerca das 12 horas e 50 minutos, na Rua de P..., em I..., Barcelos, os arguidos, que circulavam no veículo matrícula 97-62-..., conduzido por José A..., seguindo como passageiros os arguidos Nelson e Maria I..., decidiram assaltar a ofendida Júlia G..., nascida em 03/04/1956, que por ali passava e, assim, se apoderarem de objectos de valor que esta tivesse consigo.

23 - Em execução de tal propósito, o arguido Nelson saiu da referida viatura, acercou-se da Júlia G... e, num gesto brusco e repentino, agarrou o fio em ouro amarelo, com 60 centímetros de comprimento, no valor de 500 Euros, com um crucifixo também em ouro da mesma cor, com cerca de 3 centímetros de comprimento, com o valor cerca de 100 Euros, que esta trazia ao pescoço, puxando-o e assim logrando arrancar-lho.

24 - Após, o arguido Nelson voltou a entrar no referido veículo QS, onde o aguardavam os restantes arguidos e, na posse dos referidos bens, puseram-se todos em fuga, fazendo-os seus.

25 – Na posse dos descritos fio e crucifixo, os três arguidos dirigiram-se à ourivesaria denominada “Paraíso J...”, sita no Edifício Q... , em V..., Barcelos, e a arguida Maria I..., alegando que os mesmos lhe pertenciam, vendeu os referidos objectos em ouro pelo montante de € 390,00 (trezentos e noventa euros), que logo receberam e fizeram seus.

26 – Os objectos descritos no ponto 23 foram recuperados e entregues à ofendida Júlia G... no dia 4 de Maio de 2013.

27 – No dia 4 de Maio de 2013, os três arguidos foram interceptados em Sequeade, Barcelos, na sequência de vigilância que lhes foi feita, e detidos nesse mesmo dia pelas 19:30 horas.

28 – Nessa ocasião foi apreendida ao arguido José A... a viatura automóvel de marca Toyota Corolla, de cor branca, e matrícula 97-62-..., e ao arguido Nelson a quantia de € 50,00 em notas do Banco Central Europeu, e à arguida Isabel a quantia de €15,00 em notas do Banco Central Europeu, quantias essas que eram remanescente do resultado da venda dos objectos descritos no ponto 25.

29 - O arguido Nelson agiu da forma descrita nos pontos 1 a 4, em execução de plano previamente delineado, tendo por fim a concretização do seu intento apropriativo de bens e objectos que sabia que não lhe pertenciam, mediante o uso de violência física contra a vítima, propósito que só não logrou concretizar por razões alheias à sua vontade.

30 - O arguido Nelson agiu da forma descrita nos pontos 5 a 7 e 19 a 21, em execução de plano previamente delineado, tendo por fim a concretização do seu intento apropriativo de bens e objectos que sabia que não lhes pertenciam, mediante o uso de violência física contra as vítimas, e impossibilitando-as de resistir.

31 - Os arguidos José A... e Nelson agiram da forma descrita nos pontos 8 a 17, em comunhão e conjugação de esforços, sempre em execução de plano previamente delineado entre ambos, tendo por fim a concretização do seu intento apropriativo de bens e objectos que sabiam que não lhes pertenciam, mediante o uso de violência física contra as vítimas, e impossibilitando-as de resistir.

32 - Os arguidos José A..., Nelson e Maria I... agiram da forma descrita nos pontos 22 a 25, em comunhão e conjugação de esforços, sempre em execução de plano previamente delineado entre todos tendo por fim a concretização do seu intento apropriativo de bens e objectos que sabiam que não lhes pertenciam, mediante o uso de violência física contra as vítimas, e impossibilitando-as de resistir.

33 - A arguida Maria I..., agiu da forma descrita no ponto 17, com o propósito concretizado de obter vantagem patrimonial ilegítima através da venda dos objectos em ouro ali referidos, bem sabendo que os mesmos haviam sido subtraídos pelos arguidos José A... e Nelson contra a vontade dos respectivos donos.

34 – Agiram ainda os arguidos nos moldes supra descritos tendo por fim angariar rendimentos de forma a, pelo menos, financiar o consumo de produtos estupefacientes, já que nenhum dos três exercia actividade profissional regular remunerada, sendo todos toxicodependentes, consumidores de, pelo menos, heroína.

35 - Os arguidos actuaram sempre de modo livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

36 - O arguido José A... esteve ininterruptamente detido à ordem do Proc. 669/05.0PABCL do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Barcelos, em cumprimento de pena, entre 14 de Novembro de 2005 e 29 de Abril de 2010, data em que lhe foi concedida a liberdade condicional.

37 - Não obstante a advertência desta condenação e do correspondente apelo para que conformasse a sua conduta com respeito pelas proibições legais, o arguido manteve-se indiferente ao dever de integração social praticando os factos descritos nos pontos 8 a 17 e 22 a 25.

- No Proc. 57/13.4PABCL

38 - No dia 30 de Janeiro de 2013, cerca das 22:00 horas, quando o ofendido Henrique V..., se deslocava apeado na via pública, na Travessa JOSÉ..., junto à entrada do "CCP", sito nesta comarca e cidade, foi abordado por dois indivíduos, cuja a identidade não foi possível apurar.

39 - Repentinamente, e sem qualquer motivo aparente, o ofendido foi atirado ao chão por esses indivíduos, que se colocaram em cima do mesmo para desse modo o dominarem e, por meio de um puxão, arrancaram-lhe um fio em ouro amarelo com uma medalha que trazia ao pescoço, uma aliança de casamento em ouro amarelo que tinha posta no dedo e € 100,00 (cem euros) em notas do BCE que trazia consigo, tudo no valor aproximado de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros), levando-os consigo e deles fazendo coisas suas, contra a vontade do ofendido.

- No Proc. 39/13.6PABCL

40 - No dia 23 de Janeiro de 2013, pelas 00.25 horas, pelo menos um individuo não concretamente identificado, dirigiu-se à pastelaria denominada “Doce JOSÉ...”, sita na Rua Dr. S..., V..., Barcelos, de Luís S... e, aí chegado, munido de um pneu com cimento no interior (suporte de guarda-sol), partiu o vidro da porta do estabelecimento e acedeu ao seu interior, dele retirando e fezendo suas duas máquinas: uma de brindes e outra de bolas de chocolate, as quais continham no seu interior a quantia total de cerca de € 100,00 (cem euros).

- No Proc. 257/12.4PABCL

41 - Depois de ter saído do Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo em liberdade condicional em 29 de Abril de 2010, no âmbito do Proc. 669/05.0PABCL do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Barcelos, o arguido José A... foi residir para a Rua N..., C..., Barcelos, aí passando a viver com a arguida Maria I..., como de marido e mulher se tratassem.

42 - No dia 14 de Junho de 2012, pelas 14:30 horas, na Rua da E..., em A..., Barcelos, os arguidos José A... e Maria I... encontravam-se no interior do veículo automóvel de matrícula ...-07-JS, que utilizavam como meio de transporte, e aí tinham em seu poder:

- o arguido José A..., a quantia de €70,00 (setenta euros) em notas do Banco Central Europeu;

- a arguida Isabel, a quantia de €80,00 (oitenta euros) em notas do Banco Central Europeu, uma tesoura de costura, três isqueiros, um telemóvel da marca LG, com o IMEI 3572483572378600, um telemóvel da marca Samsung com o IMEI 356219042802096, e um saco plástico apresentando recortes circulares, habitualmente utilizados para o acondicionamento de produto estupefaciente.

43 - No interior da viatura automóvel utilizada pelos arguidos encontravam-se os seguintes objectos:

- a quantia de €150,00 (cento e cinquenta euros) em notas do Banco Central Europeu;

- uma porção de um produto em pó de cor castanha, doseada em oito embalagens, que submetida a exame pericial, se apurou tratar-se de heroína, com o peso líquido de 0,928 gramas;

- um produto sólido de cor branca, doseado em cinco pedaços, que submetido a exame pericial, se apurou tratar-se de cocaína (éster metílico), com o peso líquido de 0,301 gramas; e

- uma pinça metálica.

44 - Nesse mesmo dia, na residência dos arguidos, na C..., encontravam-se no quarto de ambos e escondidos sob a cama:

- 71 (setenta e uma) embalagens em plástico contendo um produto em pó, de cor castanha, que submetido a exame pericial se apurou tratar-se de heroína com o peso líquido 9,064 gramas; e

- um produto sólido de cor branca, acondicionado em três embalagens de plástico, que submetido a exame pericial, se apurou tratar-se de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 12,810 gramas.

45 - Todo o produto estupefaciente supra referido pertencia aos arguidos José A... e Maria I..., destinando-o, pelo menos parcialmente, ao seu consumo pessoal.

46 - Tais produtos eram normalmente adquiridos pelos arguidos, que para o efeito se deslocavam a locais não concretamente apurados, utilizando como meio de transporte o referido veículo automóvel de matrícula ...-07-JS.

47 - Os arguidos José A... e Maria I... agiram livre e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

48 - Ambos eram consumidores regulares de, pelo menos, heroína.

49 - Não obstante a advertência da condenação referida no ponto 36 e do correspondente apelo para que conformasse a sua conduta com respeito pelas proibições legais, o arguido manteve-se indiferente ao dever de integração social, praticando os factos descritos nos pontos 42 a 47.

Provou-se ainda que:

50. Relativamente à actual situação social, familiar e profissional dos arguidos, foram elaborados pela DGRS os relatórios sociais, nos termos que se seguem:

51. O processo de desenvolvimento de Maria I... decorreu no agregado de origem, bem referenciado socialmente, constituído pelos pais e cinco irmãos, cuja dinâmica relacional foi descrita como afectiva e de entreajuda.

O agregado subsistia com os rendimentos provenientes do trabalho do progenitor, ferroviário, e da agricultura de subsistência executada pelo agregado, garante uma situação socioeconómica que assegurava todas as necessidades básicas essenciais da família e um estilo de vida confortável.

A arguida frequentou o ensino regular até aos doze anos de idade, quando quis abandonar os estudos. Posteriormente, frequentou e concluiu o 6º ano de escolaridade no ensino nocturno.

Iniciou o seu percurso profissional aos 14 anos de idade numa Confecção Têxtil, onde se manteve activa até ao encerramento da empresa em Janeiro de 2012.

Com 21 anos de idade, Maria I... contraiu matrimónio com um indivíduo natural de uma freguesia vizinha, trabalhador da construção civil na Alemanha, para onde ela o acompanhou.

Decorridos dois anos, por inadaptação à língua e meio ambiente, regressou ao r/c da moradia dos pais, sua actual residência, fazendo-se acompanhar pelo cônjuge

Retomou o trabalho na mesma empresa têxtil, e o cônjuge, desempregado, envolveu-se no consumo de estupefacientes, situação que os levou à separação, sendo que o marido faleceu em 2004.

Nesse mesmo ano, conheceu José..., coarguido, divorciado, com quem passou a viver em união marital, em fins de 2004. À data, o coarguido trabalhava como motorista, em Manhente, Barcelos.

Com o objectivo de conseguirem um enquadramento sócio profissional mais elevado e gratificante, o casal optou por explorar um Café, em Roriz, Barcelos, abandonando os respectivos empregos, e passando a residir no mesmo prédio do estabelecimento comercial. Decorrido um ano, desiludida com aquela atividade profissional que considerou pouco lucrativa, encerrou o Café e, conjuntamente com o companheiro, regressou ao imóvel dos pais e ao seu anterior posto de trabalho.

Nesse período, tinha iniciado os seus primeiros consumos de estupefacientes na companhia de uma amiga, quando se apercebeu que o companheiro, também tinha consumos problemáticos de drogas.

Decorridos 22 anos de trabalho, a auferir 485€ mensais, ficou desempregada por encerramento da empresa, passando a beneficiar do subsídio de desemprego até Outubro de 2012, no valor de 423€ mensais.

Passou então a ocupar o seu tempo livre em casa, a apoiar a progenitora, e pontualmente no Café a conviver com amigas.

O ambiente familiar continuou a ser de grande afectividade e solidariedade, sendo o companheiro bem aceite pela família da arguida, pais e irmãos.

O ambiente familiar continua a ser apoiante e solidário, superando de forma afectiva os períodos de instabilidade relacional, para os quais não terão sido alheios a dependência do consumo de estupefacientes e o actual confronto com o sistema judicial.

II - Condições sociais e pessoais

À data dos factos, a arguida residia com o companheiro, coarguido, mantendo uma dinâmica relacional caracterizada como afetiva e de partilha e cumplicidade.

Residiam no r/c da moradia de seus pais, em C..., Barcelos, numa casa inserida num logradouro, com terrenos de cultivo na sua contiguidade, com boas condições de habitabilidade, em zona semi-rural.

Mantém com os pais uma relação afectiva próxima, consistente e espírito de entreajuda, A mãe, diabética há cerca de 24 anos, sofreu quatro Acidentes Vasculares Cerebrais-AVC, e outros problemas de saúde associados, pelo que necessita do apoio de terceiros, sendo a arguida, em colaboração com o pai, de 71 anos de idade, quem lhe presta os cuidados básicos.

Nesse contexto familiar, é ela quem assegura as lides domésticas.

Desempregada e findo o subsidio de desemprego em Outubro de 2012, a subsistência do casal, continuou a ser assegurada pelos seus pais, cujas reformas totalizam um montante médio mensal de 1600€, e por alguns contributos alimentares (mercearia) prestados pela mãe do companheiro, e sempre que necessário de dinheiro para pagamento de despesas.

A arguida não apresenta despesas fixas mensais, pois mantém-se a residir na casa pertença de seus ais, os quais asseguram os gastos inerentes ao seu uso e manutenção.

Convive diariamente com os pais, semanalmente com a irmã mais velha e respectivo agregado, e socialmente com um pequeno círculo de amigos num Café da freguesia.

A arguida esteve em tratamento na extensão do CRI em Barcelos, mas após o encerramento das consultas passou a ser acompanhada pelo médico de família, que lhe continua a subscrever a medicação – suboxene, aguardando a arguida a reabertura da consulta do CRI em Barcelos para a continuação do processo terapêutico.

Na comunidade de residência, a arguida é descrita como uma pessoa cordial no trato interpessoal, que revelou no passado hábitos e competências laborais, mas onde o estigma social decorrente do seu trajecto toxicodependente e sobretudo, do percurso toxicodependente e criminal do companheiro, motiva um sentimento de alguma desconfiança, apesar de a saberem pertença de uma família idónea e bem referenciada no meio de residência.

52 - O processo de desenvolvimento de José A... decorreu no agregado de origem, na freguesia de G..., Barcelos, bem referenciado socialmente, constituído pelos pais e quatro irmãos mais novos, cuja dinâmica relacional foi descrita como afectiva e de entreajuda.

A mãe, reconhecida artesã do figurado de Barcelos, deu continuidade à profissão de artesã da avó Rosa R..., na sua residência. O pai faleceu quando o arguido tinha doze anos de idade por doença e, quatro anos depois, uma irmã, vítima de acidente.

A mãe contraiu novo matrimónio, situação que não foi bem aceite pelo arguido e pelos irmãos, e que culminou com o divorcio decorridos alguns anos.

O agregado auferia rendimentos modestos, mas garante de uma situação socioeconómica que lhes permitia assegurar todas as necessidades básicas essenciais e de conforto para o núcleo familiar, assim como, assegurar os estudos aos filhos.

A trajectória escolar do arguido foi tipificada por registos de insucesso decorrente da desvalorização da importância dos conteúdos escolares, pelo que abandonou o ensino após a conclusão do 6º ano, com 15 anos de idade. Desde então, permaneceu sem atividade pedagógica, apenas auxiliando a progenitora na sua atividade de artesanato.

Em 1985 foi admitido na Câmara Municipal de Barcelos, na categoria de carpinteiro, interrompida em 1988, para cumprir o Serviço Militar Obrigatório durante 10 meses, momento em que sinaliza o iniciou do consumo de drogas. Decorridos seis anos, abandonou o trabalho por reconhecer não ter capacidade para o continuar o executar com responsabilidade, devido às crescentes necessidades de consumo de estupefacientes e comportamentos inerentes a essa dependência.

O arguido manteve um relacionamento de namoro durante cerca de 7 anos e casou em 1998, sendo a cônjuge operária têxtil, relação da qual tem um filho, actualmente com 18 anos de idade, a residir com a mãe, em C..., Braga.

Orientado pela progenitora, sujeitou-se a várias desintoxicações, nomeadamente, uma na C... e uma outra, em 1994, em França, durante 5 meses, ambas a expensas da mãe.

Em Liberdade Condicional, José... regressou a casa da companheira, em C..., Barcelos, beneficiando de boa aceitação por parte da família da companheira.

Inicialmente exibiu um comportamento aparentemente adequado, designadamente reiniciou-se profissionalmente em trabalhos pontuais que a irmã (vendedora imobiliária) lhe arranjava, e ainda se empregou numa empresa de construção civil, como pintor.

Decorridos poucos meses da sua libertação, em 2010, teve uma recaída ao nível do consumo problemático de drogas, sujeitando-se a uma desintoxicação, a qual não obteve o êxito esperado.

O arguido deu seguimento ao tratamento anteriormente iniciado no CRI de Braga, sendo medicado com antagonistas, contudo, revelava pouca assiduidade às consultas, e não conseguiu manter-se abstinente durante alguns meses.

O relacionamento com a família de origem continuou a passar por períodos de instabilidade relacional, para os quais não terão sido alheios a sua dependência a estupefacientes e a prática de actividades ilícitas que o vieram a confrontar com o sistema judicial.

II - Condições sociais e pessoais

Tendo por referência a data dos factos, o arguido residia com a companheira, coarguida no processo, numa habitação com boas condições de habitabilidade para o agregado, r/c da moradia dos pais de Maria I....

Ocupava algum do seu tempo livre a apoiar o pai da companheira nas tarefas agrícolas, no terreno de cultivo e vinha, que têm junto à habitação.

Desde fins 2011, início de 2012 que se mantém profissionalmente inactivo e era procurado por indivíduos associados ao consumo de estupefacientes e referenciado pelo seu passado prisional.

Igualmente, a companheira, era comentada pela aditividade.

Ao manter o consumo de estupefacientes necessitava de obter meios económicos para a manutenção dependência, pelo que subsistia do apoio habitacional, alimentar e económico que os pais da companheira ofereciam ao casal, e das verbas que a sua mãe lhe dava, supostamente, para gastos imprescindíveis e justificáveis.

Utente do CRI, registou um percurso clínico irregular integrando o programa de antagonista com metadona e posteriormente com subutex. Faltou às consultas de 14 de Junho de 2011 a 10 de Agosto de 2012, e posteriormente, até pelo menos, Outubro de 2012, tendo sido considerado pela instituição como abandono do tratamento.

A mãe e os irmãos, quando perceberam da sua nova recaída no consumo problemático de estupefacientes, e de que ele estaria a seguir idêntica trajectória àquela que o conduziu a anteriores prisões, distanciaram-se dele.

Na comunidade de residência, o arguido é descrito como um indivíduo cordial no trato interpessoal, como pessoa sem consistentes hábitos de trabalho, onde o estigma social decorrente do seu trajecto toxicodependente e criminal, motiva um sentimento generalizado de desconfiança sobre a capacidade de vir a assumir um estilo de vida normativo.

53- Nelson M... é o mais velho de três irmãos, com origem no seio de um agregado de modesta condição sócio-económica e com uma dinâmica relacional disfuncional, entre o autoritarismo do pai e o proteccionismo da mãe para lidar com os problemas de comportamento evidenciados precocemente pelo arguido.

Registou um percurso escolar irregular, marcado por reprovações em grande medida devido ao absentismo revelado, tendo abandonado o ensino aos quinze anos de idade, sem concluir o 6º ano de escolaridade.

Por volta dos 16 anos de idade começou a trabalhar, com passagem por algumas empresas em áreas diversas, nomeadamente, como operário têxtil, empregado na Sta. Casa da Misericórdia, ferrajeiro, mas por curtos períodos de tempo, intercalados por prolongados períodos de inactividade.

Convivia com um grupo de pares socialmente mal referenciado pelo tipo de conduta, tendo-se tornado permeável à sua influência e ao consumo de estupefacientes, por volta dos 18 anos.

Registou nessa altura os primeiros problemas judiciais e condenações em penas de multa e de prisão por crimes, entre outros, contra o património que foram suspensas com o acompanhamento dos serviços de reinserção social e obrigação de tratamento.

Em 2005 com o apoio da família foi sujeito a alguns tratamentos no CAT de Braga, seguidos de recaídas e por isso foi algumas vezes expulso de casa pelo progenitor e acolhido por alguns familiares maternos e avó paterna.

Em termos da sua vida afectiva, Nelson M... é pai de uma menor com a idade actual de 10 anos, estabelecendo contactos regulares com a filha, a cargo da progenitora com a qual viveu um ano em casa dos pais do arguido, fase em que registou uma maior estabilidade em termos emocionais.

A persistência dos problemas aditivos determinou a ruptura desta relação, estabelecendo contactos quinzenais com a filha, encontros que decorrem na casa da mãe do arguido.

Nos últimos quatro anos o arguido regressou ao agregado de origem, após ter estado a residir algum tempo em casa da tia Flávia M... e de colaborar com esta no café “Bar do R...”, situado em B... e, apresentar um quadro de estabilidade em termos pessoais proporcionado pela toma regular de medicação prescrita e o acompanhamento do seu terapeuta no CRI de Barcelos.

Contudo, as dificuldades em respeitar as regras impostas pelo progenitor e os respectivos horários, prejudicou o relacionamento com a figura paterna, que por várias vezes o proibiu de entrar em casa, acabando o arguido por sair novamente de casa dos pais e ir viver com a avó paterna.

Sob a influência dos primos passou a dedicar-se à prática desportiva, jogos de futebol, modalidade que tenciona retomar.

Em termos laborais, e mais recentemente, para além do apoio que chegou a prestar à tia, trabalhou pouco tempo numa empresa de construção civil e nas feiras com a mãe da ex-namorada, ocupação que ainda mantém mas nem sempre regular.

II - Condições sociais e pessoais

À data dos factos o arguido apresentava enquadramento sócio familiar idêntico ao actual, intercalando períodos de permanência entre a casa da avó - figura significativa no seu percurso de vida (residente no Bairro B...) e a casa da mãe da ex-namorada, situada junto à estação de caminhos de ferro em Barcelos.

O seu agregado de origem é composto pelo pai, operário têxtil, desempregado de longa duração, a mãe auxiliar de acção educativa, e o irmão com a idade de 14 anos, estudante.

Residem em casa própria um apartamento de tipologia T3, dotado de razoáveis condições de habitabilidade, sem qualquer encargo bancário inserido num espaço residencial próximo do centro de saúde.

Em termos económicos apresentam uma situação económica não muito favorável mas que permite assegurar os bens essenciais da família.

Nelson M... não dispõe de rendimentos próprios sendo frequente recorrer aos familiares, nomeadamente, aos pais e à avó a quem solicitava dinheiro para as suas despesas pessoais e de medicamentos para o tratamento da sua toxicodependência (subutex).

Por vezes, os medicamentos eram comparticipados pela progenitora e pela mãe da ex-namorada, em contrapartida do apoio que vem prestando a esta última na realização de feiras, em função da necessidade e destinando algum tempo ao apoio na compra de artigos para venda.

Nos dias em que cooperava nas feiras, quando solicitado, tinha asseguradas as refeições, o tabaco e por vezes algumas peças de vestuário para o próprio.

Neste sentido, o arguido mostra-se algo acomodado à situação ocupacional precária, pois depositava expectativas no negócio que chegou a ser iniciado com a ex-namorada, de comércio de artigos de vestuário em feiras. Durante cerca de um ano colaborou de forma quase diária nas feiras.

Este relacionamento afectivo do arguido pauta-se pela instabilidade e várias rupturas nem sempre definitivas, mas que na opinião da progenitora afecta o equilíbrio de Nelson M....

Relativamente à sua toxicodependência, com as alterações na organização dos Centros de Respostas Integradas (CRI), deixou de usufruir do acompanhamento psicoterapêutico no CRI de Barcelos e a ter de recorrer à médica de família para prescrição medicamentosa que manteve até à data dos factos. Afirma, actualmente a manutenção de um quadro de abstinência e a toma regular de medicação ministrada pelos serviços clínicos do EP. Aguarda uma consulta no CRI - Braga.

No seu quotidiano organizava-se em função das solicitações para apoio nas feiras, permanência quase todo o tempo em casa da avó paterna, por quem nutre uma forte ligação afectiva, mas que pela idade avançada e atitude permissiva não tinha qualquer ascendência sobre o arguido.

No meio de residência da avó, bem como na residência dos pais, este é conhecido pela sua toxicodependência, sendo considerado uma pessoa respeitadora, sendo ignorados outros aspectos da sua vida pessoal, sendo visto a sair por vezes, com alguém que o vai buscar de carro, havendo informações da PSP de que ultimamente frequenta o café “Nova G...” em Arcozelo- Barcelos, frequentado por indivíduos consumidores e alguns destes com antecedentes criminais.

54 - O arguido José A... já sofreu as seguintes condenações:

- no processo sumário nº 544/92, do 1º Juízo, 2.ª Secção deste Tribunal, por sentença de 2/12/92, pela prática em 1/12/92, de um crime de desobediência qualificada, p.p. pelo art. 388º, n.os 1 e 3 do CP, na pena de seis meses de prisão substituída por 180 dias de multa à taxa diária de esc.200$00 e em 25 dias de multa à mesma taxa;

- no processo comum colectivo nº 1462/94, do 1º Juízo Criminal deste Tribunal, por acórdão de 31/01/95, pela prática em 04/10/94, de um crime de roubo, p.p. pelo art. 306º, nos 1, 2 al. a), 3 al. b) e 5 do CP, na pena de 5 anos, seis meses e quinze dias de prisão, pena esta declarada extinta nos termos dos arts. 57º e 64º do CP;

- no processo comum colectivo nº 827/02.9PABCL, do 2º Juízo Criminal deste Tribunal, por acórdão de 29/07/2004, transitado em julgado em 23/08/2004, pela prática em 20/11/2002, de um crime de passagem de moeda falsa, p.p. pelo art. 264º do CP, na pena de 3 anos de prisão, suspensa por igual período, posteriormente prorrogado por 12 meses, pena esta declarada extinta nos termos do art. 57º do CP; e

- no processo comum colectivo nº 669/05.0PABCL, do 1º Juízo Criminal deste Tribunal, por acórdão de 20/07/2006, transitado em julgado em 05/03/2007, pela prática em 21/07/2005, de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo art. 21º do DL 15/93, de 22-01 um crime de detenção ilegal de arma, p.p. pelo art. 6º da Lei n.º 22/97, de 27-06 e um crime de detenção ou tráfico de armas proibidas, p.p. pelo art. 275º, n.º 3 do CP, na pena única de 6 anos e 8 meses de prisão efectiva, tendo-lhe sido concedida a liberdade condicional desde 29/04/2010 até 12/07/2012.

55- O arguido Nelson... já sofreu as seguintes condenações:

- no processo sumário nº 252/00, do 2º Juízo Criminal deste Tribunal, por sentença de 15/5/00, transitada em julgado em 1/6/00, pela prática em 14/5/00, de um crime de lançamento de projectil contra veículo, na pena de 50 dias de multa à taxa diária de esc.400$00, penas esta declarada extinta pelo cumprimento;

- no processo comum singular nº 151/04.46BBCL, do 2º Juízo Criminal deste Tribunal, por sentença de 20/6/2001, transitada em julgado em 25/11/02, pela prática em Dezembro de 2000, de um crime de falsidade de declarações, p.p. pelo art. 359º, nº 1 do CP, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de € 2,00. Esta pena foi extinta pelo cumprimento;

- no processo comum singular nº 330/05.5PABCL, do 2º Juízo Criminal deste Tribunal, por sentença de 9/10/06, transitada em julgado em 24/10/06, pela prática em 3/4/05, de um crime de violência depois da subtracção, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão suspensa por dois anos, pena esta que se encontra extinta nos termos do art. 57º do CP;

- no processo comum singular nº 447/06.9PABCL, do 1º Juízo Criminal deste Tribunal, por sentença de 18/9/07, transitada em julgado em 14/11/07, pela prática em 12/7/06, de um crime de um crime de furto simples, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de € 3,00; esta pena encontra-se extinta pelo cumprimento;

- no processo comum singular nº 107/06.0PABCL, do 1º Juízo Criminal deste Tribunal, por sentença de 31/10/06, transitada em julgado em 18/11/06, pela prática em 9/2/06, de um crime de furto simples, na pena de 450 dias de multa à taxa diária de € 3,00, cuja prisão subsidiária foi suspensa na condição de o arguido cumprir a sua problemática aditiva. Esta pena encontra-se extinta pelo cumprimento;

- no processo comum singular nº 18/07.2PABCL, do 1º Juízo Criminal deste Tribunal, por sentença de 30/10/07, transitada em julgado em 21/12/07, pela prática em 10/1/07, de um crime de furto simples, na pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, com regime de prova para tratamento da sua toxicodependência;

- no processo comum colectivo nº 454/06.1PABCL, do 1º Juízo Criminal deste Tribunal, por acórdão de 5/12/07, transitado em julgado em 17/1/08, pela prática em 15/7/06, de um crime de roubo, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa por um ano e seis meses, com regime de prova;

- no processo comum singular nº 718/06.4PABCL, do 2º Juízo Criminal deste Tribunal, por sentença de 31/3/08, transitada em julgado em 30/4/08, pela prática em 14/11/06, de um crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo art. 21º, nº 1 e 25º, a) do DL 15/93, na pena de 20 meses de prisão, suspensa na sua execução por 20 meses;

- no processo sumário nº 240/09.7GBBCL, do 2º Juízo Criminal deste Tribunal, por sentença de 27/2/09, transitada em julgado em 19/3/09, pela prática em 20/2/09, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de € 5,00; esta pena encontra-se extinta pelo cumprimento;

- no processo sumário nº 504/12.2PABCL, do 1º Juízo Criminal deste Tribunal, por sentença transitada em julgado em 21/11/12, pela prática em 14/11/12, de um crime de furto simples, na pena de 12 meses de prisão, substituída por 360 horas de trabalho a favor da comunidade; e

- no processo comum colectivo nº 335/12.0PABCL, do 1º Juízo Criminal deste Tribunal, por acórdão de 30/4/13, transitado em julgado em 13/6/13, pela prática em 6/8/12, de um crime de receptação, na pena de 9 meses de prisão, suspensa por um ano, com regime de prova.

56 - Do CRC da arguida Maria I... não constam antecedentes criminais.

*

B- Factos Não Provados

Não se provou:

- No Proc. 573/13.8GBBCL

a) No dia 23 de Abril de 2013, os arguidos José... e Maria I... tenham decidido assaltar a ofendida Maria O..., para se apoderarem de objectos de valor que esta tivesse consigo.

b) O arguido Nelson circulasse na viatura de matrícula 97-62-..., marca Toyota, de cor branca e dela tenha saído para acercar-se da Maria O....

c) Em razão da actuação do arguido Nelson, a Maria O... tenha sofrido alteração da sensibilidade normal, designadamente na zona dos joelhos e das mãos.

d) O arguido Nelson tenha fugido para o interior do veículo QS, onde o aguardavam os arguidos José... e Maria I....

e) No dia 26 de Abril de 2013, os arguidos José... e Maria I... tenham decidido assaltar a ofendida Rosa S..., para se apoderarem de objectos de valor que esta tivesse consigo.

f) O arguido Nelson circulasse na viatura de matrícula 97-62-..., marca Toyota, de cor branca e dela tenha saído para acercar-se da Rosa S....

g) O fio em ouro amarelo com uma medalha de Cristo, também em ouro da mesma cor, que a ofendida Rosa S... trazia ao pescoço tivesse o valor total de 1.500 Euros.

h) Após, o arguido Nelson entrasse no referido veículo QS, onde os arguidos José... e Maria I... o esperavam.

i) Os arguidos José... e Maria I... tenham ficado na posse dos referidos bens, fazendo-os seus.

j) No dia 29 de Abril de 2013, a arguida Maria I... seguisse como passageira no veículo matrícula 97-62-... e tenha decidido assaltar a ofendida Maria C..., para se apoderar de objectos de valor que esta tivesse consigo.

l) A arguida Maria I... tenha ficado na posse do fio em ouro amarelo com três pedras vermelhas que a ofendida Maria C... trazia ao pescoço, fazendo-o seu.

m) No dia 1 de Maio de 2013, cerca das 9 horas, a arguida Maria I... seguisse como passageira no veículo matrícula 97-62-... e tenha decidido assaltar a ofendida Ana G..., para se apoderar de objectos de valor que esta tivesse consigo.

n) Em consequência da actuação do arguido Nelson, a ofendida Ana G... tenha caído ao solo, sofrendo dor nas zonas atingidas pela queda.

o) A arguida Maria I... tenha ficado na posse dos objectos subtraídos à ofendida Ana G..., fazendo-os seus.

p) No dia 1 de Maio de 2013, cerca das 15 horas, a arguida Maria I... seguisse como passageira no veículo matrícula 97-62-... e tenha decidido assaltar o ofendido José L..., para se apoderar de objectos de valor que este tivesse consigo.

q) No dia 3 de Maio de 2013, os arguidos José... e Maria I... tenham decidido assaltar a ofendida Isabel S..., para se apoderarem de objectos de valor que esta tivesse consigo.

r) O arguido Nelson circulasse na viatura de matrícula 97-62-..., e dela tenha saído para acercar-se da Isabel Sousa.

s) O fio em ouro amarelo, com uma volta e um coração com pedras brancas, que a ofendida Isabel Sousa trazia ao pescoço tivesse o valor de 1.000 Euros.

t) O arguido Nelson tenha ficado na posse do coração com pedras brancas, fazendo-o seu.

u) O arguido Nelson entrasse no referido veículo QS, onde os arguidos José... e Maria I... o esperavam.

v) Os arguidos José... e Maria I... tenham ficado na posse dos referidos bens, fazendo-os seus.

- No Proc. 57/13.4PABCL

x) No dia 30 de Janeiro de 2013, pelas 22h10m, o arguido Nelson tenha abordado o ofendido Henrique V..., quando este se deslocava apeado na via pública, na Travessa JOSÉ..., junto à entrada do "CCP".

z) O arguido Nelson dirigiu-se ao ofendido Henrique e, sem qualquer motivo aparente atirou-o ao chão, calcando-lhe a cabeça, ao mesmo tempo que lhe exibia uma navalha, tipo enxertadeira, marca "Icel', com cabo de plástico, de cor "preta", de 10,5cm de comprimento e 7,0cm de lâmina e por meio de um puxão arrancou-lhe um fio em ouro amarelo com uma medalha que trazia ao pescoço, uma aliança de casamento em ouro amarelo que tinha posta no dedo e € 100,00 (cem euros) em notas do BCE que se encontravam no bolso traseiro das calças.

aa) Neste acto, o arguido Nelson, tenha retirado do ofendido os aludidos objectos e dinheiro, levando-os consigo.

bb) O arguido Nelson tenha agido de forma deliberada, livre e consciente, querendo e conseguindo, por meio de actos de violência e de intimidação exercidos contra o ofendido, retirar-lhe os objectos e dinheiro supra referidos, de que o arguido se apoderou, deles fazendo coisas suas, bem sabendo que desse modo lesava a liberdade pessoal e o património daquele.

- No Proc. 39/13.6PABCL

cc) No dia 23 de Janeiro de 2013, pelas 00.25 horas, o arguido Nelson, em comunhão e conjugação de esforços com individuo não concretamente identificado, dirigiu-se à pastelaria denominada “Doce X...”, sita na Rua Dr. S..., V..., Barcelos, de Luís S..., com o propósito de se apoderar e fazer seus objectos que encontrasse no local.

dd) Aí chegados, o arguido Nelson e o companheiro, munidos de um pneu com cimento no interior (suporte de guarda-sol), partiram o vidro da porta do estabelecimento e acederam ao seu interior.

ee) Do interior do estabelecimento o arguido Nelson, e quem o acompanhava, retirou e fez suas duas máquinas: uma de brindes contendo ainda a quantia monetária não concretamente apurada, mas não inferior a €10,00 (dez euros), e outra de bolas de chocolate, que continha ainda a quantia monetária de €110,00 (cento de dez euros).

ff) O arguido Nelson ainda retirou do local e fez sua uma caixa de esmolas, que continha quantia não concretamente apurada mas não inferior a €5,00 (cinco euros).

gg) O arguido Nelson, em conjugação e comunhão de esforços com indivíduo não concretamente identificado, agiu com o propósito de se introduzir no interior do estabelecimento de pastelaria de Luís S... a fim de se apoderar de objectos com valor venal e quantias em dinheiro, que de resto logrou concretizar, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que agia contra a vontade do respectivo dono.

hh) O arguido Nelson agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

- No Proc. 257/12.4PABCL

ii) Em execução de um plano previamente concertado entre ambos, os arguidos José A... e Maria I... decidiram, em data não concretamente apurada, mas pelo menos a partir do início do ano de 2012, dedicar-se à venda de produtos estupefacientes com fins lucrativos, nomeadamente heroína e cocaína, a fim de custear as suas despesas quotidianas e financiar o seu próprio consumo de estupefacientes.

jj) Tais produtos eram normalmente adquiridos pelos arguidos José A... e Maria I... no Porto e em Braga.

ll) Por regra os arguidos José A... e Maria I... muniam-se de diversas embalagens de produto estupefaciente, e deslocavam-se a várias artérias da cidade de Barcelos e arredores, e depois procediam à sua venda aos compradores/consumidores que, para o efeito, os procuravam, mediante o pagamento de uma determinada quantia em dinheiro.

mm) No dia 14 de Junho de 2012, pelas 14.30 horas, na Rua da E..., em A..., Barcelos, os arguidos José A... e Maria I... aguardavam no interior da viatura acima identificada a chegada dos consumidores que lhes adquiriam o produto estupefaciente.

nn) Os arguidos José A... e Maria I... utilizassem os recortes circulares de um saco plástico para o acondicionamento e posterior venda do produto estupefaciente.

oo) Os arguidos José A... e Maria I... continuaram a levar a cabo a venda de produto estupefaciente, pelo menos até ao dia 24 de Setembro de 2012.

pp) Entre (pelo menos) o início de 2012 e o dia 24 de Setembro de 2012, os arguidos, de forma reiterada, agindo em comunhão e conjugação de esforços, venderam quantidades não apuradas de heroína e cocaína.

qq) Todo o produto estupefaciente apreendido era destinado à venda a terceiros e, uma pequena parte, ao seu consumo pessoal.

rr) Os objectos apreendidos eram utilizados pelos arguidos José A... e Maria I... nessa actividade que desenvolviam, designadamente os telemóveis eram utilizados no estabelecimento dos contactos para a angariação de droga e clientela e na fixação dos locais de entrega das quantidades acordadas.

ss) O dinheiro apreendido na posse dos arguidos José A... e Maria I... era proveniente das vendas por eles efectuadas do produto estupefaciente.

tt) Os arguidos José... e Maria I... agiram em conjugação de esforços e de intentos, na sequência de um plano previamente delineado entre ambos, vendendo estupefacientes com a intenção de obter contrapartida económica.

uu) Os arguidos agiram sempre livre e conscientemente, perfeitamente conhecedores do carácter proibido e criminalmente punido das condutas de venda de estupefacientes.

*

C- Motivação da decisão de facto

A convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica das declarações dos arguidos, dos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento, conjugados com o acervo documental junto aos autos e as perícias realizadas, as regras da experiência comum e o princípio da livre apreciação da prova.

Por razões de ordem sistemática, a abordagem aos meios de prova relevantes para a formação da convicção, incidirá separadamente sobre cada um dos processos e, no principal, por ordem cronológica dos factos enunciados na acusação.

Assim, cumpre desde logo assinalar, no que respeita ao processo n.º 573/13.8GBBCL, que os arguidos José A... e Nelson confessaram integralmente e sem reservas a prática dos factos ocorridos nos dias 29 de Abril de 2013 (pontos 8 a 10) e 1 de Maio de 2013, cerca das 15 horas (pontos 14 a 18), mas em ambos os casos sem a participação da arguida Maria I..., nos factos constantes dos pontos 14 a 16. Esta, por sua vez, admitiu que realizou a venda a que alude o ponto 17, confessando tal factualidade. Todos os arguidos confessaram ainda integralmente os factos ocorridos no dia 4 de Maio de 2013 (pontos 22 a 25), tal como os mesmos constam da acusação, confissões essas realizadas livre e voluntariamente pelos arguidos, com plena consciência das situações em causa. Todos admitiram como motivação para realização dos roubos as necessidades de angariarem meios para aquisição de estupefacientes, dada a respectiva condição de toxicodependentes de heroína e também a de consumidores de cocaína.

A questão essencial que se coloca ao nível dos demais factos praticados pelos arguidos, nos termos em que os mesmos se encontram plasmados nos pontos 1 a 4, 5 a 7, 11 a 13 e 19 a 21, prende-se essencialmente com a valoração dos autos de reconhecimento respectivos em que o arguido Nelson foi reconhecido pelas vítimas dos factos ali descritos. Tais diligências, pela proximidade temporal dos factos, a memória viva dos mesmos e a idoneidade que terá de assumir-se quanto à entidade que realizou as diligências, delas fazendo constar os elementos relevantes, mostram que o arguido Nelson e já não o arguido José A..., apresentando este inúmeros autos de reconhecimento negativos, fazem acreditar que as vítimas reconheceram efectivamente esse arguido, pese embora algumas hesitações e até declarações de não reconhecimento em audiência do mesmo. Assim, pese embora as testemunhas Maria O... e marido Manuel G..., quanto aos factos ocorridos no dia 23 de Abril de 2013 (pontos 1 a 4), apontarem erradamente o arguido José A... em audiência, prevalecem os autos de reconhecimento de fls. 37 e 38, confirmados pela testemunha António L..., guarda da GNR que os subscreveu e garantiu que esses ofendidos apontaram sem hesitações o arguido Nelson como autor dos factos em causa. No mesmo sentido, quanto aos factos ocorridos em 26 de Abril de 2013 (pontos 5 a 7), relevaram os depoimentos das testemunhas Rosa S... e Manuel D..., lançando a primeira dúvidas sobre o reconhecimento do arguido Nelson em audiência, mas o segundo afirmando reconhecê-lo em termos peremptórios, descrevendo as circunstâncias da acção e o modo como na altura o identificou sem margem para dúvidas, o que tem apoio afirmativo nos autos de reconhecimento de fls. 19 e 20. De igual modo, quanto aos factos ocorridos no dia 1 de Maio de 2013, cerca das 9 horas (pontos 11 a 13), a testemunha e ofendida Ana G..., aludiu à presença do veículo Toyota de cor branca, habitualmente conduzido pelo arguido José A..., e reconhecendo o arguido Nelson quer em audiência, pela sua fisionomia, quer no auto de reconhecimento de fls. 49, em situação que descreveu com detalhe. De resto, tendo ambos os arguidos confessado o assalto ocorrido nesse mesmo dia pelas 15 horas, todo o sentido faz que o arguido José A... haja igualmente conduzido o Toyota do qual saiu o arguido Nelson, na manhã desse mesmo dia. Quanto aos factos ocorridos no dia 3 de Maio de 2013 (pontos 19 a 21), relevam igualmente os autos de reconhecimento do arguido Nelson constantes de fls. 60, 404, 406 e 408, em conjugação com os depoimentos das testemunhas Rui T..., José L... e Isabel S..., cujos depoimentos de conjugam de modo lógico, relatando a primeira ter olhado pela janela logo após a alerta de assalto na via em frente, observando a sua avó atrapalhada a apontar para sujeito em fuga que o Rui T... reconheceu como sendo o Nelson sem margem para dúvidas, que já conhecia, tanto mais que este seguia em passo acelerado e olhando para trás. Quanto aos factos ocorridos no dia 4 de Maio de 2013 (pontos 22 a 26), foi atendido o auto de reconhecimento de fls. 68, pese embora o depoimento vago da ofendida Júlia G... em audiência.

O Tribunal, na ponderação global da prova nestes autos, considerou ainda o auto de vigilância de fls. 70, auto de apreensão de fls. 73, foto de fls. 75, declaração de fls. 76, termo de fls. 77, auto de apreensão de fls. 78 e 79, doc. de fls. 80 a 83, certidão de fls. 123, doc. de fls. 244 a 246, auto de exame de fls. 256, foto de fls. 257 a 260, documento de fls. 315 a 326, auto de apreensão de fls. 402, termo de entrega de fls. 436, documento de fls. 449 a 453 e os autos de reconhecimento de objectos fls. 69 e 435.

No âmbito do processo n.º 57/13.4PABCL, no qual o arguido Nelson... vem acusado da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 210°, n.º 1; "ex vi" 26° e 203°, n.º 1, todos do Código Penal, a única prova relevante foi a do ofendido, o qual limitou-se a descrever o assalto de que foi vítima, pelas 22 horas do dia 30 de Janeiro de 2013, nos termos que constam dos pontos 28 e 29, mas revelando-se tal depoimento algo confuso em que o ofendido faz alusão a um episódio que teria ocorrido 3 dias antes dos factos constantes da acusação, envolvendo o arguido Nelson e que estava igualmente relacionado com questões relativas à aquisição de estupefacientes (cocaína) para consumo do ofendido. Concretamente quanto ao episódio relatado na acusação, o ofendido, admitindo que estava alcoolizado, referiu não ter visto qualquer dos indivíduos que o abordaram, porquanto os mesmos “deitaram-no para a frente”, apenas estando convencido que um deles seria o arguido Nelson pela voz e por um grupo de jovens que passava pelo local ter dito que um desses indivíduos era o “Pica”, alcunha pela qual esse arguido é conhecido. Porém, reconheceu não ter certeza da participação do arguido nessa situação e que “só pela voz ficaria com dúvidas”. Também o arguido Nelson, nas declarações prestadas em matéria da acusação nestes autos proferida, descreveu uma história relacionada com este ofendido, mas cujos contornos não pareceram corresponder ao episódio descrito na acusação. Perante as dúvidas instaladas, não foi possível associar o arguido à prática dos factos descritos na acusação, sendo certo que nenhuma referência existiu à navalha representada no fotograma de fls. 7, apreendida conforme auto de fls. 5 ss., e examinada a fls. 11.

No que tange ao Proc. 39/13.6PABCL, em que é imputada ao arguido Nelson a prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, n.º 1, 204º, n.º 2, al. e), com referência ao art. 202º, al. d) todos do Código Penal, por factos ocorridos no dia 23 de Janeiro de 2013, não foi possível igualmente demonstrar a participação do arguido nos factos pelos quais foi acusado. Com efeito, apenas a testemunha António P..., vivendo no andar que se situa por cima da pastelaria “Doce JOSÉ...”, que já conhecia o arguido Nelson, declarou ter ouvido uns barulhos fortes enquanto estudava na cozinha e, espreitando para o exterior da janela, declarou ter visto o arguido Nelson acompanhado por mais alguém que não reconheceu, abandonarem o local. Cerca de 15 minutos a meia hora depois, ouviu um estrondo e um barulho de vidro a partir, tendo então ligado para a polícia, afirmando desconhecer quem partiu o vidro da pastelaria. Sendo esta a única testemunha que fez a ligação do arguido Nelson ao local, nas referidas circunstância de tempo e lugar, instalou-se a dúvida sobre a efectiva participação do mesmo nesse furto, pois o mesmo apenas foi visto a abandonar o local e não a regressar ao mesmo, tendo o ruído do vidro a partir sido produzido cerca de 15 minutos a meia hora depois do arguido Nelson ter sido reconhecido a retirar-se daquele local, pelo que na ausência de quaisquer outras provas ou vestígios, designadamente lofoscópicas ou de outro tipo, não foi possível estabelecer com o grau de certeza exigível a intervenção do arguido nesse furto, tanto mais que o arguido Nelson negou a autoria desse ilícito, tendo as testemunhas Manuel C..., agente da PSP da esquadra de Barcelos, acorrido ao local cerca da meia noite e descrito o que ali observou, descrição essa também realizada pelas testemunhas Ana F... e Márcia V..., ambas empregadas da pastelaria em causa à data dos factos, que acederam à mesma posteriormente aos factos, descrevendo os bens em falta, indicando os valores que estimaram existir nas máquinas de brindes, mas sendo a testemunha Márcia peremptória em assegurar que àquela data a caixa de esmolas já não estava na pastelaria aquando do assalto, daí resultando a prova da matéria descrita no ponto 40.

Relativamente ao processo n.º 257/12.4PABCL, no âmbito do qual os arguidos José e Maria I..., se encontram acusados pela prática de um crime de tráfico, p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1 do Dec.Lei 15/93, de 22 de Janeiro, por referência às tabelas I-A e I-B anexas ao citado diploma, agravado pela reincidência quanto ao arguido José A..., nos termos dos artigos 75º e 76º do Código Penal, quanto a factos ocorridos no dia 14 de Junho de 2012, desde logo importa considerar desde logo que ambos os arguidos admitiram a detenção dos estupefacientes apreendidos, quer na vistoria realizada à viatura em cujo interior se encontravam, quer na busca domiciliária subsequente por eles autorizada, assim como os demais objectos e quantias apreendidas nesse contexto. Negaram, porém, que destinassem as doses de heroína e cocaína apreendidas à cedência, gratuita ou onerosa, a terceiros, afirmando que seriam apenas para consumo próprio de ambos, atenta a respectiva condição de toxicodependentes e que o dinheiro encontrado era produto do trabalho desses arguidos, angariado em biscates de construção civil pelo José A... e também que lhe havia sido entregue pela sua mãe. Mais revelaram os arguidos que compraram a droga em bruto por sair mais barata e que depois a dividem em doses para consumo próprio. As características, natureza e quantidades dos estupefacientes apreendidos aos arguidos, plasmadas nos pontos 43 e 44, resulta dos testes rápidos de fls. 6 a 9, do exame pericial (toxicologia) realizado pelo LPC da PJ, cujo relatório consta de fls. 65, relevando igualmente os autos de apreensão e buscas de fls. 10 e 11 e as fotografias de fls. 21 a 24. Sendo certo que a informação da Segurança Social constante de fls. 187 revela que ambos os arguidos não têm registo de remunerações, nem se encontram a receber qualquer subsídio ou pensão, nem por isso poderá, sem mais, concluir-se que os arguidos não dispõem de outras fontes de rendimento de proveniência lícita, essencialmente por força do apoio familiar que têm nesse sentido, com ajudas económicas que lhes são prestadas pontualmente, conforme resulta dos factos constantes dos relatórios elaborados pela DGRS.

Sobre a imputada actividade de venda de produtos estupefacientes, nenhuma prova se produziu nesse sentido, de modo a determinar o convencimento deste Tribunal quanto ao exercício dessa actividade pelos arguidos. De facto, o relatório de vigilância de fls. 138 nada revela com utilidade nesse sentido, sendo que nenhuma das testemunhas que depôs em audiência no âmbito deste processo revelou que os arguidos hajam vendido ou por qualquer forma cedido a terceiros quaisquer substâncias estupefacientes. Neste sentido a testemunha António Carlos Martins Reis, chefe da PSP de Barcelos que participou na detenção dos arguidos, descrevendo as buscas realizadas em conformidade com o teor dos autos respectivos, declarou não ter presenciado qualquer transacção, mas sabendo que os réus são referenciados como consumidores, o que foi reforçado pelo depoimento da testemunha José M..., agente da PSP na esquadra de Barcelos, que igualmente participou na detenção dos arguidos, tendo ainda acompanhado a busca domiciliária, apenas tendo um conhecimento genérico que os arguidos se encontram ligados à droga, mas nunca tendo observado qualquer transacção, aludindo genericamente a testemunha José M..., agente principal da PSP em Barcelos, sobre “informações que os réus se dedicam ao tráfico”, sem que haja concretizado tais “informações”. De resto, também as testemunhas Fernando L..., Vítor O..., e Pedro O..., enquanto toxicodependentes, negaram que alguma vez os arguidos lhes hajam cedido quaisquer estupefacientes, mas conhecendo a condição de consumidores. De tal manancial probatório, assim como da certidão judicial constante de fls. 188 a 214, resultou a demonstração da matéria vertida nos pontos 41 a 49.

Importa ainda referir que o Tribunal atendeu aos depoimentos das testemunhas da defesa do arguido Nelson, Maria P... e Ana C..., com um conhecimento algo superficial sobre o arguido, mas sabendo da sua problemática aditiva. A testemunha António F..., pai da arguida Maria I..., depôs igualmente de modo abonatório do carácter dessa sua filha, em termos que também encontram tradução no relatório elaborado pela DGRS.

A prova dos factos relativos aos elementos intelectual e volitivo do dolo inerente à conduta dos arguidos decorreu do conjunto de circunstâncias de facto dadas como provadas, apreciadas à luz das regras a que alude o artigo 127º do Código de Processo Penal, visto que o dolo é uma realidade que não é apreensível directamente, decorrendo antes da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum.

A prova da situação social, económica e profissional dos arguidos Maria I..., José A... e Nelson, baseou-se na exegese dos relatórios sociais da DGRS juntos autos autos, constantes de fls. 708 ss., 718 ss. e 750 ss., respectivamente.

A prova dos antecedentes criminais dos referidos arguidos fundou-se no teor dos CRC’s juntos de fls. 626, 642 ss. e 613 ss., respectivamente.

Quanto à matéria de facto não provada, a mesma resultou da ausência de produção de qualquer elemento probatório seguro, susceptível de a sustentar.

Com efeito, os depoimentos produzidos em sede de audiência de julgamento, na extensão e pelo modo como foram prestados e porque não apoiados em qualquer outro meio probatório processualmente atendível, não foram susceptíveis de determinar a demonstração da matéria que se considerou não provada ou resultou simplesmente da prova de factualidade em sentido contrário.

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Conforme é sabido, as conclusões do recurso delimitam o âmbito do seu conhecimento e destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões pessoais de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida (arts. 402º., 403º. e 412º., nº.1, todos do Código de Processo Penal e Ac. do STJ de 19-6-1996, BMJ nº.458, pág. 98), devendo conter, por isso, um resumo claro e preciso das questões desenvolvidas no corpo da motivação que o recorrente pretende ver submetidas à apreciação do tribunal superior, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente.

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Apreciando

1- Nulidade dos reconhecimentos

Entende o recorrente que os autos de reconhecimento de pessoas constantes dos autos não observaram o disposto no art. 147º, nº 2, do CPP, pelo que não podem, nos termos do nº 7, do mesmo artigo, valer como meio de prova, nomeadamente, por ausência da identificação de quem interveio na linha de identificação, por não estarem assinados por todos os intervenientes em violação do disposto no artº99 do CPP, por não constar dos mesmos a semelhança do vestuário, por constarem dos mesmos menções que não correspondem às que os identificadores lesados em audiência e peremptoriamente declararam.

O MP respondeu a tal questão, invocando, entre o mais, o seguinte:

“Os autos de reconhecimento obedecem, em nosso entender, às exigências do art. 147º do Código de Processo Penal, não enfermando de quaisquer vícios que afectem a sua validade.

Não descortinámos qualquer violação manifesta ou implícita da norma citada.

Acresce que, tal como o tribunal recorrido, não identificamos nos autos de reconhecimento vícios susceptíveis de lhes retirar qualquer valor como meios de prova.

Na elaboração dos autos, “Foram utilizados formulários devidamente preenchidos e que se encontram subscritos pela autoridade pública com competência para a realização de tais diligências, assim como assinados pelos ofendidos e do respectivo teor não se apreende qualquer motivo que constitua desvio ao estabelecido na norma legal acima transcrita” (fl. 5 do acórdão).

Apesar de ter considerado que os autos foram elaborados “de modo que se considera adequado a satisfazer os requisitos contidos no art. 147º do CPP”, o tribunal recorrido, com a finalidade de dissipar eventuais dívidas, ouviu em declarações o agente subscritor dos autos de fls. 37, 38 e 60, tendo, após a produção de tais declarações, reafirmado a validade dos reconhecimentos realizados, “sem prejuízo da livre apreciação de tal meio de prova em confronto com as declarações que hajam sido proferidas pelos ofendidos que, tendo participados nesses actos de aquisição de prova, lancem dúvidas quanto aos reconhecimentos em que hajam participado” (fl. 5 do acórdão).

A maior ou menor semelhança das pessoas sujeitas ao ato de identificação não é um requisito essencial da validade do reconhecimento – entendimento expresso pelo STJ, em acórdão de 15 de Março de 2007, proferido no processo 07P659, publicado em www.dgsi.pt, cujo sumário se transcreve: “I - A semelhança dos indivíduos sujeitos ao ato de identificação não é um requisito essencial da validade do ato, pois o que se pede é que as pessoas (duas, pelo menos) que se chamam ao ato apresentem as maiores semelhanças possíveis, inclusive no vestuário, com a pessoa a identificar (art.º 147.º, n.º 2, do CPP). II - Assim, para além de se poder dizer que a “semelhança” nem sempre é objectivável, também nem sempre são possíveis as condições necessárias para a obter. E, por isso, a alegada ausência de semelhança dos indivíduos sujeitos ao reconhecimento não torna nula a prova obtida, de resto só existente quando se usam os meios proibidos de prova enunciados no art.º 126.º do CPP, antes acarreta uma maior fragilidade na livre apreciação que o julgador deve fazer das provas obtidas, nos termos do art.º 127.º do CPP, a ponto de poder nem ter qualquer valor (art.º 147.º, n.º 4).”

Não foram juntos aos autos registos fotográficos dos reconhecimentos, porque, por força da lei – nº 4 do art. 147º do Código de Processo Penal, as pessoas que intervieram no processo de reconhecimento só poderiam ser fotografadas com o seu consentimento.

Por conseguinte, nenhuma extrapolação é legítima acerca dos motivos pelos quais interveniente(s) no reconhecimento recusou(saram) a realização de fotografia.

As únicas irregularidades a assinalar aos autos de reconhecimento positivo do recorrente como autor dos factos prendem-se com as assinaturas de alguns desses autos: com excepção dos autos de fl. 19, 20, 37 e 38, os autos não foram assinados por todos os intervenientes – foram assinados pela pessoa a quem foi solicitado que identificasse o autor dos factos que presenciou, pelo arguido e por quem presidiu às diligências, mas não por todas as pessoas que participaram na linha de identificação.

A falta de assinaturas de todos os intervenientes é uma mera irregularidade, que pode ser sanada a todo o tempo, mediante aposição das assinaturas que não constam, devendo constar, do respectivo auto. Neste sentido Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, Almedina, 2007, 16º Ed., pág. 255, nota 3 ao art. 95º: “Não se comina neste artigo, nem nos arts. 118º e segs., qualquer nulidade para a omissão de assinaturas ou rubricas. Trata-se portanto de uma irregularidade que pode ser reparada pela aposição das assinaturas ou rubricas, como se permite no art. 123º, nº 2, tal qual sucede no processo civil (cfr. art. 668º, nº 2, do CPC).”

Tratando-se de mera irregularidade, deveria ter sido arguida pelo interessado, recorrente, no próprio ato ou, em qualquer circunstância, nos três dias seguintes a contar daquele em que foi notificado para qualquer termo do processo ou interveio em algum ato nele praticado – não tendo sido atempadamente suscitada (o recorrente apenas suscitou a questão da “nulidade” dos reconhecimentos depois de iniciada a audiência), deve ter-se por sanada (art. 123º, nº 1,do Código de Processo Penal)”.

Sobre tal questão, suscitada igualmente no decurso da audiência de julgamento, escreveu-se o seguinte na peça recorrida:

“Mediante requerimento avulso apresentado a fls. 887 e 888, já depois de iniciada a audiência, o arguido Nelson veio invocar a nulidade e, como tal, requerer a exclusão dos reconhecimentos efectuados nos autos constantes de fls. 37, 38, 19, 29, 49, 68, 406, 27, 47, 408, 56, 404, 60, 414 e 416, por “manifesta falta de cumprimento dos requisitos legais e previstos no art. 147º e 126º do Código de Processo Penal”, desde logo apontando divergências entre os depoimentos prestados em audiência pelas testemunhas Maria O... e Manuel G... e os autos de reconhecimento em que participaram. Por outro lado, dos referidos autos de reconhecimento não constam as fotografias das pessoas que neles intervieram, nem constam que as pessoas estivessem com vestuário idêntico.

O MºPº respondeu à arguida nulidade através do requerimento de fls. 913 e segs., defendendo, em síntese, que dos autos de reconhecimento indicados como meios de prova consta que as diligências se realizaram com observância de todos os formalismos legais enunciados no art. 147º do CPP. Tais autos não padecem inequivocamente de “manifesta falta de cumprimento dos requisitos legais”, sendo que qualquer auto elaborado em conformidade com os artigos 99º e seguintes do CPP faz fé quanto aos termos em que se desenrolou o respectivo ato processual (art. 99º, nº 1, do CPP), sendo equiparável a documento autêntico ou autenticado, pelo que se consideram provados os termos do ato processual nele retratados, se não forem fundadamente postos em causa (art. 169º, aplicável “ex vi” art. 99º, nº 4, ambos os artigos do CPP). Competindo ao arguido fazer prova de que os autos de reconhecimento não reproduzem fielmente os termos das diligências realizadas ou, pelo menos, fazer prova que suscite sérias dúvidas ao tribunal sobre a exactidão dos autos, e não o tendo feito os autos são válidos. Assim, por considerar que os autos de reconhecimento não padecem de qualquer nulidade ou irregularidade, o MºPº pugna pelo indeferimento do requerido.

Cumpre decidir.

Sobre o reconhecimento de pessoas, dispõe o artigo 147.º do CPP:

“1- Quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa, solicita-se à pessoa que deva fazer a identificação que a descreva, com indicação de todos os pormenores de que se recorda. Em seguida, é-lhe perguntado se já a tinha visto antes e em que condições. Por último, é interrogada sobre outras circunstâncias que possam influir na credibilidade da identificação.

2- Se a identificação não for cabal, afasta-se quem dever proceder a ela e chamam-se pelo menos duas pessoas que apresentem as maiores semelhanças possíveis, inclusive de vestuário, com a pessoa a identificar. Esta última é colocada ao lado delas, devendo, se possível, apresentar-se nas mesmas condições em que poderia ter sido vista pela pessoa que procede ao reconhecimento. Esta é então chamada e perguntada sobre se reconhece algum dos presentes e, em caso afirmativo, qual.

3- Se houver razão para crer que a pessoa chamada a fazer a identificação pode ser intimidada ou perturbada pela efectivação do reconhecimento e este não tiver lugar em audiência, deve o mesmo efectuar-se, se possível, sem que aquela pessoa seja vista pelo identificando.

4- As pessoas que intervierem no processo de reconhecimento previsto no n.º 2 são, se nisso consentirem, fotografadas, sendo as fotografias juntas ao auto.

5- O reconhecimento por fotografia, filme ou gravação realizado no âmbito da investigação criminal só pode valer como meio de prova quando for seguido de reconhecimento efectuado nos termos do n.º 2.

6- As fotografias, filmes ou gravações que se refiram apenas a pessoas que não tiverem sido reconhecidas podem ser juntas ao auto, mediante o respectivo consentimento.

7- O reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer.”

O reconhecimento de pessoas, previsto e regulado no art. 147º do CPP constitui um dos meios de prova produzidos numa fase embrionária do processo, mas atendíveis e valoráveis em julgamento.

Facilmente se depreende a sua razão de ser: a aquisição de prova através da visualização do suspeito da prática do ilícito entre outros indivíduos de aspecto visual semelhante, de modo a ser reconhecido ou identificado pela vítima, em data próxima da prática dos factos, de modo a evitar a erosão da memória do ofendido e eventuais alterações fisionómicas e/ou de aparência do suspeito que entretanto tornem difícil ou até mesmo impossível o seu reconhecimento na fase do julgamento.

Apreciando os fundamentos da posição assumida pelo arguido Nelson, desde logo se destaca um paradoxo. É que, não obstante esse arguido ter assumido a sua participação em parte dos factos pelos quais se encontra acusado, concretamente os elencados nos números 16 a 18, 23 a 27 e 31 a 34 da acusação, confessando-os de modo inequívoco nas declarações que prestou em audiência de julgamento, pretende retirar valor aos reconhecimentos realizados nesses segmentos confessados da acusação e nos quais esse arguido foi, coerentemente, reconhecido pelas vítimas. É o que acontece quanto aos autos de reconhecimento de fls. 27 e 29, relativos aos factos ocorridos no dia 29 de Abril de 2013 (números 16 a 18 da acusação); aos autos de reconhecimento de fls. 49 e 56, referentes aos factos ocorridos no dia 1 de Maio de 2013, pelas 15 horas (números 23 a 27 da acusação) e ao auto de reconhecimento de fls. 68, relativos aos factos ocorridos no dia 4 de Maio de 2013 (números 31 a 34 da acusação).

Ora, analisados esses autos em confronto com os demais, não se identificam vícios susceptíveis de lhes retirar qualquer valor como meios de prova válidos, contrariamente ao que sustenta o arguido Nelson. Foram utilizados formulários devidamente preenchidos e que se encontram subscritos pela autoridade pública com competência para a realização de tais diligências, assim como assinados pelos ofendidos e do respectivo teor não se apreende qualquer motivo que constitua desvio ao estabelecido na norma legal acima transcrita. De resto, face à questão inicialmente suscitada pelo arguido Nelson, o que está em causa é apenas matéria atinente à livre apreciação de prova a ponderar pelo Tribunal, em face da alegada contradição dos depoimentos testemunhais com os dados revelados nos autos de reconhecimento, sem qualquer virtualidade de gerar a pretendida exclusão de tal meio de prova, mostrando-se os autos elaborados de modo que se considera adequado a satisfazer os requisitos contidos no art. 147º do CPP. Em qualquer caso e com a finalidade de dissipar dívidas que subsistissem nessa matéria, entendeu este Tribunal ouvir em declarações o agente subscritor dos autos de fls. 37, 38 e 60, o qual confirmou de forma inequívoca os reconhecimentos efectuados e o modo como essas diligências de prova foram realizadas, pelo que nenhumas dúvidas se suscitam quanto à validade dos reconhecimentos realizados, sem prejuízo da livre apreciação de tal meio de prova em confronto com as declarações que hajam sido proferidas pelos ofendidos que, tendo participado nesses actos de aquisição de prova, lancem dúvidas quanto aos reconhecimentos em que hajam participado.

Pelo exposto e sem necessidade de quaisquer outras considerações, por despiciendas, indefere-se a invocada nulidade dos autos de reconhecimento constantes de fls. 37, 38, 19, 29, 49, 68, 406, 27, 47, 408, 56, 404, 60, 414 e 416, cuja validade se declara”.

Como é sabido, quando a identificação efectuada nos termos do art. 147°, nº1, não for cabal há que confrontar a pessoa que procede ao reconhecimento com o sujeito a reconhecer, passando-se ao reconhecimento presencial, que deverá ser feito de acordo com os critérios referidos no n°2 do mesmo dispositivo, devendo ser observada a seguinte sequência:

- Escolha de pelo menos duas pessoas que apresentem as maiores semelhanças possíveis - de idade aproximada, da mesma estatura e raça, inclusive de vestuário, ao lado do identificando, a qual deve ser feita na ausência da pessoa que deve proceder à identificação.

- Afastamento da pessoa que deve proceder ao reconhecimento, antes de se organizar a composição do painel.

- A colocação das pessoas que apresentem aquelas semelhanças ao lado do identificando. (O Direito Português apenas admite o reconhecimento simultâneo, sendo inadmissível o reconhecimento sucessivo).

- Apresentação de todas as pessoas que compõem o painel nas mesmas condições em que o suspeito poderia ter sido visto pela pessoa que procede ao reconhecimento.

No caso de existirem alterações físicas no identificando, tais como apresentar-se com óculos, barba e cabelo comprido, quando a testemunha o descreve sem estas características, deverá ser removido esse novo elemento físico, sem que isso represente uma violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare, vigente no ordenamento jurídico português (neste sentido, Costa Andrade, As Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra Editora, 2002, pág. 131);

- Esta é então chamada e perguntada sobre se reconhece algum dos presentes e, em caso afirmativo, qual.

Ora no presente caso, analisando os autos de reconhecimento pessoal constantes dos autos, somos obrigados a concordar quer com a resposta do MP explanada acima, quer com a decisão proferida sobre a matéria pelo Tribunal.

De facto não se divisa que os mesmos padeçam de qualquer maleita suficientemente grave, susceptível de os invalidar enquanto meios de prova susceptíveis de ponderação no julgamento.

Como referiu o Tribunal a quo as eventuais contradições entre o que dos mesmos consta e o que diferentemente possa ter sido afirmado pelos respectivos intervenientes em julgamento é matéria que extravasa os respectivos requisitos de validação dos autos em causa, atinente necessariamente à livre apreciação de prova a ponderar pelo Tribunal em sede de selecção da factologia provada e não provada, sendo de notar aliás as cautelas evidenciadas pelo Tribunal ao tomar a iniciativa de “ouvir em declarações o agente subscritor dos autos de fls. 37, 38 e 60, o qual confirmou de forma inequívoca os reconhecimentos efectuados e o modo como essas diligências de prova foram realizadas” com a finalidade de dissipar eventuais duvidas que subsistissem nessa matéria, como o mesmo afirma no despacho transcrito supra.

A inexistência de suporte fotográfico decorreu da oposição dos intervenientes tal como consta dos autos, nada havendo a objectar ao ocorrido e sendo irrelevantes quaisquer simples conjecturas de cariz meramente retórico, carecidas de prova, apresentadas a propósito pelo recorrente.

Tão pouco se detecta qualquer ausência de identificação dos intervenientes nas respectivas linhas, devendo as questões mais uma vez de cariz meramente retórico suscitadas a tal propósito em sede de recurso, se tidas por pertinentes e relevantes terem sido suscitadas adequadamente em momento oportuno.

Por outro lado as ausências de assinatura de alguns dos intervenientes nas respectivas linhas evidenciadas em alguns dos autos constituem mera irregularidade há muito sanada, uma vez não atempadamente suscitada (art. 123º., nº1 CPP), como bem refere o MP.

Em suma não se evidencia qualquer violação da estrutura legal dos reconhecimentos, a escolha de menos pessoas que as previstas na lei ou sequer que a selecção dos intervenientes nas linhas não tenha obedecido ao critério da maior semelhança possível, inclusive de vestuário, com os identificandos.

Daí que não se vislumbrando os pretendidos óbices à validade formal e substancial dos reconhecimentos pessoais, improceda esta parcela do recurso.

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2- Impugnação da matéria de facto

Invoca o recorrente que a prova produzida impunha ao tribunal a quo uma decisão diferente no tocante aos pontos 1 a 4, 5 a 7, 11 a 13 e 19 a 21 da factologia considerada provada.

Para apreciarmos tal questão e dada a forma como a mesma nos surge suscitada, haverá que ter presente que ao contrário do que por vezes se pensa, o recurso nesta sede não tem por finalidade nem pode ser confundido com um "novo julgamento" da matéria de facto, assumindo-se antes como um “remédio” jurídico.

Como várias vezes salientou o Prof. Germano Marques da Silva, presidente da Comissão para a Reforma do Código de Processo Penal:

- “… o recurso é um remédio para os erros, não um novo julgamento” (conferência parlamentar sobre a revisão do Código de Processo Penal, in Assembleia da República, Código de Processo Penal, vol. II, tomo II, Lisboa 1999, pág. 65);

- “o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, constituindo apenas um remédio para os vícios do julgamento em primeira instância” (Forum Justitiae, Maio/99);

- “Recorde-se que o recurso ordinário no nosso Código é estruturado como um remédio jurídico, visa corrigir a eventual ilegalidade cometida pelo tribunal a quo. O tribunal ad quem não procede a um novo julgamento, verifica apenas da legalidade da decisão recorrida, tendo em conta todos os elementos de que se serviu o tribunal que proferiu a decisão recorrida. Daí que também a renovação da prova só seja admitida em situações excepcionais e, sobretudo, o recorrente tenha que indicar expressamente os vícios da decisão recorrida.” (Registo da prova em Processo Penal. Tribunal Colectivo e Recurso, in Estudos em homenagem a Cunha Rodrigues, vol. I, Coimbra, 2001).

Da mesma forma, na jurisprudência pode ler-se, por exemplo, no Ac. do STJ de 24/10/2002, proferido no pr. 2124/02: “… o labor do tribunal de 2.ª Instância num recurso de matéria de facto não é uma indiscriminada expedição destinada a repetir toda a prova (por leitura e/ou audição), mas sim um trabalho de reexame da apreciação da prova (e eventualmente a partir dos) nos pontos incorrectamente julgados, segundo o recorrente, e a partir das provas que, no mesmo entender, impõem decisão diversa da recorrida - art.º 412º, nº 3, als. a) e b) do C.P.P. e levam à transcrição (nº 4 do art.º 412º do C.P.P.)“.

Ou no acórdão do STJ de 15-12-2005 (pr. 2.951/05, relatado pelo conselheiro Simas Santos), “o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª Instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª Instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros”.

A gravação das provas funciona como uma “válvula de escape” para o tribunal superior poder sindicar situações insustentáveis, situações-limite de erros de julgamento sobre matéria de facto (assim, o acórdão do STJ de 21-1-2003).

E, como se refere no acórdão da Relação do Porto de 26-11-2008 (publicado na RLJ, ano 139º, nº 3960, págs. 176 e segs., rel. Maria do Carmo Silva Dias), “não podemos esquecer a percepção e convicção criada pelo julgador na 1.ª instância, decorrente da oralidade da audiência e da imediação das provas. O juízo feito pelo Tribunal da Relação é sempre um juízo distanciado, que não é colhido directamente e ao vivo, como sucede com o juízo formado pelo julgador da 1ª. Instância”.

A credibilidade das provas e a convicção criada pelo julgador da primeira instância “têm de assentar por vezes num enorme conjunto de situações circunstanciais, de tal maneira que essa convicção criada assenta não tanto na quantidade dos depoimentos prestados, mas muito mais em outros factores” (tal qual se escreveu no já referido acórdão do STJ de 21-1-2003), fornecidos pela imediação e oralidade do julgamento. Neste, “para além dos testemunhos pessoais, há reacções, pausas, dúvidas, enfim, um sem número de atitudes que podem valorizar ou desvalorizar a prova que eles transportam” (assim, o acórdão do STJ de 9-7-2003, pr. 3100/02, rel. Leal Henriques

Daí que o recurso da decisão da primeira instância em matéria de facto não sirva para suprir ou substituir o juízo que aquele tribunal formulou, apoiado na imediação, sobre a maior ou menor credibilidade ou fiabilidade das testemunhas.

Ademais importa não esquecer, também, que o recurso da matéria de facto tão pouco se destina a postergar o princípio da livre apreciação da prova, que tem consagração expressa no art. 127º. do CPP. A decisão do Tribunal há-de ser sempre uma "convicção pessoal - até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais" - Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, voI. I, ed.1974, pág. 204.

Por outro lado, a livre apreciação da prova é indissociável da oralidade com que decorre o julgamento em primeira instância. Como ensinava Alberto do Reis “a oralidade, entendida como imediação de relações (contacto directo) entre o juiz que há-de julgar e os elementos de que tem de extrair a sua convicção (pessoas, coisas, lugares), é condição indispensável para a actuação do princípio da livre convicção do juiz, em oposição ao sistema de prova legal”. E concluía aquele Professor, citando Chiovenda, que “ao juiz que haja de julgar segundo o princípio da livre apreciação é tão indispensável a oralidade, como o ar é necessário para respirar” CPC anotado, vol. IV, págs. 566 e segs.

O art. 127º. do CPP indica-nos, contudo, um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.

Não espanta assim que as normas processuais que regulam o recurso em matéria de facto se encontrem em perfeita harmonia com o supra-exposto, dispondo o art. 412º., n°.3, al. b) do CPP que quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida.

Note-se que a lei refere as provas que «impõem» e não as que “permitiriam» decisão diversa. É que afigura-se indubitável que há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução. Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.

Por outro lado, como bem se observa no Acórdão do STJ de 26/1/2000 (nº SJ200001260007483, in www.dgsi.pt), “não são os sujeitos processuais (nem os respectivos advogados) quem fixa a matéria de facto, mas unicamente o Tribunal que apura os factos com base na prova produzida e conforme o princípio da livre convicção (artigo 127º do Código de Processo Penal), aplicando, depois, o direito aos mesmos factos, com independência e imparcialidade”.

Esclareça-se ainda que julgar pressupõe optar, escolher, decidir.

No caso sub judice, o julgador optou, escolheu, decidiu-se por uma das versões possíveis.

A opção levada a cabo pelo julgador não foi feita, porém, de forma caprichosa ou arbitrária. Pelo contrário, mostra-se plenamente objectivada e com absoluta transparência.

De facto o tribunal a quo estribou a respectiva ponderação no tocante aos factos aqui em causa nos depoimentos de diversas testemunhas, devidamente analisados, conjugados e ponderados conjuntamente com diversa prova documental constante dos autos (entre ela os reconhecimentos pessoais já referidos), assim formando a sua convicção com base também nas regras da experiência comum e no princípio da livre apreciação da prova, tudo devidamente conjugado e fundamentado na motivação da decisão de facto, na qual - relembre-se - se escreveu, entre o mais, o seguinte:

“… Assim, cumpre desde logo assinalar, no que respeita ao processo n.º 573/13.8GBBCL, que os arguidos José A... e Nelson confessaram integralmente e sem reservas a prática dos factos ocorridos nos dias 29 de Abril de 2013 (pontos 8 a 10) e 1 de Maio de 2013, cerca das 15 horas (pontos 14 a 18), mas em ambos os casos sem a participação da arguida Maria I..., nos factos constantes dos pontos 14 a 16. Esta, por sua vez, admitiu que realizou a venda a que alude o ponto 17, confessando tal factualidade. Todos os arguidos confessaram ainda integralmente os factos ocorridos no dia 4 de Maio de 2013 (pontos 22 a 25), tal como os mesmos constam da acusação, confissões essas realizadas livre e voluntariamente pelos arguidos, com plena consciência das situações em causa. Todos admitiram como motivação para realização dos roubos as necessidades de angariarem meios para aquisição de estupefacientes, dada a respectiva condição de toxicodependentes de heroína e também a de consumidores de cocaína.

A questão essencial que se coloca ao nível dos demais factos praticados pelos arguidos, nos termos em que os mesmos se encontram plasmados nos pontos 1 a 4, 5 a 7, 11 a 13 e 19 a 21, prende-se essencialmente com a valoração dos autos de reconhecimento respectivos em que o arguido Nelson foi reconhecido pelas vítimas dos factos ali descritos. Tais diligências, pela proximidade temporal dos factos, a memória viva dos mesmos e a idoneidade que terá de assumir-se quanto à entidade que realizou as diligências, delas fazendo constar os elementos relevantes, mostram que o arguido Nelson e já não o arguido José A..., apresentando este inúmeros autos de reconhecimento negativos, fazem acreditar que as vítimas reconheceram efectivamente esse arguido, pese embora algumas hesitações e até declarações de não reconhecimento em audiência do mesmo. Assim, pese embora as testemunhas Maria O... e marido Manuel G..., quanto aos factos ocorridos no dia 23 de Abril de 2013 (pontos 1 a 4), apontarem erradamente o arguido José A... em audiência, prevalecem os autos de reconhecimento de fls. 37 e 38, confirmados pela testemunha António L..., guarda da GNR que os subscreveu e garantiu que esses ofendidos apontaram sem hesitações o arguido Nelson como autor dos factos em causa. No mesmo sentido, quanto aos factos ocorridos em 26 de Abril de 2013 (pontos 5 a 7), relevaram os depoimentos das testemunhas Rosa S... e Manuel D..., lançando a primeira dúvidas sobre o reconhecimento do arguido Nelson em audiência, mas o segundo afirmando reconhecê-lo em termos peremptórios, descrevendo as circunstâncias da acção e o modo como na altura o identificou sem margem para dúvidas, o que tem apoio afirmativo nos autos de reconhecimento de fls. 19 e 20. De igual modo, quanto aos factos ocorridos no dia 1 de Maio de 2013, cerca das 9 horas (pontos 11 a 13), a testemunha e ofendida Ana G..., aludiu à presença do veículo Toyota de cor branca, habitualmente conduzido pelo arguido José A..., e reconhecendo o arguido Nelson quer em audiência, pela sua fisionomia, quer no auto de reconhecimento de fls. 49, em situação que descreveu com detalhe. De resto, tendo ambos os arguidos confessado o assalto ocorrido nesse mesmo dia pelas 15 horas, todo o sentido faz que o arguido José A... haja igualmente conduzido o Toyota do qual saiu o arguido Nelson, na manhã desse mesmo dia. Quanto aos factos ocorridos no dia 3 de Maio de 2013 (pontos 19 a 21), relevam igualmente os autos de reconhecimento do arguido Nelson constantes de fls. 60, 404, 406 e 408, em conjugação com os depoimentos das testemunhas Rui T..., José L... e Isabel S..., cujos depoimentos de conjugam de modo lógico, relatando a primeira ter olhado pela janela logo após a alerta de assalto na via em frente, observando a sua avó atrapalhada a apontar para sujeito em fuga que o Rui T... reconheceu como sendo o Nelson sem margem para dúvidas, que já conhecia, tanto mais que este seguia em passo acelerado e olhando para trás. Quanto aos factos ocorridos no dia 4 de Maio de 2013 (pontos 22 a 26), foi atendido o auto de reconhecimento de fls. 68, pese embora o depoimento vago da ofendida Júlia G... em audiência.

O Tribunal, na ponderação global da prova nestes autos, considerou ainda o auto de vigilância de fls. 70, auto de apreensão de fls. 73, foto de fls. 75, declaração de fls. 76, termo de fls. 77, auto de apreensão de fls. 78 e 79, doc. de fls. 80 a 83, certidão de fls. 123, doc. de fls. 244 a 246, auto de exame de fls. 256, foto de fls. 257 a 260, documento de fls. 315 a 326, auto de apreensão de fls. 402, termo de entrega de fls. 436, documento de fls. 449 a 453 e os autos de reconhecimento de objectos fls. 69 e 435…”.

Acresce que na concreta situação dos autos, reapreciados todos os elementos probatórios indicados, a convicção agora formada por este Tribunal ad quem acerca dos factos em causa no recurso não diverge daquela que o Tribunal a quo alcançou e exprimiu no acórdão recorrido, concluindo-se que a versão dos factos dados como provados pelo Tribunal recorrido está inteiramente de acordo com os meios de prova ao seu dispor, apreciados na sua globalidade, não se evidenciando que tenha sido cometido qualquer erro de julgamento, sendo inteiramente pertinentes os raciocínios desenvolvidos na fundamentação efectuada na peça recorrida e impondo-se concluir que nada do invocado no recurso nesta sede é susceptível de colocar em crise o acerto e a pertinência do julgamento efectuado.

Face ao exposto, cumpre dizer que no presente caso não se vislumbra no conteúdo da respectiva decisão que se impusesse decisão de facto distinta da que foi tomada, não se detectando qualquer afronta às regras da lógica e da experiência na decisão do Tribunal a quo quanto a esta matéria.

Por tais motivos improcede esta parcela do recurso.

*

3- Medida da pena

Por último, censura o arguido a medida da pena única encontrada, entendendo que esta se deveria ficar pelos 6 anos de prisão, tendo em atenção os seus 31 anos de idade, o desnorte da sua vida e o respectivo consumo de heroína.

Vejamos

Culpa e prevenção são as referências norteadoras da determinação da medida da pena - art. 71º., nº.1, do Código Penal - a qual visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade - artigo 40º., nº.1 do mesmo diploma.

A este propósito, e como bem escreve Figueiredo Dias (in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, 2º a 4º, Abril-Dezembro de 1993, págs. 186 e 187), o modelo de determinação da medida da pena consagrado no Código Penal vigente “comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma «moldura de prevenção», cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto de pena, dentro da referida «moldura de prevenção», que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente”.

A medida da pena há-de, primordialmente, ser dada por considerações de prevenção geral positiva, isto é, prevenção enquanto necessidade de tutela dos bens jurídicos que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida, que fornece uma “moldura de prevenção”, isto é, que fornece um “quantum” de pena que varia entre um ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e onde, portanto, a medida da pena pode ainda situar-se até atingir o limiar mínimo, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar.

A culpa - juízo de apreciação, de valoração, que enuncia o que as coisas valem aos olhos da consciência e o que deve ser do ponto de vista da validade lógica e da moral ou do direito, conforme se expendeu no Ac. do STJ de 10-4-1996 (in CJ, Acds. do STJ, Ano IV, tomo II, pág. 168) - constitui o limite inultrapassável da medida da pena, funcionando assim como limite também das considerações preventivas (limite máximo), ligada ao princípio de respeito pela dignidade da pessoa do agente.

Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva - entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável - podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena.

No dizer de Fernanda Palma (in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, nas “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, ed. 1998, AAFDL, pág. 25) “a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial”.

Em jeito de síntese, e como bem refere Figueiredo Dias (in ”Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, ed. 1993, pág. 214) “culpa e prevenção são assim os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito ou de determinação concreta da pena)”.

No caso dos autos, o recorrente foi condenado em um ano de prisão pela prática de um crime de roubo na forma tentada, p. e p. pelos artigos 210.º, n.º 1, 23.º e 73.º do Código Penal, em dois anos de prisão por cada um dos três roubos referidos nos pontos 8 a 10, 14 a 16 e 22 a 25 e em dois anos e três meses de prisão por cada um dos três roubos referidos nos pontos 5 a 7, 11 a 13 e 19 a 21, todos eles p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal.

Em cúmulo jurídico, perante uma moldura abstracta situada entre 2 anos e 3 meses e 13 anos e 9 meses de prisão, foi-lhe aplicada a pena única de 9 anos de prisão.

O Tribunal a quo ponderando no circunstancialismo provado, com relevo para a apreciação desta matéria, tomou em consideração o seguinte:

“… Quanto ao arguido Nelson...:

Realizado o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido Nelson M... e analisada a sua responsabilidade penal, concluindo-se que praticou, em concurso real, sete crimes de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal, um dos quais sob a forma tentada e seis sob forma consumada, pelo que cabe agora determinar a natureza e medida concreta da pena a aplicar-lhe.

Conforme já se aludiu, a moldura abstracta do crime de roubo é a pena de prisão de 1 a 8 anos – art. 210º, n.º 1 do Código Penal.

Tendo um deles sido praticado na forma tentada, há lugar a atenuação especial nos termos dos artigos 23.º, 73.º e 41º, n.º 1 do Código Penal, pelo que a moldura abstracta é a pena de prisão de 1 mês a 5 anos e 4 meses.

Atendendo às circunstâncias referidas no art. 71º, nº 2 do Código Penal, cabe considerar o seguinte:

- as exigências de prevenção geral de reafirmação da validade das normas jurídicas violadas, que no caso têm que ser salvaguardadas;

- a culpa do arguido é elevada, dado o dolo directo quanto aos crimes de roubo por ele praticados;

- considera-se o reduzido período de tempo durante o qual decorreram os factos (entre 23 de Abril de 2013 e 4 de Maio de 2013);

- a intensa energia criminosa colocada pelo arguido na prática dos factos, o qual praticou 7 crimes de roubo “por esticão” em apenas 12 dias;

- o elevado alarme social que este tipo de situações, de criminalidade violenta contra as pessoas, suscita na comunidade, com repercussões negativas em sede de prevenção geral de integração, existindo fortes necessidades de prevenção geral, atento o intenso sentimento de insegurança gerado;

- o valor dos bens subtraídos que ascendeu, no total, a € 1.280,00, o qual não poderá considerar-se elevado, por ser inferior a 50 unidades de conta, avaliadas no momento da prática do facto, nos temos do critério consagrado no artigo 202º, al. a) do Código Penal;

- a recuperação parcial dos objectos subtraídos e a respectiva entrega aos ofendidos (pontos 18 e 26);

- a confissão do arguido quanto a três dos sete crimes de roubo por que vinha acusado;

- a circunstância de o arguido já ter antecedentes criminais, designadamente por crimes de furto, tráfico de estupefacientes, receptação, roubo, condução sem habilitação legal, o que no seu conjunto e pela sua variedade, revela uma personalidade pouco conformada à observância dos ditames sociais, colocando em evidência a ineficácia das decisões condenatórias anteriores, já que o arguido tem um longo historial de crimes contra o património, sobretudo furtos, traduzindo as suas práticas delituosas mais recentes uma escalada de gravidade quanto aos bens jurídicos atingidos, que deixaram de ser meramente patrimoniais para passarem a ser também pessoais, o que é demonstrado pela evolução dos furtos simples para os crimes de roubo, denotando assim uma indiferença crescente aos valores que socialmente se impõem com maior premência, como o respeito pela integridade física das pessoas, o que torna prementes as exigências de prevenção especial, existindo um intenso risco de reingresso na actividade delituosa pela qual vem acusado, tanto mais que o arguido é consumidor de, pelo menos, heroína e não exerce com regularidade qualquer actividade profissional remunerada;

- pondera-se a circunstância do arguido Nelson, no âmbito da comparticipação, ser o elemento que estabelecia contacto físico com as vítimas, retirando-lhes com emprego de força os bens que aquelas traziam consigo;

- atende-se ao facto do arguido ter manifestado arrependimento pela sua conduta;

- atendem-se as condições pessoais do arguido Nelson descritas no respectivo relatório social;

Tudo ponderado, afigura-se adequado fixar a pena pela prática do crime de roubo sob a forma tentada em 1 ano de prisão, especialmente atenuada nos termos dos arts. 210º, n.º 1, 23.º e 73.º do Código Penal.

Fixa-se em 2 anos de prisão por cada um dos três crimes de roubo referidos nos pontos 8 a 10, 14 a 16 e 22 a 25, que foram confessados pelo arguido e em 2 anos e 3 meses de prisão pelos três crimes de roubo referidos nos pontos 5 a 7, 11 a 13 e 19 a 21, estes não confessados pelo arguido Nelson, crimes esses p. e p. pelos artigos 210.º, n.º 1 do Código Penal.

Em cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77º do Código Penal, partindo da moldura penal de 2 anos e 3 meses de prisão até 13 anos e 9 meses de prisão, tendo em consideração o conjunto dos factos e a personalidade do arguido Nelson..., julga-se adequada a pena única de 9 anos de prisão…”.

Perante tal panóplia de factores enunciados não pode seguramente reputar-se de razoável, devidamente ponderada ou sequer tendente à realização da justiça a pretensão do recorrente de ver diminuída a pena única para 6 anos de prisão, em face das razões em que se estriba.

Não obstante, sendo esta a primeira vez que o recorrente está privado de liberdade por força de uma condenação judicial (tal qual pondera o MP na resposta ao recurso, ao admitir que a pena única aplicada ao cúmulo pudesse ser fixada em medida inferior) e, mais do que isso, por razões de justiça concreta dentro do próprio processo por comparação com a pena fixada em cúmulo ao arguido José A... (5 anos e 4 meses de prisão, ante uma moldura abstracta situada entre 3 anos e 2 meses e 10 anos e 7 meses de prisão Quiçá, derivada de erro no cálculo da medida abstracta superior do respectivo cúmulo., decorrente da condenação como reincidente pela prática de 4 crimes de roubo e 1 crime de tráfico de menor gravidade), considera-se mais adequada e proporcional na presente situação a aplicação ao recorrente da pena de 7 anos de prisão em cúmulo jurídico.

Procede, portanto, parcialmente o presente recurso.

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III- Decisão

Nos termos expostos, acordam os juízes desta secção criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em conceder parcial provimento ao recurso, condenando o arguido Nelson..., em cúmulo jurídico, na pena única de 7 (sete) anos de prisão, mantendo-se no mais o acórdão recorrido.

Sem custas.

Guimarães, 19/5/2014