Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO | ||
Descritores: | ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO NULIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO COM INSTITUTO PÚBLICO EFEITOS ABUSO DE DIREITO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 11/30/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | SECÇÃO SOCIAL | ||
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Sumário: | O tribunal da relação só deve alterar a resposta à matéria de facto quando a prova produzida imponha uma decisão diferente. A nulidade do contrato de trabalho celebrado entre autores e Réu (Instituto Público) por não ter sido observado o regime procedimental de recrutamento para o exercício de funções públicas tido por imprescindível, não obsta à produção dos efeitos como se o contrato fosse válido durante o período de execução. O facto de um trabalhador, só após a denúncia do contrato ou o termo da situação precária vir discutir judicialmente a natureza do seu vínculo laboral não constitui abuso do direito. | ||
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Decisão Texto Integral: | I – RELATÓRIO AA, 2 - BB, 3 - CC, 4- DD, 5 - EE, 6 - FF, 7 - GG, 8 - HH, 9 - II, 10 - JJ, 11 - KK e 12 - LL, intentaram a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra INSTITUTO DO EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, I.P. (IEFP, I.P.), Pedido - que sejam os Autores reconhecidos e declarados como trabalhadores do Réu, durante os períodos em que trabalharam para o mesmo, bem como todas as consequências legais inerentes; Seja o Réu condenado a pagar aos Autores as quantias de férias, subsídio de férias e de Natal, bem como os subsídios de refeição, no montante global de 432.368,50 €, acrescida dos respectivos juros de mora, desde o final de cada ano civil em que os pagamentos deveriam ter sido efectuados e os vincendos após citação e até efectivo pagamento. Causa de pedir: celebraram com o réu contratos anuais denominados de “ aquisição de serviços de formação” para o desenvolvimento de actividades de formação nas respectivas áreas de cada um, funções que desempenharam ao longo de todo o período contratual; os referidos contratos pretendiam que a relação fosse categorizada como sendo de prestação de serviços, mas a relação material subjacente entre os Autores e o Réu era uma verdadeira relação de trabalho, relação esta que aqueles pretendem ver reconhecida, com as inerentes consequências, invocando para o efeito que: trabalhavam e executavam as suas funções sob as ordens, direcção e fiscalização do réu - IEFP, IP.; era imposta uma disponibilidade e exclusividade total para o exercício das correspondentes funções, pelo menos aquando da celebração dos contratos anuais, havendo horário de trabalho, controlado pelo réu; o local de trabalho era determinado unilateralmente pelo réu; todos os instrumentos de trabalho que utilizavam no desempenho da sua actividade eram fornecidos pelo réu; o réu determinava e impunha quer os procedimentos, quer os métodos de trabalho a serem seguidos pelos autores; encontravam-se na dependência hierárquica e funcional dos quadros do IEFP, IP.; estavam, inclusivamente, sujeitos a auto e heteroavaliação; o réu, através da Direcção do Centro, fixava-lhes prazos para a entrega de relatórios e avaliações; auferiam uma remuneração mensal do réu que era calculada com base no número de horas que leccionavam em cada mês, o que tendo em conta a carga média semanal de 30 horas, conferia a retribuição média mensal de 1.728,00 € (14,40€ x 30h x 4); encontravam-se numa situação de dependência económica em relação à retribuição que auferiam do réu, com a qual contavam para o pagamento das normais despesas familiares e pessoais; com base no PREVPAP, programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública, através do qual o Estado possibilitou a regularização do vínculo precário entre outros os “falsos prestadores de serviços”, em 1 de Maio de 2020, os AA. integraram os quadros do IEFP como trabalhadores (de facto e de direito), tendo sido reconhecidos como necessidades permanentes do Estado, trabalhadores subordinados do IEFP, sendo a relação laboral regulada pelo Código do Trabalho, a partir de 1 de Maio de 2021; mas, porque anteriormente já eram trabalhadores do Réu, pretendem ver reconhecido tal estatuto assim como todas as consequências que daí advenham, nomeadamente, o pagamento dos créditos laborais peticionados, a título de férias, subsídios de férias e de Natal, bem como a título de subsídio de refeição. A ré contestou, por excepção e por impugnação. Arguiu as excepções de incompetência material e de abuso de direito (tutela da confiança, no venire contra factum proprium e no tu quoque). No mais, impugna a matéria e sustenta a total improcedência da acção. Explicita que a partir de 1.05.2020 os AA celebraram contrato de trabalho em funções públicas, por tempo indeterminado, na carreira e categoria de técnico superior, das carreiras gerais, em resultado da conclusão com sucesso de procedimentos concursais de regularização, no âmbito do Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos Precários na Administração Pública (PREVPAP, Lei n.º 112/2017, de 29 de dezembro). Este diploma, porém, distingue as pessoas abrangidas pela Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas das pessoas abrangidas pelo Código do Trabalho (art.s 2º, 1 e 14, 1.º). Apenas nas entidades abrangidas pelo Código do Trabalho é possível o reconhecimento da existência de contratos de trabalho, nomeadamente por efeito da presunção de contrato de trabalho, e por tempo indeterminado por se tratar da satisfação de necessidades permanentes. O IEFP, I. P. é uma entidade pertencente à Administração Indireta do Estado, na qual as relações laborais não são reguladas pelo Código do Trabalho, mas sim pela LTFP, pelo que não lhe é aplicável o artigo 14º da Lei n.º 112/2017, de 29 de dezembro. Não é possível reconhecer a existência de contratos de trabalho no IEFP, I. P., designadamente para efeitos de integração no PREVPAP. Ademais, não se verifica nenhum dos indícios para que se reconheça a existência de contrato de trabalho. Os contratos de prestação de serviços celebrados entre o IEFP, I. P. e cada um dos Autores revestiram a modalidade de contrato de tarefa, cujo objeto é a execução de trabalhos específicos, de natureza excecional, não podendo exceder o termo do prazo contratual inicialmente estabelecido (10, 2, a) da LTFP). Os AA, quanto ao abuso de direito, responderam que se limitaram a exercer o seu legítimo direito de ver reconhecido um contrato de trabalho que os ligou ao Réu e formulam também, eles próprios, pedido de condenação da ré em litigância de má fé. Foi declarada improcedente a excepção de incompetência material e, interposto recurso, foi a decisão confirmada pelas instâncias superiores, estando transitada em julgado. Elaborou-se despacho saneador, onde se fixou matéria assente e enunciou os temas de prova. Procedeu-se a julgamento e proferiu-se sentença. DECISÃO RECORRIDA (DISPOSITIVO): Nos termos expostos (1) julga-se a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, totalmente procedente, por totalmente provada e, em consequência: § Declaram-se os Autores AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK e LL trabalhadores do Réu INSTITUTO DO EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, I.P. (IEFP, I.P.), mediante contrato de trabalho, durante os períodos em que trabalharam para o mesmo, nos períodos referidos na petição inicial, condenando-se o Réu a reconhecê-los nessa qualidade. § Condena-se o Réu INSTITUTO DO EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, I.P. (IEFP, I.P.) a pagar aos Autores AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK e LL as quantias de férias, subsídio de férias e de Natal, bem como os subsídios de refeição, no montante global de 432.368,50 € (quatrocentos e trinta e dois mil, trezentos e sessenta e oito euros e cinquenta cêntimos), na proporção para cada um dos autores, supra elencada, acrescida dos respectivos juros de mora, desde o final de cada ano civil em que os pagamentos deveriam ter sido efectuados e os vincendos após citação e até efectivo e integral pagamento. (2) Julga-se totalmente improcedente o pedido de condenação como litigante de má-fé formulado pelos Autores contra o Réu, do mesmo o absolvendo. Custas da acção pelo Réu, nos termos do art.º 527.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil. Custas do incidente de litigância de má-fé pelos Autores, fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) U.C., nos termos dos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C. e 7.º, n.º 4, do R.C.P. FOI INTERPOSTO RECURSO PELA RÉ –CONCLUSÕES (DEPOIS DE APERFEIÇOADAS) 1. … 2. Não pode o Recorrente conformar-se com o teor desta decisão que considerou provados factos contraditórios entre si, desconsiderou factos que deveriam ser levados à matéria probatória, descurou totalmente as provas apresentadas pelo ora Recorrente e aplicou incorretamente o artigo 334.º do Código Civil e o artigo 11.º do Código do Trabalho; DOS FACTOS PROVADOS: (…) DA MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA: (…) DA FALTA DE VERIFICAÇÃO DAS CARACTERÍSTICAS INDICIADORAS DA EXISTÊNCIA DE UMA RELAÇÃO LABORAL: 3. De acordo com a legislação especial reguladora da formação profissional inserida no mercado de emprego e do seu regime de cofinanciamento pelo Fundo Social Europeu, o exercício da docência como formador em Centro de Formação Profissional pode processar-se ao abrigo de um contrato de trabalho ou de outra forma de contratação que não implique uma vinculação de natureza laboral; 4. O regime jurídico que enquadra o exercício da atividade de formação implica que características indiciadoras da existência de contrato de trabalho percam neste contexto peso e relevo, entre as quais, (i) a forma de enquadramento da atividade docente prosseguida, (ii) o horário de trabalho, (iii) o controlo de assiduidade, (iv) o exercício da atividade docente em instalações pertencentes ao Réu e (v) a pertença ao Réu dos equipamentos e instrumentos de trabalho; 5. A existência de horário para ministrar as sessões de formação não é determinante para a qualificação do contrato, uma vez que num serviço de formação profissional, com diversas salas de formação, vários formadores (internos e externos) e múltiplos e heterogéneos formandos em diferentes modalidades de formação, é essencial a existência de horários para que a formação funcione com o mínimo de organização, independentemente da natureza do vínculo contratual dos formadores; 6. O facto de a atividade formativa, exercida pelos Recorridos, ser desenvolvida em local definido pelo Centro de Emprego e Formação Profissional de ... é irrelevante, já que um formador (interno ou externo) exerce, habitualmente, a sua atividade em salas de formação pertencentes à entidade formadora, não sendo normal que disponha de equipamentos, instrumentos e instalações próprias onde desenvolva a sua atividade; 7. As reuniões de acompanhamento são perfeitamente compatíveis com o contrato de prestação de serviços de formação profissional, já que num Serviço de formação profissional, com a presença de múltiplos formadores, tem de haver harmonização (não uniformização) pedagógica dos conteúdos lecionados e dos critérios de avaliação dos formandos; 8. A subordinação hierárquica, a que alude a douta Sentença recorrida, mais não é do que o cumprimento dos preceitos legais e regulamentares aplicáveis, tanto a formadores internos, como a formadores externos; 9. A circunstância de os Recorridos receberem formação, estarem sujeitos a orientações gerais e deverem obediência aos normativos do Recorrente não significa, só por si, que exista subordinação jurídica, pois na prestação de serviços quem contrata pode também organizar, vigiar e acompanhar a sua prestação, com vista ao controlo do resultado, e o beneficiário da atividade não está inibido de dar orientações quanto ao resultado que pretende obter do prestador; 10. No que diz respeito à subordinação, o facto de os formadores receberem, no exercício das suas funções, diretivas técnicas emitidas pelo Réu, predominantemente através de correio eletrónico, relativas aos documentos a elaborar e aos prazos de entrega não basta para concluir que o beneficiário da atividade orientava a sua prestação, refletindo antes a exigência de uma certa conformação ou qualidade no resultado das sessões de formação e na necessidade de harmonização pedagógica; 11. Os Recorridos possuíam e possuem, no âmbito da atividade formativa propriamente dita, elevado grau de autonomia relativamente aos métodos e técnicas pedagógicas a utilizar (cfr. Declarações de Parte do Recorrido, AA - 01h:01m:13s a 01h:01m:26s do ficheiro 20211117101447_1413083_2871884.wma e depoimento da Testemunha, Dr.ª MM - (cfr. 00h:48m:39s a 00h:49m:16s do ficheiro 20220302111730_1413083_2871884.wma); DA EXCEÇÃO PERENTÓRIA DO ABUSO DO DIREITO: 12. Os Recorridos agiram em abuso de direito, pois que souberam e quiseram candidatar-se aos procedimentos concursais, participar nos mesmos, aceitar as vagas que lhes foram propostas, celebrar sucessivos contratos anuais tendencialmente idênticos, conformando-se com o seu objeto, com o seu conteúdo e com a sua execução, e emitir os documentos mensais solicitados, durante vários anos; 13. Razão pela qual estão a atuar em abuso de direito na dimensão da violação da boa-fé, em sentido objetivo, nas modalidades de tutela da confiança, do venire contra factum proprium e do tu quoque; 14. Não restam dúvidas de que os Recorridos pretendem, com a presente ação, fazer valer um direito em contradição com a sua conduta anterior, adotada ao longo de sete anos; 15. A vontade real dos Recorridos foi a de celebrar contratos de prestação de serviços; DOS CRÉDITOS LABORAIS PETICIONADOS: 16. Face à variação do número de horas mensal, não foi provado pelos Recorridos o número de horas mensais em que prestaram serviços nem, em consequência, o valor mensal auferido; 17. Os Recorridos não fizeram prova, como lhes competia, dos dias em que exerceram funções por cada mês nem os meses por cada ano, para se calcular o valor do subsídio de refeição que reclamam; 18. Relembre-se que, por exemplo, no mês de agosto e em grande parte do mês de dezembro não havia sessões de formação. Termos em que… deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta Sentença recorrida, e, em consequência, absolver o Recorrente de todos os pedidos… CONTRA-ALEGAÇÃO - refere-se que não foi cumprido o ónus de impugnação especificada quanto à indicação dos meios de prova. No mais, sustenta-se a improcedência do recurso. PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO – sustenta-se a improcedência do recurso. RESPOSTA DA RÉ - novamente em extensa resposta repisa os argumentos anteriores e sustenta que cumpriu o ónus de impugnação especificada. O recurso foi apreciado em conferência – art. 659º, do CPC. QUESTÕES A DECIDIR Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s salvo as questões de natureza oficiosa.: impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto e sua repercussão na matéria de direito. II - FUNDAMENTAÇÃO A) FACTOS Factos provados: 1) Os autores BB, DD, EE, FF, II, KK e LL, foram contratados pelo Réu, para o Centro de Emprego de ..., com quem celebraram consecutivos contratos de aquisição de serviços de formação, entre Março de 2013 e 30 de Abril de 2020, contratos anuais precedidos de procedimentos de contratação. 2) As contratações “à peça” significam que ao invés dos autores terem um contrato anual, durante esse período, mantendo exactamente as condições de trabalho que que infra se descreverão, outorgavam contratos com o IEFP para cada uma das formações que eram incumbidos de ministrar. 3) Os contratos anuais de aquisição de serviços de formação, foram celebrados ao abrigo dos procedimentos de contratação 1/2012 e 1/2015, acções estes que visavam a contratação para os Centros de Emprego e Formação Profissional do Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP, com vista ao suprimento de necessidades de docentes/formadores, para o período compreendido entre 2013/2015 e 2016/2018 e um último procedimento inominado para o período de 1 de Janeiro de 2020 a 30 de Junho de 2020. 4) Quer o teor, quer a estrutura dos sucessivos contratos celebrados entre os Autores e o Réu foram tendencialmente idênticos. 5) Através dos mesmos, os autores foram contratados para o desenvolvimento de actividades de formação para o Instituto de Emprego e Formação Profissional de, na qualidade de formadores. 6) Cada um dos Autores foi contratado ao abrigo do supra-referido procedimento para dar formação de acordo com as suas habilitações académicas: - AA – Filosofia; - BB – Inglês; - CC - Inglês; - DD – Biologia e Geologia; - EE – Português; - FF – Físico-química; - GG - Matemática - HH, II, JJ e KK – Informática; - LL – Matemática; 7) Os autores, ao longo de todo o período contratual, desempenharam as funções para as quais foram contratados com zelo, diligência, assiduidade, competência e responsabilidade. 8) Entretanto, com base no PREVPAP, programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública, através do qual o Estado possibilitou a regularização do vínculo precário entre outros os “falsos prestadores de serviços”, em 1 de Maio de 2020, os AA. Integraram os quadros do IEFP como trabalhadores (de facto e de direito). 9) O primeiro passo para a vinculação ao Estado foi os AA. solicitarem a avaliação da sua situação através da apresentação de um requerimento disponível no sítioprevpap.gov.pt, até ao dia 17 de Novembro de 2017. 10) Os AA. foram reconhecidos como necessidades permanentes do Estado e foi avaliado o vínculo jurídico ao abrigo do qual os AA. exerciam funções. 11) A avaliação da adequação do vínculo ao exercício de funções em causa por parte do trabalhador teve em consideração os diversos tipos de vínculos, sendo os mais frequentes os contratos de trabalho e os contratos de prestação de serviço. 12) Como o vínculo em causa era um alegado contrato de prestação de serviços, não era adequado ao exercício de funções que asseguram necessidades permanentes. 13) Foram ainda ponderados dois elementos: em primeiro lugar, se o trabalhador exercia as funções em causa sem dependência de poderes de direcção e disciplina e sem horário de trabalho relativamente ao órgão ou serviço da Administração Pública; se assim for, o contrato de prestação de serviços era adequado ao exercício das funções. 14) Em termos idênticos, quando se tratava de entidade do setor empresarial do Estado, também se ponderou se o contrato de prestação de serviços é adequado, recorrendo-se nomeadamente aos indícios em que se baseia a presunção de contrato de trabalho regulada pelo Código do Trabalho. 15) Caso se concluísse que o vínculo em causa era um contrato de trabalho, não obstante ter sido celebrado sob a designação de contrato de prestação de serviço, constata-se que o contrato celebrado não é adequado ao exercício de funções. 16) Em 1 de Maio de 2020, os AA. integraram os quadros de pessoal do IEFP, desenvolvendo, não fosse a pandemia originada pela covid-19 que os colocou em teletrabalho, as funções de formador que sempre desempenhado para o Réu as mesmas funções, nos mesmos termos e circunstâncias que anteriormente. 17) Numa última fase do programa de regularização extraordinária que decorreu desde 2018, na Administração Pública, uma vez criados os lugares necessários nos mapas de pessoal e assim que os órgãos ou serviços tenham as dotações orçamentais adequadas, decorreram os procedimentos para recrutamento dos trabalhadores, com base em regime definido por Lei. 18) Os autores foram contratados na qualidade de prestadores de serviços, através de contratos denominados de “contratos de aquisição de serviços de formação”. 19) Nos contratos anuais de todos os Autores, mais especificamente na cláusula quinta, se lê que: “1. Considerando que o horário de funcionamento dos serviços de formação do IEFP, I.P. está dependente do fluxo de candidatos, as actividades objecto do presente contrato são prestadas, predominantemente, no período entre as oito e as vinte horas, sem prejuízo de algum ajustamento a acordar entre as partes em função de necessidades supervenientes. 2. Para efeitos do desenvolvimento da actividade de formação, nos termos do número 3 da cláusula segunda, a prestação de serviço do Segundo Outorgante corresponde a uma carga horária média semanal de trinta horas.” 20) As funções levadas a cabo pelos Autores eram predominantemente desempenhadas no Centro de Emprego e Formação Profissional de ... e ... e respectivas NUT’s ou noutros locais indicados pelo Réu. 21) Os autores eram obrigados a entregar relatórios referentes à execução dos programas dos cursos de formação. 22) O réu, através da Direcção do Centro, fixava-lhes prazos para a entrega de relatórios e avaliações. 23) Estavam ainda sujeitos à entrega de registos mensais de actividades, pelo menos aquando dos contratos anuais. 24) Os autores auferiam uma remuneração mensal do R., que era calculada com base no número de horas que leccionavam em cada mês. 25) Os contratos anuais determinam que “pela actividade executada, o Primeiro Outorgante paga ao Segundo Outorgante, o valor hora de €14,40 (catorze euros e quarenta cêntimos) vezes o número de horas efectivamente prestadas, acrescido do IVA”. 26) Desde o início da relação laboral, nunca os AA. receberam qualquer remuneração a título de férias, subsídios de férias e de Natal, bem como a título de subsídio de refeição. 27) Os autores nunca auferiram qualquer remuneração a título de férias, subsídios de férias e de Natal. * 28) O autor AA iniciou o trabalho para o Réu em Janeiro de 2013 como formador contratado “à peça” e, após 4 de Janeiro de 2014 no âmbito dos contratos anuais de aquisição de serviços precedidos de procedimentos de contratação. 29) Antes, entre 2006 e 2012, havia prestado serviços para o Réu, como formador mas em horários dispersos e avulsos e sem dependência económica do mesmo. 30) A autora CC iniciou a relação laboral com o Réu, em Janeiro de 2002 como formadora “à peça”, junto do Centro de Emprego de .... 31) Após 4 de Janeiro de 2015 continuou a trabalhar para o Réu no âmbito dos contratos anuais de aquisição de serviços precedidos de procedimentos de contratação, até 31 de Maio de 2016, em Chaves e desde 1 de Junho de 2016 e até 30 de Abril de 2020, em .... 32) O autor GG iniciou a relação laboral com o Réu em Janeiro de 2013, como formador contratado “à peça” (Centro de Emprego ...). 33) Após 1 de Outubro de 2016 continuou a trabalhar para o IEFP no âmbito dos contratos anuais de aquisição de serviços precedidos de procedimentos de contratação, até 30 de Abril de 2020, em .... 34) O autor HH iniciou o trabalho para o Réu em Janeiro de 2012 como formador contratado “à peça” como prestador de serviços na Delegação do Réu do ..., no ... e no denominado “...” na Rua ..., no ..., e após 1 de Junho de 2016 continuou a trabalhar para o IEFP (...) no âmbito dos contratos anuais de aquisição de serviços precedidos de procedimentos de contratação. 35) Antes, entre 2002 e 2011, já era formador do Réu, em horários dispersos e avulsos e sem dependência económica do mesmo. 36) O autor JJ iniciou a relação laboral com IEFP, em Janeiro de 2017, com um contrato de aquisição de serviços no âmbito dos contratos anuais de aquisição de serviços precedidos de procedimentos de contratação, tendo estado nesse regime até 30 de Abril de 2020. 37) A experiência formativa dos autores, nos períodos contratuais supra referidos, encontra-se reconhecida pelo réu, que emitiu sucessivas declarações anuais de experiência formativa. 38) Através de cada contrato, o réu vinculava-se aos autores, disciplinando contratual e regulamentarmente o modo da prestação de trabalho destes. 39) Para além disso, era imposta aos autores uma disponibilidade e exlusividade total para o exercício das correspondentes funções, pelo menos aquando da celebração dos contratos anuais. 40) A exigência de disponibilidade entre as oito e as vinte horas, constante da cláusula quinta dos contratos celebrados entre as partes, consumia qualquer possibilidade de os autores aceitarem ou exercerem outra actividade. 41) O réu elaborava e entregava os mapas de horários de trabalho, nos quais estavam contidas o número de horas de formação e bem assim o local onde esta deveria ser ministrada. 42) Os horários nos quais era ministrada formação eram unilateralmente impostos pelo Réu, atendendo às necessidades de cada curso, que depois os comunicava aos autores, na forma de cronograma. 43) Os mesmos proporcionavam a formação contratada nos horários que lhes eram unilateralmente transmitido pelo IEFP, em harmonia com as entidades parceiras (se aplicável). 44) Os Autores não podiam alterar o seu horário de trabalho. 45) Independentemente de existir ou não trabalho de formação, os autores deveriam permanecer no local de trabalho, pelo menos caso tivesse actividades de extra-monitorização e, em todo o caso, teriam de permanecer à disposição para qualquer actividade no horário das 8h às 20h (claª 5ª do contrato) - alterado. 46) Existindo trabalho de formação, regra geral o horário/período diário tem início às 08:40 horas e fim às 17:20 horas- alterado. 47) O Réu controlava o cumprimento dos horários de trabalho dos autores, exigindo o preenchimento de folhas de registos diários ao longo dos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016, bem como dos livros de ponto das diferentes acções de formação de que estavam incumbidos. 48) Os atrasos e faltas dos autores eram objecto de registo. 49) Esse registo de faltas não se cingia apenas aos dias em que estes tinham formações agendadas. 50) Na eventualidade de faltarem, os autores tinham de repor as horas de formação em falta. 51) Quando estes não se encontravam a ministrar formação, com os contratos anuais, estavam presentes nas instalações do referido Centro, organizando o serviço e formação assim como participando em reuniões. 52) Estavam a cumprir um horário de trabalho similar ao dos demais funcionários do IEFP, IP.. 53) Acresce que, todos os instrumentos de trabalho que os autores utilizavam no desempenho da sua actividade eram fornecidos pelo R. (a título exemplificativo: quadros, marcadores, projectores, fotocópias, instalações, etc.) 54) Ocasionalmente, os autores utilizavam o seu próprio computador portátil, mas por opção própria, com o intuito de facilitar o trabalho. 55) No Centro de Emprego e Formação Profissional com os contratos anuais, existia uma área atribuída e utilizada pelos formadores, dispondo os AA. de um posto de trabalho, com secretária, cadeira, computador, impressora, telefone (estes dois últimos partilhados), etc…- alterado. 56) O Réu determinava e impunha quer os procedimentos, quer os métodos de trabalho a serem seguidos pelos autores. 57) Cada formação ministrada tinha um livro de ponto próprio, que os autores tinham que preencher. 58) Os autores não tinham qualquer opção ou escolha sob quem eram os formandos. 59) Os autores encontravam-se na dependência hierárquica e funcional dos quadros do IEFP, IP., mais precisamente do Director-adjunto do Centro de Emprego e Formação Profissional de ..., sucessivamente, o Eng. NN e a Dra. MM. 60) Quaisquer problemas ou ocorrências eram reportadas ao Director-adjunto do Centro assim como aos coordenadores dos cursos. 61) Os autores recebiam as indicações respeitantes ao modo de execução do seu trabalho estando igualmente sujeitos aos regulamentos, ordens e directrizes internas do réu. 62) Recebiam ainda, por parte do IEFP, diversos cronogramas relativos à forma de execução do seu trabalho. 63) Eram convocados para comparecer obrigatoriamente em reuniões de coordenação, às quais sempre compareceram independentemente de estas serem com o direcção do Centro ou para coordenar as acções de formação. 64) No desenvolvimento das suas actividades, os autores, por imposição do Réu, chegaram a assumir a coordenação de turmas sendo verdadeiros “directores de turma”. 65) Os autores estavam, inclusivamente, sujeitos a auto e hetero-avaliação que tinha por desiderato atestar o seu desempenho enquanto formadores bem como as qualidades pedagógicas destes. 66) Tinham, ainda, de entregar programa e os relatórios das avaliações nos prazos que o Réu fixava. 67) Estavam ainda sujeitos à entrega de registos mensais de actividades, pelo menos aquando dos contratos anuais. 68) Uma parte significativa do tempo de trabalho dos autores não era despendido com formações mas antes em outras tarefas, nomeadamente: - a colaboração na planificação e organização da formação do Centro; - a participação em reuniões de coordenação geral e das respectivas equipas formativas; - a concepção de recursos pedagógico-didácticos de apoio à formação; - os registos nas aplicações informáticas de gestão da formação; - a elaboração de documentos de natureza técnico-administrativa e pedagógica de suporte à organização, desenvolvimento e avaliação da formação; - a articulação com outros formadores e/ou técnicos de formação; - as deslocações. 69) Tendo em conta a carga média semanal de 30 horas, a retribuição média mensal era de 1.728,00 € (14,40€ x 30h x 4). 70) A constância da quantia paga pelo trabalho desenvolvido pelos autores manteve-se ao longo dos anos de acordo com a respectiva antiguidade. 71) Os autores encontravam-se numa situação de dependência económica em relação à retribuição que auferiam do Réu, com a qual contavam para o pagamento das normais despesas familiares e pessoais. 72) Por se encontrarem numa situação de dependência económica da retribuição que auferiam do R. aceitaram, sem reservas, as condições que lhes foram sendo impostas. 73) Assinaram sem qualquer negociação nem discussão prévia, os contratos que lhes foram sendo apresentados e emitiram os recibos verdes que lhes eram exigidos. 74) Os autores BB, DD, EE, FF, II, KK E LL trabalharam entre 6 de Março de 2013 e 30 de Abril de 2020 (totalizando 7,08 anos). 75) Nos anos de 2013/14/15/16 o valor diário do subsídio de refeição era de 4,27 €, em 2017 de 4,52 € e em 2018/19/20 de 4,77 €. 76) No caso do autor AA, a única diferença para os AA. dos artigos anteriores é ano de 2013, onde trabalhou exclusivamente para o IEFP “à peça”, sob sua dependência económica, hierárquica e disciplinar. 77) No caso da autora CC, a única diferença para os autores que só trabalharam com base nos contratos anuais, são os anos de 2004 a 2015, onde trabalhou exclusivamente para o IEFP “à peça”, sob sua dependência económica, hierárquica e disciplinar, tendo sido contratada nos termos dos concursos para contratos anuais em 4 de Janeiro de 2015. 78) No caso do autor GG, a única diferença para os autores que só trabalharam com base nos contratos anuais, são os anos de 2013, 2014, 2015 e 2016 (até Outubro), onde trabalhou exclusivamente para o IEFP “à peça”, sob sua dependência económica, hierárquica e disciplinar. 79) No caso do autor HH, a única diferença para os autores que só trabalharam com base nos contratos anuais, são os anos de 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016 (até Outubro), onde trabalhou exclusivamente para o IEFP “à peça”, sob sua dependência económica, hierárquica e disciplinar. 80) O autor JJ apenas começou a trabalhar no IEFP em Janeiro de 2017, nos termos dos contratos anuais. * 81) Ao IEFP, I. P. estão cometidas as seguintes atribuições: A) Promover a organização do mercado de emprego tendo em vista o ajustamento direto entre a oferta e a procura de emprego; B) Promover a informação, a orientação, a qualificação e a reabilitação profissional, com vista à colocação dos trabalhadores no mercado de trabalho e à sua progressão profissional; C) Promover a qualificação escolar e profissional dos jovens, através da oferta de formação de dupla certificação; D) Promover a qualificação escolar e profissional da população adulta, através da oferta de formação profissional certificada, ajustada aos percursos individuais e relevantes para a modernização da economia; E) Promover a melhoria da produtividade da economia portuguesa mediante a realização, por si ou em colaboração com outras entidades, das ações de formação profissional, nas suas várias modalidades, que se revelem em cada momento as mais adequadas às necessidades das pessoas e de modernização e desenvolvimento do tecido económico.82) Pelo Aviso de abertura de procedimento de seleção n.º 1/2012 de 17 de dezembro de 2012 (Contratação para os Centros de Emprego e Formação Profissional do Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P. (IEFP, I.P.) com vista ao suprimento de necessidades de docentes/formadores, para o período compreendido entre 2013-2015 (3 anos), foi aberto concurso para a contratação de docentes/formadores, destinado a Docentes com 83) vínculo ao Ministério da Educação e Ciência (MEC), sem componente letiva e a Formadores devidamente qualificados e certificados sem vínculo à Administração Pública. 84) Os Formadores devidamente qualificados e certificados sem vínculo à Administração Pública seriam contratados através de contrato de aquisição de serviços de formação profissional. 85) Os requisitados e os contratados - Formadores devidamente qualificados e certificados sem vínculo à Administração Pública - desempenhariam as seguintes funções: desenvolvimento de formação, presencial e a distância, incluindo atividades correlacionadas, nomeadamente a produção de recursos didáticos, o acompanhamento da formação prática em contexto de trabalho, o planeamento e organização da formação, o registo de dados nos sistemas de informação e a participação em projetos de parceria nacional e transnacional. 86) Através do Aviso de abertura de procedimento de seleção n.º 1/2015, de 28 de dezembro de 2015 - Contratação para os Centros de Emprego e Formação Profissional do Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P. (IEFP, I.P.), com vista ao suprimento de necessidades de formadores para o período compreendido entre 2016-2018 (3 anos), foi aberto concurso para a contratação de formadores, circunscrito a profissionais devidamente certificados, ao abrigo da Portaria n.º 214/2011, de 30 de maio, sem vínculo à Administração Pública, nomeadamente ao Ministério da Educação (ME) e que detenham habilitação própria para a docência para o grupo de recrutamento a que se candidatam, nas componentes de formação de base, sociocultural e científica, bem como aqueles que tendo estado na situação de contratados, no âmbito do ME, os respetivos contratos se encontrassem caducados, por verificação do seu termo, à data do início da celebração do contrato de prestação de serviços, previsto no ponto 3. do Aviso. 87) Os formadores desempenhariam as seguintes funções: desenvolvimento de formação profissional, presencial e a distância, nas diferentes modalidades do Sistema Nacional de Qualificações, previsto no Decreto-Lei n.º 396/2007, de 31 de dezembro; desenvolvimento de atividades de extramonitoragem, nomeadamente, planificação e organização da formação, desenvolvimento de atividades de diagnóstico e de avaliação dos formandos, conceção de recursos pedagógico-didáticos de apoio à formação, assunção do papel de responsável pedagógico de ações de formação em que intervém como formador, registos nas aplicações informáticas de gestão da formação, preparação do desenvolvimento da formação prática em contexto de trabalho e acompanhamento dos formandos em articulação com os tutores. 88) De acordo com o n.º 3.1 deste Aviso, os formadores seriam contratados mediante “contrato de prestação de serviços, ao abrigo do n.º 1 do artigo 6.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada em anexo à Lei n.9 35/2014, de 20 de junho, com duração de um ano civil, suscetível de renovação, atentas as necessidades locais de formação, as vagas a ocupar por docentes do quadro do ME sem horário atribuído e a apreciação ao resultado do desempenho dos formadores.” 89) Em conformidade com o n.º 7 do Aviso, a entrevista seria realizada pela rede de Centros do IEFP, I. P. e visava avaliar aspetos técnicos e comportamentais. 90) Os candidatos foram submetidos a uma entrevista de seleção. 91) Foram dadas às unidades orgânicas locais do IEFP, I. P. orientações para a realização da entrevista, orientações essas comuns a ambos os procedimentos concursais. 92) Os Autores, AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, KK e LL, celebraram contrato de trabalho em funções públicas, por tempo indeterminado, na carreira e categoria de técnico superior, das carreiras gerais, posicionados na 2.ª posição remuneratória e nível 15, da Tabela Remuneratória Única (TRU), integrando o mapa de pessoal deste Instituto, com efeitos a 1 de maio de 2020, em resultado da conclusão com sucesso de procedimentos concursais de regularização, no âmbito do Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos Precários na Administração Pública (PREVPAP). 93) Com a retribuição mensal de € 1.205,08, em resultado da atualização da base remuneratória e do valor das remunerações base mensais da Administração Pública, com efeitos desde 1 de janeiro de 2020. 94) Quanto ao autor JJ, este não celebrou contrato de trabalho em funções públicas, por tempo indeterminado, com o IEFP, I.P., em virtude de não ter concluído com sucesso procedimento concursal de regularização, no âmbito do PREVPAP. 95) Em 11 de março de 2021, a Autora LL, uma vez integrada no mapa de pessoal do IEFP, I. P. na sequência do PREVPAP, já requereu autorização para acumulação de funções públicas com funções privadas, cujo conteúdo funcional é: “Sócia gerente de uma empresa de mediação de seguros, A... Seguros sociedade de mediação de seguros”, sendo que o Conselho Diretivo do Instituto autorizou a acumulação funcional requerida. 96) O réu enviava aos formadores cronogramas de cada curso/ação de formação. 97) Até dezembro de 2014, os cronogramas eram elaborados em folhas de cálculo. 98) A partir de 2015, começou a ser utilizada uma plataforma colaborativa para elaborar cronogramas. 99) Os cronogramas eram impressos e colocados nos livros de sumários e digitalizados e enviados por correio eletrónico para que os formadores os analisassem e verificassem se estavam em conformidade com os seus tempos ainda não ocupados com a formação ou AEM´s. - alterado. 100) Nesses mapas estavam contidas o número de horas de formação e bem assim o local onde a formação deveria ser ministrada. 101) Nos cronogramas estavam referenciadas todas as horas de formação do curso/ação de formação, para cada unidade de formação e para todo o período de duração do curso/ação de formação. 102) Era feita cópia do cronograma para entregar a cada formando de forma a estes saberem em cada dia e a cada hora as unidades de formação a ser lecionadas. 103) Os trabalhadores do IEFP (coordenadores das áreas de formação) responsáveis por desenvolver as ações de formação, por vezes, contactavam os formadores para saber dos horários vagos ainda sem formação ou sem AEM´s atribuidos, de forma a poderem atribuir o cronograma do curso/ação de formação- alterado. 104) Antes de iniciar a ação de formação realizavam uma informação a solicitar autorização para o início do curso/ação de formação. 105) Os formadores tinham que entregar, no final de cada mês, a ficha de registo de atividades mensal, a nota de honorários e o recibo. 106) Caso não entregassem um destes documentos, o pagamento dos honorários, correspondente às horas de monitoragem e extramonitoragem não poderia ser feito. 107) Estes documentos deviam ser entregues no Núcleo de Gestão Administrativa e Financeira para que o Serviço de Formação Profissional de ... pudesse realizar o pagamento das horas realizadas (monitoragem e extra monitoragem). 108) Sempre que os formadores tivessem algum impedimento para cumprir alguma sessão de formação podiam trocar essas horas de formação com outro formador, de forma a não penalizar os formandos, acordando com o mesmo o dia em que reporiam essas sessões de formação. 109) O pagamento dos apoios sociais aos formandos, designadamente da bolsa de formação, e o pagamento dos honorários aos formadores dependem das horas efetivamente ministradas por estes e assistidas por aqueles. 110) Se os formadores não ministrarem as suas sessões de formação, esta conduta omissiva reflete-se na aprendizagem e nos pagamentos mensais aos formandos. 111) As horas de formação eram contabilizadas a partir do mapa mensal de horas lecionadas por curso/ação de formação realizado pelos mediadores (formadores externos com funções idênticas às de diretores de turma) dos respetivos cursos/ações de formação. 112) As horas extra monitoragem eram registadas pelos próprios formadores em Fichas de Registo de Atividades (documento tipo facultado pelos Serviços Centrais) no final da cada mês. 113) O Serviço de Formação Profissional de ... disponibilizava folhas de sumários (idênticas às dos cursos/ações de formação) para os formadores registarem as atividades extra monitoragem realizadas de forma a poderem ter, no final de cada mês, um registo para elaborarem a Ficha de Registo de Atividades (evidência em caso de auditoria). 114) Os formandos para poderem ser certificados nas unidades de formação tinham que assistir a 90% das horas de formação. 115) Se, por alguma razão, os Autores dessem faltas que pusessem em causa a certificação dos formandos, teriam que dar as horas suficientes para os formandos poderem obter a certificação. 116) Se os formadores faltassem e não repusessem essas horas noutra data, não lhes eram pagos os honorários correspondentes às horas em falta. 117) E, caso não pudessem comparecer a uma determinada sessão de formação, trocavam as sessões com outros formadores. 118) A formação era realizada na área geográfica de intervenção do Serviço de Formação Profissional de ..., que abrange 29 municípios. 119) Os formadores tinham e têm que entregar, no final de cada unidade de formação e/ou na reunião de equipa formativa, a pauta de avaliação dos formandos e os materiais utilizados na formação, designadamente planos de sessão e outra documentação. 120) Estes documentos constituem a evidência do trabalho realizado pelos formadores ao longo da unidade de formação por si ministrada. 121) Os Autores tinham que entregar o programa e os relatórios das avaliações nos prazos que o Serviço de Formação Profissional de ... fixava, tendo em conta que a certificação dos formandos dependia da entrega pontual e tempestiva destes elementos. 122) Os Autores registavam, nas aplicações informáticas de gestão da formação relacionadas com o trabalho que realizavam e constante do contrato. 123) Os formadores tinham que apresentar o comprovativo do pagamento de seguro de acidentes de trabalho para poderem dar formação. 124) Os formadores utilizavam a mediateca / biblioteca do Serviço de Formação Profissional de ... para fazer os seus trabalhos ou preparar as suas sessões de formação- alterado. Aditado - KK - Os formadores preenchiam os sumários nas folhas de sumários e assinavam o sumário da sessão de formação lecionada.(transposto da matéria não provada). Factos não provados: (…) B) RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO: O tribunal superior deve alterar a materialidade que sustenta o Direito caso os factos considerados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente imponham decisão diferente – art. 662º do CPC. O verbo “impor” é distinto do verbo “admitir ou “possibilitar”. A utilização de tal vocábulo confere um especial grau de exigência imposto à segunda instância, a qual deve apenas modificar a matéria fáctica caso se evidencie, de modo claro, uma errada valoração. É, assim, preciso que na segunda instância se detecte um inquestionável mal julgado. E que não haja qualquer dúvida que a resposta deveria ser indubitavelmente diferente. Para que o tribunal da Relação se ocupe do recurso sobre a matéria de facto exige-se também, sob pena da sua rejeição, que o recorrente cumpra o ónus de impugnação especificada, o qual, cingindo-nos aos aspectos essenciais, requer que a parte indique os pontos de facto concretos que contesta, qual a resposta alternativa que propõe que seja dada e qual o meio de prova concreto que impõe essa alteração na resposta dada à matéria de facto - 640º, 1, CPC. Repare-se que o nosso sistema de recurso sobre a matéria de facto está construído de forma exigente, delimitando rigorosamente em que termos se permite o recurso, o qual não se destina, como muitas vezes as partes pretendem, a uma reapreciação global da prova, mas sim a uma fiscalização da decisão recorrida nos pontos concreto alegadamente mal julgados e desde que os concretos meios probatórios esgrimidos imponham decisão diferente. Ressalve-se, ainda, que as instâncias superiores, no que se refere a prova gravada, não dispõem de imediação de prova, escapando-lhe aspectos essenciais como as expressões e posturas de quem presta declarações e que ajudaram a determinar a convicção do tribunal da primeira instância. Também por esta razão, a instância superior não deve interferir, excepto se a prova for manifestamente em sentido diverso e se concluir que o juiz de primeira instância claramente errou. Uma simples dúvida não impõe decisão diferente. Nesta fase é o recorrente que tem o ónus de, com a prova que indica, comprovar o erro, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal. Dito isto, analisando a impugnação da matéria de facto: Factos provados impugnados: (…) Improcede a impugnação da matéria não provada, com exceções dos pormenores assinalados. C ) DIREITO Natureza de vínculo laboral: Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões dos recorrentes e já decididas as questões de prova, a primeira questão de direito que se colocava era a verificação da existência de relações de natureza laboral no período em questão, as quais estavam totalmente dependentes da alteração da matéria de facto. Apenas procederem pormenores irrelevantes, permanecendo inalterada a matéria de facto essencial suporte da alteração da matéria de direito. Assim sendo, a questão de direito necessariamente improcede, mantendo-se válida a extensa fundamentação da sentença sobre a natureza laboral da relação entre os AA e a ré e, bem assim, sobre as consequências resultantes da falta de observância do formalismo legal geradora de nulidade, a qual não impede que durante a vigência de tais contratos estes produzam os seus efeitos normais. Remete-se, assim, para a sentença, quer por a questão estar prejudicada pela prova que permanece essencialmente intocável, quer por ser revelar inadequado repisar “o todo” contido na decisão do tribunal a quo. Ademais, a problemática já foi abordada, em situação em tudo similar, por esta Relação, onde se concluiu que: (i) o vínculo celebrado entre o trabalhador e o IEFP ao abrigo de ditos contratos de “aquisição de serviços de formação tem natureza laboral; (ii) tais contratos estão afectados de nulidade por não ter sido respeitada a parte procedimental respeitante à sua celebração no âmbito da função pública ; (iii) a nulidade não obsta à produção dos efeitos como se o contrato fosse válido durante o período de execução, o que implica, designadamente, a obrigação de pagar ao trabalhador a retribuição de férias, subsídios de férias e de natal - vd. ac. da RG de 24-10-219, proc. º 1831/17.8T8VRL.G1, em cujo sumário consta: “II – A existência ou não de uma situação de subordinação jurídica, que é típica do contrato de trabalho é o que o distingue do contrato de prestação de serviços, por isso a prestação de função com caracter de regularidade e permanência, integradas na organização do organismo em que se exerce a actividade, em período correspondente a uma carga horária, com prévia destinação de tarefas e sujeição a instruções, subsume-se no regime do contrato de trabalho. III – É de qualificar como contrato de trabalho o vínculo constituído entre Autora e o IEFP, I.P., ao provar-se que a Autora no período de Março de 2013 a Setembro de 2016, exerceu as suas funções de forma permanente e regular em local indicado pelo Réu, com os instrumentos de trabalho disponibilizados pelo Réu, sujeita a horário de trabalho e a verificação da assiduidade, sujeita às instruções e orientações transmitidas e sujeita a avaliação do seu desempenho. A que acresce ainda a impossibilidade da A. de assumir qualquer outra actividade profissional, atento o nível de disponibilidade que devia apresentar junto do Réu. IV – É de declarar nulo o contrato de trabalho celebrado entre Autora e Réu (Instituto Público) por não ter sido observado o regime procedimental de recrutamento para o exercício de funções públicas tido por imprescindível. V - A declaração de nulidade do contrato de trabalho não impede que este produza efeitos, como se fosse válido, durante o período em que esteve a ser executado (art.º 122.º, n.º 1 do CT), o que reconduz ao pagamento, por parte do Réu, da retribuição devida à Autora a título de férias não gozadas, subsídio de férias e de Natal.” Créditos salariais Objecta a recorrente que não ficou provado pelos Recorridos o número de horas mensais em que prestaram serviços nem, em consequência, o valor mensal auferido. A objecção é pobre. Para fixar os créditos dos AA na sentença recorreu-se à média de 30h semanais acordada no contrato, ao valor hora de formação que havia sido fixado de 14,40h e ao valor diário de subsidio de refeição que era pago aos demais trabalhadores. Referiu-se correctamente: “ O valor da retribuição horária dos autores encontrava-se contratualmente fixada, após 2013, em 14,40€. Embora em cada contrato, o número de horas adquiridas pelo R. fosse variando, a verdade é que era possível constatar uma carga horária média semanal de trinta horas. Dos contratos anuais estipulam que “para efeitos do desenvolvimento da actividade de formação (…), a prestação de serviço do segundo outorgante corresponde a uma carga horária média mensal de trinta horas”. Assim sendo, mensalmente, cada um dos autores auferiria uma média de 1.728,00 € (30h x 4 x 14,40 €). …. Trabalharam entre 6 de Março de 2013 e 30 de Abril de 2020 (totalizando 7,08 anos). Nunca auferiram qualquer remuneração a título de férias, subsídios de férias e de Natal. Assim, a tais títulos, encontra-se em débito a cada um deles a quantia de 36.702,72 € (trinta e seis mil euros, setecentos e dois euros e setenta e dois cêntimos) (1.728,00 € x 3 x 7,08 anos), ou seja, o valor global de 256.855,26€.” Quanto ao subsidio de refeição consta na decisão: “Os autores reclamam também o pagamento dos subsídios de refeição que os outros colegas do IEFP receberam em 11 meses do ano, com base no princípio da igualmente de tratamento no trabalho do artº 23º e ss do Código de Trabalho, o que lhes é devido, nos seguintes termos: 2013/14/15/16 – valor diário – 4,27 € 2017 – 4,52 € 2018/19/20 – 4,77 €. Assim: 2013 – 4,27 € x 22 dias x 11 meses = 1.033,34 € 2014 – 4,27 € x 22 dias x 11 meses = 1.033,34 € 2015 – 4,27 € x 22 dias x 11 meses = 1.033,34 € 2016 – 4,27 € x 22 dias x 11 meses = 1.033,34 € 2017 – 4,57 € x 22 dias x 11 meses = 1.105,94 € 2018 – 4,77 € x 22 dias x 11 meses = 1.154,34 € 2019 – 4,77 € x 22 dias x 11 meses = 1.154,34 € 2020 – 4,77 € x 22 dias x 4 meses = 419,76 €. Para cada um dos autores a quantia em falta é de 7.967,74 €…” Em suma, a base de cálculo com recurso à média de 30h semanais contratadas e ao valor horário de 14,40€/h está em conformidade com a matéria provada - pontos 19, 25, 69. A ré nunca alegou, nem provou, que os AA faziam menos que a carga horária média contratada de 30 horas semanais. Este é o mínimo a que os AA têm direito. O mesmo se passa com o subsídio de refeição, calculado com base em 11 meses e nos valores diários provados no ponto 75. Nada há a censurar à sentença. O abuso de direito dos AA: Refere a ré que os AA actuaram com abuso de direito porque vieram fazer valer um direito em contradição com a sua conduta anterior, pois candidataram-se aos procedimentos concursais e celebraram sucessivos contratos anuais, conformando-se com o seu objeto. A subescrever esta ordem de ideias, estariam a agir em abuso de direito todos os autores dos inúmeros processos que correm nos tribunais e que pedem o reconhecimento da natureza laboral de vínculos celebrados sob a denominação de “prestação de serviços” ou mesmo de contratos de trabalho a termo nulos. Todos sabemos os constrangimentos originados pelas relações de subordinação jurídica e dependência económica. A decisão recorrida também faz longo enquadramento da questão para qual se remete, transcrevendo-se as seguintes passagens mais expressivas: “….O facto de um trabalhador, só após a denúncia do contrato ou da situação precária vir discutir judicialmente a natureza do seu vínculo laboral não constitui abuso do direito, pois o trabalhador durante a vigência do contrato está numa situação de dependência, não podendo satisfazer ou exercer, de forma plena, os seus direitos. …acórdão do STJ de 16.11.2005, Relator: Conselheiro Fernandes Cadilha, in www.dgsi.pt: “Não incorre em abuso de direito o trabalhador que só após a denúncia do contrato operada pela entidade empregadora vem discutir judicialmente a natureza jurídica da relação contratual em causa, para efeito de impugnar a decisão unilateral de extinção do contrato e reclamar os correspondentes créditos laborais. (…) Se nem sempre é fácil a distinção entre um contrato de trabalho e um contrato de prestação de serviços e se esta terá de ser obtida, por vezes, através de meros juízos de aproximação, e se também é frequente a discrepância entre a vontade declarada e a vontade real das partes quanto à natureza da relação jurídica que se pretende instituir, bem se compreende que se não possa imputar ao autor o exercício ilegítimo de um direito apenas por ter pretendido, por via da presente acção, alterar a qualificação jurídica atribuída ao contrato existente entre as partes. Compreende-se, neste contexto, que o trabalhador não tenha uma percepção clara ab initio da sua situação contratual e possa encontrar-se inibido, até por efeito da sua posição de dependência económica relativamente à entidade beneficiária dos serviços prestados, de fazer valer os seus direitos ainda durante a vigência do contrato. …o abuso de direito, conforme o previsto no artigo 334º do Código Civil …. pressupõe que actue em termos clamorosos ofensivos da moralidade ou da justiça.” …. Acórdão da Relação de Lisboa de 11.02.2009, Relator: Desembargador Leopoldo Soares, in www.dgsi.pt: “Não litiga em abuso de direito quem pretende ver reconhecida a natureza laboral da relação que estabeleceu com outrem e peticionar créditos respeitantes à mesma, ainda que anteriormente tenha outorgado um denominado “contrato de avença” e tenha sido tratado como “prestador de serviços”, visto que durante a vigência da relação sempre se encontrava numa situação de dependência que, presumivelmente, não lhe permitia exercer em pleno os seus direitos.(…) Cabe, desde logo, salientar a tão ténue destrinça existente entre os tipos contratuais em questão, a qual, por vezes, tanta dificuldade gera aos próprios Tribunais na respectiva qualificação. Ora o que se dirá para as próprias partes…! …..Não deve olvidar-se que, tal como refere António Monteiro Fernandes, enquanto o salário para a entidade patronal é um factor produtivo para o trabalhador é “ algo como um crédito alimentar”.[xx] Aliás, a proceder a tese do recorrente estaria encontrada a fórmula (embora seja incontornável que cada caso é um caso ….) para todas as entidades que mantêm trabalhadores ao seu serviço sob a capa de contratos de prestações de serviços, nomeadamente de “avenças”, se eximirem ao pagamento de valores devidos ( e não reconhecidos nem pagos ) aos seus trabalhadores na vigência da relação. …. Recorrendo novamente às palavras de António Monteiro Fernandes (embora em relação ao prazo prescricional cuja contagem se faz de acordo com o seu fundamento que é o de ) “ durante a vigência do contrato a situação de dependência do trabalhador não lhe permite , presumivelmente , exercer em pleno os seus direitos”.[xxi]”. … Acórdão da Relação de Coimbra de 8.09.2021, Relator: Desembargador Jorge Manuel Loureiro, in www.dgsi.pt:“O facto de um trabalhador vir a exigir do empregador prestações salariais que há longos anos lhe eram devidas e que já podia ter exigido, mas que não exigiu, qualquer que tenha sido o motivo, não integra, por princípio, uma actuação com abuso do direito, mas antes um exercício incensurável do mesmo direito.” No caso concreto, os autores encontravam-se, no período em causa, numa situação de manifesta dependência económica do réu, numa situação precária, de incerteza quanto ao seu futuro, naturalmente, não pretendendo colocar em causa, face à ascendência contratual do réu, a sua ligação laboral, o que, aos olhos de qualquer homem médio, colocado na mesma posição, se compreende, atenta a fragilidade da sua posição, podendo qualquer comportamento (processual) ser entendido como fautor de instabilidade na relação em causa, tornando-os dispensáveis e sendo substituídos por outros formadores ou trabalhadores com as mesmas aptidões e competências, atenta a fungibilidade das funções que exerciam, nas respectivas áreas de formação. Os autores apenas conseguiram “livrar-se” desse forte constrangimento moral, quando obtiveram a estabilidade profissional, derivada da vinculação à função pública, através do PREVPAP, o que se compreende, pois que, só quando obtiveram a certeza da sua ligação definitiva ao réu, tomaram coragem para exercer os seus direitos, nomeadamente pugnando pelo reconhecimento dos mesmos, no período anterior a essa vinculação operada. …Não há qualquer expectativa do réu a tutelar (até que, nos termos do supra referido……, pois que não é o nomen iuris do contrato celebrado entre as partes que as vincula irretratavelmente, ilaqueando a possibilidade de a qualificação do mesmo poder vir a ser colocada em causa e apreciada pelos tribunais. … Acórdão do STJ de 30.03.2006, proferido no âmbito da revista 3921/05, “Para que o venire se verifique não basta a existência de condutas contraditórias. É necessário que a conduta anterior tenha criado na contraparte uma situação de confiança, que essa situação de confiança seja justificada e que com base nessa situação de confiança a contraparte tenha tomado disposições ou organizado planos de vida de que lhe surgirão danos irreversíveis, isto é, que tenha investido nessa situação de confiança e que esse investimento não possa ser desfeito sem prejuízos inadmissíveis.” Invoca, também, o réu a dimensão “tu quoque” do abuso do direito. ….podemos dizer que o chamado tu quoque (uma das diversas modalidades de comportamento de entre as que são identificada como traduzindo a aplicação significativa do princípio da boa-fé em sede de abuso de direito) exprime a ideia (isto no plano contratual) de que a parte que violou obrigações que o contrato lhe impõe não deve ser admitida a exercer um direito que nesse contrato lhe é reconhecido, invocando um facto da parte contrária a cuja verificação o seu comportamento não foi alheio. A pessoa que desequilibre, num momento prévio, o complexo regulativo em que se insere o seu direito, não pode depois pretender exercer contra o outro contratante a posição que a ordem jurídica lhe confere, como se nada da sua responsabilidade houvesse ocorrido. ….Acórdão do STJ de 14.03.2019, Relator: Conselheiro Nuno Pinto Oliveira, in www.dgsi.pt: “I - O alcance do princípio do abuso do direito excede o conjunto dos grupos ou tipos de casos considerados na doutrina e na jurisprudência – como a exceptio doli, o venire contra factum proprium, o tu quoque ou o desequilíbrio no exercício jurídico – e, por consequência, não é absolutamente necessário coordenar a situação sub judice a algum dos tipos enunciados.II - O conteúdo do princípio da proibição do tu quoque é o de que quem actua ilicitamente, em desconformidade com o direito, não pode prevalecer-se das consequências jurídicas (sancionatórias) de uma actuação ilícita da contraparte.” … os autores limitaram-se a peticionar que o réu seja condenado a reconhecer que se encontravam vinculados por verdadeiros contrato de trabalho, reclamando, na decorrência dessa qualificação, os créditos laborais em falta. Acresce que, como já referimos, a inércia a que se remeteram, no decorrer dos referidos contratos, não foi de molde a criar a convicção na entidade empregadora de que, no futuro, não iriam exigir o reconhecimento dessa qualificação do contrato, bem como o pagamento dessas prestações, tanto mais que a ré não logrou provar que, aquando da assinatura dos referidos contratos, o conteúdo dos mesmos tenha sido objecto de discussão e negociação com os autores e que estes os tenham celebrado como de “ prestação de serviços” de livre e espontânea vontade. Nenhuma contradição comportamental ou processual existe no facto de uma vez integrados os autores no mapa de pessoal do IEFP, I. P., através do PREVPAP, virem invocar as normas da presunção da laboralidade para que lhes sejam reconhecidos contratos individuais de trabalho antes desse ingresso, pois os seus direitos laborais em nada contendem com os pressupostos de admissão à função pública pelo PREVPAP.…” Concordamos, sendo de manter o decidido. III - DECISÃO Pelo exposto, acorda-se em não conceder provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida. Custas a cargo da recorrente. Notifique. 30-11-2022 Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora) Francisco Sousa Pereira Antero Dinis Ramos Veiga |