Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
175/12.6TBVRM.G1
Relator: JOAQUIM BOAVIDA
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
OPOSIÇÃO À PENHORA
TRÂNSITO EM JULGADO
PRECLUSÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Transitada em julgado a sentença que julga improcedente a oposição à execução, onde se apreciou se a sentença homologatória de transação dada à execução constitui título executivo e em que termos, o tribunal não pode reapreciar, oficiosamente ou a solicitação do executado, esses fundamentos de oposição, nem quaisquer outros destinados a demonstrar a inexistência, invalidade ou inexigibilidade da obrigação exequenda.
II- A própria natureza perentória do prazo para a oposição à execução (artigo 728º, n.º 1, do CPC/2013 e artigo 813º, n.º 1, do CPC/1961), permite retirar, a contrario, a necessidade de concentração da defesa na petição de embargos de executado, excecionada pelos fundamentos supervenientes, pelo que não pode o executado trazer ao processo factos, impugnações e exceções cuja alegação omitira.
III- Julgada improcedente a oposição à penhora por decisão transitada em julgado e não estando em causa uma questão de conhecimento oficioso, designadamente, um caso de indisponibilidade material absoluta, de intransmissibilidade objetiva ou de impenhorabilidade legal absoluta, além de se mostrar precludida a possibilidade de se proceder à reapreciação de fundamentos de oposição à penhora, é extemporâneo o requerimento em que posteriormente se invoca uma alegada nulidade da penhora.
IV- Realizada a venda e comunicada ao executado a adjudicação por carta registada de 22.03.2016, à data de 23.05.2017 encontrava-se esgotado o prazo de dez dias para arguir qualquer hipotética nulidade da venda, designadamente com fundamento em não ter sido precedida de avaliação do bem vendido.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães (1):

I – RELATÓRIO

1.1. Na execução, fundada em sentença homologatória de transacção, que corre termos sob o nº 175/12.6TBVRM, no Juízo de Execução de Guimarães – Juiz 2 – do Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães, instaurada por M. G. contra A. J., o Executado interpôs recurso de apelação do despacho proferido em 14.11.2020, sob a referência citius nº 170489140, formulando, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:

«a) Vem o presente recurso interposto do despacho de 16.11.2020 que sob a referência 170489140 indeferiu o pedido de indeferimento da execução, por manifesta falta de título, assim como violação de normas processuais e substantivas pelas criminalmente mancomunadas exequente e agente de execução, com a consequente a declaração de nulidade e/ou anulação da venda.
b) Contrariamente ao decidido pelo tribunal a quo, num Estado de Direito, o princípio do efeito da preclusão processual, não abrange nem convalida as situações ilícitas, aliás, criminosas, pois entre o valor Justiça, assegurado por uma tutela jurisdicional pronta e efetiva e o valor da certeza e de estabilidade das situações jurídicas, prevalece sempre o valor Justiça, até porque não há Estado de Direito sem Justiça.
c) Ademais, o fim nobre que levou à institucionalização do monopólio estadual da administração justiça (evitar o arbítrio entre os humanos e a barbárie), em especial na parte coerciva, leva a que o juiz não possa descarregar no executado o odioso de não ter visto e alegado na alvorada do processo o que ele, juiz, também devia ex officio ter visto e, aliás, em primeiro lugar, mas outrossim não viu.
d) No caso concreto dos autos, além de ser dada à execução sentença homologatória que não constitui título suficiente, exequente e agente de execução, por várias e repetidas vezes, enganaram rectius burlaram o tribunal, recorrendo a todo o tipo de logros de acordo com os momentos e impulsos processuais, desde o uso de documentos falsos, falsas informações, corrupção e prevaricação da senhora agente de execução, com o que a exequente obteve uma absurda e elevada vantagem patrimonial à custa do empobrecimento do executado.
e) Nuclearmente está em causa a nulidade tout court (substantiva) da execução por, manifesta, falta de título e, ainda que assim se não considerasse, mas sem conceder, a monstruosa, aliás, ilícito-penal tortuosidade imprimida à execução pela senhora agente de execução que a mando da exequente violou normas materiais e processuais para satisfazer os desígnios, claramente, criminosos.
f) O tribunal a quo entendeu que tendo havido oposição à execução e julgada esta improcedente se constituiu caso julgado quanto à validade e suficiência do título, pois que “…a preclusão da alegação de um fundamento distinto que já se verificava a partir do momento da entrega da petição inicial dos embargos de executado passa a atuar através da exceção de caso julgado, se esse fundamento for indevidamente alegado numa ação posterior.”.
g) Ou seja, neste segmento o tribunal a quo não considerou que na execução o controlo da suficiência do título é do conhecimento oficioso e pode/deve ocorrer a todo o momento até à transmissão de bens a terceiros e que a respetiva nulidade (processual ou material) é insuprível nem por efeitos do caso de preclusão.
h) Dessarte, o tribunal a quo, devia aplicar o artigo 732.º/6 do CPC na interpretação de que mesmo havendo oposição à execução, a sentença que sobre ela incidir apenas constitui caso julgado formal para as questões que em concreto tenham sido apreciadas e decididas e que, ao contrário do decidido, está sujeita à regra rebus si stantibus, de modo que o caso julgado formal não impede o juiz de posteriormente indeferir a execução se novos fundamentos sejam de fato sejam de direito sobrevierem ao seu conhecimento e que não havia detetado nem se pronunciado antes.
i) O processo de execução não é um processo declarativo onde funcione o princípio do dispositivo, constituindo, aliás, e ao invés, um aliud, no qual é exercido o poder coercivo do Estado, não sendo, pois, lícito, sem mais, transportar as disposições de um para o outro, obtendo um resultado aberrante pela aplicação simbiótica de normas, como de resto o impõe o artigo 551.º/5 do CPC.
j) Verdade é que é doutrina e jurisprudência pacífica de que a não dedução de oposição à execução, no prazo oportunamente assinalado ao executado, não o impede de propor ação declarativa que vise a repetição do indevido por inexistência na execução de ónus de concentração da defesa.
k) Sendo isto assim, por maioria de razão é de concluir que nada impede o executado de, por simples requerimento, suscitar questões de que o juiz devia (deve) conhecer oficiosamente até que a execução esteja extinta, não valendo neste caso concreto a apressada extinção da execução decretada pela senhora agente de execução, posteriormente ao requerimento de nulidade de todo o processado, quer por falta de título quer pela conduta criminosa da agente de execução, exequente e demais representantes.
l) É inconstitucional, por violar o artigo 20.º/1 e 4 da Constituição, a norma extraída do artigo 728.º/1 e 732.º/6 do CPC, na interpretação de que existe um ónus por parte do executado de concentração na oposição à execução e que, assim, a sentença proferida na oposição por embargos constitui caso julgado de questões que nela não foram colocadas nem conhecidas ou decididas e impede o juiz de posteriormente oficiosamente ou a requerimento indeferir a execução por falta ou insuficiência do título.
m) Por outro lado, ao caso sub judice, o limite temporal balizado no artigo 734.º/1 do CPC (até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados), não se aplica ao caso de que nos ocupamos, na medida em que, visando esta norma proteger terceiros de boa fé, a exequente, além de mala fide, aliás, criminosa, é a própria compradora!
n) Que, note-se, na compra utilizou dinheiro proveniente de crimes (abuso de confiança qualificado, fraude fiscal qualificada, falsificação de documentos, burla agravada e branqueamento de capitais) posto que, abusando gravemente do cargo de cabeça-de-casal, antes havia roubado ao executado milhões de euros e a quantia depositada nestes autos, poucos dias depois foi devolvida àquela pela corrompida agente de execução que, a troco do pagamento da quantia de 49.733,45€, se havia deixado corromper para praticar atos ilícito-penais.
o) Decorre do artigo 10.º/5 do CPC que a ação executiva já pressupõe a existência de um direito, que foi previamente declarado ou então está reconhecido num documento que é essencial neste tipo de ação, ou seja, o título executivo é o documento do qual resulta a exequibilidade de uma pretensão e, portanto, a possibilidade da realização coativa da correspondente prestação através de uma ação executiva.
p) Neste processo executivo, foi dada à execução uma sentença homologatória de uma transação, já melhor descrita na decisão recorrida e da qual resulta que exequente e executado, enquanto irmãos e herdeiros, celebraram um contrato promessa de compra e venda de dois prédios incluídos na herança, tendo sido convencionado uma cláusula penal de 25 000,00€ para o eventual incumprimento.
q) Destarte, é manifesta a falta de título para a presente execução, uma vez que o contrato celebrado e homologado, por sentença, foi um contrato promessa de compra e venda que se mostra por cumprir, faltando determinar jurisdicionalmente quem incumpriu o quê e porquê.
r) A sentença que homologa a transação mediante a qual as partes celebraram um contrato de promessa de compra e venda, não constitui título suficiente para uma execução de pagamento de quantia certa, porquanto inexiste qualquer condenação ou obrigação de pagamento de qualquer quantia.
s) Das cláusulas 1.ª a 3.ª da transação e correspondente parte dispositiva da sentença homologatória, alcança-se que o tribunal não adjudica os bens referenciados nos artigos 1.º e 2 da transação, antes condenando as partes a cumprirem o acordado contrato de promessa de compra e venda (necessariamente futuro).
t) Através cláusulas 5.ª e 6.ª, vemos que as partes relegaram para momento posterior a fixação do preço que é condição de validade ou elemento essencial do contrato (formal) de compra e venda de imóvel e, não menos importante tem de constar no título, perceção que o comum dos mortais tem de quando vai outorgar uma escritura de um contrato de compra e venda de imóveis, pois o preço é condição sine qua non da respetiva realização do contrato.
u) Pelo teor das cláusulas 7.ª e 8.ª sai reforçada a óbvia e única conclusão que estamos perante um contrato promessa de compra e venda, e não um contrato definitivo, pois vemos que as obrigações de constituição de hipoteca e pagamento do preço são projetadas para o futuro condicional o que, além do mais, se colhe do advérbio “será”, o que não deixa de ser sintomático que a vontade das partes foi a celebração de um contrato promessa e cujos contratos definitivos coenvolvem obrigações recíprocas tema que retomaremos.
v) Apodítico de que se não está perante um contrato de compra e venda com efeitos reais, mas sim de um contrato promessa é o teor da cláusula 11.ª que estabelece a cláusula penal e que reza: «Em caso de incumprimento do ora acordado, o Autor pagará a título de cláusula penal a quantia de € 25 000,00 (vinte e cinco mil euros).»
w) Trata-se, portanto, de uma cláusula penal estabelecida previamente entre as partes em caso de incumprimento do acordado e não – insista-se – pelo eventual incumprimento do pagamento do preço.
x) Em tal medida, essa sentença homologatória é manifestamente insuficiente para servir de título à execução da pretendida obrigação de pagamento/indemnização, o que constitui vício insuprível determinativo da extinção da execução. - Ac. do STJ de 30.04.2015, processo 312-H/2002 in www.dgsi.pt
y) No requerimento executivo, a exequente enganou literalmente o tribunal, pois refere (art. 5) “(…) o executado aceitou e obrigou-se a pagar à ali interessada e aqui exequente o valor equivalente a 50% do valor que resultasse da avaliação (…)”, fazendo crer que o executado havia se obrigado a uma obrigação pecuniária, quando, na verdade, e como demonstramos, se obrigou a uma prestação (obligatio facere) de facto materializada numa promessa, qual seja a de adquirir 2 prédios e respetivo recheio.
z) E a astúcia do engano sobressai ainda quando refere que “(…) foram adjudicados ao ali autor e aqui executado (…)”, pois certo é que a sentença que homologou a transação nada adjudicou ou transmitiu ao executado (sentença constitutiva), nem, aliás, podia, por não ser o tribunal onde decorria o inventário, mas, ao invés, limitou-se, a condenar as partes a cumprir os termos da transação e para cujo incumprimento as partes acordaram numa sanção compensatória e não compulsória.
aa) Ademais, a exequente, na senda burlona, sempre sabia que o tribunal onde foi lavrada a dita transação careceria de competência em razão da matéria para adjudicar qualquer bem a um das partes, na medida em que estando em curso o respetivo processo judicial de inventário é neste que se procede às partilhas definitivas dos bens incluídos no acervo que compõem a herança.
bb) Note-se, ainda, que ao longo de todo este tempo, a exequente maliciosamente não interpelou o executado para cumprir com o contrato prometido, sendo certo que se tratando de um contrato bilateral as prestações de facto são recíprocas, não bastando, portanto, a vontade e ação do executado, posto que necessário seria sempre a intervenção da exequente quer para a outorga da escritura da hipoteca quer para a escritura de compra e venda, sem prejuízo da necessária conformação no processo de inventário.
cc) Por incrível ou surreal que pareça os prédios objetos da transação encontram-se incluídos na herança e, portanto, por força da adjudicação nesta execução do quinhão hereditário do executado à exequente os mesmos são propriedade desta senhora!
dd) É inconstitucional, por violar o artigo 20.º/4 da Constituição, a norma extraída do artigo 10.º/5 e 6, 703.º/1 al. a), 704.º/1 al. a) do Código de Processo Civil, aplicada pelo tribunal a quo na interpretação de que constitui título suficiente para a execução de pagamento de quantia certa, a sentença homologatória de uma transação mediante a qual as partes celebraram um contrato promessa de compra e venda, para o qual estabeleceram cláusula penal a título de sinal e que passada a fase de oposição, sem que a questão tenha sido suscitada, ao juiz, com fundamento no efeito de preclusão, não é lícito indeferir liminarmente o requerimento executivo por falta de exequibilidade do título.
ee) À parte das vicissitudes criminosas de que enferma a execução certo é que a penhora e venda do quinhão hereditário do executado é um ato nulo, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 280.º, 286.º, 289.º/1, 294.º, todos do Código Civil a que nem o princípio da preclusão dá guarida, sendo certo que o executado sempre se insurgiu contra tais atos criminosos.
ff) A situação dos autos não merece tratamento/decisão diversa da que “Não é verdade que ante uma cláusula nula, por contrariedade à boa-fé, o tribunal esteja limitado na sua função de administração da justiça e impedido de declarar a sua nulidade por a mesma não haver sido invocada pelos interessados.” Ac. do STJ de 01.10.2019, processo 3550/09 in www.dgsi.pt.
gg) É certo que, contrariamente ao que foi objeto deste citado acórdão, a aqui exequente e demais coautores e cúmplices ainda não foram presos rectius condenados, mas isso não impede que se conclua neste processo pela existência de uma conduta ilícita e passível de reação jurídico-civil de nulidade dos atos praticados.
hh) Por força do disposto no artigo 735.º/1 do CPC, se o alegado rectius forjado crédito da exequente é pelo não pagamento do valor do bens putativamente adjudicados em sede de partilha da herança, ao executado então só podiam ser penhorados tais prédios, nos termos do artigo do artigo 1378.º, nº 3 do Cód. Proc. Civil/61 (atual 1122.º, nº 2) na medida em que a obrigação do pagamento de tornas apenas nasce com a licitação e consolida-se com a sentença homologatória da partilha constante do mapa (de partilha) que adjudica aos interessados os respetivos quinhões, reafirmando a obrigação de serem pagas as tornas aí consagradas (no mapa), condenando, implicitamente, o devedor a pagar tais quantias.
ii) Note-se que a exequente, sendo economista por formação, embora não se lhe conheça atividade profissional condizente, não relevando a sua fugaz passagem pelos serviços de contabilidade da companhia de aviação X, SA, atuou ab ovo com desígnios criminosos, beneficiando, para tanto, da intensa colaboração/participação inter alia do seu marido o Dr. J. G., que é advogado de profissão e de vários outros advogados, com larga experiência em direito sucessório e tabular.
jj) Sabiam os ditos intervenientes processuais que acaso fosse intenção das partes efetuarem a partilha, mediante adjudicação ao executado dos prédios referidos na transação de 01.06.2011, então o caminho que se lhes impunha era suspenderem a ação de Vieira do Minho e efetuarem a mesma partilha no processo de inventário.
kk) Mais sabiam que acaso tivesse havido efetiva transmissão dos prédios ao executado, mediante adjudicação, o crédito da exequente, pelo pagamento do preço seria sempre a título de tornas e que a hipoteca é legal e de feitura automática rectius oficiosa, em conformidade com o disposto nos artigos 704.º e 705.º al. e) do Código Civil e artigo 50.º do Código do Registo Predial.
ll) E também não olvidavam que acaso tivesse havido adjudicação dos bens (prédios) ao executado, só aqueles bens é que respondiam pela dívida (em conformidade com o disposto no artigo 1378.º/3 [atual 1122.º/2] do CPC), o que ganha maior importância quando se vê que foram avaliados em Julho de 2011 pelo valor de 344 000,00€, nem sequer se colocando, portanto, uma eventual insuficiência de valor do bem para satisfazer o falso crédito.
mm) Justamente, por terem consciência da ilicitude (penal) da sua conduta, no intervalo entre a transação (01.06.2011) e a instauração da execução (10.05.2012) os ditos intervenientes processuais não procuraram interpelar o executado para nada, i. e., não pediram o pagamento ou não o notificaram para qualquer escritura nem, muito menos, para irem em conjunto ao processo de inventário proceder à divisão daqueles concretos bens.
nn) Também sabiam os mencionados intervenientes processuais que a transação e respetiva sentença homologatória não constituía título para o registo da propriedade dos dois prédios a favor do executado, precisamente porque se tratava de um contrato de promessa de compra e venda para o qual, aliás, estipularam sinal a título de cláusula penal.
oo) Mas, tirando partido do fato do executado estar representado por advogada, muito jovem e inexperiente, optaram por redigir as cláusulas da transação nos termos em que o foi, de modo a basear uma execução futura que, anteviam, pelas razões expostas, ir ser criminosa, na medida em que sabiam que a adjudicação dos bens em processo de inventário tem de ser forçosamente efetuada no mesmo e não noutro, de modo a se compor os respetivos quinhões e que a presença da exequente, enquanto parte interessada e titular do direito é condição sine qua non para a validade e eficácia do ato, embora se pudesse fazer representar por mandatário com poderes especiais.
pp) Aliás, essa intenção de burlar o tribunal, como burlaram, ganha maior evidência quando se constata que, em momento algum, os referidos intervenientes processuais levaram ao conhecimento do processo onde decorre o inventário a existência da transação e, ao invés, burlaram também e uma vez mais o tribunal onde decorre o inventário.
qq) Na verdade, da tramitação posterior deste processo de execução releva o despacho de 03.12.2015, mediante o qual foi suspenso por 45 dias, dada a pendência do processo de inventário no qual, aliás, estava agendada para 14.01.2016 a conferência de interessados.
rr) Compulsada a ata de 14.01.2016, que se juntou a estes autos, vemos que não foi comunicado ao tribunal do inventário que tinha havido uma transação visando bens (prédios) da herança neste processo e que inclusive os mesmos já tinham sido avaliados pelo que nada obstava a que logo ali o tribunal onde decorre o inventário efetuasse a adjudicação dos prédios e então só a partir daí se pode falar em transmissão, com a consequente obrigação de pagamento.
ss) E mais bem iluminado fica o embuste, quando se constata que os intervenientes processuais omitiram ao tribunal onde decorre o processo de inventário que haviam instaurado a presente execução, o que fizeram de modo a ocultarem o rasto criminoso, pois o natural é que aquele tribunal detetasse a grave burla que gizaram e que ainda adrede omitiram que de acordo com a embora criminosa, por falsa, informação da senhora agente de execução os restantes prédios haviam sido avaliados nestes autos para efeitos de determinação do valor do quinhão hereditário do executado.
tt) Na sequência da insidiosa suspensão do processo de inventário, os ditos intervenientes processuais trataram de, em ato contínuo, manter o requerimento que haviam apresentado neste processo a 19.11.2015, portanto já depois de terem sido notificados da data para a conferência no processos de inventário, para que fosse designada data para abertura de propostas para venda do quinhão hereditário penhorado enganando o tribunal a quo, de modo a que este contrariando o despacho de 03.12.2015, por despacho de 19.02.2016, designou a data para abertura de propostas no dia 11.03.2016.
uu) Da qual, aliás, resultou que a única licitante foi a exequente que depositou parte do preço com dinheiro que havia subtraído à herança (o que vale por dizer roubou ao executado) e que dias depois lhe foi devolvido depois da exequente ter falsificado uma série de documentos de modo a enganar, como enganou, os tribunais fazendo crer que o executado era devedor de quantias à sociedade M. G. & Filhos, Lda. (dona da Pastelaria ... no Chiado), quando certo é que a mesma roubou rectius se apropriou ao longo de mais de 15 anos de uma elevada quantia de cerca 4 000 000,00€ (quatro milhões de euros).
vv) Para se ser mais claros: a exequente, tirando partido do facto de ser cabeça de casal, apropriou-se, além do mais, da referida quantia de 4 000 000,00€ em dinheiro vivo e como era ela quem executava a contabilidade da sociedade escrevia em papéis avulso que havia sido o executado quem desviou uma quantia de cerca de um milhão de euros e o desvio dos restantes 3 000 000,00€ foram ocultados com falsas provisões e outros ardis na contabilidade.
ww) É inconstitucional, por violar os artigos 2.º, 20.º/1, 62.º/1 e 202.º/2 da Constituição a norma extraída do artigo 723.º/1 do CPC, na interpretação de que perante a alegação do executado que a compradora e exequente sua irmã utilizou dinheiro proveniente da prática de crimes de que foi vítima como abuso de confiança, burla, falsificação e branqueamento, o tribunal não tem o dever de sobrestar a venda e exigir ao comprador prova da origem licita do dinheiro aplicado na compra, declarando nula a venda na falta de prova suficiente da legitimidade do dinheiro.
xx) Também, por estas razões há pois que concluir pela ausência de título para a execução ou nulidade tout court da penhora e venda do quinhão hereditário, na medida até em que se trata de uma nulidade substantiva e, simultaneamente, adjetiva do conhecimento oficioso de que, aliás, “o juiz não poderá deixar de conhecer, sob pena de proferir uma decisão injusta, i. e., desconforme ao Direito.” Cfr. Ac da RG de 25.06.2020, processo 613/19 in www.dgsi.pt.
yy) Sem que houvesse dinheiro depositado à ordem dos autos, a corrompida agente de execução, por débito da conta de clientes efetuou no dia 14.11.2014 uma transferência a favor da exequente no valor de 49 733,45€ (peculato), quantia que esta tratou de levantar e entregar àquela como contrapartida pelo mercadejar do cargo (corrupção).
zz) A senhora agente de execução I. H. enganou tudo e todos com especial destaque para o tribunal, pois na decisão sobre a modalidade de venda refere “de acordo com a avaliação efetuada” ao passo que no auto de venda refere que não foi efetuada nenhuma avaliação, que de facto não foi efetuado.
aaa) Sem prestar contas e após a apresentação do requerimento de nulidade da execução, da penhora e venda do quinhão hereditário, a corrompida agente de execução requereu ao tribunal a quo a extinção da execução e como o tribunal não a decretou, tratou ela própria de a decretar.
bbb) A senhora agente de execução, no exercício das suas funções no processo, sabia – e sabe – que tem o dever de aferir oficiosamente, e a todo o tempo, a suficiência do título, recusando-o, nos termos do artigo 855.º/2 al. a) do CPC ou, em caso de dúvida, submetendo a questão ao tribunal, cfr, al. b) do mesmo inciso e que o título dado à execução não incorporava a constituição de qualquer obrigação de pagamento de qualquer quantia.
ccc) Por maioria de razão, sabia a corrompida agente de execução, que no caso de uma execução ser movida para pagamento de uma quantia devida a título de tornas, em virtude de uma alegada adjudicação de bens incorporantes na herança, só estes é que seriam penhoráveis (1378.º/3 do Cód. Proc. Civil/61 [atual art. 1122.º/2]), pelo que livre e conscientemente violou os seus deveres profissionais ao impulsionar a venda do quinhão hereditário, até porque nada, mesmo nada, a impedia (bem pelo contrário) de corrigir a criminosa penhora do quinhão hereditário pela penhora dos bens que respondiam pela dívida.
ddd) É inconstitucional, por violar o artigo 62.º/1 da Constituição a norma extraída dos artigos 735.º/1 e 1378.º/3 [atual artigo 1122.º/2] do CPC, na interpretação de que não é nula e invocável a todo o tempo a penhora e venda do quinhão hereditário do executado, quando o crédito exequendo, a se ter por preenchido, é devido a título de tornas pela adjudicação ao mesmo de prédios incluídos na herança e que não são só estes que respondem pela dívida.
eee) Do exame, ainda que perfunctório, aos autos vemos que não obstante invocar não ter sido regularmente notificada, a mandatária do executado/recorrente no dia 02.07.2014 atravessou requerimento pugnando que a venda fosse efetuada por hasta pública e pelo valor mínimo de 1 600 000,00€, ao passo que, e por seu turno, o advogado, Dr. P. G., na qualidade de mandatário da exequente, M. G., pugnou a 08.07.2014 que a venda devia ser efetuada por carta fechada pelo irrisório valor de 344 250,00€.
fff) A agente de execução comunica aos intervenientes e ao tribunal no dia 01.06.2015 a decisão da modalidade da venda e num documento dotado de fé pública, fez constar um fato que sabia ser falso, pois refere “avaliação efetuada”, quando certo é que não foi efetuada nenhuma avaliação quer aos bens imóveis quer aos bens móveis e ainda aos rendimentos gerados pela herança em dinheiro vivo que já naquela data eram superiores a 4 000 000,00€.
ggg) A falta de avaliação do quinhão hereditário redundou em graves e elevados prejuízos quer para o executado quer para a boa Administração da Justiça, pois o valor do quinhão hereditário era, é, no mínimo dez vezes superior ao indicado pela corrompida agente de execução.
hhh) Na verdade, já na data em que foi promovida a venda do quinhão hereditário, as rendas (frutos) percebidas pela herança relativas às lojas do Largo ... em Lisboa - mas que a cabeça-de-casal (a exequente), em violação do disposto no artigo 2092.º do Código Civil não entregou aos herdeiros (ela e o executado), antes pelo contrário delas se apropriou e branqueou – ascendiam a 578 822,58€, sendo caso para se dizer que surpreende porque é que a senhora ainda não foi presa ou pelo menos sujeita a medidas de coação mais gravosas que o TIR, até porque sabido é que em Portugal prende-se por condutas muito menos desvaliosas.
iii) Ainda, não menos certo é que na herança estão incluídas as lojas do Largo ..., que de acordo com a avaliação junta a estes autos pelo executado valiam 1 040 845,87€.
jjj) Na herança está incluída a quota de 90% do Capital Social da sociedade M. G. & Filhos, Lda, que, por sua vez é dona da conhecida Pastelaria ... no Largo … em Lisboa, sociedade que só no valor da chave do negócio vale seguramente mais (muito mais) de 2 000 000,00€.
kkk) Mas esta sociedade, além do valor da chave do negócio, gera rendimentos muito atrativos, sendo que uma avaliação, ainda que perfunctória permite concluir que a sociedade entre 2003 e 2017 gerou receitas líquidas superiores a 4 000 000,00€, e é certo que a contabilidade evidencia o desvio rectius a apropriação destas pela exequente - que as branqueou das mais variadas formas, e. g., espalhando dinheiro por vários bancos, transferências para o estrangeiro, compra de iates, várias viagens ao Estrangeiro, motorista privado, pagamentos de estudos e doutoramentos dos filhos em Portugal e nos Estados Unidos da América, festas sumptuosas na casa da Arrábida cujos proprietários, tanto quando se sabe, ainda hoje lutam na justiça para reaverem a casa de que foram espoliados -, pelo que a correta avaliação do quinhão hereditário havia de considerar aquele valor.
lll) A que acrescem as jóias e pratas da de cujus, no valor mínimo de 120 000,00€, que a exequente se apropriou mas, aliás, cujas fotos permitiram a esta senhora simular um crime de furto e cometer um crime de burla agravada na forma tentada, pois, invocando ser proprietária das pratas, quando de fato nunca foi, participou criminalmente contra o executado (denúncia caluniosa) alegando que este as havia furtado, tendo o julgamento permitido concluir que o móbil de tal simulação era duplo: prender injustamente o executado; e concomitantemente burlar a companhia de seguros, já que pouco tempo antes (5/6 meses) havia sido celebrado um seguro contra furtos, sendo que, no entanto, a seguradora não se deixou burlar, pois declinou o acionamento do seguro por perceber o logro.
mmm) Contas feitas e que a pecarem é por defeito, temos que o valor mínimo do quinhão hereditário pertencente ao executado ascende 3 994 834,22€ [7 989 668,45€/2], contra os ridículos 473.359,77€ arbitrariamente fixados pela mancomunada senhora agente de execução. Ad cautelam,
nnn) É inconstitucional, por violar os artigo 2.º, 20.º/1 e 202.º/2, da Constituição a norma extraída dos artigos 195.º e 839.º/1 al. c) na interpretação de que o erro do tribunal que realiza o ato público de abertura de propostas, induzido pelo agente de execução que informou ter efetuado avaliação dos bens, mas não o fez, não constitui nulidade insuprível ou insanável determinante de invalidação de todo o processado relativo à venda.
ooo) Por todo o exposto a decisão recorrida violou as normas supramencionadas, devendo as mesmas serem interpretadas e aplicadas no sentido expresso nas conclusões desde recurso.

Nestes termos e nos melhores de Direito e sempre com o mui douto suprimento de vossas excelências, Venerandos Juízes Desembargadores, deve ser concedido provimento ao presente recurso, e consequentemente, revogada a decisão recorrida, decidindo-se:

a) Indeferir liminarmente a execução, por manifesta falta de título na medida em que a sentença dada à execução não condenando o réu no pagamento de qualquer quantia, limita-se a homologar a transação, mediante a qual as partes celebraram um contrato promessa de compra e venda, com estabelecimento de sinal, declarando-se nulas a penhora a venda quinhão hereditário do executado;
b) Quando assim se não entenda, mas sem conceder, declarada nula ou anulada a penhora e venda do quinhão hereditário do executado, na medida em que se tratando de um alegado crédito a título de pagamento do preço resultante da adjudicação de um bem (dois prédios e recheio) em sede de partilha de bens da herança, então trata-se um crédito a título de tornas e, nessa conformidade, só os prédios objeto da transação é que respondem pela dívida, sem prejuízo da respetiva execução ter de correr enxertada no processo de inventário, o que outrossim leva à extinção da presente execução;
c) Ainda e sempre à cautela, a não se considerar nenhum dos anteriores pedidos, então tendo a agente de execução adrede induzido em erro determinante o tribunal ao informar ter havido avaliação do quinhão hereditário quando, de fato, não houve, deve ser anulada a venda, nos termos do artigo 195.º do CPC, determinando-se a avaliação de todos e cada um dos bens que integram o acervo hereditário;
d) Sem se conceder, a não proceder qualquer um dos pedidos anteriores, deve ser declarada nula ou anulada a venda do quinhão hereditário e atos com ela conexos, na medida em que a compradora também exequente, aplicou na compra dinheiro sujo, proveniente, aliás, da prática de crimes de abuso de confiança agravado, falsificação de documentos, fraude fiscal qualificada, burla e branqueamento de capitais, pois só assim se fará costumada e esperada JUSTIÇA».
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A Recorrida M. G. e Filhos, Lda., apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.
O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
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1.2. Questões a decidir

Em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nºs 2 a 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso. Por outro lado, os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, não podendo o tribunal ad quem analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes ao tribunal a quo. Em matéria de qualificação jurídica dos factos a Relação não está limitada pela iniciativa das partes – artigo 5º, nº 3, do CPC.

Neste enquadramento, são questões a decidir:
i) Falta de título executivo;
ii) Nulidade da penhora e da venda (“nos termos dos artigos 280.º, 286.º, 289.º/1, 294.º, do Código Civil e artigos 735.º/1 e 1378/3 (atual 1122.º/2 do CPC)”);
iii) Actuação da agente de execução e consequente nulidade da penhora e da venda;
iv) Inconstitucionalidade da interpretação normativa acolhida no despacho recorrido, traduzida nas seguintes formulações constantes das conclusões:
«l) É inconstitucional, por violar o artigo 20.º/1 e 4 da Constituição, a norma extraída do artigo 728.º/1 e 732.º/6 do CPC, na interpretação de que existe um ónus por parte do executado de concentração na oposição à execução e que, assim, a sentença proferida na oposição por embargos constitui caso julgado de questões que nela não foram colocadas nem conhecidas ou decididas e impede o juiz de posteriormente oficiosamente ou a requerimento indeferir a execução por falta ou insuficiência do título.
dd) É inconstitucional, por violar o artigo 20.º/4 da Constituição, a norma extraída do artigo 10.º/5 e 6, 703.º/1 al. a), 704.º/1 al. a) do Código de Processo Civil, aplicada pelo tribunal a quo na interpretação de que constitui título suficiente para a execução de pagamento de quantia certa, a sentença homologatória de uma transação mediante a qual as partes celebraram um contrato promessa de compra e venda, para o qual estabeleceram cláusula penal a título de sinal e que passada a fase de oposição, sem que a questão tenha sido suscitada, ao juiz, com fundamento no efeito de preclusão, não é lícito indeferir liminarmente o requerimento executivo por falta de exequibilidade do título.
ww) É inconstitucional, por violar os artigos 2.º, 20.º/1, 62.º/1 e 202.º/2 da Constituição a norma extraída do artigo 723.º/1 do CPC, na interpretação de que perante a alegação do executado que a compradora e exequente sua irmã utilizou dinheiro proveniente da prática de crimes de que foi vítima como abuso de confiança, burla, falsificação e branqueamento, o tribunal não tem o dever de sobrestar a venda e exigir ao comprador prova da origem licita do dinheiro aplicado na compra, declarando nula a venda na falta de prova suficiente da legitimidade do dinheiro.
ddd) É inconstitucional, por violar o artigo 62.º/1 da Constituição a norma extraída dos artigos 735.º/1 e 1378.º/3 [atual artigo 1122.º/2] do CPC, na interpretação de que não é nula e invocável a todo o tempo a penhora e venda do quinhão hereditário do executado, quando o crédito exequendo, a se ter por preenchido, é devido a título de tornas pela adjudicação ao mesmo de prédios incluídos na herança e que não são só estes que respondem pela dívida.
nnn) É inconstitucional, por violar os artigo 2.º, 20.º/1 e 202.º/2, da Constituição a norma extraída dos artigos 195.º e 839.º/1 al. c) na interpretação de que o erro do tribunal que realiza o ato público de abertura de propostas, induzido pelo agente de execução que informou ter efetuado avaliação dos bens, mas não o fez, não constitui nulidade insuprível ou insanável determinante de invalidação de todo o processado relativo à venda».
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II – FUNDAMENTOS

2.1. Fundamentos de facto

Atento o teor dos elementos juntos aos autos e o que se pode constatar através do acesso electrónico ao processo nº 175/12.6TBVRM-A, para a resolução das apontadas questões relevam os seguintes factos:

2.1.1. Em 10.05.2012, M. G. instaurou a presente execução contra A. J. invocando os seguintes fundamentos:
«1. Por sentença judicial de fls. 858 (com a referência nº 579560) proferida na acção de processo ordinário que, sob o nº 499/05.9TBVRM, correu termos pelo Tribunal Judicial de Vieira do Minho, foi julgada válida e judicialmente homologada a transacção celebrada naqueles autos judiciais entre o ora executado e ali autor e a ali Ré, "Herança por Óbito de M. G.", representada pela ora exequente.
2. Tal sentença é de 01.06.2011, foi notificada naquele mesmo dia ao ora executado e à aludida Ré, na pessoa da ora exequente, e transitou em julgado no dia 16.06.2011.
3. Tais sentença e transacção são as que constam da certidão judicial, emitida aos 27/03/2012 pelo Tribunal da Relação de Guimarães, que ora se junta e dá por integralmente reproduzida como título executivo e para todos os efeitos judiciais. Doc. nº 1.
4. A sentença judicial que ora se executa, validou e homologou, pois, a transacção titulada nos aludidos autos pela referência nº 579560, pela qual o aqui executado e ali autor se obrigou a pagar à ali interessada e aqui exequente o valor equivalente a 50% do valor que resultasse da avaliação dos prédios a que se alude na cláusula 1ª da referida transacção (vide cláusula 6ª da transacção homologada pela sentença ora dada à execução - Cfr. doc. nº 1 junto supra).
5. Nos termos da cláusula 5ª da mesma transacção (cfr. doc. nº 1 junto supra), o executado aceitou e obrigou-se a que os prédios referidos na cláusula 1ª da transacção fosse avaliados por peritos, que foram desde logo nomeados, e obrigou-se, ainda, a aceitar o valor resultante de tal avaliação, o que corresponderia, como correspondeu, à fixação do preço a pagar pelo ali autor e ora executado à ali interessada e ora exequente, tudo tal como transaccionado, validado e homologado pela sentença exequenda.
6. A obrigação de pagamento do preço assumida pelo executado à exequente, ou seja, a obrigação do pagamento pelo executado à exequente da quantia equivalente a 50% do valor da avaliação dos referidos prédios, que foram adjudicados ao ali autor e aqui executado por meio da referida transacção, venceu-se no prazo de 120 dias a contar da data da comunicação do resultado da sobredita avaliação, efectuada pelos peritos nomeados nos mencionados autos judiciais pelo ali autor e aqui executado e pela ali Ré.
7. Os peritos nomeados no referido processo judicial pelo ali autor e aqui executado e pela ali Ré, representada pela ali interessada e ora exequente, dirigiram comunicação escrita aos Mandatários do executado e da ali Ré, com o resultado da avaliação dos prédios supra referidos, em cumprimento do acordado na cláusula 6ª da transacção constante do doc. nº 1 junto supra.
8. Tal comunicação consta, igualmente, do documento nº 1 junto supra (certidão judicial) e da mesma resulta que, por unanimidade, os peritos nomeados avaliaram os referidos prédios em €344.000,00 (trezentos e quarenta e quatro mil euros).
9. O executado obrigou-se, também, a garantir à ali interessada e ora exequente o pagamento de 50% do preço que resultasse da avaliação dos prédios que lhe foram adjudicados, por meio de hipoteca voluntária que se obrigou a constituir, a expensas suas, a favor daquela, a qual deveria incidir sobre aqueles mesmos prédios, pelo valor da avaliação, e que deveria ter sido constituída no prazo de 30 dias a contar da data em que o executado conheceu a sobredita avaliação. (vide cláusulas 7ª e 8ª da transacção, validada e homologada pela sentença ora dada à execução.
10. Como confessa no requerimento que, sob a referência nº 7701452, deduziu nos aludidos autos judiciais, e que ora se junta, por meio de certidão judicial obtida dos mesmos, como doc. nº 2, o executado foi notificado do teor da sobredita avaliação no dia 01/07/2011 (vide artº 3º do referido requerimento, ora junto como doc. nº 2).
11. Como também confessa o executado nos artºs 3º e 21º daquele mesmo requerimento (vide doc. nº 2 junto supra), o valor global da avaliação dos prédios que lhe foram adjudicados ascende, repete-se, ao montante global de €344.000,00 (trezentos e quarenta e quatro mil euros).
12. Pelo que, nos termos da transacção judicial validada e homologada pela sentença exequenda, o executado deve à exequente a quantia de €172.000,00 (cento e setenta e dois mil euros), quantia equivalente a 50% do valor da avaliação.
13. O executado deveria ter procedido ao pagamento de tal quantia à exequente até ao dia 31.10.2011, ou seja, no prazo de 120 dias (vide cláusulas 6ª e 9ª da transacção homologada pela sentença exequenda) contados depois do dia 01/07/2011 (esta a data em que o executado foi notificado do valor global da avaliação dos prédios que lhe foram adjudicados - vide cláusula 6ª daquela transacção e doc. nº 2 junto supra).
14. Assim como deveria ter constituído a hipoteca voluntária a que se obrigou, como garantia do pagamento do preço por si devido à exequente, até ao dia 01.08.2011, ou seja, no prazo de 30 dias após o dia 01.07.2011 (vide cláusula 8ª da transacção - doc. nº 1 junto supra -; ponto 10. supra e doc. nº 2 junto supra).
15. Sucede, porém, que o executado não pagou à exequente a quantia de €172.000,00 referida supra e, bem assim, também não constituiu a favor desta a hipoteca voluntária acima mencionada e a que também se obrigou.
16. Ou seja, o executado incumpriu quer a sua obrigação de pagamento, quer a sua obrigação de constituição de garantia real, obrigações que assumiu nos termos do título executivo junto supra como doc. nº 1.
17. O executado obrigou-se, ainda, a pagar à exequente a quantia de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros), a título de cláusula penal e em caso do seu incumprimento do que acordou na transacção, validada e homologada pela sentença exequenda (vide cláusula 11ª do doc. nº 1, junto supra).
18. Assim, a título de pagamento do preço devido pela adjudicação dos prédios que recebeu no âmbito do processo judicial identificado em 1. supra, deve o executado à exequente a quantia de €172.000,00 (cento e setenta e dois mil euros), obrigação de pagamento esta vencida já no dia 31.10.2011.
19. Vencida e não cumprida esta sua obrigação, sobre a mesma incidirão juros de mora, contados à taxa legal de 4% desde a data do seu vencimento, 31.10.2011, até efectivo e integral pagamento.
20. Tais juros ascendem já ao montante de €4.033,75 (com efeito, €172.000,00 x 4% : 365 dias x 214 dias (de 01.11.2011 a 02.05.2012) = €4.033,75).
21. Sobre a quantia de €172.000,00 incidem, ainda, juros à taxa de 5%, nos termos do disposto no artº 829º-A, do Código Civil, os quais ascendem já ao montante de €5.042,19 (com efeito, €172.000,00 x 4% : 365 x 214= €5.042,19).
22. A estes valores acresce, ainda, o valor também já devido pelo executado à exequente, a título da aludida cláusula penal, no montante de €25.000,00.
23. Sobre este valor de €25.000,00 incidem, igualmente juros moratórios à taxa legal de 4% e ainda juros à taxa de 5%, nos termos do disposto no artº 829º-A, do CC.
24.Tais juros ascendem já ao montante de €1.319,18 (com efeito, €25.000,00 x 9% : 365 dias x 214 dias = €1.319,18).
25. Nestes termos, o executado deve à exequente a quantia global de €202.855,11 (duzentos e dois mil, oitocentos e cinquenta e cinco euros e onze cêntimos), a que acrescerão os juros de mora à taxa legal e os juros compulsórios à taxa de 5%, até efectivo e integral pagamento e que, uns e outros, incidirão sobre o montante de €172.000,00, contados desde o dia 02.05.2012 até final.
26. A quantia exequenda é certa, líquida e exigível, tudo nos exactos termos da sentença homologatória da transacção, ora dada à execução, e, bem assim, do relatório de avaliação também constante do doc. nº 1 junto supra (cfr. artº 804º, nº 1, do CPC).
27. Por seu lado, a exequente é parte legítima para a presente execução, porquanto é credora do executado por força do título executivo e é legítima titular deste, nos exactos termos do estatuído nas cláusulas 5ª, 6ª, 7ª, 8ª, 9ª, 11ª e 12ª da transacção judicial, validada e homologada pela sentença exequenda».
2.1.2. Nestes autos foi dada à execução a sentença homologatória de transacção, proferida no processo nº 499/05.9TBVRM, de 01.06.2011, transitada em julgado, celebrada entre A. J., ora executado, na qualidade de autor, e “herança por óbito de M. G.”, na qualidade de ré, representada por M. G., ora exequente.
2.1.3. A aludida transacção integra as seguintes cláusulas:
«1.ª Os prédios identificados nas alíneas a) e b) do pedido da petição inicial, são adjudicados ao Autor, por conta da legítima na herança aberta por óbito de M. G..
2.ª O recheio dos respectivos prédios ora adjudicados ao Autor e que correspondem às verbas n.ºs 296 a 475, da relação de bens junta ao inventário n.º 5477/04.2 YXLSB, que corre termos pela 2.ª Secção, do 10.º Juízo Cível de Lisboa, é igualmente a este adjudicado, com excepção do mobiliário existente num dos quartos e a que se reportam as verbas n.ºs 296 a 300, dessa relação de bens, as quais são adjudicadas a M. G..
3.ª Por força do acordo quanto à sua adjudicação, a verba n.º 545, bem como as verbas acima aludidas, nºs 296 a 475, serão retiradas do processo de inventário.
4.ª O Autor declara que nada tem a receber a titulo de benfeitorias, pelo que desistirá do pedido que a esse titulo formulou no processo de inventário.
5.ª Os prédios a que se fez referência no artigo 1.º, serão avaliados pelos Peritos que já procederam à peritagem no âmbito dos presentes autos, obrigando-se as Partes a aceitar o valor resultante da avaliação.
6.ª Os Srs. Peritos comunicarão o resultado da avaliação aos Mandatários das Partes, correndo a partir dessa data, o prazo de 120 dias de que dispõe o Autor, para pagamento da parte correspondente à interessada M. G., equivalente a 50% do valor da avaliação.
7.ª Para garantia deste pagamento será constituída uma hipoteca voluntária a favor da interessada M. G. sobre os prédios constantes da cláusula 1.º, pelo valor da avaliação.
8.ª A hipoteca será constituída no prazo de 30 dias, a contar da data em que teve conhecimento da avaliação, a expensas do Autor, obrigando-se a interessada M. G., a proceder ao seu distrate contra o pagamento.
9.ª No mesmo prazo (120 dias), o Autor procederá ao pagamento do valor do recheio que lhe foi adjudicado.
10.ª A partir da data de hoje (01/06/2011) os prédios e o seu recheio, aludidos na cláusula 1.ª ficam na disponibilidade do Autor, sendo da sua responsabilidade o pagamento das despesas inerentes aos mesmos. A interessada M. G. procederá ao levantamento das verbas n.ºs 296 a 300, no prazo de 15 dias a contar de hoje.
11.ª Em caso de incumprimento do ora acordado, o Autor pagará a titulo de cláusula penal, a quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros).
12.ª As despesas com a avaliação serão a suportar em partes iguais, por Autor e M. G..
13.º As custas em dívida a Juízo, serão suportadas por Autor e Ré em partes iguais, prescindindo reciprocamente de custas de parte e procuradoria na parte disponível».
2.1.4. Em 01.10.2012, o Executado deduziu «oposição à execução e à penhora», bem como requereu a «substituição da penhora por caução», terminando a petição pedindo:
«I) Deve a presente oposição à execução ser considerada procedente, por provada e, em consequência, seja:
a) Considerada idónea a caução, determinando a substituição da penhora dos saldos bancários por qualquer uma das formas de prestação de caução acima mencionadas, e em consequência seja determinado o imediato levantamento da penhora sobre os citados saldos bancários;
b) anulada a transacção e em consequência seja declarada extinta a execução, caso assim não se entenda,
c) Reconhecida a inexequibilidade do título executivo e seja declarada extinta a execução, caso assim também não se entenda,
d) Reconhecida a inexigibilidade da obrigação exequenda, com a consequente redução da quantia exequenda para a quantia de 25.000,00 euros, convencionada como cláusula penal pelo incumprimento;
Em caso de improcedência de cada um dos pedidos identificados em b), c) e d) ou na procedência deste último, seja reconhecida a compensação da quantia exequenda pelas rendas pertencentes ao executado, cujo montante a apurar em execução de sentença».

2.1.5. Por sentença de 25.10.2013, da qual não foi interposto recurso, o Tribunal recorrido julgou «a oposição à execução e à penhora totalmente improcedentes, determinando o prosseguimento da execução».
2.1.6. Nessa sentença, consideraram-se demonstrados os factos atrás descritos em 2.1.2. e 2.1.3. e ainda os seguintes:
«3º - Os peritos nomeados no referido processo judicial pelo ali autor e aqui executado e pela ali Ré, representada pela ali interessada e ora exequente, dirigiram comunicação escrita aos Mandatários do executado e da ali Ré, com o resultado da avaliação dos prédios supra referidos, em cumprimento do acordado na cláusula 6ª da transacção.
4º - Por unanimidade, os peritos nomeados avaliaram os referidos prédios em €344.000,00 (trezentos e quarenta e quatro mil euros.)
5º - O executado foi notificado do teor da sobredita avaliação no dia 01/07/2011.
6º - O valor global da avaliação dos prédios que lhe foram adjudicados ascende, ao montante global de €344.000,00 (trezentos e quarenta e quatro mil euros».
2.1.7. Por requerimento de 23.05.2017, o Executado, ora Recorrente, deduziu as seguintes pretensões:
«a) Por verificados que estão os pressupostos legais, julgada a insuficiência e/ou inexistência do título, por falta de obrigação, e, consequentemente, anulados todos os atos praticados no processo e extinção da execução;
Meramente à cautela e
b) Quando assim se não julgue, verificadas as graves irregularidades praticadas na execução e, por via disso, anulados todos os atos da senhora agente de execução, incluindo a penhora e venda do quinhão hereditário
c) Que seja solicitado à CAAJ, a substituição da agente de execução;
d) Caso o tribunal entenda que a execução é legítima e devida, então que seja ordenada a passagem de certidão judicial transmitindo a propriedade dos bens para o executado e efetuada a compensação com os créditos que o executado tem a receber da herança, a apurar e liquidar no respectivo processo de inventário, por conta da legítima;
e) Caso assim se não entenda, sejam penhorados os créditos que o executado tem sobre a sociedade M. G. & Filhos, Lda., a título de lucros que nunca lhe foram entregues, bem como qualquer indemnização, até ao respetivo montante que lhe venha a ser judicialmente atribuída;
f) Por fim, seja autorizado o fracionamento e efetuada a penhora de ½ das novas frações do prédio sito sito na Rua ... n.º .. a .., descrito na CRP sob o número ... e inscrito na matriz sob o artigo ... e que correspondem ao duplex de luxo do 4.º andar e do 3.º andar esquerdo, para serem vendidas pelo justo preço de mercado e não inferior a primeira a 2 000 000,00€ e a segunda a 480 000,00€;
g) E a final reconhecido que a exequente, abusa de direito e consequentemente litiga de má-fé, devendo ser condenada em multa e indeminização condigna a favor do embargante no montante de 500 000,00€ face à entretanto, propagada, processualmente, fortuna pessoal da gerente M. G.».
2.1.8. Em 14.11.2020 foi proferida a decisão recorrida, com o seguinte teor (2):
«A fls. 469 e seguintes, veio o executado A. J., dizer e requerer o seguinte:
Enquadramento do abuso de direito e má-fé
1º. Antes de avançarmos para a concretização das questões adjetivas, i. e., impõe-se hi et nunc que se alegue e demonstre, ainda que perfuntoriamente, e não é necessário mais do que isso, que a exequente, age com flagrante e clamoroso abuso de direito e, consequente, má-fé processual, chocando a consciência das pessoas de bem, o sentimento jurídico socialmente dominante, colocando em causa o prestígio das instituições formais de controlo rectius os tribunais, minando a confiança que a comunidade e o ora executado devem poder neles depositar (…)
O executado e a exequente são herdeiros, em quinhões iguais, da herança deixada por M. G., sendo que o processo de inventário correu (ou corre) termos na Comarca de Lisboa Instância Local – Secção Cível J-2 com o nº 5477/04. 2YX LSB e no dia 21/03/2016.
Neste processo executivo foi penhorado e vendido o quinhão hereditário do executado. Naturalmente, a adjudicante neste processo executivo foi sua irmã a senhora M. G.…
Por muito surreal que pareça, o executado, desde a morte de sua mãe, em 19.11.2003, não recebeu qualquer quantia (dinheiro existente e rendas de prédios) devida pela herança – que, além do funeral, não tem qualquer passivo.
Isto porque, temos de admitir, teve o “azar” de sua irmã ser mais velha e, como tal, a lei deferir-lhe o encargo de cabeça de casal. Não há dúvida que é profundamente chocante, ferindo, consequentemente, o sentimento jurídico dominante, a circunstância de um herdeiro, ver-se completamente despojado do seu direito a quinhoar numa herança avaliada em mais de 4 000 000,00€, correndo o risco de ainda perder a sua habitação, a favor da sua indizível (face às comunicações infra) irmã.
Mas, claro, depois de ter conseguido destituir o executado do cargo de gerente da sociedade M. G. & Filhos, Lda., (única fonte de rendimentos do executado), retirando-lhe o seu pão e meios para que se pudesse fazer representar convenientemente por advogado nos imensos litígios resultantes do animus nocendi da sua irmã (…).
Neste conspecto, importa remontar a uma primeira carta datada de 30/06/2004, portanto, ainda não havia decorrido um ano, após o enterro da mãe de ambos, onde, de forma peremptória, a dita irmã do embargante vinca que: “A. J. (…) Eu podia ter dado início a esta partilha apontando-te um dedo acusador. Podia ter-te dito que o património a partilhar não é mais6 do que o restou do património da nossa mãe deduzindo todas as despesas pessoais tuas ao longo da vida, sejam elas o maço de tabaco, a viagem ou a refeição, o apropriamento indevido de bens, a venda de bens comuns…” (Doc. 1).
Com data de 23.10.2004 o executado remeteu a sua irmã uma carta, onde, além do mais, e para o que aqui interessa, “Aproveito o ensejo para, nos termos do artigo 2092.º do Código Civil, solicitar que, no prazo de dez dias, me entregues metade das quantias que em cabem dos rendimentos da herança, recebidos até à presente data, findo o qual irei solicitar a tua remoção de cabeça-de-casal, caso não o satisfaças.” (Doc. 2). Como de esperar seria a dita irmã responde da seguinte forma: “A. J.: (…) Não posso atender ao pedido que me fazes para entregar metade dos rendimentos da herança. Na verdade, as despesas da herança são superiores às receitas, como já antes te foi transmitido através do teu mandatário” (Doc. 3).
Claro que, nesta particular, o embargante ficou sem o dinheiro a que tem direito, sendo ainda certo que avultadas quantias pertencentes à herança e, consequentemente, a ele, estão na conta da sua irmã, como no local e em sede própria se vai apurar (…).
Não menos importante para se aferir o calibre e consistência do animus nocendi da irmã do embargante é a carta de 13.07.2007, onde de forma convincente a irmã do embargante adverte, para: “O resto é divisões e partilhas como em qualquer família. Não te deixes por isso arrastar por caminhos que eu não compreendo e tu seguramente também não.” (Doc. 4).
Ainda relevante é o diálogo «eletrónico» do dia 30/11/2012, entre a irmã do « executado e a filha (F.) deste (habitual testemunha da tia) onde se pode ler: “Tia: Ontem fiquei muito magoada com a atitude da tia mesmo em relação ao M.. Em relação ao senhor A. J. 7 é me completamente indiferente ele existir ou não, não me diz nada, e cada vez menos8. Acho que estas coisas não se resolvem assim! Tem de haver uma maneira civilizada para resolver o assunto! A tia não gosta disto e não precisa disto para nada, acho que o melhor é mesmo vender! Assim resolve o assunto de uma vez por todas. Realmente quando a avó morreu devia ter fechado isto, talvez até seria melhor, em vez de estar aqui á 12 anos em tensão constante. Não se preocupe comigo eu arranjo-me, para mim ter milhões não é sinónimo de felicidade e se for preciso faço qualquer coisa,9 em relação a dinheiros, passo todos os meses mal, por isso tb já estou habituada.”
A tia (irmã do executado) respondeu, como não podia de ser, relevando para o que aqui interessa o seguinte trecho: “Querida F.. Quero pedir-te desculpa por me ter enervado contigo sobre este assunto tão desagradável. Mas como deves calcular, não bastou a humilhação das ofensas verbais e ainda a agressão física que apesar de ainda me incomodar não me magoou tanto quanto as palavras. Apesar de aparentar ter sangue de barata10, imaginarás como estava por dentro. Se calhar vi o que não vi e baralhei o antes com o depois. Não quer deixar no entanto de referir quão magoada fiquei com a tua frase “qualquer dia quem apresentava queixa eras tu, contra os dois pela pressão sobre ti.
Gostaria que fosse franca comigo e me dissesses onde é que estou errada e o que achas que deveria fazer. Porque é que colocastes os dois no mesmo “saco” (…)
O teor do acima transposto, em especial o segmento “actuar contra ele de ele ter razão ou não”, conjugado com a restante factualidade que se vai alegar, demonstra de forma indubitável que a exequente agiu sempre em inteligível abuso de direito e com nítida má-fé, com claros contornos de ilícitos até de natureza criminal (…)

B – DA INEXISTÊNCIA DE TÍTULO PARA A EXECUÇÃO

A presente execução, funda-se, ou melhor, tem como título uma sentença homologatória de uma transação, sendo certo que o tribunal conheceu já de uma oposição deduzida nos autos o que, porém, não impede que se venha suscitar a inexequibilidade da quantia exequenda, por fundamentos diversos, porque no processo de execução imperam razões de ordem pública.
Assim, se é certo que o caso julgado formal de tal decisão abrange as questões concretamente apreciadas, não é menos certo que assim já não acontece quando, como é o caso, assenta em pressupostos de facto e de direito errados e, muito menos, abrange os pressupostos de facto eivados de má-fé concretizadores do abuso de direito.
Até porque “A sentença homologatória do acordo das partes, nomeadamente em partilhas, tem uma natureza mais próxima do negócio jurídico em que se funda do que de acto judicativo típico.” Parecer do Professor Guilherme Freire Falcão de Oliveira in CJ, 1989, 5.º 19.
Ora, para o caso sub judice é de aplicar o decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, processo 7262-13 de 28.04.2016, in www.dgsi.pt, relatado pelo juiz desembargador Nuno Sampaio, onde se pode ler que: “Numa ação executiva o despacho liminar de citação não implica uma aceitação definitiva da validade e suficiência do título executivo, que pode ser reavaliado ao longo do processo.
“A leitura conjugada da al. a) do n.º 2 do art.º 726º com o art.º 734º, ambos do Código de Processo Civil, permite constatar que o limite traçado pelo legislador para o conhecimento da falta de título executivo é o primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, e não o início da fase de venda, porque só então se coloca a questão da proteção do adquirente de boa-fé.
Naturalmente que ao caso sub judice, não tem aplicação o limite temporal referido nesta parte final do acórdão (transmissão dos bens), porquanto não há que proteger direitos de terceiros, uma vez que o adquirente é a própria exequente cuja mala fide ou aemulatio resulta, aliás, logo à saciedade.
A primeira premissa (de direito) errada e inquinadora de todo o processado, é que o tribunal, aquando do julgamento da referida oposição, não teve em conta que a sentença dada à execução é uma sentença de condenação e não uma sentença constitutiva. E consequência desse erro, verdade é que, por muito surreal que pareça, o executado ficou sem o seu quinhão hereditário e, imagine-se, sem o bem (imóvel) que havia sido objeto da transação.
Com efeito, uma sentença de condenação não é rectius não constitui título suficiente para titular o contrato de compra e venda de imóvel que é formal, pois para tal é necessário que se trate de uma sentença constitutiva na qual o tribunal se substitua às partes e produza ou introduza a alteração na ordem jurídica vinculante para as respetivas esferas jurídicas (…).
Vendo a transação e subsequente sentença tabelar de homologação que sobre aquela incidiu, dúvidas inexistem que a sentença dada à execução não constitui título executivo, na medida em que enferma de vício insuprível determinante da extinção da execução com a consequente anulação de todo o processado. (…)
Com efeito, nos termos da transação sub judice, que foi objeto de sentença homologatória, vemos que foram celebrados dois contratos promessa (conforme infra melhor se concretizará) e não um contrato real (definitivo) de transmissão de propriedade. E isto é tanto assim que foi estabelecido uma cláusula penal para o caso de incumprimento, o que não sucede quando as partes concluem o prometido contrato (…).
Vendo bem a sentença (título) que vem dada à execução, vemos das cláusulas 1.ª a 3.ª e correspondente parte dispositiva da sentença homologatória, que o tribunal não adjudica os bens referenciados nos artigos 1.º e 2 da transação, antes condenando as partes a cumprirem o acordado o que, em bom rigor, não é a mesma coisa e têm efeitos completamente distintos. Para que tais cláusulas tivessem conteúdo real para com as partes mister é que a sentença introduzisse a corresponde alteração na ordem jurídica, adjudicando, ou melhor, transmitindo a propriedade das verbas ali referidas, o que também, é seguro, que não podia ser ali feito, mas, ao invés, só podia ser feito no processo de inventário.
A cláusula 4.ª corresponde a uma declaração de vontade por parte do aqui executado e que está interligada com a transação globalmente considerada, de nada valendo se interpretada isoladamente.
Das cláusulas 5.ª e 6.ª, resulta com meridiana clareza que o contrato assumido pelas partes é um contrato promessa e não o contrato definitivo de compra e venda, porque, através delas, as partes relegaram para momento posterior a fixação do preço que é condição de validade ou elemento essencial do contrato (formal) de compra e venda de imóvel e, não menos importante tem de constar no título, perceção que o comum dos mortais tem de quando vai outorgar uma escritura de um contrato de compra e venda de imóveis, pois o preço é condição sine qua non da respetiva realização do contrato (…).
Das cláusulas 7.ª e 8.ª sai reforçada a óbvia e única conclusão que estamos perante um contrato promessa de compra e venda, e não um contrato definitivo, pois vemos que as obrigações de constituição de hipoteca e pagamento do preço são projetadas para o futuro condicional o que, além do mais, se colhe do advérbio “será”, o que não deixa de ser sintomático que a vontade das partes foi a celebração de um contrato promessa e cujos contratos definitivos coenvolvem obrigações recíprocas tema que retomaremos.
Pela cláusula 9.ª, vemos que o executado se obrigou a comprar o recheio que lhe foi adjudicado, mas o certo é que não só não foi fixado preço e como tal declaração foi proferida num contexto global da transação, tendo em vista o seu cumprimento.
E se dúvidas existissem quanto ao real conteúdo do contrato celebrado, as mesmas dissipam-se pelo teor da cláusula 10.ª onde é referido ipsis verbis que “A partir da data de hoje (01/06/2011) os prédios e seu recheio, aludidos na cláusula 1.ª ficam na disponibilidade do autor, sendo da sua responsabilidade o pagamento das depesas inerentes ao mesmo.”.
Ora, todos nós sabemos que dizer-se que “ficam na disponibilidade” não é o mesmo, nem tem o mesmo significado e alcance jurídico, do que “transmitir a propriedade”, relevando esta cláusula que as partes estabeleceram uma mera tolerância de fruição dos prédios e não um conteúdo real de transmissão dos mesmos o que depende sempre da existência e suficiência do título.
Apodítico de que se não está perante um contrato de compra e venda com efeitos reais, mas sim de um contrato promessa é o teor da cláusula 11.ª onde esta estabelece a cláusula penal e que reza: “Em caso de incumprimento do ora acordado, o Autor pagará a título de cláusula penal a quantia de € 25 000,00 (vinte e cinco mil euros). (…)
Aqui chegados, vemos que de facto inexiste título, na medida em que a sentença homologatória, não incorpora a obrigação exequenda e que a execução correu termos devido a assentar em pressupostos de facto e de direito que não se verificam designadamente: (i) que as partes celebraram um contrato de compra e venda de bens imóveis, quando, na verdade, vemos que foi celebrado um contrato promessa de compra e venda, sem eficácia real e (ii) é manifesto o erro de facto e de direito quando se ajuizou que a cláusula penal era uma cláusula penal compulsória quando, pela sua natureza e pela declaração das partes (incumprimento do acordado) é uma cláusula penal compensatória que fixou a priori e forfait o montante da indemnização. (…)
Aliás, ciente da sua sem razão a exequente optou por induzir em erro o tribunal (…), pois sabia que: (i) o contrato era, é, um contrato promessa; (ii) é devedora ao executado de elevadas quantias provenientes das rendas que recebeu da herança e que não entregou; (iii) se a sentença constitui título suficiente para a transmissão dos prédios também podia, devia, enquanto interessada, efetuar os competentes registos e, aí sim, promover a execução dos mesmos que segundo a avaliação são mais que suficientes para a quantia exequenda; (iv) o executado é proprietário em conjunto com ela de um prédio sito em Lisboa, cujo valor é superior a 4 000 000,00€ e está fisicamente fracionado o que permite uma célere divisão e consequente repartição dos valores; (v) podia a exequente penhorar os créditos que o executado tem sobre a sociedade M. G. & filhos, Lda., que, aliás, se e quando devidamente apurados e entregues excedem em larga escala a quantia exequenda.
E além do muito mais que fica por dizer, pois estamos em crer que o acima exposto é suficiente para se concluir pelo abuso de direito, colocando em causa o prestígio e confiança dos cidadãos nos tribunais e em todo o sistema de funcionamento da justiça num estado de Direito.

Ratio essendi para que o tribunal anule todo o processado, ordenando o cancelamento de todas as transmissões que se efetuaram para a exequente por conta da maligna venda (…)

C - DA ANULAÇÃO DA VENDA

Ainda que assim se não entenda, o que não se concede, então cabe reclamar da penhora e venda efetuada pela senhora agente de execução, por violação do princípio da legalidade, transparência e proporcionalidade, sendo certo que o executado vai pedir à CAAJ o afastamento desta senhora Agente de Execução e do Senhor Agente de Execução J. A., por graves atos praticados no processo.
Desde já, se requer que seja concedido prazo para apresentação do requerimento na CAAJ, ordenando-se à senhora agentes de execução que se abstenha de praticar atos até decisão daquela entidade administrativa semi - independente. (…)
Na presente execução foi penhorado e vendido o quinhão hereditário do executado na herança de M. G..
A senhora agente de execução I. H., referiu na decisão de venda de 02.06.2015, que: “Considerando o valor patrimonial dos imóveis e o valor da quota social resultante da avaliação efetuada, considerando ainda, os bens móveis constante da relação bens, irá ser efetuada a venda do quinhão hereditário que o executado A. J. tenha direito na Herança Aberta por óbito de M. G., mediante proposta em carta fechada pelo VALOR BASE DE 473.359,77 € (quatrocentos e setenta e três mil trezentos e cinquenta e nove euros e setenta e sete cêntimos), sendo a mesma anunciada pelo valor de 402.355,80 € correspondente a 85% do valor base.”.
Porém, e salvo erro manifesto, vendo toda tramitação eletrónica do processo não se lobriga que tenha sido junto a este as avaliações do valor de mercado, pois nos termos do artigo 813.º n.º 3 alíneas a) e b) do CPC entre o valor tributário e valor de mercado é o valor mais alto que prevalece.
O que vemos é que a senhora agente de execução não avaliou, ou melhor, não mandou avaliar os imóveis integrantes na herança, mas, ao invés, considerou o valor patrimonial (tributário?) destes e refere uma avaliação, que não está junta aos autos, da quota social.
Ora, valor de mercado dos imóveis, ascende a 1 040 845,87€, conforme resulta de um relatório de avaliação devida e conscientemente efetuado (Doc. 7).
O valor patrimonial, atribuído pelo competente Serviço de Finanças e constante nas cadernetas prediais são de 185 266,36€, 64 450,00€ e 154 070,00€ no total de 403 786,36€. (8 a 10).
Significa isto que a quota na sociedade (90%) foi avaliada no, podemos dizer, insignificante, para o caso, valor de 69 573,41€!
Sinteticamente, dizemos que o valor de uma empresa pode ser encontrado pelo valor de mercado, valor económico e valor patrimonial em caso de liquidação. O valor económico de uma empresa tem como ponto de referência determinante o EBITDA (…)
Mesmo que se considerasse só tal valor de 82 601,27€, multiplicado por um mínimo de 7 anos, temos que o valor ascende a 578 808,89€ ao qual acresce o valor patrimonial (localização, trespasse, know-how, marca e reputação) que para o estabelecimento em questão é de 2 000 000,00€, pelo que o valor da sociedade M. G., é, pelo método de equivalência, de 2 500 000,00€. E 90% deste valor é de 2 250 000,00€, valor este que não consta em lado algum neste tão pouco transparente processo de execução.
Acresce que a herança tem, ou tinha que ter, nas suas disponibilidades avultadas quantias em dinheiro, quer respeitante às quantias existentes nas contas bancárias da de cujus, quer as entretanto percebidas pela exequente, alegando a qualidade de cabeça-de-casal. (…)
Note-se que, neste conspecto, o aqui executado, enquanto interessado no inventário, não só reclamou contra a relação de bens como outrossim deduziu um incidente de sonegação de bens (Doc. 11 e 12)
E conforme se alcança da certidão judicial, tais incidentes ainda não haviam sido decididos em 16.04.2014 (Doc. 13).
Do que acima decorre, vemos que a venda foi promovida e efetuada à própria exequente, tendo sido atribuído à herança um valor base de 473 359,77€ quando, em obediência à lei e ao direito, devia ter sido de 3 290 845,87€.
Naturalmente que o prejudicado, além do Estado, na receita fiscal, foi o executado que se viu desapropriado do direito a quinhoar nos bens, sem receber um cêntimo.
A que acresce que a natureza dos bens existentes na herança, impõe que a venda fosse alvo de uma publicidade mais intensa, nos termos do artigo 817.º n.º 2 do CPC não havendo notícia nos autos que diligências para esse efeito foram efetuadas. (…)
Razão de ser outrossim para que se anule todos os atos praticados pela senhora agente de execução e consequente participação à CAAJ e à respetiva Ordem Profissional quer para efeitos de substituição no processo quer para efeitos disciplinares.

D – DA COMPENSAÇÂO (…)

Como cediço se alegou, até hoje o executado nada recebeu de uma herança, cujo processo de inventário se arrasta desde finais de 2004, portanto há 13 anos (!) e cujo acervo é superior a 4 000 000,00€.
Atualmente mal vive (pois ficou sem salário) e, por mais incrível que pareça, passa fome, pois a sua irmã (exequente) tudo levou por força da impressionante habilidade litigiosa, com o que conta com o apoio incondicional do seu marido, advogado de profissão, e ainda de um outro batalhão de advogados, embora pagos pela sociedade! (…)
Serve tudo isto para, caso o tribunal conclua não assistir razão ao executado quanto à insuficiência ou inexistência de título e, desse modo, ser a execução legal e devida, mas sem conceder, e considerando o evidente abuso de direito que eivou todo este anómalo processo executivo, então deve ser anulada a venda do quinhão hereditário para ser substituída pela compensação que infra se vai invocar, usando o tribunal os poderes de conformação e justa composição dos litígios.
Destarte, temos que dispõe o artigo 847.º n.º 1 do Código Civil, “Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor (…).”.
Certo é que a última pretensa prestação de contas do cabeçalato, indicava que em 31.07.2014 o saldo das contas bancárias era 105 216,19€ (Doc. 18).
A que acresce a quantia de cerca de 350 000,00€ recebidas pela exequente, referente aos arrendamentos que efetuou, ao longo destes 14 anos, das lojas integradas na herança e de que, violando a lei, nada entregou ao executado.
Metade desse dinheiro, ou seja, 227 608,09€ é do executado e há muito que lhe devia ser entregue por força da interpelação, pelo que pode hic et nunc invocar a compensação.
Este crédito é certo e há muito exigível não procedendo contra ele qualquer exceção de direito material.
Naturalmente, para que esta compensação possa operar necessário é que ao executado seja entregue, pelo tribunal, título referente à “sua” compra dos prédios objeto da transação, já que, como vimos, não tem qualquer título.
A presente execução, deve, pois, e quanto mais não fosse, ser extinta.

D – SUBSTITUIÇÃO DA PENHORA

Caso o tribunal assim não entenda, mas sem conceder, exequente e executado são proprietários em partes iguais do Prédio Urbano composto por 5 (e não quatro) andares, sito na Rua ... n.º .. a …, descrito na CRP sob o número ... e inscrito na matriz sob o artigo ....
Sucede que, não obstante não estar averbado na conservatória do registo predial, verdade é que o mesmo está (ou é) submetido à propriedade horizontal, conforme melhor se alcança da respetiva caderneta que se junta (Doc. 19).
O valor de mercado do prédio é, ao contrário, da pouco comum avaliação apresentada nuns outros autos, de cerca ou superior a 4 500 000,00€. (…)
Não obstante as provocações, privações, chegando mesmo a passar fome, pela inaudita conduta da sua irmã (exequente) e respetiva família, em sede de “liquidação” da herança, ao executado não move quaisquer sentimentos de ódio ou repulsa, pelo que indica e pede a substituição da penhora na sua extensão requerendo, consequentemente, a sua redução à metade que dispõe relativa ao duplex do 4.º andar e 3.º andar esquerdo, manifestando, desde já, a sua inteira disponibilidade para cooperar na atividade registral necessária.
Assim, e porque verificados que estão os respetivos pressupostos, ao abrigo do disposto no artigo 759.º n.º 1 e 2 do CPC, o executado requer que lhe seja autorizado a proceder ao fracionamento do prédio, mais requerendo que a exequente, sua irmã, M. G., seja notificada que deve cooperar em tal fracionamento, cooperação que, de resto, sempre seria devida, ao abrigo do disposto nos artigos 6.º e 7.º do CPC.
Mais requer que lhe seja concedido prazo adicional para apresentar o mapa de fracionamento, mas que, adiante-se, corresponde à descrição da caderneta predial, com a correção de que o 4.º andar corresponde a um duplex de luxo com a área de cerca de 300m2 (…)
Por fim, requerer a condenação da exequente como litigante de má fé, devendo ser condenada em multa e indemnização condigna a favor do embargante no montante de 500 000,00€ face à entretanto, propagada, processualmente, fortuna pessoal da gerente M. G.”.
Este requerimento foi junto aos autos em 23.05.2017 e o executado protestou juntar 19 documentos.

A exequente pronunciou-se, entre o mais, do seguinte modo:

“O requerimento sob análise é processualmente inadmissível, motivo porque deve ser liminarmente rejeitado.
Porque foi o mesmo deduzido ao abrigo dos seguintes normativos processuais, artºs 624º, nºs 1 e 2; 723º, nº 1, als. b), c) e d); 728º, nº 2; 729º, als. f), g) e h); 734º; 735º, nº 3 e 751º, nº 2, todos do CPC (vide requerimento em causa).
Porém, nenhum de tais normativos legitima o requerimento deduzido pelo executado, nem, aliás, qualquer outro.
Vejamos porquê.
Inexiste qualquer decisão penal absolutória que haja absolvido o executado enquanto arguido com fundamento em não ter praticado factos que lhe eram imputados, não se compreendendo, sequer e à face do título executivo deste processo e à factualidade subjacente ao mesmo, a referência no requerimento sub judice ao disposto no artº 624º do CPC como alegado fundamento para o mesmo.
Por outro lado, é certo que é da competência do Juiz julgar a oposição à execução e à penhora, bem como julgar as reclamações de actos e impugnações de decisões do agente de execução (AE) e, ainda, decidir outras questões suscitadas pelas partes, tal qual preceitua o artº 723º, nº 1, als. b), c) e d), do CPC.
Porém, não é já possível haver oposição à execução e oposição à penhora, por o processo de execução estar já findo, por ter decorrido já há muito tempo o prazo para deduzir oposição à execução e para deduzir oposição à penhora, por estas já terem sido deduzidas e terem sido julgadas no processo nº 175/12.6TBVRM-A (Oposição à Execução Comum (Artº 813º CPC)), que correu termos por apenso ao presente processo de execução comum, pelo que, o poder jurisdicional do Juiz está, neste processo e quanto a tais oposições que o executado agora repete ilegalmente, esgotado.

Acresce que, o processo de execução está extinto.

Com efeito, com fundamento no pagamento da quantia exequenda, foi praticado acto de extinção da execução por parte do AE, de 05/05/2017, o qual foi nessa data notificado ao executado na pessoa do seu mandatário e, bem assim, pessoalmente notificado ao executado aos 09/05/2017, por carta registada que lhe foi enviada sob o registo ................... (cuja recepção aos 09/05/2017 se confirma online em pesquisa de objectos dos CTT), tudo como consta a fls. dos autos.
Estão, inclusive, pagos os juros compulsórios devidos pelo pagamento da quantia exequenda.
O executado foi pessoalmente notificado do acto de extinção da execução a 09/05/2017, pelo que, tendo atravessado no processo o requerimento ora em análise aos 23 de Maio de 2017, é o mesmo extemporâneo, como se requer seja declarado.
A não se considerar e decidir assim, o que se concebe por mera cautela, sempre terá de se decidir ser totalmente infundado o ora requerido pelo executado, como se alegará infra.
O executado “inventa” agora pretensa nulidade que constituiria matéria para a oposição que verdadeiramente deduz no requerimento sob análise.
Além de inexistir qualquer nulidade, como se verá, certo é que não há, também, qualquer matéria de oposição que seja, ou possa considerar-se ser, superveniente para que se pudesse contar o prazo para tal oposição a partir do dia em que tenha ocorrido (porque não ocorreu) o respectivo facto e dele tenha conhecimento o executado, tal como preceitua o artº 728º, nº 2, do CPC.
Por isso também nem sequer é alegado no requerimento em apreço qualquer facto ou matéria de oposição superveniente, o que o torna, também por isso, manifestamente extemporâneo, pelo que deve ser rejeitado liminarmente.
Acresce que é sabido neste processo de execução que esta se fundou em sentença transitada em julgado e que homologou a transacção celebrada entre as partes.
Contra a execução foi deduzida oposição (apenso A deste processo).
Que foi decidida, por douta sentença judicial também já transitada em julgado.
Seja como for, o executado foi citado para a execução e para a penhora e, bem assim, para, em tempo, deduzir as competentes oposições (…) não detinha, como não detém, qualquer contracrédito sobre a exequente, com vista a obter a compensação de créditos, como estatuem as als. f), g) e h), do artº 729º do CPC.
Como se sabe do processo, o bem penhorado já foi transmitido à exequente, logo, por maioria de razão, está esgotado o poder jurisdicional de conhecimento oficioso até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados das questões que poderiam ter determinado o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo, nos termos do disposto no artº 734º do CPC. Assim, pelo exposto, deve ser liminarmente rejeitado o requerimento anómalo atravessado no processo pelo executado.
Se, porém, assim se não entender, o que, mais uma vez, apenas se representa por mera cautela, sempre terá o mesmo de ser indeferido.
No requerimento em causa é arguida nulidade para que se proceda à anulação de todo o processo.
Independentemente do já alegado acerca do esgotamento do poder jurisdicional, verifica-se, com evidência, inexistir a nulidade invocada.

Vejamos porquê.

Na al. “A – Enquadramento do abuso de direito e má-fé” do requerimento sob análise, o executado explana a “sua” tese acerca de putativo abuso de direito da exequente, sem que, contudo, circunstancie qualquer facto concreto. (,,,)
Inventa valor mirífico para a herança de que foi, mas já não é, herdeiro.
Esquece, inclusive, que foi ele próprio condenado a pagar à sociedade comercial M. G. e Filhos, Lda., de que foi destituído como gerente, a quantia de 951.796,74€, tudo como melhor consta do apenso B deste processo, de reclamação de créditos.
Esquece, ainda, que foi destituído com justa causa do cargo de gerente daquela sociedade, por douta sentença judicial proferida no processo nº 960/05.5TYLSB.L1, que correu termos no 1º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa (extinto) e confirmada por douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 08/07/2016, já transitado em julgado e de que se junta cópia. Doc. nº 1.
E, the last but not the least, esquece toda a tramitação processual da presente execução comum. (,,,)
Por outro lado, na al. “B – Da inexistência de título para a execução” do mesmo requerimento, o executado alega, sucintamente, que a sentença dada à execução não é título executivo bastante, por motivos diferentes dos já decididos, por imperarem no processo executivo razões de ordem pública (vide artº 35º do requerimento).
Pretende o executado “inventar” nova oposição à execução.
Esquece-se (??) que deduziu oposição por embargos de executado e oposição à penhora, tendo requerido a substituição dos bens penhorados por caução idónea que pretendeu prestar.
Esquece-se (??) que tais embargos correram termos no apenso A, que correram por apenso ao presente processo, o qual mereceu douta sentença de 26/09/2013, sob a referência 760211, notificada às partes e já transitada em julgado por não ter merecido recurso. (…)
Ou seja, no tempo próprio o executado deduziu a oposição que entendeu deduzir à execução e ao título executivo. Dentro dos fundamentos que aduziu para tanto estão, também, a questão da transacção ser alegadamente inexequível, da obrigação exequenda ser alegadamente inexigível e a questão de ter alegado contracrédito para opor ao crédito da exequente. (vide petição de embargos de executado, a fls. do processo nº 175/12.6TBVRM-A, apenso aos presentes autos.)
Porém, apreciadas as suas razões, ou falta delas, o tribunal julgou pela total improcedência da oposição à execução e à penhora e determinou o prosseguimento da presente execução. (…)
E que na execução, ultrapassadas todas as fases processuais possíveis, já foi transmitida a propriedade dos bens penhorados, não sendo, pois, sequer aplicável o disposto no artº 734º do CPC, logo, sendo totalmente irrelevante e errado tudo quanto alega nos artº 35º a 45º do requerimento.
Irrelevante e errado para aplicar ao presente caso é também o que alega nos artºs 47º a 87º do mesmo requerimento, inclusive por tratarem de matéria de facto e de direito já devidamente apreciada por este Tribunal e julgada pela sentença proferida no processo nº 175/12.6TBVRM-A, apenso aos presentes autos. (…)
Não obstante e como se demonstrou já supra e está, aliás, documentado quer neste processo executivo, quer no seu apenso A, de embargos de executado, o executado foi citado para a execução, deduziu embargos de executado que obtiveram sentença judicial de 26/09/2013, e, desde então, interveio no processo de execução pelo menos tal como descrito em 50 supra, sem que, alguma vez, tenha arguido a putativa nulidade processual que agora inventa. (…)
Ademais, aos 05/05/2017 o executado foi também notificado da extinção da presente execução por quer a exequente, quer o AE, estarem pagos dos valores que lhe eram devidos, notificação que o executado recebeu aos 09/05/2017, por carta registada sob a referência ....................
Tem, pois, de concluir-se que o prazo para a arguição da nulidade referida (se esta existisse, mas não existe como se demonstrou), já está esgotado. (…)
Acresce que o executado vem também requerer a anulação da venda, na al. C do seu requerimento sob crítica. Mais uma vez sem qualquer razão.
Como confessa o executado, o que vem fazer por meio do requerimento em causa, é, sic, “reclamar da penhora e venda efectuada pela senhora agente de execução, ...” (vide artº 88º do requerimento em causa).
Repete-se que este já não é o tempo para reclamar da penhora e da venda já efectuada em 22/03/2016.
E é totalmente irrelevante o pedido em 89º do requerimento, porque o processo de execução está já findo pelo pagamento integral.
No entanto, o executado já reclamou anteriormente da penhora (e perdeu) e do valor do bem penhorado (e também perdeu).
Esquecendo-se mais uma vez (??), que até já foram proferidas doutas decisões judiciais, de que não recorreu, acerca dessa matéria, quer na douta sentença proferida no apenso A destes autos, quer por meio da decisão proferida a 19/02/2016, que determinou o prosseguimento da execução, que ratificou/subscreveu a modalidade da venda e valor da venda anunciados pelo AE, e que fixou o dia 11/03/2016, pelas 14.00 horas, para abertura de propostas em carta fechada (ref. 145250092).
Ou seja, já está julgado nos autos, por meio de decisões judiciais transitadas em julgado, que o valor do quinhão hereditário penhorado e vendido deveria ser o valor base de 473.359,77€, sendo o valor da sua venda o de 402.355,80€, correspondente a 85% do valor base. Estas são decisões judiciais que constituem caso julgado material neste processo.
E por isso, após transmissão da propriedade desse quinhão para a exequente no âmbito deste processo de execução, transmissão essa também nunca “atacada” pelo executado que com ela se conformou, no processo de inventário que, sob o nº 5477/04.2YXLSB, correu termos por Lisboa – Inst. Local – Secção Cível – J2, da Comarca de Lisboa, foi também proferida douta decisão judicial de 23/06/2016, que julgou extinta tal instância, por inutilidade superveniente daquela lide, por já não existir “qualquer quinhão hereditário do interessado A. J. por a outra única interessada o ter adquirido.”, tudo como melhor se demonstra pela cópia de tal sentença. Doc. nº 3.
Na al. “D – Da compensação” do requerimento, o executado continua a fazer tábua rasa do caso julgado que decorre da sentença já proferida e transitada em julgado no apenso A destes autos, nos quais alegou, então em tempo, ser titular de putativo contracrédito.
Insiste agora, outra vez, ser titular de um contracrédito a opor ao crédito da exequente, mas esquece-se (??) que tal já foi decidido negativamente naquela sentença e que a exequente já recebeu o seu crédito exequendo na presente execução, pelo que, nada há a compensar.
Deve, pois, concluir-se, que o ora (outra vez) requerido também quanto à pretensa, mas indevida e inexistente, compensação, é também extemporâneo e, ademais, a existência do alegado contracrédito já foi julgado em seu desfavor.
Na al. “D – Substituição de penhora” do mesmo requerimento, o executado formula pedido de substituição de um bem penhorado que já não é seu, o quinhão hereditário transmitido à exequente, por um outro bem que também não é seu.
Com efeito, o prédio urbano a que o executado alude no requerimento em apreço está em compropriedade com a exequente, não tendo sido constituída propriedade horizontal. (…)
Pelo que, por nada haver a substituir, uma vez que o bem penhorado já não é propriedade do executado e porque o processo de execução já está findo e extinto pelo pagamento devido quer à exequente, quer à AE, deve o requerimento ser indeferido. (…)

Da litigância de má fé do executado e da responsabilidade do seu Ilustre Mandatário.

Litiga de má fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não deva ignorar.
Por meio do requerimento a que agora se responde o executado “esquece-se” e escamoteia que as questões que suscita já foram decididas no processo, por meio de decisões diversas de que foi pessoalmente notificado, bem como na pessoa do seu Ilustre Mandatário, tal como sucede quando alega que o título executivo não foi escrutinado quanto à sua exequibilidade, tal como sucede quando alega ter um contracrédito para compensar com o crédito da exequente, tal como sucede quando requer substituir o bem penhorado, que sabe já não ser seu, por outro que também sabe não ser seu, tal como sucede quando requer tudo quanto se referiu antes, sabendo estar extinta e execução, por ter sido paga a quantia exequenda.
Tais factos são do seu conhecimento pessoal, bem como do seu Ilustre Mandatário, mas nem assim se absteve de atravessar neste processo o requerimento em apreço, cuja falta de fundamento não devia ignorar.
Age, pois, com dolo intenso, pelo que, deve ser condenado como litigante de má fé e, por consequência, deve ser condenado a indemnizar a exequente no reembolso das despesas que a sua má fé obrigaram a exequente a suportar, nomeadamente as custas e os honorários do seu mandatário para este incidente, em montante que não pode ser computado em quantia inferior a 5.000,00€ (cinco mil euros)
E deve, ainda, considerar-se que o seu Ilustre Mandatário tem responsabilidade pessoal e directa nos actos que resultam do requerimento sob análise, porquanto elabora o sobredito requerimento em patrocínio em contradição com as decisões judiciais já proferidas neste processo e no seu apenso A, já transitadas em julgado, e que não devia ignorar, procedendo-se, neste caso, nos termos do disposto no artº 545º do CPC”.
Em 26.06.2017, veio o executado juntar aos autos cópia do pedido de apoio judiciário, pronunciando-se relativamente aos documentos juntos e pedido de condenação como litigante de má fé.
Em 19.05.2020, foi junto aos autos documento de deferimento do pedido de apoio judiciário.
Após ter sido ordenado pelo Tribunal, veio o executado juntar aos autos os documentos que protestara juntar, junção essa efectuada em 28.05.2020.
A exequente pronunciou-se sobre o teor dos documentos juntos.
Em 16.06.2020, o executado junta aos autos um requerimento através do qual imputa à Sr. agente de execução a prática de actos “irregulares”.
Foi ordenada a notificação da Sr. agente de execução para se pronunciar, a qual se pronunciou a fls. 796 e seguintes.
O executado pronunciou-se novamente e a Sr. agente de execução respondeu.
Cumpre apreciar.
Define-se título executivo como “(…) o instrumento que é considerado condição necessária e suficiente da acção executiva”, Anselmo de Castro, A acção Executiva Singular, Comum e Especial, Coimbra Editora, 1977, p. 14.
Considera-se que o título executivo é condição necessária da execução na medida em que os actos executivos em que se desenvolve a acção apenas podem ser praticados na presença dele.
Por outro lado, diz-se que o título executivo é condição suficiente da acção executiva, na medida em que na sua presença segue-se imediatamente a execução, sem ser necessário indagar previamente sobre a real existência do direito a que se refere.
Mas o título, além, de ser a condição necessária e suficiente da execução, define-lhe também os fins e os limites.
Com efeito, nos termos do art.º 45º do CPC 95/96, “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva”.
Ora, o art.º 46º, nas suas diversas alíneas, diz quais os títulos com força executiva. Trata-se de uma enumeração taxativa, como facilmente se constata da letra do preceito em análise (“À execução apenas podem servir de base (…)”). A enumeração legal pode ser reduzida à seguinte classificação: títulos judiciais, parajudiciais e extrajudiciais.
No caso presente está-se perante um título judicial: uma sentença homologatória de uma transacção celebrada entre as partes (art.º 46º, al. a), do CPC 95/96).
Através da acção executiva pretende-se a realização concreta e efectiva do direito do exequente e já não a sua definição.
Esse direito tem de estar perfeitamente definido no título dado à execução (art.º 4º, nº 3, do CPC 95/96).
Segundo M. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 607/608, o título executivo constitui, assim, “documento que formaliza, por disposição da lei, a faculdade da realização coactiva da prestação não cumprida”. Trata-se do “documento de acto constitutivo ou certificativo de obrigações, a que a lei reconhece eficácia de servir de base ao processo de executivo” (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, p. 58). Ou, ainda, como escreve J. Lebre de Freitas e outros, CPC Anotado, I, p. 87, o título executivo constitui o pressuposto formal da acção executiva destinado a conferir à pretensão substantiva um grau de certeza suficiente para consentir a subsequente agressão patrimonial aos bens do vendedor. É um documento que, por si só, certifica — embora, é certo, de forma ilidível-, a existência do direito que o exequente quer ver satisfeito. Trata-se, pois, de documento certificativo ou o instrumento probatório da obrigação exequenda; faz fé da existência de dívida enquanto se não demonstrar o contrário, bastando ao exequente a exibição do título pelo qual a obrigação é constituída ou reconhecida para recorrer à acção executiva.
É o instrumento documental da demonstração da obrigação exequenda, fundamento substantivo da execução (ac. STJ, de 15.05.03 e 18.01.2000, procs. 02B3251 e 99A1037, em dgsi.pt).
Na presença desse documento, dada a relativa certeza da existência da dívida nele demonstrada, é dispensada a fase declarativa para definir o direito do exequente, sem prejuízo de se vir a demonstrar, na oposição do executado por meio de embargos, que a obrigação não existe.
Vejamos, então, qual o âmbito do título ora dado à execução: uma sentença que homologou uma transacção celebrada entre as partes.
Sucede que no caso em apreço, o executado já deduziu oposição à execução, não tendo o Tribunal decidido que se verifica inexequibilidade do título, inexigibilidade da obrigação ou o reconhecimento da compensação da quantia exequenda por rendas pertencentes ao executado.
Qual é a consequência?
Como ensina Miguel Teixeira de Sousa, no estudo “Preclusão e caso julgado”, cuja posição concordámos, “Em referência ao caso julgado da decisão proferida nos embargos de executado, o art. 732.º, n.º 5, estabelece que a decisão proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda. Deste regime decorre que, se o executado invocar, por exemplo, que a obrigação exequenda se encontra prescrita (cf. art. 729.º. al. g)) e se o tribunal considerar os embargos improcedentes com este fundamento, o executado não pode invocar, nem na execução pendente, nem em qualquer outra acção, nenhum outro fundamento que demonstre que a obrigação não existe, é inválida ou é inexigível.
Atendendo ao que já se referiu, do disposto no art. 732.º, n.º 5, não decorre que é o caso julgado da decisão proferida nos embargos que preclude a invocação de um fundamento diverso daquele que o executado invocou nos embargos à execução. Na verdade, a preclusão da invocação de um outro fundamento de inexistência, de invalidade ou de inexigibilidade da pretensão exequenda não ocorre no momento do trânsito em julgado da decisão, mas no momento em que o executado apresenta a petição de embargos. É a partir deste momento que, ressalvada a admissibilidade da alteração da causa de pedir da oposição à execução (cf. art. 265.º, n.º 1), o executado não pode invocar nenhum outro fundamento de inexistência, invalidade ou inexigibilidade da obrigação exequenda. A referência temporal da preclusão que afecta o executado não é o trânsito em julgado da decisão de embargos, mas o anterior momento da entrega da petição inicial dos embargos à execução.
Posto isto, supõe-se que o sentido do estabelecido no art. 732.º, n.º 5, só pode ser este: a partir do momento em que se verifica o trânsito em julgado da decisão de improcedência da oposição à execução deduzida com um certo fundamento de inexistência, invalidade ou inexigibilidade da obrigação exequenda, a preclusão da invocação de um fundamento distinto daquele que foi alegado pelo executado passa a operar através da excepção de caso julgado.
Quer dizer: a preclusão da alegação de um fundamento distinto que já se verificava a partir do momento da entrega da petição inicial dos embargos de executado passa a actuar através da excepção de caso julgado, se esse fundamento for indevidamente alegado numa acção posterior.
Portanto, a excepção de caso julgado não origina a preclusão do fundamento não alegado nos embargos de executado, mas é um meio para impor a estabilização decorrente da preclusão desse fundamento num outro processo.
Fornecendo um exemplo: o executado embargou a execução com fundamento no pagamento do crédito exequendo; os embargos são considerados improcedentes; numa outra execução para obtenção de uma parcela restante do mesmo crédito, o mesmo executado opõe-se à execução com fundamento na invalidade do contrato que constitui a fonte desse crédito; contra esta invocação opera a excepção de caso julgado, dado que, nos primeiros embargos, ficou decidido com força de caso julgado que nada obstava à execução da obrigação exequenda. Como o exemplo demonstra, não é a excepção de caso julgado que produz a preclusão, mas a preclusão que se serve desta excepção para impor a sua função estabilizadora”.
Assim sendo, encontra-se vedado ao executado, após ter deduzido oposição à execução, cuja decisão já transitou em julgado, alegar “novos fundamentos” para oposição à execução, como seja, da inexistência de título para a execução, da compensação e da má fé e abuso de direito, pelo que se indefere a verificação da insuficiência e/ou inexistência do título, por falta de obrigação, e, consequentemente, anulados todos os atos praticados no processo e extinção da execução.

No que respeita à anulação da venda e substituição da penhora, cumpre salientar que o artigo 839º, do CPC, estabelece que “1 - Além do caso previsto no artigo anterior, a venda só fica sem efeito:

a) Se for anulada ou revogada a sentença que se executou ou se a oposição à execução ou à penhora for julgada procedente, salvo quando, sendo parcial a revogação ou a procedência, a subsistência da venda for compatível com a decisão tomada;
b) Se, tendo corrido à revelia, toda a execução for anulada nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 851.º, salvo o disposto no n.º 4 do mesmo artigo;
c) Se for anulado o ato da venda, nos termos do artigo 195.º;
d) Se a coisa vendida não pertencia ao executado e foi reivindicada pelo dono. 2 - Quando, posteriormente à venda, for julgada procedente qualquer ação de preferência ou for deferida a remição de bens, o preferente ou o remidor substituem-se ao comprador, pagando o preço e as despesas da compra. 3 - Nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1, a restituição dos bens tem de ser pedida no prazo de 30 dias a contar da decisão definitiva, devendo o comprador ser embolsado previamente do preço e das despesas de compra; se a restituição não for pedida no prazo indicado, o vencedor só tem direito a receber o preço”.

Ora, atento o alegado pelo executado apenas se pode cogitar a aplicação do al. c) do referido preceito legal, ou seja, a anulação do acto da venda.
Sucede que, tal como alegado pela exequente, a venda foi realizada em 21,03,2016 (fls. 435), o executado foi notificado da adjudicação, em 22.03.2016, encontrando-se há muito esgotado o prazo de dez dias para arguir qualquer hipotética nulidade – artigo 199º, do CPC, sendo certo que foi decidido nos autos, e o executado notificado de tal despacho, que a modalidade de venda e o valor a anunciar decididos pela Sr. agente de execução se encontravam nos pressupostos legais, designando-se ainda data para abertura de propostas (fls. 407), indeferindo-se, assim, a requerida anulação da venda ou substituição da penhora.
Com efeito, e no respeita à substituição da penhora, é manifesto que não pode ser substituída a penhora de um bem que já foi vendido, sendo que a execução já foi declarada extinta. Mas, se assim não fosse, sempre estaria o Tribunal impedido de proceder à substituição da penhora, uma vez que não se verificam as circunstâncias previstas no artigo 751º, nº 5, do CPC, sendo certo que pretendendo o executado uma “redução” da penhora devia ter suscitado tal questão no âmbito da oposição à penhora, sendo certo que inexiste qualquer fundamento para substituição da Sr. agente de execução.
Por fim, no que respeita às requeridas condenações da contra-parte como litigante de má fé, temos de referir que muito embora o teor dos requerimentos apresentados pelo executado se mostrem pouco adequados, mormente nas imputações efectuadas a certos sujeitos processuais e agentes da justiça, neste momento, o Tribunal considera que não se mostra adequado sancionar nenhuma das partes, ou seus mandatários, como litigantes de má fé, pelo que se indeferem as requeridas condenações.
*
II – Decisão

Pelo exposto, julgo totalmente improcedente a requerida:

a) Anulados de todos os atos praticados no processo e extinção da execução;
b) Anulação de todos os atos da senhora agente de execução, incluindo a penhora e venda do quinhão hereditário;
c) Substituição da agente de execução;
d) A passagem de certidão judicial transmitindo a propriedade dos bens para o executado e efetuada a compensação com os créditos que o executado tem a receber da herança, a apurar e liquidar no respetivo processo de inventário, por conta da legítima;
e) A penhora dos créditos que o executado tem sobre a sociedade M. G. & Filhos, Lda., a título de lucros que nunca lhe foram entregues, bem como qualquer indemnização, até ao respetivo montante que lhe venha a ser judicialmente atribuída;
f) O fracionamento e efetuada a penhora de ½ das novas frações do prédio sito na Rua ... n.º .. a .., descrito na CRP sob o número ... e inscrito na matriz sob o artigo ... e que correspondem ao duplex de luxo do 4.º andar e do 3.º andar esquerdo, para serem vendidas pelo justo preço de mercado e não inferior a primeira a 2 000 000,00€ e a segunda a 480 000,00€;
g) A condenação das partes, ou mandatários, como litigantes de má fé».
**

2.2. Do objecto do recurso

2.2.1. Falta de título executivo – conclusões a) a dd)

A primeira questão suscitada pelo Recorrente nas conclusões das suas alegações respeita à falta de título executivo (3).
Em conformidade com o disposto no artigo 45º, nº 1, do Código de Processo Civil (CPC) de 1961, na redacção anterior à reforma de 2013, e no artigo 10º, nº 5, do actual CPC (2013) (4), «toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam os limites da acção executiva».
Portanto, o título executivo constitui a base da acção executiva e consiste num instrumento demonstrativo da existência da obrigação exigenda, ou seja, do dever de prestar que vincula o devedor perante o credor.

Consoante os casos, a falta de título executivo constitui fundamento para:
a) Recusa de recebimento do requerimento executivo – artigo 725º, nº 1, al. d), do CPC/2013 (art. 811º, nº 1, al. b), do CPC/1961 (5));
b) Indeferimento liminar do requerimento executivo – artigo 726º, nº 2, al. a), do CPC/2013 (art. 812º, nº 2, al. a), do CPC/1961);
c) Rejeição oficiosa da execução – artigo 734º, nº 1, do CPC/2013 (art. 820º, nº 1, do CPC/1961);
d) Oposição à execução por embargos de executado – artigos 729º, al. a), 730º e 731º –, com a consequente extinção da execução – artigo 732º, nº 4, todos do CPC/2013 (arts. 814º, nº 1, al. a), 815º e 816º do CPC/1961).
Portanto, não há execução sem título. A inexistência do título, enquanto tal, impede o prosseguimento da execução, logo que constatada, pois a pretensão é destituída de exequibilidade.

No caso dos autos o título é uma sentença homologatória de transacção. Tal sentença constitui título executivo em conformidade com o disposto no artigo 46º, nº 1, al. a), do CPC/1961, vigente à data da instauração da execução (6); também actualmente constitui título nos termos do artigo 703º, nº 1, al. a), do CPC/2013.
Nas conclusões das suas alegações o Recorrente sustenta que «é manifesta a falta de título para a presente execução, uma vez que o contrato celebrado e homologado, por sentença, foi um contrato promessa de compra e venda que se mostra por cumprir, faltando determinar jurisdicionalmente quem incumpriu o quê e porquê». No seu entender, «a sentença que homologa a transação mediante a qual as partes celebraram um contrato de promessa de compra e venda, não constitui título suficiente para uma execução de pagamento de quantia certa, porquanto inexiste qualquer condenação ou obrigação de pagamento de qualquer quantia». Argumenta ainda que a cláusula 11ª da transacção estabelece uma cláusula penal para o «caso de incumprimento do acordado e não – insista-se – pelo eventual incumprimento do pagamento do preço», pelo que, «[e]m tal medida, essa sentença homologatória é manifestamente insuficiente para servir de título à execução da pretendida obrigação de pagamento/indemnização, o que constitui vício insuprível determinativo da extinção da execução».
Sucede que esta concreta questão, sobre se a sentença homologatória da transacção constitui título e se é exequível e em que termos, já foi objecto de decisão na oposição mediante embargos de executado deduzida pelo ora Recorrente.
Com efeito, por um lado, parte substancial da petição de embargos de executado foi destinada a sustentar que o contrato objecto de transacção não era um “negócio definitivo”, mas sim uma “mera promessa” – v. artigos 62º a 105º, em especial até ao artigo 89º. É elucidativo o artigo 82º, onde o Executado alegou que «pretende a Oponida executar uma transacção como sendo um negócio definitivo, mas na verdade não configura mais do que uma mera promessa». Também no artigo 116º da oposição, em sede de alegação de direito, invocou o disposto no artigo 814º, nº 1, al. a), do CPC/1961, transcrevendo expressamente a «inexistência ou inexequibilidade do título» como fundamento da oposição à execução. E, a final, deduziu pedido em consonância com aqueles fundamentos: «c) Reconhecida a inexequibilidade do título executivo e seja declarada extinta a execução».
Por outro lado, a sentença analisou detalhadamente a transacção e abordou todas as questões que tinham sido suscitadas na oposição à execução. Concluiu que existia título e que o mesmo era exequível, em conformidade com a pretensão deduzida no requerimento executivo, pelo que julgou improcedente a oposição à execução.
Primeiro, na interpretação do Tribunal de 1ª instância, «atentos os factos que resultaram como provados (artigo 2º), as partes acordaram que os prédios identificados nas alíneas a) e b) do pedido da petição inicial são adjudicados ao autor (7), sendo tais prédios avaliados pelos peritos, comprometendo-se as partes a aceitar o resultado de tal avaliação, ficando o autor (ora executado) obrigado a pagar à ora exequente, no prazo de 120 após a comunicação do resultado da avaliação, o equivalente a 50% do valor da avaliação». Mais à frente fez-se constar expressamente que o contrato celebrado entre as partes operou «a transmissão da propriedade dos prédios ao executado».
Ao contrário do ora sustentado pelo Recorrente, designadamente na conclusão s), onde afirma que «o tribunal não adjudica os bens referenciados nos artigos 1.º e 2.º da transação», a primeira instância considerou que os prédios foram adjudicados ao autor no acordo judicialmente homologado e que o mesmo operou a transmissão da propriedade dos prédios ao Executado.
Dos extractos transcritos já resultava a consideração do negócio como um contrato definitivo e não um mero contrato-promessa. Porém, isso é perfeitamente claro no segmento da sentença em que se diz «que o contrato celebrado entre as partes tem eficácia real (artigo 408º, do Código Civil), operando a transmissão da propriedade dos prédios ao executado, não configurando, ao contrário do alegado pelo executado, uma mera promessa, não se verificando qualquer inexequibilidade da transacção».

Segundo, o Recorrente suscita a questão de não se tratar de um contrato «com efeitos reais». Tal questão foi expressa e claramente apreciada na sentença proferida nos embargos, como o demonstra o extracto transcrito no parágrafo anterior («o contrato celebrado entre as partes tem eficácia real (artigo 408º, do Código Civil)»).

Terceiro, quanto à alegação de que «inexiste qualquer condenação ou obrigação de pagamento de qualquer quantia», verifica-se que a sentença também abordou essa questão. Fê-lo nos seguintes termos:

«Assim sendo, constata-se que as partes fixaram a forma de transmissão da propriedade dos prédios para o executado, estando determinado o seu objecto – os prédios identificados na cláusula 1º, a forma de determinação do preço e o prazo de pagamento.
É certo que as partes confiaram a terceiros (os peritos) o encargo da fixação do preço (artigo 884º, do Código Civil), sendo que os peritos avaliaram os prédios em € 344.000,00, o que foi notificado ao executado.
Ora, apesar do executado ter alegado que a totalidade do património que lhe foi adjudicado, que se trata de três prédios, sendo que na avaliação apenas se individualizaram dois, não existindo certeza em relação ao preço, não se operou a adjudicação/transmissão dos imóveis, pela sua natureza e pela existência de erro técnico, também aqui não logrou demonstrar o por si alegado, sendo certo que não se descortina qualquer incerteza quanto ao preço, o preço global de € 344.000,00, nem a existência de qualquer erro técnico na avaliação que foi efectuada».
Noutra parte fez-se constar que não existia «qualquer óbice a que o valor dos prédios fosse posteriormente determinado, não se descortinando qualquer impossibilidade objectiva ou subjectiva do executado cumprir o contrato a que se obrigou, incluindo na parte de proceder ao pagamento de 50% do preço fixado pelos peritos, no prazo acordado».

Quarto, na sentença abordou-se exaustivamente, nas suas páginas 13 a 19, a questão da natureza da cláusula 11ª da transacção e dos seus efeitos, que qualificou como «cláusula penal moratória», tendo concluído do seguinte modo:

«Assim sendo, e tal como defende a exequente, consideramos que a cláusula penal acordada entre as partes tem uma natureza moratória. Com efeito, foram fixados prazos para o executado cumprir as prestações a que se obrigou (pagamento do preço e constituição de uma hipoteca), pelo que considerando o contrato celebrado entre as partes a cláusula penal estipulada tem uma função compulsória, porquanto foi estipulada para o caso de atraso no cumprimento da obrigação de constituição da hipoteca e pagamento do preço por parte do executado, visando coagir o executado, mediante a ameaça de uma sanção pecuniária, ao cumprimento pontual das obrigações que assumiu.
Aliás, tendo em consideração o contrato celebrado entre as partes, que prevê que o executado desde o momento em que celebrou a transacção fica com a disponibilidade dos imóveis que lhe foram adjudicados e recheio, devendo proceder ao pagamento do preço e constituição de uma garantia real a favor da exequente nos prazos fixados, o preço que foi fixado, tendo em conta os critérios ínsitos para a interpretação da vontade negocial, consideramos que ao contrário do alegado pelo executado, as partes não pretenderam fixar em € 25.000,00, a compensação pelo incumprimento do acordado».
Portanto, relativamente à apontada cláusula, na sentença concluiu-se de forma diferente daquela que o Recorrente alega para alicerçar a falta ou insuficiência do título – v., por exemplo, a conclusão w), onde consta que «trata-se, portanto, de uma cláusula penal estabelecida previamente entre as partes em caso de incumprimento do acordado e não – insista-se – pelo eventual incumprimento do pagamento do preço».

Do exposto resulta que o Executado pretendeu, com o seu requerimento de 23.05.2017 (referência 25817975), que o Tribunal recorrido procedesse a uma reapreciação de matéria que já tinha sido objecto de apreciação e decisão por sentença transitada em julgado.
Como é óbvio, o Tribunal a quo estava impedido de decidir agora de forma diferente daquela que havia anteriormente decidido na sentença proferida em 25 de Outubro de 2015 no apenso A – oposição à execução. É isso que resulta do artigo 732º, nº 6, do CPC: «para além dos efeitos sobre a instância executiva, a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda».
No caso dos autos, no que respeita à falta de título ou à sua insuficiência, as questões suscitadas no requerimento de 23.05.2017 são essencialmente as mesmas, apenas com ligeiras alterações de forma na sua formulação (8), pelo que a decisão proferida nos embargos constitui caso julgado (“nos termos gerais”, na expressão da lei) e obsta à reapreciação desses fundamentos de oposição à execução.
Porém, mesmo que tivessem sido invocados novos fundamentos, desde que não supervenientes, destinados a demonstrar a inexistência, invalidade e inexigibilidade da obrigação exequenda, o Tribunal recorrido não podia deles conhecer, pois estava precludida a possibilidade de o Executado os invocar.
Na oposição à execução o Executado alegou que a obrigação exigida na execução não existia (9), era inválida (10) e não era exigível (11). Tendo o Tribunal recorrido considerado improcedentes os embargos com esses fundamentos, o Executado «não pode invocar, nem na execução pendente, nem em qualquer outra acção, nenhum outro fundamento que demonstre que a obrigação não existe, é inválida ou é inexigível» (12).
Como refere Miguel Teixeira de Sousa (13), «a partir do momento em que se verifica o trânsito em julgado da decisão de improcedência da oposição à execução deduzida com um certo fundamento de inexistência, invalidade ou inexigibilidade da obrigação exequenda, a preclusão da invocação de um fundamento distinto daquele que foi alegado pelo executado passa a operar através da excepção de caso julgado. Quer dizer: a preclusão da alegação de um fundamento distinto que já se verificava a partir do momento da entrega da petição inicial dos embargos de executado passa a actuar através da excepção de caso julgado, se esse fundamento for indevidamente alegado numa acção posterior. Portanto, a excepção de caso julgado não origina a preclusão do fundamento não alegado nos embargos de executado, antes é um meio para impor a estabilização decorrente da preclusão desse fundamento num outro processo.
Fornecendo um exemplo: o executado embargou a execução com fundamento no pagamento do crédito exequendo; os embargos são considerados improcedentes; numa outra execução para obtenção de uma parcela restante do mesmo crédito, o mesmo executado opõe-se à execução com fundamento na invalidade do contrato que constitui a fonte desse crédito; contra esta invocação opera a excepção de caso julgado, dado que, nos primeiros embargos, ficou decidido com força de caso julgado que nada obstava à execução da obrigação exequenda. Como o exemplo demonstra, não é a excepção de caso julgado que produz a preclusão, mas a preclusão que se serve desta excepção para impor a sua função estabilizadora».
Essa preclusão emerge da natureza da oposição à execução: é o meio processual pelo qual o executado exerce o seu direito de defesa perante a pretensão do exequente. Foi deduzida uma concreta pretensão contra o executado e este defende-se desta, pelo que deve expor todos os fundamentos susceptíveis de conduzir à extinção da execução, atenta a ligação funcional existente entre a oposição e a execução. A oposição é uma contra-acção (14) do executado à acção executiva para impedir a execução, visando a sua extinção, no todo ou em parte (cfr. art. 732º, nº 4, do CPC).
Sendo um meio de defesa contra uma pretensão executiva – uma contestação desta – e que tem necessariamente de revestir a forma de oposição à execução, dificilmente se compreenderia que fosse admissível ao executado apenas invocar alguns dos fundamentos de defesa e reservar para mais tarde a possibilidade de invocar os restantes fundamentos já existentes à data da apresentação da petição de embargos. A admitir-se tal possibilidade, nenhuma segurança jurídica resultaria da apreciação jurisdicional realizada na oposição à execução, cuja sentença não exerceria uma função estabilizadora. A estabilidade só se alcança se considerarmos que toda a defesa contra a pretensão executiva deve ser deduzida na petição inicial e que a sentença que aprecia da existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda opera na execução a preclusão de um fundamento de defesa que podia ter sido invocado naquela petição inicial da oposição à execução.
A natureza e função da oposição à execução assim o ditam: substancialmente é uma contestação ao pedido executório, mas formalmente é uma petição inicial.
Como bem salienta Rui Pinto (15), «a necessidade de segurança jurídica e a autorresponsabilidade do executado justificam que a petição inicial se reja pelo princípio da concentração da defesa, previsto no artigo 573º nº 1: toda a defesa do executado deve ser deduzida na oposição à execução. (…)
A invocação do nº 1 do artigo 573º não é despicienda: além de evitar quaisquer dúvidas que a mera consideração dos nºs 1 e 2 do artigo 728º pudesse levantar – e, portanto, só há um momento de defesa do executado ao pedido executivo –, ela permite concluir que o executado pode sempre deduzir em defesa separada os incidentes que a lei autorize – por ex., o incidente de suspeição do juiz, dos artigos 120º ss.
Já quanto à defesa diferida, a natureza incidental da oposição à execução permite concluir pela inaplicabilidade do nº 2 do artigo 573º; ou seja, esse preceito parece ser destinado à tramitação da acção declarativa, em que a defesa não tem autonomia procedimental e uma defesa posterior pode ser incorporada seja em articulados supervenientes, seja na audiência prévia.
Pelo contrário, os dados legais que decorrem implicitamente do nº 2 do artigo 728º são de que, esgotada a oportunidade processual dada pelo nº 1, apenas se admite matéria superveniente, conquanto seja matéria dos artigos 729º a 731º e não outra; a contrario, não pode o oponente trazer factos, impugnações e exceções, perentórias e dilatórias, cuja alegação omitira. Não vale, pois, na oposição à execução, a ressalva final do nº 2 do artigo 573º que admite que na acção declarativa, mesmo depois da contestação, a parte passiva possa alegar exceções de conhecimento oficioso, ainda que não alegadas e não supervenientes».
Além disso, a própria natureza peremptória do prazo para a oposição à execução (artigo 728º, nº 1, do CPC/2013 e artigo 813º, nº 1, do CPC/1961), permite retirar, a contrario, a necessidade de concentração da defesa, excepcionada pelos fundamentos supervenientes (16).
Também Lebre de Freitas (17) salienta a existência da aludida preclusão relativamente aos factos não supervenientes: «na medida em que os embargos de executado são o meio de oposição idóneo à alegação dos factos que em processo declarativo constituiriam matéria de excepção, o termo do prazo para a sua dedução faz precludir o direito de os invocar no processo executivo, a exemplo do que acontece no processo declarativo. A não observância do ónus de excepcionar, diversamente da não observância do ónus de contestar ou do de impugnação especificada, não acarreta uma cominação, mas tão-só a preclusão dum direito processual cujo exercício se poderia revelar vantajoso».

Importa agora apreciar a questão suscitada na conclusão l), inserida na parte das conclusões que versam sobre a falta/insuficiência do título executivo dos autos.
Alega o Recorrente que «[é] inconstitucional, por violar o artigo 20.º/1 e 4 da Constituição, a norma extraída do artigo 728.º/1 e 732.º/6 do CPC, na interpretação de que existe um ónus por parte do executado de concentração na oposição à execução e que, assim, a sentença proferida na oposição por embargos constitui caso julgado de questões que nela não foram colocadas nem conhecidas ou decididas e impede o juiz de posteriormente oficiosamente ou a requerimento indeferir a execução por falta ou insuficiência do título».
Em primeiro lugar, constata-se que o Recorrente não fundamenta, na motivação do recurso, a conclusão l).
Na motivação do recurso que tem por epígrafe «II – Falta ou insuficiência insuprível do título» consta no ponto 84 a formulação de uma questão diferente: «84. É inconstitucional, por violar o artigo 20.º/4 da Constituição, a norma extraída do artigo 10.º/5 e 6, 703.º/1 al. a), 704.º/1 al. a) do Código de Processo Civil, aplicada pelo tribunal a quo na interpretação de que constitui título suficiente para a execução de pagamento de quantia certa, a sentença homologatória de uma transação mediante a qual as partes celebraram um contrato promessa de compra e venda, para o qual estabeleceram cláusula penal a título de sinal e que passada a fase de oposição, sem que a questão tenha sido suscitada, ao juiz não é lícito indeferir liminarmente o requerimento executivo por falta de exequibilidade do título».
Ora, devem ser desatendidas as conclusões que não encontrem correspondência na motivação (18).
Em segundo lugar, não se verifica o pressuposto factual em que assenta a asserção constante da alínea l): as questões que alicerçam a alegada falta ou insuficiência do título executivo foram colocadas, conhecidas e decididas na oposição à execução, tal como já se demonstrou supra.
Por isso, é manifesto que inexiste violação do artigo 20º, nºs 1 (acesso ao direito e aos tribunais) e 4 (direito a decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo), da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Na conclusão dd) suscita o Recorrente a seguinte questão de ordem constitucional:

«dd) É inconstitucional, por violar o artigo 20.º/4 da Constituição, a norma extraída do artigo 10.º/5 e 6, 703.º/1 al. a), 704.º/1 al. a) do Código de Processo Civil, aplicada pelo tribunal a quo na interpretação de que constitui título suficiente para a execução de pagamento de quantia certa, a sentença homologatória de uma transação mediante a qual as partes celebraram um contrato promessa de compra e venda, para o qual estabeleceram cláusula penal a título de sinal e que passada a fase de oposição, sem que a questão tenha sido suscitada, ao juiz, com fundamento no efeito de preclusão, não é lícito indeferir liminarmente o requerimento executivo por falta de exequibilidade do título».
Também esta conclusão padece das mesmas patologias já apontadas à conclusão l).
Desde logo, na motivação do recurso o Recorrente não fundamenta a mencionada conclusão, limitando-se a afirmar, no ponto 84º, o que posteriormente reproduziu naquela conclusão, sem qualquer desenvolvimento argumentativo que a alicerce.
Depois, nos autos não está em causa «uma transação mediante a qual as partes celebraram um contrato promessa de compra e venda, para o qual estabeleceram cláusula penal a título de sinal», que é o pressuposto de que parte o Recorrente na formulação do juízo de inconstitucionalidade de um pretenso entendimento do Tribunal recorrido.
Resulta consolidado nos autos que na transacção não foi celebrado um contrato-promessa, antes um verdadeiro contrato definitivo, e que a cláusula 11ª, também da transacção, não foi estabelecida a “título de sinal”, mas sim como «cláusula penal moratória». Essas questões foram anteriormente apreciadas e decididas nos autos por sentença pacificamente transitada em julgado: expressamente foi considerado que o acordo não configura, «ao contrário do alegado pelo executado, uma mera promessa» e que a cláusula 11ª constitui uma «cláusula penal moratória», tal como já expusemos atrás.
Do mesmo modo, a questão da «falta de exequibilidade do título» foi apreciada na sentença proferida na oposição à execução, tendo-se aí concluído pela não verificação de «qualquer inexequibilidade da transacção».
Se essa matéria já foi anteriormente, depois de discutida, objecto de decisão no processo, seguramente que não foi violado o disposto no artigo 20º, nº 1, da CRP, onde se dispõe que «todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo».
Finalmente, não se descortina no despacho recorrido que aí tenha sido considerada «a norma extraída do artigo 10.º/5 e 6, 703.º/1 al. a), 704.º/1 al. a) do Código de Processo Civil». Em lado algum o Tribunal recorrido invocou o disposto nos artigos 10º, nºs 5 e 6, 703º, nº 1, al. a), ou 704º (cujo nº 1 não tem sequer alínea a), pelo que tal referência só pode ser interpretada como um lapso) do CPC. A interpretação do Tribunal recorrido baseou-se, isso sim, no disposto no artigo 732º, nº 6, do CPC (anterior nº 5 do artigo 732º - v. redacção dada pela Lei nº 117/2019, de 13 de Setembro).
Termos em que improcedem as conclusões a) a dd).
*
2.2.2. Da nulidade da penhora e da venda – conclusões ee) a xx)

Tanto a motivação do recurso como as conclusões contêm várias considerações e referências a assuntos pessoais ou meramente particulares das partes que exorbitam ou nenhuma relação têm com o objecto destes autos. É irrelevante para os autos, por exemplo, que a Exequente seja «economista por formação», «não se lhe conheça atividade profissional condizente», compre “iates”, faça «várias viagens ao Estrangeiro», tenha «motorista privado», pague «estudos e doutoramentos dos filhos em Portugal e nos Estados Unidos da América», faça «festas sumptuosas», tenha tido «fugaz passagem pelos serviços de contabilidade da companhia de aviação X, SA», quem seja o seu marido, se é «advogado de profissão» ou se tem (aquele alegado advogado ou outros) «larga experiência em direito sucessório e tabular».
Dito isto, verifica-se que no requerimento de 23.05.2017 o Executado não suscitou a questão da nulidade da penhora ou da venda com fundamento em só poderem «ser penhorados tais prédios, nos termos do artigo do artigo 1378.º, nº 3 do Cód. Proc. Civil/61 (atual 1122.º, nº 2)» por «só aqueles bens [responderem] pela dívida».
Portanto, tal questão não foi colocada ao Tribunal recorrido naquele requerimento de 23.05.2017, designadamente para sustentar uma das pretensões aí deduzidas, e só surge em sede de recurso, pelo que, não sendo manifestamente de conhecimento oficioso, constitui uma questão nova, não alegada licitamente, e como tal insusceptível de julgamento neste Tribunal de recurso. A regra em matéria de recursos de reponderação – sistema que o nosso ordenamento positivo acolhe – é esta: salvo em matéria de conhecimento oficioso, o tribunal ad quem apenas conhece dentro do objecto que foi presente ao tribunal recorrido. Sendo os recursos meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões que não foram anteriormente suscitadas, o âmbito do recurso encontra-se objectivamente limitado pelas questões colocadas no tribunal recorrido.
Independentemente disso, verifica-se que o Executado deduziu oposição à penhora com fundamento no disposto no, então vigente, artigo 863º-A, nº 1, alínea c), do CPC/1961, alegando que «os bens sobre a qual incide não respondem pela alegada dívida exequenda». Como tal oposição à penhora foi julgada improcedente (19), mesmo que a questão tivesse sido colocada novamente ao Tribunal recorrido pelo requerimento de 23.05.2017, mostra-se precludida a possibilidade de se proceder à sua reapreciação.
Daí a improcedência da pretensão que o Recorrente deduz no final das suas alegações, sob a alínea b), no sentido de ver «declarada nula ou anulada a penhora e venda do quinhão hereditário do executado», uma vez que se alicerça precisamente na alegação de que «só os prédios objeto da transação é que respondem pela dívida».
Em todo o caso, em sede de mera argumentação subsidiária (quod abundat non nocet), sempre se dirá que em 23.05.2017, quando apresentou o requerimento sobre o qual recaiu a decisão recorrida, bem assim quando, por maioria de razão, interpôs recurso, já se mostrava ultrapassado o prazo de que dispunha para reagir a uma eventual nulidade da venda ou da penhora, que é muito anterior àquela, nos termos dos artigos 195º, nº 1, e 199º, nº 1, do CPC. Afigura-se que o Tribunal a quo decidiu bem quando considerou que «a venda foi realizada em 21.03.2016 (fls. 435), o executado foi notificado da adjudicação, em 22.03.2016, encontrando-se há muito esgotado o prazo de dez dias para arguir qualquer hipotética nulidade – artigo 199º, do CPC, sendo certo que foi decidido nos autos, e o executado notificado de tal despacho, que a modalidade de venda e o valor a anunciar decididos pela Sr. agente de execução se encontravam nos pressupostos legais, designando-se ainda data para abertura de propostas (fls. 407), indeferindo-se, assim, a requerida anulação da venda ou substituição da penhora».

As mesmas considerações valem relativamente à alegação de que «a penhora e venda do quinhão hereditário do executado é um ato nulo, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 280.º, 286.º, 289.º/1, 294.º, todos do Código Civil».
Também tal questão não foi submetida ao Tribunal recorrido no requerimento de 23.05.2017, sobre o qual recaiu a decisão recorrida, e, por isso, à partida, não pode ser suscitada e apreciada no âmbito do recurso interposto da decisão recorrida. Pode-se objectar que tal questão é de conhecimento oficioso, mas a realidade é que a argumentação apresentada no processo é insusceptível de conduzir à procedência da conclusão constante da alínea ee) das alegações do recurso.
O título executivo dos autos é uma sentença homologatória de uma transacção, pelo que à mesma podem ser opostos os fundamentos dos artigos 729º, als. a) a i), do CPC, destacando-se a possibilidade de invocar a nulidade ou anulabilidade da transacção. Qualquer um desses fundamentos, não sendo supervenientes, tinha de ser invocado na oposição à execução e no prazo peremptório de que o Executado dispunha para o efeito; também a circunstância de a penhora ter recaído sobre aquele concreto direito e não sobre outro teria que ser suscitado através do meio processual que a lei põe à disposição do executado: a oposição à penhora. O Executado deduziu a oposição que bem entendeu, em consonância com os factos que considerava verificados, entre os quais não se contava a situação invocada no âmbito do recurso, e o Tribunal recorrido apreciou-a e julgou-a improcedente. É de destacar que o Executado invocou na oposição a inexistência e inexequibilidade do título, bem como uma causa de anulabilidade da transacção (art. 247º do Código Civil).
Não resultando do simples exame dos autos qualquer causa de nulidade da transacção (20), os fundamentos factuais susceptíveis de a demonstrar careciam de ser carreados para os autos pelo respectivo interessado, submetidos a contraditório e, finalmente, apreciados pelo juiz. Analisado o requerimento sobre o qual incidiu a decisão recorrida, constata-se que nele não foi alegada uma causa de nulidade da transacção.
Independentemente de qualquer consideração sobre o respectivo mérito, o ora alegado é insusceptível de apreciação no âmbito deste recurso, pois constituiria uma subversão da natureza, regime e finalidade dos recursos. Os dados que constavam do processo não impunham o conhecimento oficioso da pretensa nulidade da transacção, pelo que não se verifica qualquer omissão, erro ou vício que possa ser apontado ao Tribunal a quo e, em consequência, inexiste motivo para «alteração ou anulação da decisão» recorrida, que é o resultado que se pretende alcançar com uma apelação (v. artigo 639º, nº 1, do CPC). O recurso não é o meio próprio para se alegar uma situação factual que anteriormente não se alegou no requerimento sobre o qual recaiu a decisão.
Além disso, invoca-se o disposto no artigo 294º do Código Civil, mas não se indica a concreta disposição legal de carácter imperativo violada pela celebração da transacção.
Do mesmo modo, menciona-se o artigo 280º do Código Civil, mas nem sequer se indica se é o seu nº 1 ou o nº 2 que estará em causa. Prevendo-se na referida disposição legal várias patologias do objecto negocial que constituem causa de nulidade do negócio, não se identifica qual a causa, requisito ou conceito, dentre os aí previstos, versado no recurso. Recorde-se que em recurso compete ao recorrente demonstrar o fundamento alegado (art. 639º, nº 2, do CPC).
No citado artigo prevê-se, no nº 1, a nulidade do negócio jurídico «cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável». No nº 2 estabelece-se que é «nulo o negócio contrário à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes».
Para começar, não se vislumbra como é que um contrato com aquele clausulado poderá contrariar a “ordem pública” ou ser “ofensivo dos bons costumes”. De todo o modo, não se alcança como o concreto contrato celebrado ofende um princípio ou um valor fundamental do nosso ordenamento jurídico.
Depois, o objecto do negócio, seja o mediato (o direito sobre que incide o negócio) ou o imediato (o conteúdo do contrato, ou seja, os seus efeitos jurídicos), não é física ou legalmente impossível. Fisicamente (enquanto limite que resulta da natureza do próprio objecto), a realização da prestação não é impossível, assim como não o é legalmente, uma vez que não se vislumbra um obstáculo de natureza legal à produção do efeito jurídico previsto.
A contrariedade à lei depende da existência de uma norma imperativa ou, pelo menos, injuntiva que torne indisponível determinada situação jurídica. O negócio dos autos não versa claramente sobre matéria legalmente indisponível.
Também é suficientemente claro que o objecto do contrato não é indeterminado ou indeterminável, pois, a prestação estava definida. Sabe-se em que medida o Executado se encontra vinculado perante a Exequente, além de que isso foi devidamente discutido e esclarecido na sentença proferida na oposição à execução.

Nalgumas das conclusões ora em apreciação o Recorrente defende uma tese contrária aos fundamentos em que se alicerçou a sentença proferida na oposição à execução, designadamente quanto à natureza do negócio jurídico e aos seus efeitos.
Trata-se de matéria sobre a qual já nos pronunciamos em 2.2.1. e da qual não é lícito extrair consequências contrárias às do caso julgado.

Pretende ainda o Recorrente que esta Relação declare «nula ou anulada a venda do quinhão hereditário e atos com ela conexos, na medida em que a compradora também exequente, aplicou na compra dinheiro sujo, proveniente, aliás, da prática de crimes de abuso de confiança agravado, falsificação de documentos, fraude fiscal qualificada, burla e branqueamento de capitais» - v. a parte final das alegações, sob a alínea b).
Nas pertinentes conclusões, o Recorrente imputa à Exequente a prática de vários crimes – abuso de confiança agravado, falsificação de documentos, fraude fiscal qualificada, burla e branqueamento de capitais – e alega que o bem foi adquirido com dinheiro proveniente da prática de tais crimes. Sustenta ainda – v. conclusão ww) – que o tribunal «tem o dever de sobrestar a venda e exigir ao comprador prova da origem lícita do dinheiro aplicado na compra, declarando nula a venda na falta de prova suficiente da legitimidade do dinheiro».
Compulsados os autos, constata-se, em primeiro lugar, não estar demonstrado que a compradora tenha praticado algum crime. Isso só poderia ser provado através de certidão extraída de um processo-crime instaurado contra a compradora e no qual esta tivesse sido condenada pela prática de crime.
Em segundo lugar, não estando demonstrada tal condenação, que nem sequer foi alegada (a existência de condenação), é impossível concluir nestes autos que o dinheiro aplicado na compra é produto de um crime.
Em terceiro lugar, na ausência de condenação em tribunal criminal, os tribunais cíveis não dispõe de competência investigatória e condenatória em matéria criminal. Por isso, não pode aqui ser apurado se a compradora praticou crimes e se o dinheiro aplicado na compra foi obtido com a prática dos mesmos.
Em quarto lugar, inexiste qualquer fundamento legal para um tribunal cível «exigir ao comprador prova da origem lícita do dinheiro aplicado na compra» e muito menos para declarar nula uma venda «na falta de prova suficiente da legitimidade do dinheiro»; se já o é em geral, mais o será no âmbito de um processo que reflecte um conflito intenso entre dois irmãos, que remonta a 2003/2004, com múltiplos processos cruzados. Não existe qualquer norma a estabelecer que o juiz deve exigir tal prova no âmbito de um processo cível e nenhuma disposição legal fulmina de nulidade a venda de um bem quando o comprador não faz prova “suficiente” da origem lícita do dinheiro. Nunca vimos defender semelhante tese na doutrina ou na jurisprudência. Sem base legal (e doutrinal ou jurisprudencial) e factual para isso, qualquer decisão proferida a esse respeito só poderia alicerçar-se numa presunção violadora de vários preceitos e princípios constitucionais, designadamente o da presunção da inocência (aqui, não estando sequer demonstrado que a compradora é actualmente arguida ou que corre contra ela qualquer processo-crime, já se estaria a presumir que era culpada, a ser interpelada como tal e, posteriormente, a decidir-se presumindo que o era) e atentatória do estado de direito.
Consequentemente, é destituída de fundamento a conclusão ww).
O Executado não requereu, no requerimento sobre que versa a decisão ou noutro anterior (21), ao Tribunal recorrido que sobrestasse na venda pelo motivo exposto naquela conclusão, que exigisse à compradora «prova da origem lícita do dinheiro aplicado na compra» e que fosse declarada «nula a venda na falta de prova suficiente da legitimidade do dinheiro». Se essas questões não foram colocadas ao Tribunal a quo naquele requerimento, naturalmente que este não extraiu do artigo 723º, nº 1, do CPC qualquer norma como a apontada na conclusão ww), entendimento que, em todo o caso, não consta objectivamente da decisão recorrida.
*
2.2.3. Da actuação da agende de execução – conclusões yy) a nnn)

Importa agora apreciar as questões suscitadas nas conclusões yy) a nnn) das alegações do recurso.
Confrontada a argumentação do Recorrente exposta no recurso com aquela que consta do seu requerimento apresentado em 23.05.2017, sobre o qual recaiu a decisão recorrida, constata-se que o Executado não suscitou aí a questão da nulidade da venda decorrente da actuação da agente de execução. Essa questão não foi aí suscitada como fundamento de uma das pretensões então deduzidas.
Por isso, tal questão, na dimensão factual e normativa que o Recorrente agora lhe confere, não foi apreciada na decisão recorrida.
Portanto, não tendo sido invocada no requerimento sobre o qual incidiu a decisão recorrida (22), essa questão não pode ser deduzida no recurso, estando o tribunal de recurso impedido de dela conhecer. Primeiro, por não ter sido suscitada pelo meio processual adequado junto do Tribunal de primeira instância logo que o Executado dela tomou conhecimento (veja-se, por exemplo, a argumentação referente à falta de avaliação do bem vendido); segundo, por a questão, ao ser suscitada agora no recurso, nos termos em que é aí recortada, surgir como questão nova; o tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.

Depois, pressupondo que se trata de uma questão de conhecimento oficioso, quanto à conclusão bbb), verifica-se que a questão da “suficiência do título” foi apreciada na sentença proferida na oposição à execução, estando abrangida pelo caso julgado, pelo que, havendo decisão judicial, não incumbia à agente de execução fazer qualquer apreciação contrária ao já decidido.
No que concerne à conclusão ccc), a situação é idêntica à referida no parágrafo anterior. O Executado deduziu oposição à penhora com fundamento no disposto no, então vigente, artigo 863º-A, nº 1, alínea c), do CPC/1961, alegando que «os bens sobre a qual incide não respondem pela alegada dívida exequenda». A oposição à penhora foi julgada improcedente, por decisão que transitou em julgado, pelo que se tratava de questão já resolvida. Daí que não incumbisse à agente de execução suscitar a questão relativa aos bens que, no entendimento do Executado, deveriam ter sido penhorados – mas não o foram – em vez do direito ao quinhão hereditário na herança aberta por óbito de M. G..
Nenhum relevo prático tem, atento o objecto do recurso, a circunstância alegada na conclusão aaa), relativa à extinção da execução pela agente de execução. A extinção da execução não impediu a interposição do recurso nem interfere com a decisão a proferir sobre o seu objecto.

Nesta conformidade, são duas as questões essenciais suscitadas relativamente à actuação da Sra. agente de execução:

a) «yy) Sem que houvesse dinheiro depositado à ordem dos autos, a corrompida agente de execução, por débito da conta de clientes efetuou no dia 14.11.2014 uma transferência a favor da exequente no valor de 49 733,45€ (peculato), quantia que esta tratou de levantar e entregar àquela como contrapartida pelo mercadejar do cargo (corrupção)»;
b) «zz) A senhora agente de execução I. H. enganou tudo e todos com especial destaque para o tribunal, pois na decisão sobre a modalidade de venda refere “de acordo com a avaliação efetuada” ao passo que no auto de venda refere que não foi efetuada nenhuma avaliação, que de facto não foi efectuado».

É da alegação desse circunstancialismo factual que o Recorrente pretende que esta Relação extraia a nulidade da venda.

Não versando a decisão recorrida ou o recurso sobre a anulação da venda a requerimento do comprador, que é a situação prevista no artigo 838º do CPC, sobre o caso dos autos rege o artigo 839º daquele código:

«1. Além do caso previsto no artigo anterior, a venda só fica sem efeito:
a) Se for anulada ou revogada a sentença que se executou ou se a oposição à execução ou à penhora for julgada procedente, salvo quando, sendo parcial a revogação ou a procedência, a subsistência da venda for compatível com a decisão tomada;
b) Se, tendo corrido à revelia, toda a execução for anulada nos termos do disposto no nº 1 do artigo 851º, salvo o disposto no nº 4 do mesmo artigo;
c) Se for anulado o ato da venda, nos termos do artigo 195º;
d) Se a coisa vendida não pertencia ao executado e foi reivindicada pelo dono.
2. Quando, posteriormente à venda, for julgada procedente qualquer acção de preferência ou for deferida a remição de bens, o preferente ou o remidor substituem-se ao comprador, pagando o preço e as despesas da compra.
3. Nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1, a restituição dos bens tem de ser pedida no prazo de 30 dias a contar da decisão definitiva, devendo o comprador ser embolsado previamente do preço e das despesas de compra; se a restituição não for pedida no prazo indicado, o vencedor só tem direito a receber o preço».

Não estando manifestamente em causa qualquer uma das hipóteses tipificadas nas alíneas a), b) e d) do nº 1 do artigo 839º do CPC, resta apurar se se verifica a situação prevista na alínea c) daquele preceito, ou seja, se deve ser anulada a venda por se verificar uma nulidade nos termos do artigo 195º do CPC, ou seja, por se ter praticado um acto que a lei não admita ou a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva.
A situação alegada na conclusão yy) (23) releva apenas enquanto acto complementar ou de enquadramento do facto alegado na conclusão zz), pelo que está verdadeiramente em causa a omissão da avaliação do bem, prévia à sua venda. Recorde-se que o Executado pugnava que o valor base da venda deveria ser fixado no valor de € 1.600.000,00 (v. requerimento de 02.07.2014 - referência 17278092), enquanto a Exequente preconizava o valor de € 344.250,00 (v. requerimento de 08.07.2014 - referência 17328099). Nos requerimentos apresentados em 02.07.2014 (referência 17278092) e 08.07.2014 (referência 17328099) nem o Executado nem a Exequente requereram a avaliação do bem (direito) a vender.

Verifica-se que em 01.06.2015 a Sra. agente de execução determinou a venda executiva (despacho esse da competência daquela – artigo 812º, nº 1, do CPC) nos seguintes termos:
«Considerando o valor patrimonial dos imóveis e o valor da quota social resultante da avaliação efetuada, considerando ainda, os bens móveis constante da relação bens, irá ser efectuada a venda do quinhão hereditário que o executado A. J. tenha direito na Herança Aberta por óbito de M. G., mediante proposta em carta fechada pelo VALOR BASE DE 473.359,77 € (quatrocentos e setenta e três mil trezentos e cinquenta e nove euros e setenta e sete cêntimos), sendo a mesma anunciada pelo valor de 402.355,80 € correspondente a 85% do valor base.
BENS A VENDER
Os constantes na relação de bens no processo 5477/04.2YXLSB - Comarca de Lisboa - Lisboa - Inst. Local - Secção Cível - J 2 - auto de penhora elaborado na data 06/02/2014.
MODALIDADE DE VENDA
Venda mediante propostas em carta fechada.
VALOR DE VENDA
Serão aceites propostas iguais ou superiores a 85% do valor de base de 473.359,77 €.
CONSTITUIÇÃO DE LOTES
Não há lugar à constituição de lotes.
ENCARREGADO DA VENDA
Não é aplicável ao caso em apreço.
INFORMAÇÕES ADICIONAIS
DOCUMENTOS ANEXOS
Sem anexos.
DATA E ASSINATURA
01-06-2015».
O Executado e a Exequente foram notificados daquele despacho por comunicação de 01.06.2015 (o Executado por carta registada).

O Executado, através do requerimento de 15.06.2015, apresentou reclamação daquele despacho da agente de execução. Reclamou, além do mais, da modalidade e do valor da venda, terminando requerendo:

«a) A suspensão da venda executiva decidida pela Ilustre Agente de Execução nos presentes autos de execução até haver sentença no processo n.º5477/04.2YXLSB que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Instância Local de Lisboa, Secção Cível – J2 e, assim, ser composto o quinhão do ora Executado e determinado o respetivo valor;

Caso assim não se entenda, e sem nada conceder,
b) Seja alterada a modalidade de venda de proposta em carta fechada para leilão eletrónico, mais apropriado em conformidade com o disposto artigo 837.º do Código de Processo Civil;
c) Seja alterado o valor de venda de €473.359,77 (quatrocentos e setenta e três mil trezentos e cinquenta e nove euros e setenta e sete cêntimos) para €1.600.000,00 (um milhão e seiscentos mil euros)».
Após realização de diversas diligências, por despacho de 19.02.2016 (referência 145250092), o Tribunal recorrido concluiu pela não verificação de causa prejudicial («Dúvidas se não podem levantar, neste caso, quanto ao não preenchimento dos requisitos do art. 272, n.º 1, do CPC, pelo que importa que a presente ação prossiga seus termos» e, no mais, decidiu:
«Da modalidade e valor da venda a anunciar.
Atento o teor do disposto no artigo 812.º, do C.P.C., é nosso entendimento que a modalidade de venda do direito penhorado nos autos e o valor a anunciar enquadra-se nos pressupostos legais do citado preceito legal, nomeadamente, o critério do valor a anunciar previsto no n.º 3, al. a), do preceito legal.
Para a abertura de propostas designo o próximo dia 11 de março, às 14 horas».
Notificadas as partes daquele despacho, no dia 11.03.2016 realizou-se a diligência de abertura de propostas, na presença do Sr. Juiz titular do processo, tendo-se constatado que apenas foi apresentada uma proposta, pela Exequente, no valor de € 402.356,00, que se considerou aceite.
Por carta registada de 22.03.2016, a Sra. agente de execução notificou o Executado «que realizada a venda no dia 11/03/2016 do quinhão hereditário na herança aberta por óbito de M. G. pertencente ao executado A. J., foi o mesmo adjudicado a M. G., cfr. Auto de Abertura e Titulo de Transmissão, que anexo».
Destes dados objectivos do processo resulta, por um lado, que as partes não requereram a avaliação do bem penhorado e que, por outro, a questão foi objecto de decisão pelo Tribunal recorrido, que considerou adequado o valor a anunciar para a venda. Foi realizada a venda e comunicada ao Executado a adjudicação por carta registada de 22.03.2016, sem que este tenha oportunamente suscitado a nulidade da venda. Só requereu a anulação da venda em 23.05.2017, quando o fundamento que agora invoca era do seu conhecimento, pelo menos desde a notificação que lhe foi feita em 22.03.2016.
Portanto, em conformidade com o disposto nos artigos 195º, nº 1, e 199º, nº 1, do CPC, à data de 23.05.2017 encontrava-se «há muito esgotado o prazo de dez dias para arguir qualquer hipotética nulidade», tal como correctamente decidiu o Tribunal recorrido.
Por isso, a decisão recorrida deve ser confirmada.
*

2.2.3.1. Das conclusões ddd) e nnn)

Sob as conclusões ddd) e nnn) o Recorrente suscita duas questões de inconstitucionalidade, nos seguintes termos:

«ddd) É inconstitucional, por violar o artigo 62.º/1 da Constituição a norma extraída dos artigos 735.º/1 e 1378.º/3 [atual artigo 1122.º/2] do CPC, na interpretação de que não é nula e invocável a todo o tempo a penhora e venda do quinhão hereditário do executado, quando o crédito exequendo, a se ter por preenchido, é devido a título de tornas pela adjudicação ao mesmo de prédios incluídos na herança e que não são só estes que respondem pela dívida.
nnn) É inconstitucional, por violar os artigo 2.º, 20.º/1 e 202.º/2, da Constituição a norma extraída dos artigos 195.º e 839.º/1 al. c) na interpretação de que o erro do tribunal que realiza o ato público de abertura de propostas, induzido pelo agente de execução que informou ter efetuado avaliação dos bens, mas não o fez, não constitui nulidade insuprível ou insanável determinante de invalidação de todo o processado relativo à venda».

Tal como já apontamos relativamente às conclusões l), dd) e ww), o Recorrente não fundamenta, na motivação do recurso, as conclusões ddd) e nnn).
Depois, não resulta da análise dos autos que o juiz perante o qual foram abertas as propostas (v. artigo 820º, nº 1, do Código Civil) tenha sido induzido em erro pela agente de execução. É de enfatizar que a questão do valor da venda, além de outras duas (causa prejudicial e modalidade da venda), foi objecto de decisão pelo Tribunal a quo, sob reclamação do próprio Executado, sendo que a decisão de tal matéria, se acaso se baseasse numa avaliação, pressuporia sempre que a própria avaliação lhe fosse presente. Não se discute aqui, como em várias outras questões, se a decisão do Tribunal, ao considerar conforme com os critérios ou “pressupostos legais” aquele valor a anunciar para a venda, é correcta ou não, mas apenas se lavrou em erro induzido pela agente de execução, o que não nos parece estar demonstrado.
Apesar de não se verificar o pressuposto factual em que assenta a conclusão nnn), sublinha-se que um dos traços definidores do nosso sistema de controlo da constitucionalidade é o respectivo carácter normativo. Mas é indispensável que, na decisão recorrida, a norma tida por inconstitucional pelo recorrente, na concreta interpretação correspondente à dimensão normativa delimitada no recurso, tenha sido ratio decidendi. E isso pressupõe que a situação factual, com base na qual se suscita a questão de inconstitucionalidade normativa, tenha sido submetida ao tribunal de que se recorre, pois só assim é equacionável que o tribunal recorrido possa formular um juízo de inconstitucionalidade determinante da prolação de uma decisão em sentido diferente daquele que veio a acolher. Por outras palavras: não se pode concluir que determinada decisão, proferida num concreto quadro factual, acolhe um entendimento normativo inconstitucional se a dimensão normativa invocada no recurso se refere a um quadro factual parcial ou totalmente diferenciado, não submetido ao tribunal recorrido.
A situação referida na alínea nnn) das conclusões não foi alegada no requerimento de 23.05.2017, nem aí foi deduzida pretensão com base na mesma, sobre o qual incidiu a decisão recorrida, mas sim na presente apelação, pelo que o alegado juízo de inconstitucionalidade padece de inconcludência.
Por outro lado, um processo é um conjunto sequencial e articulado de actos com um certo objectivo final, em que uns se sucedem a outros, havendo entre eles, na sua generalidade, uma relação de dependência. No caso dos autos, o avançar do processo de execução foi marcado por intervenções jurisdicionais de consolidação de posições, pois definiram-se matérias decorrentes de questões suscitadas pelas partes.
O Executado, no exercício dos seus direitos processuais, suscitou a intervenção do Tribunal recorrido através de três meios: a) oposição à execução; b) oposição à penhora; c) reclamação de acto da agente de execução (24). As pretensões deduzidas pelo Executado, mal ou bem, foram decididas pelo Tribunal recorrido, ficando consolidado o processo quanto a essas matérias.
As questões da penhora do direito do Executado e da alegada inexequibilidade da sentença homologatória da transacção foram objecto da sentença proferida em 25.10.2013 no apenso A, pelo que, não tendo sido interposto recurso, essa matéria ficou consolidada no processo. Era relativamente a essa sentença, que não a decisão recorrida, que o Executado deveria ter suscitado a questão da alegada inconstitucionalidade do entendimento normativo aí defendido. Não o tendo feito, tal matéria encontra-se definitivamente decidida.
Também relativamente à pretensa invalidade do acto da venda – ou dos actos preparatórios desta – o Executado não reagiu oportunamente.
Por isso, o entendimento normativo expresso na decisão recorrida não viola o disposto nos artigos 2º, 20º, nº 1, 62º, nº 1, e 202º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que improcede totalmente a apelação.
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2.3. Sumário

1 – Transitada em julgado a sentença que julga improcedente a oposição à execução, onde se apreciou se a sentença homologatória de transacção dada à execução constitui título executivo e em que termos, o tribunal não pode reapreciar, oficiosamente ou a solicitação do executado, esses fundamentos de oposição, nem quaisquer outros destinados a demonstrar a inexistência, invalidade ou inexigibilidade da obrigação exequenda.
2 – A própria natureza peremptória do prazo para a oposição à execução (artigo 728º, nº 1, do CPC/2013 e artigo 813º, nº 1, do CPC/1961), permite retirar, a contrario, a necessidade de concentração da defesa na petição de embargos de executado, excepcionada pelos fundamentos supervenientes, pelo que não pode o executado trazer ao processo factos, impugnações e excepções cuja alegação omitira.
3 – Julgada improcedente a oposição à penhora por decisão transitada em julgado e não estando em causa uma questão de conhecimento oficioso, designadamente, um caso de indisponibilidade material absoluta, de intransmissibilidade objectiva ou de impenhorabilidade legal absoluta, além de se mostrar precludida a possibilidade de se proceder à reapreciação de fundamentos de oposição à penhora, é extemporâneo o requerimento em que posteriormente se invoca uma alegada nulidade da penhora.
4 – Realizada a venda e comunicada ao executado a adjudicação por carta registada de 22.03.2016, à data de 23.05.2017 encontrava-se esgotado o prazo de dez dias para arguir qualquer hipotética nulidade da venda, designadamente com fundamento em não ter sido precedida de avaliação do bem vendido.
***

III – DECISÃO

Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário.
*
*
Guimarães, 11.03.2021
(Acórdão assinado digitalmente)

Joaquim Boavida (relator)
Paulo Reis (1º adjunto)
Joaquim Espinheira Baltar (2º adjunto)


1. Utilizar-se-á a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, em caso de transcrição, a grafia do texto original.
2. Que se transcreve integralmente por conter a reprodução das posições do Executado e da Exequente.
3. A “insuficiência”, nos termos em que é alegada, reconduz-se à falta de título. Não está alegado que a Exequente deveria ter pedido uma prestação menor ou diferente daquela que pretende obter na execução, mas sim que o título não lhe faculta a dedução de qualquer prestação a realizar coactivamente. Isso constitui alegação de falta de título e não de insuficiência deste. Se a Exequente não pode pedir o que pediu, face ao instrumento por si invocado, não há título para o que peticionou.
4. Serão do Novo Código de Processo Civil todas as disposições que doravante se citarem sem indicação da sua fonte.
5. Na redacção do Decreto-Lei nº 226/2008, de 20 de Novembro. Anteriormente tinha a redacção que lhe tinha sido dada pelo Decreto-Lei nº 199/2003, de 10 de Setembro.
6. É aplicável o disposto no artigo 46º, nº 1, al. a), do CPC/1961, na redacção anterior à reforma de 2013, relativamente ao título dado à presente execução, atento o estabelecido no artigo 6º, nº 3, da Lei nº 41/2013, de 26 de Julho. No que respeita aos actos praticados depois de 01.09.2013 já é aplicável o novo CPC – art. 6º, nº 1, da citada Lei.
7. E noutro segmento subsequente, na sentença, explicitou-se o que se entendia por adjudicação: «na referida transacção, as partes acordaram em transmitir para o executado a propriedade dos prédios identificados na cláusula 1º, ou seja, os prédios identificados nas alíneas a) e b) do pedido da petição inicial por conta da legítima na herança aberta por óbito de M. G., ou seja, por adjudicação».
8. Reconfiguração formal, traduzida numa diferente exposição – por outras palavras – dos mesmos argumentos, conforme se demonstrou no texto deste acórdão.
9. V., desde logo, a invocação de que a transacção «não configura mais do que uma mera promessa».
10. V. a “falta de forma” que aponta nos artigos 90º a 96º da oposição.
11. V., além do mais, os artigos 97º a 105º, sob a epígrafe «da inexigibilidade da pretensa obrigação exequenda».
12. Miguel Teixeira de Sousa, Preclusão e caso julgado, pág. 14.
13. Ob. cit., págs. 14 e 15.
14. Anselmo de Castro, A acção executiva singular, comum e especial, Coimbra Editora, págs. 44 e 274.
15. Ob. cit., pág. 409.
16. Neste sentido, Lebre de Freitas, A acção executiva. Depois da reforma da reforma, 5ª edição, Coimbra Editora, pág. 190.
17. A Acção executiva. À luz do Código revisto, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 158.
18. Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 115, acórdão do STJ de 21.01.1995, BMJ 443º, pág. 342, e acórdão da Relação de Lisboa de 22.09.2015, proferido no processo 4076/14, disponível em www.dgsi.pt..
19. E não está em causa, designadamente, um caso de indisponibilidade material absoluta (por exemplo, um bem do domínio público ou o direito a alimentos), de intransmissibilidade objectiva absoluta (v.g., o direito de uso e habitação) ou de impenhorabilidade legal absoluta.
20. Para a anulabilidade vale a regra do artigo 287º do Código Civil sobre a legitimidade para a arguir.
21. Por exemplo, contemporâneo da venda.
22. Apesar de no requerimento de 16.06.2020, que constitui uma resposta à pronúncia da Sra. agente de execução sobre requerimento do Executado, o ora Recorrente ter invocado alguns dos factos que agora fez constar do recurso, não deduziu aí, com base nos mesmos, qualquer pretensão, limitando-se a concluir: «a) Por condutas muito menos graves há em Portugal quem cumpra pesadas penas de prisão. b) E a tortuosidade da execução é de tal monta que é impossível atribuir a tão criminosos atos qualquer efeito preclusivo, como pretende a exequente e seus associados».
23. Não consta dos autos que a quantia de € 49.733,45, após o dia 17.11.2014, tenha sido levantada e entregue pela Exequente à agente de execução, mas não corresponde à realidade que não «houvesse dinheiro depositado à ordem dos autos». O documento nº 18 protestado juntar pelo Executado com o requerimento de 23.05.2017 esclarece a razão de ser de a quantia de € 49.733,45, enquanto crédito, ter sido, pela cabeça-de-casal e na sequência da notificação da penhora destes autos, depositada (transferência de 26.09.2014) à ordem da agente de execução, no âmbito da presente execução. Posteriormente, a agente de execução, em 17.11.2014, entregou essa quantia à exequente, por conta da quantia exequenda, mediante transferência bancária (v. doc. junto aos autos em 09.11.2020).
24. Rui Pinto, A Ação Executiva, AAFDL, págs. 64 e 65: «o juiz tem competência para julgar as reclamações dos actos e decisões do agente de execução e para conhecer das questões que o agente, as partes ou terceiros lhe coloquem nos termos das als. c) e d) do nº 1 do artigo 723º e, bem assim, para examinar a legalidade do processado nos incidentes declarativos e, em geral, quando a lei lhe acometa a realização de atos processuais. Naturalmente que apenas pode aferir a legalidade dos actos dentro do que lhe for pedido ou dentro dos seus poderes de conhecimento oficioso».