Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | GONÇALO OLIVEIRA MAGALHÃES | ||
| Descritores: | INJUNÇÃO AÇÃO ESPECIAL PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS COMPENSAÇÃO RECONVENÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 10/12/2023 | ||
| Votação: | MAIORIA | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO PROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | I - À luz do atual direito processual civil, a compensação tem necessariamente de ser invocada e declarada por via reconvencional, independentemente do seu valor exceder ou não o crédito reclamado pelo autor. II – Para esse efeito, na ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, o juiz deve fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal para ajustar a respetiva tramitação à dedução do pedido reconvencional, tendo em vista a salvaguarda dos princípios do contraditório e da igualdade de armas. | ||
| Decisão Texto Integral: | I. 1. E..., SLU – Sucursal em Portugal, apresentou, no Balcão Nacional de Injunções, requerimento de injunção em que pediu a notificação de C..., Lda., para proceder ao pagamento da quantia de € 13 747,93, assim discriminada: capital: € 12 111,56; juros de mora: € 431,87; outras quantias: € 1 102,50; taxa de justiça paga: € 102,00. Alegou, em síntese, que: no desenvolvimento da atividade comercial que prossegue, celebrou com a Requerida um contrato de fornecimento de eletricidade, mediante o pagamento de um preço; a Requerida encontra-se em mora quanto ao pagamento desse preço. *** 2. Notificada, a Requerida apresentou oposição na qual disse, além do mais, sob a epígrafe “Compensação”, que tem um crédito de € 3 158,86 sobre a Requerente, resultante de uma nota de crédito emitida por esta.Concluiu que, na procedência das exceções invocadas (prescrição e compensação), a ação deve ser julgada parcialmente não provada e improcedente, apenas se reconhecendo que deve à Requerente a quantia global de € 1 167,02. *** 3. Recebidos os autos em juízo, sob a forma da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, foi proferido despacho, datado de 11 de maio de 2023, do seguinte teor (transcrição):“Na oposição deduzida pela ré, vem esta, além do mais, invocar a existência de um crédito sobre a autora, derivado de uma nota de crédito, requerendo que se opere a respetiva compensação. Vejamos. O artigo 266º, nº 2, alínea c), do C.P.C., estabelece que a compensação só pode operar por via reconvencional, independentemente do seu valor ser inferior ou não ao pedido formulado pelo autor. Ora, a reconvenção não se compatibiliza com a simplificada tramitação processual legalmente estabelecida para a ação especial em causa – a ação especial para cumprimento de obrigações emergentes de contrato. Com efeito, o referido processo especial inspirou-se diretamente no modelo normativo da ação especial de condenação com processo sumaríssimo (hoje desaparecida em virtude da redação do C.P.C. dada pela Lei nº 41-2013, de 26-06), “(…) com base na ideia de simplificação que lhe é própria e em que é frequente a não oposição do demandado” (cf. Salvador da Costa, “A Injunção e as Conexas Ação e Execução”, Almedina, 5ª Edição, 2005, p. 66). E, nessa medida, o sobredito processo, tal como o (antigo) processo comum sumaríssimo, apenas comporta dois articulados e não admite a dedução de pedido reconvencional. Nestes termos, sempre seria inadmissível a formulação do pedido reconvencional pela ré na oposição que apresentou, atenta a forma de processo dos presentes autos. E, sendo inadmissível a dedução de reconvenção, atento o disposto no artigo 266º, nº 2, alínea c), do C.P.C., também não poderá a ré fazer operar, por via de exceção, a compensação de crédito de valor inferior ao peticionado pela autora, por legalmente inadmissível – vide, neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08-02-2018 (P96889-16.5YIPRT.E1, disponível in www.dgsi.pt). Face ao exposto, não será considerado nestes autos o pedido de compensação deduzido pela ré na oposição que apresentou.” *** 4. A Requerida interpôs recurso deste despacho, que culminou com as seguintes conclusões (transcrição):“1. Vem o presente recurso interposto do Douto Despacho proferido pela Mma. Juiz “a quo”: (…) 2. A R. alegou e expressamente declarou à Autora na oposição, por exceção e nos artigos 19.º a 40.º, a sua vontade de que se torne efetiva a compensação entre o seu crédito e a dívida que tem para com a Autora. 3. A Mma. Juiz “a quo” entendeu, erradamente, que neste caso concreto, ao ser “inadmissível a dedução de reconvenção, atento o disposto no artigo 266º, nº 2, alínea c), do C.P.C., também não poderá a ré fazer operar, por via de exceção, a compensação de crédito de valor inferior ao peticionado pela autora, por legalmente inadmissível”, não considerando a compensação deduzida pela Ré, 4. considerando que a mesma só podia ser alegada e invocada por via de reconvenção e não por via de exceção, independentemente do seu valor ser inferior ou não ao pedido formulado pelo autor, 5. interpretando, assim, erradamente o estipulado no n.º 2, alínea c), do artigo 266º do Código de Processo Civil. 6. Esta interpretação não tem correspondência com a letra da Lei. 7. O disposto no n.º 2, alínea c), do referido artigo 266º, estabelece que a reconvenção é admissível. “Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor.” 8. O que não comporta uma imposição, mas sim uma permissão. 9. Pois não proíbe que seja invocada a compensação como exceção, mas antes permitir essa invocação por via de reconvenção. 10. A correta interpretação literal desta disposição determina uma conclusão oposta à tida pelo Tribunal “a quo”, ou seja que esta disposição não limita a invocação da compensação de créditos à via de reconvenção, 11. sendo no caso dos autos a invocada exceção de compensação o meio adequado para o efeito. 12. À Ré deve ser permitido invocar a compensação que alegou nos artigos 19.º a 40.º da sua oposição, sob pena de tal meio de defesa lhe ficar definitivamente vedado, já que ficará impedida de neste processo contrapor o seu crédito ao crédito da Autora, apesar de posteriormente não estar impedido de instaurar uma ação para reconhecimento do seu crédito, mas já nunca poderá fazer atempadamente a defesa que pretendia fazer neste processo. 13. Nos termos do disposto no artigo 848.º do Código Civil, quando o Réu invoca a compensação pretende que se reconheça que o crédito do Autor não existe na proporção do crédito que o Réu invoca contra o mesmo, extinguindo-se nessa parte. 14. Tendo em conta o disposto no artigo 847.º do Código Civil, a compensação é uma das causas de extinção das obrigações, desde que se verifiquem os requisitos ai previsto para a mesma ser invocada. 15. A compensação pode ser feita por via extrajudicial ou judicial e não tem de ser obrigatoriamente deduzida por via de pedido reconvencional. 16. Não admitir a reconvenção neste processo (AECOP), cujo valor é de apenas 13.645,93€, ou seja de valor não superior a 15.000,00€, regulada pelo Decreto-Lei 269-98, de 01-09, e não ser admitido à Ré invocar a supra referida compensação, o Tribunal “a quo” não atende e viola o disposto no artigo 847.º do Código Civil e no 266º, nº 2, alínea c), do C.P.C. 17. A Ré não teve oportunidade de invocar, como não invocou, previamente a este processo, ou seja extrajudicialmente perante a Autora a alegada compensação. 18. Foi dada oportunidade à Autora, por Douto Despacho de 27-03-2023, para “responder à matéria de exceção deduzida pela ré na oposição que apresenta – artigo 3º, nº 3, do C.P.C.”, o que fez por requerimento de 17-04-2023. 19. Neste processo, com dois articulados, no qual não era admissível deduzir reconvenção quando a Ré apresentou a sua oposição, assistia à Ré o direito de se defender invocando a supra referida compensação como exceção perentória ao direito que lhe era exigido pela Autora. 20. eliminando-se os inconvenientes e risco para a Ré de uma nova ação, podendo ser obrigada a pagar neste processo e de futuro não receber. 21. Veja-se nesse sentido: o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 01 de julho de 2021, proferido no processo 37601-20.2YIPRT.G1; o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 05 de novembro de 2020, proferido no processo 9426-20.2YIPRT-A.G1; o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 13 de outubro de 2022, proferido no processo 83572-21.9YIPRT.E1; o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10 de dezembro de 2019, proferido no processo 78428-17.2YIPRT-A.C1; e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 17 de maio de 2022, proferido no processo 4456-20.7YIPRT.P2, todos disponíveis em www.dgsi.pt. 22. Por razões economia processual, a realidade jurídica das partes deve poder ficar resolvida apenas neste processo. 23. O Tribunal “a quo” violou e fez uma errada interpretação e aplicação das normas previstas nos artigos 266.º, n.º 2, alínea c) e 571.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, e dos artigos 847.º e 848.º do Código Civil, 24. que deviam ter sido interpretadas no sentido de admitir e relegar para final a apreciação da exceção de compensação, produzindo ulterior prova quanto aos factos alegados na oposição da Ré, nomeadamente nos artigos 19.º a 40.º” Concluiu que, na procedência do recurso, deve ser “revogada a decisão recorrida e todos os subsequentes termos do processo, e substituída por outra que admita a exceção perentória de compensação de créditos e relegue, se necessário, para final o respetivo conhecimento, prosseguindo os autos para apreciação e decisão, nomeadamente quanto à excecionada compensação de créditos.” *** 5. Na resposta, a Requerente formulou as seguintes conclusões:I. O Douto Despacho está absolutamente correto, tendo sido bem aplicado o direito. II. A Autora não concorda com o entendimento da Ré de que o Tribunal a quo violou e fez uma errada interpretação e aplicação das normas previstas nos artigos 266.º, n.º 2, alínea c) e 571.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, pelo que o Despacho do Tribunal a quo não merece qualquer reparo. III. Ao contrário do alegado pela Ré Recorrente, a verdade é que a mesma apresentou, a 06-03-2023, a sua oposição, tendo, deduzido, tão só, a sua defesa por exceção e impugnação. IV. Um dos fundamentos desta defesa por exceção é, no entendimento da Ré, que deverá operar uma compensação de créditos entre o montante peticionado pela Autora e um montante que a Ré se arroga igualmente credora da Autora, o qual é de montante inferior ao desta. V. Existiu uma longa discussão na nossa doutrina e jurisprudência relativamente à admissibilidade da compensação de créditos por via de exceção nos casos em que o valor a ser compensado é inferior ao pedido do autor, sendo entendimento, em face da nossa lei anterior, que a compensação poderia ser invocada por via de exceção perentória até ao valor do crédito invocado pelo autor, apenas devendo ser invocada em sede de reconvenção quando fosse de valor igual ou superior a este. VI. Porém, com a introdução da alínea c) do artigo 266.º, n.º 2 do novo C.P.C., o legislador pretendeu colocar termo a essa discussão, estipulando que a compensação terá sempre de ser operada por via de reconvenção, independentemente do valor dos créditos a compensar. VII. Aliás, tal intenção e interpretação tem atinência com a letra da lei, designadamente ao prever que tal pedido, deduzido pelo réu, será efetuado quer nos casos em que se “pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação” – isto é, nos casos em que o valor do crédito do réu é inferior ou igual ao crédito do autor – quer nos casos em que se pretende “obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor” – ou seja, nas situações em que o valor do crédito do réu é superior ao valor do crédito do autor. VIII. Assim, independentemente do valor do crédito que o réu pretenda ver reconhecido e compensado, tal pedido deverá ser deduzido sempre em sede de reconvenção. IX. Aliás, entender que o regime ora instituído permite a opção entre a via reconvencional ou a mera invocação em sede de defesa por exceção seria renovar a discussão jurisprudencial e doutrinária, desvirtuando aquela que foi a intenção legislativa e o espírito do preceito normativo. X. Ademais, a compensação de créditos, mais do que uma “causa de extinção das obrigações”, é, em boa verdade, uma nova relação jurídica que o réu traz ao processo e a qual incide ora sobre o património do autor, sendo, por isso, uma relação diversa daquela que foi inicialmente configurada pelo autor (a qual incidia, obviamente, sobre o património do réu). XI. Ora uma nova relação jurídica com fundamentos e pedido próprios, os quais são diversos dos do autor, deverão ser peticionados no meio processual que se lhe adequa e que é, precisamente, o da reconvenção, nos termos do n.º 1 do artigo 583.º do C.P.C. XII. Ora tal entendimento é de adotar no âmbito de qualquer ação comum, bem como no âmbito da ação especial prevista pelo Decreto-Lei n.º 269-98, de 01 de setembro, não existindo sequer quaisquer razões para considerar que assim não deva ser – não só porque não existe qualquer normativo expresso que assim o preveja, mas também porque em tudo o que não esteja expressamente previsto para este processo especial, sempre lhe serão aplicáveis as regras gerais. XIII. Não se poderá aceitar a posição defendida pela Ré Recorrente, que no processo, em que apenas comporta dois articulados, não lhe seria admissível deduzir reconvenção fundada na compensação de créditos, uma vez que, em função da celeridade e simplificação processual que caracteriza este tipo de processo, a Autora ficaria precludida no seu direito de resposta (in casu, de réplica). XIV. A simples circunstância de não ser admissível, ab initio, mais do que dois articulados, não impede a dedução da reconvenção pela Ré, uma vez que esta sempre seria deduzida no segundo articulado e que é a oposição. XV. Assim, da parte da Ré não seria incumprido nem excedido o número de articulados admissíveis para esta espécie de processo. XVI. Por outro lado, à invocação da compensação de créditos por via de dedução de reconvenção por parte da Ré sempre poderá o douto tribunal atuar, se necessário e em uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal, por forma a ajustar a tramitação processual. XVII. Aliás, tal com veio a suceder, em bom uso de tais poderes, mediante despacho de 27-03-2023, com a referência CITIUS ...96 e que veio permitir à Autora “responder à matéria de exceção deduzida pela ré na oposição que apresenta”. XVIII. Por tal motivo, também tal circunstância seria facilmente superada, não sendo um motivo válido para a procedência da tese apresentada pela Ré. XIX. Como se tudo o exposto não fosse suficiente e adotada que fosse a posição de que não será de todo admissível a dedução de reconvenção no âmbito desta ação especial, cumpre ainda notar que a Ré não ficava precludida no seu direito, mantendo-se ao seu dispor fazer uso dos mecanismos legais – designadamente exercendo o seu direito em ação autónoma e própria. XX. Sendo certo que não é o simples facto de não ser admissível a dedução de reconvenção que permite à Ré desvirtuar a intenção legislativa a seu favor e fazer operar, por via de exceção, a compensação de crédito de valor inferior ao peticionado pela Autora, a qual, é, como visto, legalmente inadmissível por não ser o meio próprio para o efeito. XXI. Igualmente neste sentido vide o citados Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto datado de 12-05-2015, no âmbito do processo n.º 143043-14.5YIPRT.P1 e do Tribunal da Relação de Évora, a 08-02-2018, no âmbito do processo n.º P96889-16.5YIPRT.E1. XXII. Conforme menciona Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, in “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil” – Vol. I, 2ª ed., 2014, p. 259: “(…) devemos concluir que foi intenção do legislador estabelecer que a compensação terá sempre de ser operada por via de reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis, quando o direito do réu ainda não esteja reconhecido. (…) A obtenção da compensação, quando pressuponha o reconhecimento de um crédito, tem, efetivamente, a natureza de uma demanda judicial, implicando a invocação de uma causa de pedir e de um pedido. Perante a sua invocação, a contraparte deve dispor de meios processuais idóneos a contestar o crédito, invocando as exceções de direito substantivo pertinentes (art. 847º, nº 1, do CC). Ora, a atual estrutura da forma única de processo comum de declaração só admite a réplica nos casos de reconvenção (art. 584º) – bem como nas ações de simples apreciação negativa. Considerando que o momento previsto no art. 3º, nº 4, não é idóneo a proporcionar satisfatoriamente a defesa do autor a uma pretensão desta natureza, bem se compreende que se exija que o reconhecimento de um crédito, com vista à sua compensação, tenha de ser pedido em via de reconvenção, assim se abrindo as portas à resposta do reconvindo na réplica.” XXIII. Como refere o Despacho recorrido – e bem – a invocação da compensação terá sempre de operar por via de reconvenção, independentemente do valor dos créditos compensáveis. XXIV. Sendo certo, que o contracrédito alegado pela Ré ainda não se encontra reconhecido. XXV. Não sendo a reconvenção compatível com a simplificação da tramitação processual da ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato. XXVI. Por este motivo, andou bem o Tribunal a quo ao não considerar o pedido de compensação deduzido pela Ré na oposição apresentada, o despacho recorrido não sofre de qualquer erro e interpretação ou aplicação da norma prevista no artigo 266.º, n.º 2, alínea c) do C.P.C., fazendo, ao invés, uma interpretação de acordo com a ratio legis da mesma e que, como exposto, tem concordância com a letra da lei.” Concluiu que o recurso deve improceder. *** 6. O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado, e efeito devolutivo, o que não foi alterado neste Tribunal ad quem.*** II.As conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo da ampliação deste a requerimento do recorrido (arts. 635-4, 636 e 639-1 e 2 do CPC). Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas, salvo se forem do conhecimento oficioso (art. 608-2, parte final, ex vi do art. 663-2, parte final, ambos do CPC). Também não é possível conhecer de questões novas – isto é, de questões que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida –, uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e-ou revogação. Tendo isto presente, no caso, atendendo às conclusões transcritas, a intervenção deste Tribunal de recurso deve recair sobre a questão que se pode sintetizar nos seguintes termos: a decisão recorrida, ao rejeitar a oposição da Requerida, ora Recorrente, na parte em que este invocou a compensação de créditos, incorreu em erro na subsunção dos factos à previsão das normas aplicadas. *** III.1. A matéria de facto a considerar é a que resulta do relatório antecedente, para o qual se remete. *** 2. Como resulta do que foi escrito, a decisão do Tribunal a quo assenta, sinteticamente, na seguinte argumentação: o réu apenas pode invocar a compensação de créditos através de reconvenção; na forma de processo aplicável à presente ação não é admissível a reconvenção; logo, na presente ação, não pode ser invocada a compensação de créditos.Salvo o devido respeito, esta argumentação, puramente conceptual, esquece aquele que deve ser o ponto de partida no tratamento de qualquer questão estritamente processual: a lei adjetiva tem uma função meramente instrumental da lei substantiva. Está fadada para, no dizer de Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Coimbra: Coimbra Editora, 1997, pp. 8-9, regular “as atuações dos sujeitos de direito privado e dos tribunais tendentes à concretização jurisdicional do direito substantivo.” Nesta medida, o que se pretende é que consagre os melhores mecanismos para a tutela das situações subjetivas e não que constitua um óbice à atuação jurisdicional destas. Este é o ponto de partida que nos permite adiantar aquele que será o ponto de chegada: a revogação da decisão recorrida. E por uma razão simples: o Código Civil prevê, como causa de extinção das obrigações, a compensação, ao dizer, no seu art. 847-1, que “[q]uando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor”, verificados que seja determinados requisitos. A lei adjetiva tem, portanto, de salvaguardar mecanismos para o exercício deste direito potestativo (STJ 11.01.2011, 2226-07.7TJVNF.P1.S1; RG 11.10.2018, 646-14.0TBVCT-A.G[1]) do devedor na ação de cumprimento instaurada pelo seu credor (cf. art. 817 do Código Civil), independentemente da forma processual que for aplicável a esta. *** 3. Definido o ponto de partida, cumpre agora percorrer o caminho até ao anunciado ponto de chegada, tarefa que está facilitada pela inúmera jurisprudência sobre a questão, bem como pelos recentes pronunciamentos da doutrina.*** 3.1. Como escrevemos, a compensação constitui uma forma de extinção das obrigações. Tal instituto traduz-se num encontro de contas justificado, de acordo com a lição de Vaz Serra, “Compensação”, BMJ, n.º 21, 1952, pp. 5-6, “na conveniência de evitar pagamentos recíprocos quando o devedor tem, por sua vez, um crédito contra o seu credor. E funda-se ainda em se julgar equitativo que se não obrigue a cumprir aquele que é, ao mesmo tempo, credor do seu credor, visto que o seu crédito ficaria sujeito ao risco de não ser integralmente satisfeito, se entretanto se desse a insolvência da outra parte.”Como resulta do art. 848-1 do Código Civil, não opera ipso iure, ao contrário do que sucedia no regime do Código Civil de 1867 e sucede noutros ordenamentos jurídicos, como o francês, o italiano ou o espanhol (cf. Mónica Duque, Comentário ao art. 848.º, AAVV, José Carlos Brandão Proença (coord.), Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações – Das Obrigações em Geral, Lisboa: universidade Católica Editora, 2018, p. 1270), em que basta a existência de créditos recíprocos (situação de compensação) para que os dois se considerem extintos; pressupõe uma manifestação de vontade de um dos credores-devedores no sentido da extinção dos dois créditos recíprocos (declaração de compensação). Não é, portanto, do conhecimento oficioso do tribunal (RC 30.06.2015, 2943-13.2TBLRA.G1; RL 25.01.2017, 4420-15.8TBLSB-A.L1-4; RL 24.05.2018, 200-08.5TBVD-A.L1-8), opção legislativa explicada por Vaz Serra (loc. cit., p. 24) com a insuficiência do interesse geral na dispensa de dois atos de pagamento inúteis para sustentar um regime imperativo que valesse sem ou mesmo contra a vontade dos interessados. Como é adquirido, a declaração de compensação constitui um negócio jurídico unilateral (Vaz Serra, loc. cit., p. 137; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 7.ª ed., Coimbra: Almedina, 1999, p. 213). Tem natureza receptícia (art. 224) e não está sujeita a forma especial, podendo ser expressa ou tácita (arts. 217 e 219), desde que, neste último caso, decorra de factos que com toda a probabilidade a revelem. Pode ser emitida extrajudicial ou judicialmente, neste caso através de notificação judicial avulsa ou por via de ação, seja na petição inicial, seja na contestação. *** 3.2. A questão de saber qual o meio processual que o devedor demandado – e que é, simultaneamente, credor do seu credor – tem ao seu dispor para exercer o direito de compensar em juízo foi objeto de controvérsia na jurisprudência e na doutrina na sequência da alteração introduzida na redação da alínea b) do n.º 2 do art. 274 do CPC de 1961 operada pelo Decreto-Lei n.º 47690, de 11 de maio de 1967. Tal alteração surgiu com o objetivo de harmonizar o CPC com o Código Civil de 1966. No regime anterior a este, não era admitida a compensação de dívida ilíquidas. Assim, para que a compensação fosse possível, era necessária a prévia liquidação judicial. Falava-se então em compensação judiciária. Em consonância, o art. 274-2, b) do CPC previa a utilização da reconvenção para a dedução de compensação quando se tratasse de liquidar a dívida e assim de operar, ope judicis, a compensação. Quando a dívida era líquida, a compensação operava por exceção, uma vez que ao tribunal apenas cabia constatar a sua verificação (Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, III, Coimbra: Coimbra Editora, 1946, pp. 105-106). O Código Civil de 1966 passou a admitir a compensação de dívidas ilíquidas (art. 847-3), o que levou à referida alteração, passando a norma a referir-se à compensação tour court (“quando o réu se propõe obter a compensação”), perdendo sentido a alusão a uma “compensação judiciária.” Perante a nova redação, surgiram três teses na doutrina:[2] uma primeira, defendida por Vaz Serra e Anselmo de Castro, que defendia que a compensação devia ser sempre invocada por exceção perentória, apenas envolvendo reconvenção nos casos em que o contracrédito do réu fosse superior ao crédito do autor e apenas se aquele pretendesse fazer valer o seu direito quanto à parte excedente; uma segunda, defendida por Eurico Lopes-Cardoso, Castro Mendes e Manuel de Andrade, que defendia que a compensação, por corresponder a uma pretensão autónoma, devia ser sempre invocada através de reconvenção; uma terceira, defendida por Antunes Varela, que defendia que a compensação devia ser invocada através de exceção, quando o contracrédito fosse de montante não superior ao crédito, e de reconvenção, quando fosse superior. Devia ser sempre deduzida através de reconvenção quando o contracrédito fosse ilíquido. Esta controvérsia doutrinal, que se transpôs para a jurisprudência, levou o legislador a prever, no CPC aprovado pela Lei n.º 41-2013, de 26.06, atualmente em vigor, que a reconvenção é admissível “[q]uando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor” (art. 266-2, c)), o que corresponde à tomada de posição no sentido de consagrar que a compensação deve ser exercida através de reconvenção, como referem João de Castro Mendes / Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, I, Lisboa: AAFDL, 2022, p. 454. No mesmo sentido, escrevem Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, I, 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 2018, p. 302 e ss., que “parece ter ficado claro que, com a nova redação, se pretendeu adotar a primeira solução (a invocação do contracrédito deve ser sempre operada através de reconvenção).” Esta opção pela compensação-reconvenção é reforçada pela leitura de outros preceitos legais, indicados por João de Castro Mendes / Miguel Teixeira de Sousa, idem, a saber: o art. 530-3, segundo o qual, para efeitos de pagamento de taxa de justiça (e também de aferição do valor da causa, por força do disposto no art. 299-2, não se considera distinto o pedido reconvencional quando a parte pretenda obter a compensação de créditos até ao montante comum os créditos recíprocos; o art. 126-1, o), da Lei de Organização do Sistema Judiciário, que atribui competência aos juízos do trabalho para as questões reconvencionais, incluindo expressamente nestas a compensação; o art. 48-1 da Lei dos Julgados de Paz, que exceciona da regra da inadmissibilidade da reconvenção nos julgados de paz a dedução da compensação. Não partilhamos, por isso, das reservas à sua adoção pelo legislador que são expressas por Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, Lebre de Freitas - Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, I, 4.ª ed., Coimbra: Almedina, 2018, p. p. 534, e Paulo Ramos de Faria / Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Coimbra: Almedina, 2013, p. 236. *** 3.3. A compensação-reconvenção, redundando numa nova ação enxertada na ação de cumprimento pendente, pressupõe que o credor (autor) tenha as mesmas possibilidades de defesa que foram dadas ao devedor (réu). Trata-se de uma consequência do principio da igualdade de armas, que é corolário do princípio da igualdade entre as partes, consagrado no art. 4.º do CPC e imposto pelo art. 6.º da CEDH, a qual vigora diretamente na ordem interna por força do disposto no art. 8.º da CRP.Essa função é desempenhada pela réplica na forma do processo comum de declaração. A ação de cumprimento pode, no entanto, não seguir a forma comum – como não segue no caso de que nos ocupamos. Como se sabe, o DL n.º 404-93, de 10.12, instituiu a injunção, providência destinada a conferir força executiva ao requerimento de efetivação do cumprimento de obrigações pecuniárias decorrentes de contrato cujo valor não excedesse metade do valor da alçada do tribunal da 1.ª instância. O DL n.º 269-98, de 1.09, revogou o DL n.º 404-93 e alargou o regime da injunção às obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal da 1.ª instância. Instituiu também um modelo de ação declarativa especial destinada a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª instância. No modelo atualmente em vigor, a injunção pode ser requerida como forma de obter, de forma simplificada, título executivo destinado ao pagamento coercivo de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15 000,00, ou sem limite de valor, se se tratar de obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo DL n.º 62-2013. Se o devedor, devidamente notificado do requerimento de injunção, não pagar a quantia reclamada, nem deduzir oposição, será aposta fórmula executória no requerimento de execução (arts. 13-1, c) e 14-1 do Anexo ao DL n.º 269-98). Se o requerido apresentar oposição e se tratar de injunção tendo por objeto obrigação pecuniária não emergente de transação comercial (cujo valor não ultrapassará, portanto, € 15 000,00), a injunção convolar-se-á na ação declarativa especial (AECOP) prevista nos arts. 1.º e ss. do Anexo (art. 17). Se o requerido apresentar oposição e se tratar de injunção tendo por objeto obrigação pecuniária emergente de transação comercial, a tramitação subsequente dependerá do valor da dívida reclamada na injunção. Se esse valor exceder metade da alçada da Relação, a ação seguirá a forma do processo comum; caso contrário, a ação seguirá a forma da ação declarativa especial (AECOP) regulada no Anexo do DL n.º 269-98. O valor do pedido deduzido pelo credor é, deste modo, o elemento que determinará a forma processual declarativa a seguir-se após a dedução da oposição a injunção emergente de transação comercial. Na referida ação declarativa especial, muito semelhante à forma do processo sumaríssima prevista no CPC de 1961, não está previsto um terceiro articulado. Daí a dúvida quanto à possibilidade de o réu invocar a compensação através de reconvenção. Não se trata de uma questão inteiramente nova. Já antes do CPC vigente a doutrina discutia a admissibilidade da reconvenção no processo declarativo comum sumaríssimo, sendo maioritário o entendimento que negava essa possibilidade, expresso por Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, VI, Coimbra: Coimbra Editora, 1953, p. 493), Antunes Varela et. al (Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1985, p. 745 – 746), Lopes do Rego (Comentários ao Código de Processo Civil, Coimbra: Almedina, 1999, p. 528) e Paulo Pimenta (“Reconvenção”, BFDUC, LXX, p. 493-494). No sentido contrário, Miguel Teixeira de Sousa (Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, 1997, p. 366) e Lebre de Freitas (A Ação Declarativa Comum, Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 315). Escrevia então Paulo Pimenta (loc. cit.) que, a admitir-se, em processo sumaríssimo, “o pedido reconvencional do réu, ter-se-ia de facultar ao autor a sua defesa perante a reconvenção, de forma a garantir o respeito pelo basilar princípio do contraditório. Tal defesa implicaria um terceiro articulado que, contudo (…), não se encontra previsto na tramitação do processo sumaríssimo. E fala-se em terceiro articulado pois esta é a única forma que permite uma efetiva defesa, sendo de rejeitar algumas propostas que falavam de uma defesa antecipada do autor na petição (…) ou de uma defesa do autor nas alegações da audiência final.” A este argumento, o autor acrescentava um outro: “A introdução da questão reconvencional numa ação sumaríssima iria necessariamente alargar o objeto do processo e exigir um trabalho acrescido das partes e do juiz, com o consequente retardamento da ação. E, mais do que isso, porque o valor do pedido reconvencional se somaria ao do pedido original (art. 308), as mais das vezes se desvirtuaria o processo sumaríssimo, convertendo-o num processo sumário ou ordinário. Seria uma forma de frustrar a intenção legislativa de proporcionar ao credor de certas prestações, de valor relativamente reduzido, a obtenção de uma sentença por um meio processual mais simples e célere do que o das formas sumária e ordinária. E não pode dizer-se que com tal entendimento se prejudica o réu, pois este sempre poderá fazer valer o seu direito em ação própria.” *** 3.4. Neste contexto, parte da doutrina e da jurisprudência subsequente à entrada em vigor do CPC de 2013, quando confrontada com a questão, dando como adquirido que o legislador consagrou o modelo da compensação-reconvenção, entendeu não ser possível o devedor, demandado pelo seu credor, invocar, na AECOP, a compensação. Neste sentido, inter alia, RP 12.5.2015 (143043-14.5YIPRT.P1) 08.7.2015 (19412-14.6YIPRT-A.P1); RC 07.6.2016 (139381-13.2YIPRT.C1); RE 09.02.2017 (89791-15.0YIPRT.E1); RG 22.6.2017 (69039-16.YIPRT.G1). Na doutrina, Paulo Ramos de Faria - Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas cit., p. 260.Esta leitura conceptual, como a caraterizámos logo no início, cedo foi questionada. Assim, em RP 23.02.2015 (95961-13.8YIPRT.P1), escreveu-se que “[a]inda que se entenda que, deduzida a compensação, o réu tem o ónus de reconvir, o tratamento da compensação não pode deixar de ser o da exceção perentória nos processos em que não é admissível a reconvenção”. Justificou-se, com arrimo na doutrina de Vaz Serra, que também na invocação da novação (art. 857) se apela para uma nova relação jurídica e ninguém questiona a sua natureza de exceção perentória e a sua invocabilidade na contestação. Haveria, pois, que não coartar ao réu “este relevantíssimo fundamento de defesa.” Na sequência, outros arestos surgiram a defender como admissível a dedução da compensação por via da exceção perentória, fundamentando sempre com a necessidade de encontrar um mecanismo de não coartar este meio de defesa do devedor e de, simultaneamente, não contrariar os termos da forma de processo aplicável. São exemplo, RC 16.01.2018 (12373-17.1YIPRT-A.C1), RP 24.01.2018 (200879-11.8YIPRT.P1), RG 13.6.2019 (107776-18.0YIPRT-C.G1), RG 10.7.2019 (109506-18.8YIPRT-A.G1), RG 23.01.2020 (52095-19.7YIPRT-B.G1), RG 05.3.2020 (3298-16.9T9VCT-B.G1), RG 05.3.2020 (104469-18.2YIPRT.G1), RP 09.3.2020 (21557-18.4YIPRT.P1) e RG 05.11.2020 (9426-20.2YIPRT-A.G1). Surgiram também artigos doutrinários a defender esta tese, podendo citar-se Rui Pinto, “A Problemática da Dedução da Compensação no Código de Processo Civil de 2013”, Novos Estudos de Processo Civil, Lisboa: Petrony, 2017, pp. 151-179; Manuel Eduardo Bianchi Sampaio, “A compensação nas formas de processo em que não é admissível reconvenção”, Revista Julgar on line, maio de 2019, Gabriela da Cunha Rodrigues, “A injunção à luz das recentes alterações legislativas e das reflexões do Grupo de Trabalho constituído por Despacho de 24.5.2018”, Revista Julgar on line, dezembro de 2019, e Jorge Manuel Leitão Leal, “AECOP, compensação e gestão processual”, Revista Eletrónica de Direito, junho de 2021, n.º 2 (vol. 25), pp. 184-209. Miguel Teixeira de Sousa, “AECOPs e compensação: que tal simplificar o que é simples?”, blogippc.blogspot.com/2020/05/aecops-e-compensacao-que-tal.html [27.09.2023], criticou esta tese nos seguintes termos: “defender que nas AECOPs a compensação deve ser deduzida por via de exceção cria o seguinte dilema: -- Ou, tal como na solução da dedução da compensação ope reconventionis, se admite um articulado de resposta do autor, e, então a solução é puramente nominalista; -- Ou, se se entende que a dedução da compensação por via de exceção, se destina a não permitir o exercício do contraditório do autor em articulado próprio, então a solução é manifestamente inconstitucional, porque viola o princípio da igualdade das partes (art. 4.º CPC): enquanto o crédito alegado pelo autor é contestado num articulado próprio, o crédito invocado pelo réu é contestado no início da audiência final; ora, como é claro, se a lei permite a escolha da AECOP pelo autor, não é certamente "em troca" de uma diminuição das garantias do seu contraditório. Este aspeto tem passado completamente despercebido aos defensores da dedução da compensação por via de exceção, mas é crucial. O art. 4.º CPC impõe expressamente que o tribunal assegure um estatuto de igualdade substancial entre as partes. Ora, o que resulta da orientação de que a compensação deve ser deduzida por via de exceção? Conhece-se a resposta: que o contraditório do autor quanto ao crédito alegado pelo réu tem um regime diferente daquele que vale para o crédito alegado pelo autor contra o réu. Enfim, um claro desrespeito do comando do art. 4.º CPC e uma clara violação do princípio da igualdade das partes.” Na sequência, acrescentou que “[a] proposta que, dentro de um espírito de back to the basics, agora se deixa é simplificar o que é simples. Em concreto, o que se propõe é que a compensação deve ser deduzida por via de reconvenção e que o devido contraditório do autor pode ser feito em articulado próprio. Para se chegar a esta solução basta aplicar a lei (nomeadamente, os art. 266.º, n.º 2, al. c), e 584.º, n.º 1, CPC, ex vi do art. 549.º, n.º 1, CPC) e respeitar o princípio da igualdade das partes em processo civil (art. 4.º CPC). É simples por isto mesmo: resulta da lei. Não precisa de nenhuma argumentação destinada a demonstrar que afinal o que decorre do CPC não é aplicável. Num outro escrito, “AECOPs e compensação”, blogippc.blogspot.com/2017/04/aecops-e-compensacao.html [27.09.2023], Miguel Teixeira de Sousa voltou ao tema, escrevendo que “[u]ma solução alternativa a esta consistiria em defender que a compensação (que é uma forma de extinção das obrigações) deveria ser invocada por via de exceção. No entanto, contra esta solução pode invocar-se o seguinte: -- A solução não tem qualquer apoio legal; como se disse, o regime da reconvenção consta das disposições gerais e comuns do CPC, pelo que é aplicável a qualquer processo; uma diferenciação quanto à forma de alegação da compensação seria, por isso, contra legem; -- A solução comunga de todos os inconvenientes da dedução da compensação por via de exceção; um dos mais significativos é o de que, atendendo a que a decisão sobre as exceções perentórias não fica abrangida pelo caso julgado material (cf. art. 91.°, n.° 2, CPC), se o contracrédito invocado na AECOP pelo demandado vier a ser reconhecido nessa ação, não é possível invocar a exceção de caso julgado numa ação posterior em que se peça a condenação no pagamento do mesmo contracrédito e, se o contracrédito alegado pelo demandado na AECOP não vier a ser reconhecido nessa ação, ainda assim é possível procurar obter o seu reconhecimento numa ação posterior; qualquer destas soluções é absurda (sendo, aliás, por isso que a reconvenção como forma de alegar a compensação judicial é totalmente correta, porque é a única que evita as referidas consequências).” Os escritos de Miguel Teixeira de Sousa estiveram na base de uma terceira tese no sentido de que a compensação de créditos, face à redação do art. 266-2, c), do CPC, tem sempre de ser exercida por via de reconvenção. Não pode ser coartada ao requerido a possibilidade de, nas AECOP, invocar a compensação de créditos por via da dedução de reconvenção. Para tal, o juiz deve, se necessário, fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal para ajustar a respetiva tramitação à dedução do pedido reconvencional. Esta tem sido a tese prevalecente nos pronunciamentos jurisprudenciais mais recentes sobre a questão, podendo citar-se RP 13.6.2018 (26380-17.0YIPRT.P1), RL 09.10.2018 (102936-17.1YIPRT.L1-7), RG 17.12.2018 (110141-17.3YIPRT.G1), RG 31.01.2019 (53691-18.5YIPRT.A-G1), RP 04.6.2019 (58534-18.0YIPRT.P1), RL 16.6.2020 (77375-19.8YIPRT-A.L1-7) e RL 23.02.2021 (72269-19.0YIPRT.L1-7). É também a tese que vingou no recente Acórdão de 28.09.2023 (17389-23.6YIPRT.G1), desta Secção, relatado pela Desembargadora Rosália Cunha, com a intervenção do Desembargador José Carlos Pereira Duarte, aqui 2.º adjunto. *** 3.5. O que antecede deixa já antever que sufragamos o último entendimento exposto.Partimos, para tanto, da consideração de que o art. 6.º do CPC vigente, à semelhança do art. 265-A do seu antecessor, na redação introduzida pelo DL n.º 329-A-95, de 12.12., confere ao juiz o poder funcional de maleabilizar a tramitação processual, dispensando atos inúteis ou determinando a prática de outros que mais se ajustem aos fins do processo, quando, ouvidas as partes, conclua que a tramitação processual prevista na lei é inadequada às especificidades da causa, o que significa, desde logo, que não se pretende a criação de uma espécie de processo alternativo, mas possibilitar a ultrapassagem de eventuais desconformidades com as previsões genéricas das normas de direito adjetivo. A interpretação correta do preceituado no art. 6.º não colide, assim, com a manutenção do sistema da legalidade das formas processuais, criadas pelo legislador para orientar o juiz e as partes em toda a atividade processual, desde a propositura da ação, com a apresentação da petição inicial, até à decisão final. Aliás, devemos ter sempre presente que se a lei fixa ou determina previamente as formas dos atos ou da sequência de atos, verifica-se uma maior garantia para as partes, as quais, quando instauram uma ação ou exercem o seu direito de defesa, conhecem e sabem à partida quais os procedimentos a adotar e o respetivo iter – o que pode ser sintetizado na conhecida máxima de Jhering de que “a forma é a inimiga jurada do arbítrio, a irmã gémea da liberdade.” Mas isso não obsta a que o juiz, movendo-se dentro das formas processuais previstas na lei, preveja a prática de determinados atos que melhor prossigam os objetivos da lide ou dispense outros que, apesar de contidos na respetiva tramitação processual, se mostrem irrelevantes para a decisão do caso concreto. Os limites dessa atuação são definidos pelos princípios do contraditório e da igualdade de armas e demais garantias das partes, designadamente quando estas derivem de critérios valorativos na diferenciação de formas processuais, do mesmo modo que devem ser acatados os efeitos preclusivos emergentes do funcionamento dos preceitos adjetivos. Traçado o esquema geral do princípio da adequação, diremos que a salvaguarda da paz social é o fim último do processo, o que só é possível alcançar se sobre os litígios recaírem decisões definitivas. Ora, se dois sujeitos são titulares de créditos recíprocos, o inerente conflito de interesses apenas ficará sanado se as pretensões de um e de outro forem apreciadas. Isso pode ser alcançado num só processo, através da figura da reconvenção – que, assim, se configura como uma manifestação do princípio, transversal a todo o processo civil, da economia processual: o fim do processo deve ser alcançado com a maior economia de meios, o que exige, numa das suas vertentes, que cada processo resolva o maior número possível de litígios (economia de processos). *** 3.6. Aqui chegados, deparámo-nos com uma dificuldade: a Ré não exerceu a compensação por via de reconvenção, mas por via de exceção.Isto em nada contende com a procedência do recurso, como se concluiu, face a uma situação idêntica, no citado RL 23.02.2021, do qual respigamos a seguinte passagem: “Há que atentar que o pedido deve ser interpretado e convolado em função do efeito prático-jurídico pretendido. Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.4.2016, Lopes do Rego, 842-10: “Na praxis judiciária, encontramos posições antagónicas sobre a possibilidade de convolação jurídica quanto ao pedido formulado – opondo-se um entendimento mais rígido e formal, que dá prevalência quase absoluta à regra do dispositivo, limitando-se o juiz a conceder ou rejeitar o efeito jurídico e a específica forma de tutela pretendida pelas partes, sem em nada poder sair do respetivo âmbito; e um entendimento mais flexível que – com base, desde logo, em relevantes considerações de ordem prática – consente, dentro de determinados parâmetros, o suprimento ou correção de um deficiente enquadramento normativo do efeito prático-jurídico pretendido pelo autor ou requerente, admitindo-se a convolação para o decretamento do efeito jurídico ou forma de tutela jurisdicional efetivamente adequado à situação litigiosa (vejam-se, em clara ilustração desta dicotomia de entendimentos, a tese vencedora e as declarações de voto apendiculadas ao acórdão uniformizador 3-2001). Note-se que (como salientamos no estudo O Princípio Dispositivo e os Poderes de Convolação do Juiz no Momento da Sentença, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Lebre de Freitas, págs. 781 e segs.) a prevalência de uma visão que tende a sacralizar a regra do dispositivo, dando-lhe nesta sede uma supremacia tendencialmente absoluta, conduz a resultado profundamente lesivo dos princípios – também fundamentais em processo civil – da economia e da celeridade processuais: na verdade, a improcedência da ação inicialmente intentada e em que se formulou pretensão material juridicamente inadequada não obsta a que o autor proponha seguidamente a ação correta, em que formule o – diferente – pedido juridicamente certo e adequado, por tal ação ser objetivamente diversa da inicialmente proposta (e que naufragou em consequência da errada e insuprível perspetivação e enquadramento jurídico da pretensão); Ora, sendo atualmente o principal problema da justiça cível o da morosidade na tutela efetiva dos direitos dos cidadãos, não poderá deixar de causar alguma perplexidade esta inelutável necessidade de repetir em juízo uma ação reportada a um mesmo litígio substancial, fundada exatamente nos mesmos factos e meios de prova, só para corrigir uma deficiente formulação jurídica da pretensão, através da qual se visa alcançar um resultado cujo conteúdo prático e económico era inteiramente coincidente ou equiparável ao pretendido na primeira causa… (…) Considera-se, deste modo, que o que identifica a pretensão material do autor, o efeito jurídico que ele visa alcançar, enquanto elemento individualizador da ação, é o efeito prático-jurídico por ele pretendido e não a exata caracterização jurídico-normativa da pretensão material, a sua qualificação ou subsunção no âmbito de certa figura ou instituto jurídico, sendo lícito ao tribunal, alterando ou corrigindo tal coloração jurídica, convolar para o decretamento do efeito jurídico adequado à situação litigiosa, sem que tal represente o julgamento de objeto diverso do peticionado.” O efeito prático-jurídico que o apelante pretende é que sejam apreciados e decididos os contracréditos que invoca contra a requerente, sendo indiferente que tal apreciação ocorra sob a égide da figura processual da exceção ou da reconvenção, sendo esta atualmente obrigatória para estas situações (cf. Art. 266º, nº2, al. c), ex vi Art. 547º do Código de Processo Civil). *** 3.7. Isto dito, na tramitação processual subsequente, haverá que observar que, como escreve Maria Gabriela Cunha Rodrigues, “A ação declarativa comum”, Revista Lusíada – Direito, n.º 11, Lisboa (2013), pp. 53-54, a reconvenção não deixa de ser facultativa, como resulta do n.º 1 do artigo 266.º do novo CPC. Trata-se de um poder do réu, o que significa que não fica precludida a possibilidade de fazer valer o direito que pretendia exercer em reconvenção em ação autónoma. Ora, sendo a reconvenção facultativa, e invocando o réu a compensação por exceção, o que fará o juiz? Perspetivando-se o recurso à reconvenção como um ónus, a solução mais justa e que se coaduna com o espírito do novo CPC (cf. artigos 7.º e 590.º), passa por convidar o réu ao aperfeiçoamento da contestação, devendo este cumprir o disposto no artigo 583.º daquele diploma, sob pena de ser rejeitada a arguição da compensação.” No mesmo sentido, pode ver-se, na jurisprudência, RP 7.02.2022, 2191-20.5T8GDM. *** 3.8. Vencida, a Recorrida deve ser condenada no pagamento das custas do recurso: art. 527-1 e 2 do CPC.* IV.Nestes termos, acordam os Juízes Desembargadores da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães que compõe o presente coletivo em: Julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, substituindo-a por outra a convolar a dedução da exceção da compensação de créditos em reconvenção, acompanhada de despacho de aperfeiçoamento para cumprimento do art. 583-1 e 2 do CPC; Condenar a Recorrida no pagamento das custas. Notifique. * Guimarães, 27-10-2023 Os Juízes Desembargadores, Gonçalo Oliveira Magalhães (Relator) Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade (1.ª Adjunta), com declaração de voto José Carlos Pereira Duarte (2.º Adjunto) *** Declaração de voto:Mantendo a minha posição assumida no Acórdão de 05.11.2020, proferido no processo nº. 9426-20.2YIPRT-A.G1 supra, citado, julgaria totalmente procedente a apelação. * Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade [1] Disponíveis, como os demais indicados no texto sem menção expressão ao local da sua publicação, em www.dgsi.pt. [2] Para maiores desenvolvimentos, Paulo Pimenta, “Reconvenção”, Boletim da Faculdade de Direito, LXX, 1994, pp. 463-496. |