Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
187/19.9T8VRL.G1
Relator: FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
VIOLAÇÃO DE DEVERES
PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÃO NECESSÁRIA
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- O quantum de informação que o intermediário financeiro está vinculado a prestar, no quadro da relação jurídica que o liga aos seus clientes, inclui “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, nomeadamente as informações respeitantes aos riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar e as informações relativas aos instrumentos financeiros e estratégias de investimento propostas, devendo ser prestada de forma completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, para poder ser compreendida pelo destinatário médio;
II- Verificado o facto voluntário do réu, na modalidade de comissão por omissão de um dever de informação, ou dolo omissivo do dever de elucidar, e cuja ilicitude resulta do não cumprimento do dever/obrigação de informação, a que acresce a culpa, pelo menos com base em presunção não ilidida, o dano, correspondente ao não reembolso de capital investido em instrumento financeiro, e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, por constituir causa adequada do prejuízo sofrido pelo autor, impõe-se a obrigação de o banco réu, ao violar o dever de informação, não elucidando convenientemente o cliente sobre as características do produto financeiro que lhe propôs/sugeriu, indemnizar este.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A) F. G. veio intentar ação declarativa com processo comum contra o Banco ..., S.A., onde conclui pedindo que a ação seja julgada procedente, por provada e, em consequência:
a) Ser o réu condenado a restituir à autora o montante do capital de €50.000,00, objeto do contrato de depósito a prazo, acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da citação, até efetivo e integral pagamento;
b) Ser o réu condenado a pagar à autora a quantia de €10.000,00, a título de dano não patrimonial.

Para tanto alega, em síntese, que é cliente do banco réu e, em finais de 2004, o autor recebeu um telefonema de um funcionário do réu dizendo-lhe que tinha uma aplicação, que descreveu como interessante, com ótima rentabilidade, totalmente garantida, sem qualquer risco de capital ou juros, condições essas aplicáveis apenas para depósitos a prazo de montante igual ou superior a €50.000,00 e, sem que o autor assinasse qualquer documento, aquele funcionário do réu fez aquela aplicação, estando o autor convencido que se tratava de um depósito a prazo, nunca lhe tendo sido lido ou explicado o teor de qualquer documento, designadamente de qualquer ficha técnica referente ao produto “Obrigações SLN Rendimento Mais 2004” e só mais tarde, quando reclamou o seu dinheiro foi informado que havia subscrito esse produto, tendo o réu recusado devolver o dinheiro.
Se tivesse sido informado de que o seu dinheiro seria aplicado em obrigações e/ou que o capital e juros não estavam garantidos, o autor não teria subscrito o produto em causa.
O réu Banco ..., SA, apresentou contestação onde conclui entendendo que devem as exceções invocadas serem julgadas procedentes, com as legais consequências ou, caso assim não se entenda, ser a presente ação julgada improcedente, por não provada.
O réu veio invocar a incompetência em razão do território, uma vez que o tribunal competente é aquele onde se situa o domicílio do réu ou o do cumprimento da obrigação em casos como o dos presentes autos em que o réu seja uma pessoa coletiva, ou seja a comarca de Lisboa, alegando ainda que que a ação deu entrada mais de dois anos após a data em que o subscritor tomou conhecimento da situação relatada na PI (artigo 324º do Código dos Valores Mobiliários), tendo ainda impugnado a matéria de facto alegada.
O autor F. G. pronunciou-se quanto às exceções invocadas, entendendo deverem ser julgadas improcedentes.
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B) Realizou-se audiência prévia, onde foi julgada improcedente a exceção de incompetência territorial, foi identificado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.
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Realizou-se julgamento e foi proferida sentença onde se decidiu julgar a ação improcedente.
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C) Inconformado, o autor F. G., veio interpor recurso que foi admitido como sendo de apelação, a subir nos próprios autos, com efeito devolutivo (fls. 228).
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D) Nas alegações de recurso do autor F. G., foram formuladas as seguintes conclusões:

1. Estendendo-se o recurso quer à decisão de facto, quer à decisão de direito, e observado que se mostra o exigido pelo artigo 640º, do CPC, pode-se afirmar que o Tribunal “a quo” fez errada apreciação e valoração dos depoimentos prestados, em audiência de julgamento, pelas testemunhas cujos passos mais significativos se transcrevem, o que acarreta o errado enquadramento jurídico;
2. A Mma Juiz “a quo” deu como não provado os factos constantes dos pontos 1, 2, 5, 7, 8, 9 e 10 dos Factos Não Provados que deverão ver a sua resposta alterada para PROVADOS;
3. No que concerne aos pontos 1, 2, 5, 7, 8 dos Factos Não Provados e, para alteração da resposta a dar aos mesmos, no sentido de serem considerados provados, devem ser tidos em consideração, tal como resulta dos trechos supratranscritos, os depoimentos das testemunhas A. C., C. G., L. T. e C. C.;
4. Com efeito, da análise do depoimento da testemunha A. C. resultou a confissão de que em momento algum explicou ao apelante que o produto em discussão se tratava de um produto com risco, dizendo que à data em que o mesmo foi vendido ao autor nem sequer se falava em risco, pois associavam o risco do produto ao risco do próprio Banco entendido na altura como inabalável e seguríssimo.
5. No mesmo sentido, o depoimento da testemunha C. G. de que resulta inequívoco que ela e o marido sempre estiverem convictos, até à data da nacionalização do BANCO ..., de que haviam subscrito um depósito a prazo, tanto mais que como resulta do seu testemunho, bem como do testemunho do Sr. A. C., este era o único produto que subscreviam e sempre subscreveram, sendo mesmo identificados pelo réu, através do seu funcionário tal qual resulta do seu depoimento, tratarem-se de clientes de perfil conservador do tipo depósitos a prazo.
6. Ainda, na mesma direção o depoimento das testemunhas L. T. e C. C., como se pode ver dos trechos supra transcritos, reforçaram a versão dos factos apresentada pelo autor e corroboraram o depoimento da testemunha C. G., referindo tratarem-se, igualmente, de lesados do BANCO ... e descrevendo, em suma, os procedimentos que, nos seus casos foram seguidos para a subscrição das obrigações e que, como se pode constar, são em tudo semelhantes ao procedimento relatado pelo autor dinheiro disponível na conta à ordem, contacto telefónico para aplicação desse dinheiro com maior rentabilidade; apresentação do produto como um depósito a prazo, sem risco de capital e juros; ausência da prestação de qualquer informação sobre o risco subjacente à aplicação e não entrega de qualquer boletim de subscrição (sendo que, no presente caso, nem sequer existiu) e daí até a nulidade que expressamente se invoca da pretensa subscrição das obrigações da SLN, que é necessariamente um ato formal.
7. Já quanto aos pontos 9 e 10 dos Factos Não Provados, para alteração da resposta a dar aos mesmos, devem ser tidos em consideração, não só os depoimentos das testemunhas A. C., C. G., L. T. e C. C., mas também a ausência de prova, imputável ao réu, pela não existência do necessário boletim de subscrição das obrigações SLN Rendimento Mais 2004.
O que, como supra se referiu, torna o pretenso contrato de subscrição das obrigações da SLN nulo, nulidade que expressamente se invoca.
8. Pelo que, também os pontos 9 e 10 dos Factos Não Provados deverão merecer a resposta de PROVADOS.
9. Os factos provados evidenciam ter o banco réu agido no âmbito de um contrato de intermediação financeira, definindo-se a atividade financeira nos arts. 289º a 291º do Código de Valores Mobiliários (doravante CVM), aprovado pelo Decreto-Lei nº 486/99, de 13 de novembro (com as alterações introduzidas a este normativo pelos DL nº 357-A/2007, de 31/10 e 63-A/2013, de 10/05).
10. Quanto aos pressupostos da responsabilidade civil que terão que verificar-se para que haja lugar à indemnização, é ainda de notar que nos termos do nº 2 do predito art. 304º-A do CVM a culpa da instituição financeira se presume quando o dano seja causado “(…) no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação”.
11. Preceitua o artigo 7º do CVM que a “informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às atividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita”.
12. No caso em apreço esses deveres de informação não foram cumpridos, não podendo afirmar-se que o autor tenha tido a possibilidade de tomar uma decisão esclarecida quando efetuou a subscrição das referidas obrigações da SLN.
13. Assim, considera-se verificado o pressuposto da ilicitude radicada na violação do dever de informação e, com este, também o pressuposto da culpa, atento o preceituado no já referido nº 2 do art. 304º-A do CVM.
14. Aliás, no que ao requisito da culpa respeita, deverá atender-se ao facto de a subscrição, se tivesse existido, que não existiu, ter sido efetuada no convencimento do autor de que se tratava de um produto financeiro com as características de um depósito a prazo, sem qualquer risco de capital e juros e, ainda, no facto do funcionário do réu ter assegurado que o produto em questão era idêntico a um depósito a prazo, sem qualquer risco de capital e juros, o que permite afirmar a existência de culpa grave, já que o autor foi conscientemente induzido a aplicar o seu dinheiro num produto que lhe acarretava um risco para o qual o mesmo não estava minimamente esclarecido, por opção do próprio funcionário do Banco.
15. Quanto ao dano, desde logo não poderá deixar de entender-se que a indisponibilidade da verba que, na data contratada, lhe deveria ter sido facultada, por si só, consubstancia um dano.
16. Peticionou, ainda, o autor danos não patrimoniais, dando-se como provado o estado de preocupação e ansiedade do autor, criando-lhe o temor de não vir a reaver o dinheiro em causa, o que lhe tem provocado stress, ansiedade e tristeza (Factos Provados sob os nºs 7 e 8), assumindo tais danos gravidade suficiente para merecerem tutela jurídica, tanto mais que decorreram da celebração de um contrato que nunca foi solicitado pelo autor, que apenas pretendia investir em depósitos a prazo.
17. Assim, a sentença recorrida violou, entre outros, por erro de interpretação e aplicação os artigos 77º e 77ºC do RGICSF, 323º e 324º do CVM e 227º, 98º e 799 do CC.

Termina entendendo dever a apelação ser julgada procedente e, em consequência, ser revogada a douta sentença apelada, substituindo-se por outra que alterando a matéria de facto e procedendo ao correto enquadramento jurídico desta, julgue a ação totalmente procedente por provada, com as legais consequências.
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Pelo réu, Banco ..., S.A., foi apresentada resposta onde conclui pela improcedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto e de direito e, em qualquer caso, pela improcedência do presente recurso de apelação e, por via dela, pela manutenção da douta decisão em crise e absolvição da apelada do pedido.
Foram juntos dois pareceres.
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E) Foram colhidos os vistos legais.
F) As questões a decidir na apelação são as de saber:
1) Se deverá ser alterada a decisão quanto à matéria de facto;
2) Se deverá ser alterada a decisão propriamente jurídica da causa.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

A) Na 1ª instância resultou apurada a seguinte matéria de facto:

I. Factos Provados

1. O autor é, há vários anos, cliente do réu, na sua agência da Av. da …, no Porto, com a conta à ordem n º ..., onde movimenta parte dos dinheiros, realiza pagamentos e faz poupanças.
2. Em 2004, o autor quis fazer uma aplicação de €50.000,00.
3. Para tanto, mediante contacto estabelecido com o BANCO ...-Banco ..., S.A., através de funcionário deste, subscreveu obrigações SLN Rendimento Mais 2004, naquele montante de €50.000,00.
4. Desde finais de 2008, o autor reclamou junto do réu a restituição da referida quantia, o que lhe foi negado, com a informação de que os títulos que subscrevera, denominados de Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, não tinham liquidez.
5. O autor solicitou ao réu toda a documentação referente à subscrição das obrigações SLN Rendimento Mais 2004.
6. Respondendo o réu que: “Após diligências efetuadas para averiguação dos factos apresentados por Vª Exa., até ao presente momento, ainda não nos foi possível localizar o boletim de subscrição das obrigações SLN Rendimento Mais 2004”, situação que se mantém.
7. O referido em 4, colocou o autor em estado de preocupação e ansiedade, criando-lhe o temor de não vir a reaver o dinheiro em causa;
8. O que lhe tem provocado stress, ansiedade e tristeza.
9. Por iniciativa do Governo Português, ocorrida em novembro de 2008, o BANCO ... Banco ..., S.A., foi nacionalizado e incorporado na Caixa ....
10. Posteriormente, em julho de 2011, o Estado Português procedeu à venda da totalidade das ações do então BANCO ...-Banco ..., S.A., ao Banco ..., S.A., passando este a deter a totalidade do capital social e domínio sobre aquele.
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II. Factos Não Provados

1. O autor sempre quis aplicar, e aplicou, o seu dinheiro, em depósitos a prazo.
2. Nunca o réu explicou ao autor as características de outros produtos bancários, designadamente de obrigações.
3. O autor não tem conhecimentos para contratar outros produtos bancários que não os depósitos a prazo.
4. O autor nada sabe sobre outros produtos bancários, designadamente obrigações.
5. Em finais de 2004, o autor recebeu um telefonema de um funcionário do réu, seu gerente de conta, comunicando-lhe que tinha uma aplicação que descreveu como sendo totalmente garantida, sem qualquer risco de capital ou juros.
6. Mais lhe dizendo que tais condições só eram aplicáveis para depósitos a prazo de montante igual ou superior a €50.000,00.
7. O autor não assinou qualquer documento e não lhe foi lido ou explicado qualquer documento.
8. O autor sempre esteve convencido de que, o funcionário do BANCO ... tinha depositado o montante de €50.000,00 num depósito a prazo.
9. Só quando reclamou junto do réu a restituição do capital investido é que o autor foi informado, pela primeira vez, que havia subscrito um produto denominado Obrigações SLN Rendimento Mais 2004.
10. Se o autor tivesse sido informado de que o seu dinheiro seria aplicado em obrigações ou em qualquer outro produto financeiro e/ou que o capital e juros não estavam garantidos, não teria subscrito o referido produto.
11. O autor tem tido dificuldades financeiras para gerir a sua vida.
12. Anda doente, sem alegria de viver e sem perspetivas de futuro.
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B) O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
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C) O apelante discorda da decisão da matéria de facto e da decisão propriamente jurídica da causa.
No que se refere à decisão da matéria de facto, o apelante entende que os pontos 1, 2, 5, 7, 8, 9 e 10 dos factos não provados, deverão ser considerados como provados, sustentando-se nos depoimentos das testemunhas A. C., C. G., L. T. e C. C..
Vejamos.
Importa esclarecer que, quanto às testemunhas L. T. e C. C., são dois dos lesados do BANCO ..., que depuseram quanto à sua experiência pessoal quanto a essa situação, não tendo conhecimento direto quanto ao que sucedeu, em concreto, quanto à situação do autor, exceto quanto à testemunha C. C., no que se refere aos sofrimentos do autor, de que teve conhecimento direto.
Quanto aos documentos em que o tribunal a quo se baseou para fundamentar as respostas quanto à matéria de facto, com exceção da questão a que adiante nos referiremos, não desabonam contra a decisão recorrida.
Resta-nos, então, apreciar os depoimentos das testemunhas A. C. e C. G..
No que se refere ao depoimento da testemunha A. C., o mesmo era gestor de cliente do autor, na agência da Avenida da …, no Porto, do BANCO ..., importando notar que o mesmo afirmou não se recordar da concretização da venda do produto bancário em apreço, nem mesmo se foi ele quem concretizou a venda, não obstante se recorde de ter conversado com o autor e, sobretudo, com a esposa deste, a propósito desta aplicação, reconhecendo que o autor era um cliente de depósitos a prazo, tinha um perfil conservador.
Referiu ainda a testemunha, embora não se recorde em concreto das referidas conversas, que o autor sabia que havia risco na aplicação, que “o risco era o associado a uma empresa do banco, era o risco do próprio banco”, acrescentando que era um produto em que o risco não se questionava na altura.
Quanto a isto, importa notar, por um lado, que tais afirmações deveriam corresponder ao discurso geral que a testemunha tinha com clientes, potenciais subscritores do produto bancário em causa, uma vez que não se recorda do concreto teor das conversas com o autor e a esposa deste, para além de que, apesar de a testemunha afirmar que o autor sabia que havia risco, com o seu discurso dava a ideia que o produto em causa, as obrigações SLN Rendimento Mais 2004, não tinham risco ou tinham um risco reduzido e essa aparência, com vista a cativar potenciais clientes, era de molde a ser interpretada, como ausência de risco, particularmente para clientes habituados a aplicarem o seu dinheiro em depósitos a prazo, isto é, com um perfil conservador, por outro lado.
No que se refere ao depoimento da testemunha C. G., esposa do autor, a mesma referiu que tinham uma importância de €50.000,00 que pretendiam aplicar, eram clientes que sempre fizeram depósitos a prazo, contactaram a testemunha A. C. (Dr. P.), que lhes apresentou a aplicação como um produto seguro, não tendo assinado qualquer documento relativo à aplicação, estando convencidos que se tratava de um depósito a prazo.
Mais tarde vieram a saber que não iriam receber o capital que tinham aplicado, tendo feito diversas diligências junto do Banco de Portugal, da CMVM e junto do banco a quem pediram informações sobre a situação, tendo-lhe sido dito que, para tanto, o autor teria de assinar uma declaração em que se solicitava que lhe fosse passada uma declaração em que era detentor de obrigações SLN, no montante de €50.000,00, o que teve de fazer para obter informações.
Em face do exposto, daí resulta que a matéria de facto constante dos pontos 1, 2, 5, 7, 8, 9 e 10 dos factos não provados, terá de se considerar como provada, sendo certo que o ónus de demonstrar a existência de um documento de subscrição válida da aplicação incumbia ao réu e apelado, nos termos do disposto no artigo0 342º Código Civil, prova essa que não lograram fazer.
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Assim sendo, é a seguinte a formulação da matéria de facto apurada:

I. Factos Provados

1. O autor é, há vários anos, cliente do réu, na sua agência da Av. da …, no Porto, com a conta à ordem nº ..., onde movimenta parte dos dinheiros, realiza pagamentos e faz poupanças.
2. Em 2004, o autor quis fazer uma aplicação de €50.000,00.
3. Para tanto, mediante contacto estabelecido com o BANCO ...-Banco ..., S.A., através de funcionário deste, subscreveu obrigações SLN Rendimento Mais 2004, naquele montante de €50.000,00.
4. Desde finais de 2008, o autor reclamou junto do réu a restituição da referida quantia, o que lhe foi negado, com a informação de que os títulos que subscrevera, denominados de Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, não tinham liquidez.
5. O autor solicitou ao réu toda a documentação referente à subscrição das obrigações SLN Rendimento Mais 2004.
6. Respondendo o réu que: “Após diligências efetuadas para averiguação dos factos apresentados por Vª Exa., até ao presente momento, ainda não nos foi possível localizar o boletim de subscrição das obrigações SLN Rendimento Mais 2004”, situação que se mantém.
7. O referido em 4, colocou o autor em estado de preocupação e ansiedade, criando-lhe o temor de não vir a reaver o dinheiro em causa;
8. O que lhe tem provocado stress, ansiedade e tristeza.
9. Por iniciativa do Governo Português, ocorrida em novembro de 2008, o BANCO ... Banco ..., S.A., foi nacionalizado e incorporado na Caixa ....
10. Posteriormente, em julho de 2011, o Estado Português procedeu à venda da totalidade das ações do então BANCO ...-Banco ..., S.A., ao Banco ..., S.A., passando este a deter a totalidade do capital social e domínio sobre aquele.
11. O autor sempre quis aplicar, e aplicou, o seu dinheiro, em depósitos a prazo.
12. Nunca o réu explicou ao autor as características de outros produtos bancários, designadamente de obrigações.
13. Em finais de 2004, o autor recebeu um telefonema de um funcionário do réu, seu gerente de conta, comunicando-lhe que tinha uma aplicação que descreveu como sendo totalmente garantida, sem qualquer risco de capital ou juros.
14. O autor não assinou qualquer documento e não lhe foi lido ou explicado qualquer documento.
15. O autor sempre esteve convencido de que, o funcionário do BANCO ... tinha depositado o montante de €50.000,00 num depósito a prazo.
16. Só quando reclamou junto do réu a restituição do capital investido é que o autor foi informado, pela primeira vez, que havia subscrito um produto denominado Obrigações SLN Rendimento Mais 2004.
17. Se o autor tivesse sido informado de que o seu dinheiro seria aplicado em obrigações ou em qualquer outro produto financeiro e/ou que o capital e juros não estavam garantidos, não teria subscrito o referido produto.
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II. Factos Não Provados

3. O autor não tem conhecimentos para contratar outros produtos bancários que não os depósitos a prazo.
4. O autor nada sabe sobre outros produtos bancários, designadamente obrigações.
6. Mais lhe dizendo que tais condições só eram aplicáveis para depósitos a prazo de montante igual ou superior a €50.000,00.
11. O autor tem tido dificuldades financeiras para gerir a sua vida.
12. Anda doente, sem alegria de viver e sem perspetivas de futuro.
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No que se refere propriamente à matéria de direito, importa notar que resultou provado que mediante contacto estabelecido com o BANCO ...-Banco ..., S.A., através de funcionário deste, o autor subscreveu obrigações SLN Rendimento Mais 2004, no montante de €50.000,00.
Provou-se igualmente que em novembro de 2008, o BANCO ... Banco ..., S.A., foi nacionalizado e incorporado na Caixa ... e em julho de 2011, o Estado Português procedeu à venda da totalidade das ações do então BANCO ...-Banco ..., S.A., ao Banco ..., S.A., passando este a deter a totalidade do capital social e domínio sobre aquele.
Estabelece o artigo 289º nº 1 alínea a) do Código dos Valores Mobiliários (CVM) que são atividades de intermediação financeira os serviços e atividades de investimento em instrumentos financeiros, constituindo serviços e atividades de investimento em instrumentos financeiros a receção e a transmissão de ordens por conta de outrem e a execução de ordens por conta de outrem (artigo 290º nº 1 alíneas a) e b)), resultando do artigo 293º nº 1 alínea a), ainda do mesmo diploma, que são intermediários financeiros em instrumentos financeiros as instituições de crédito e as empresas de investimento que estejam autorizadas a exercer atividades de intermediação financeira em Portugal.
Consideram-se valores mobiliários, que são regulados pelo Código dos Valores Mobiliários, além de outros, as obrigações (artigos 1º, 1, b) e 2º, 1, a) CVM).
Do exposto resulta que o réu, rectius, o legal antecessor do réu (cfr. o ponto 10 dos factos provados) e, como tal, o réu, atuou na qualidade de intermediário financeiro, o que implicava, como se refere no parecer do Professor António Pinto Monteiro, junto às alegações do apelado “o quantum de informação que o BANCO ... estava vinculado a prestar, no quadro da relação jurídica que o ligava aos seus clientes, inclui “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada (artigo 312º CVM, nomeadamente as informações respeitantes aos riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar (alínea a) do nº 1 do mesmo artigo 312º) e as informações relativas aos instrumentos financeiros e estratégias de investimento propostas (alínea d) do nº 1 do artigo 312º da atual redação do CVM).”
E acrescenta-se no mesmo parecer que “quanto à qualitas da informação - o modo como ela é transmitida -, esta deve ser prestada de forma completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (artigo 7º CVM), para poder ser compreendida pelo destinatário médio, nos termos da alínea c) do nº 2 do artigo 312º-A CVM. A materialização destes conceitos depende do “grau de conhecimentos e de experiência do cliente”, nos termos do nº 2 do artigo 312º CVM. Estes conhecimentos e experiência devem reportar-se ao produto financeiro em causa; daí o nº 3 do artigo 304º CVM mandar atender à “situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objetivos que prosseguem através dos serviços a prestar”.

Ora, quanto à responsabilidade civil, o art. 314º do CVM, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 486/99, de 13/11, estabelece que:

1. Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
2. A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.

Como se refere no Acórdão desta Relação de Guimarães de 14/03/2019, relatado pela Desembargadora Maria dos Anjos Nogueira, subscrito pelo ora relator, dir-se-á que “presumindo-se a culpa, quer por força deste preceito, quer nos termos do art. 799º do Código Civil, a factualidade dada como provada revela que o Banco violou o dever de informação, não elucidando convenientemente o autor sobre as características do produto financeiro que lhe era proposto/sugerido.
Assim, resulta provado o facto voluntário do devedor/réu, na modalidade de comissão por omissão de um dever de informação, ou dolo omissivo do dever de elucidar, e cuja ilicitude resulta do não cumprimento do referido dever/obrigação de informação, a que acresce a culpa, pelo menos com base em presunção não ilidida, o dano, correspondente ao não reembolso de capital investido em instrumento financeiro, e o nexo de causalidade entre o facto e o dano…” – traduzido na circunstância de a omissão de informação por parte do réu, ter sido causa adequada do prejuízo sofrido pelo autor, uma vez que, conforme resulta da matéria de facto provada, se o autor tivesse sido informado de que o seu dinheiro seria aplicado em obrigações ou em qualquer outro produto financeiro e/ou que o capital e juros não estavam garantidos, não teria subscrito o referido produto.
Por todo o exposto resulta que se impõe a condenação do réu no pagamento ao autor de uma indemnização, corresponde ao valor da aplicação, no montante de €50.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação, até efetivo e integral pagamento e, no mais, improcedente, dele absolvendo o réu.
Face à parcial procedência da apelação, as custas terão de ser suportadas pelo réu e pelo autor, na proporção de decaimento (artigo 527º nº 1 e 2 NCPC).
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D) Em conclusão e sumariando:

1) O quantum de informação que o intermediário financeiro está vinculado a prestar, no quadro da relação jurídica que o liga aos seus clientes, inclui “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, nomeadamente as informações respeitantes aos riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar e as informações relativas aos instrumentos financeiros e estratégias de investimento propostas, devendo ser prestada de forma completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, para poder ser compreendida pelo destinatário médio;
2) Verificado o facto voluntário do réu, na modalidade de comissão por omissão de um dever de informação, ou dolo omissivo do dever de elucidar, e cuja ilicitude resulta do não cumprimento do dever/obrigação de informação, a que acresce a culpa, pelo menos com base em presunção não ilidida, o dano, correspondente ao não reembolso de capital investido em instrumento financeiro, e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, por constituir causa adequada do prejuízo sofrido pelo autor, impõe-se a obrigação de o banco réu, ao violar o dever de informação, não elucidando convenientemente o cliente sobre as características do produto financeiro que lhe propôs/sugeriu, indemnizar este.
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III. DECISÃO
Pelo exposto, tendo em conta o que antecede, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente, revogando-se a douta sentença recorrida e condenando o réu no pagamento ao autor de uma indemnização, corresponde ao valor da aplicação, no montante de €50.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação, até efetivo e integral pagamento e, no mais, improcedente, dele absolvendo o réu.
Custas por apelante e apelado, na proporção de decaimento.
Notifique.
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Guimarães, 17/09/2020

Relator: António Figueiredo de Almeida
1ª Adjunta: Desembargadora Maria Cristina Cerdeira
2ª Adjunta: Desembargadora Raquel Baptista Tavares