Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2116/08-2
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: EXECUÇÃO
EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA CERTA
TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/06/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: JULGADA IMPROCEDENTE
Sumário: Integra o conceito de “ contrato de arrendamento “, para efeito de título executivo a que alude a redacção do nº 2, do artº 15º, do NRAU, o documento escrito relativo ao acordo de vontades para arrendamento celebrado entre senhorio e arrendatário, não equivalendo a tal a exibição da cópia de recibo de renda.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório;

M... CORREIA, residente na Avª de L... , Dtº, em C..., Guimarães, instaurou conta J... SILVA, com domicílio na Rua de E... , Esqº, em F.. , Guimarães, execução para pagamento de quantia certa, reclamando do executado o pagamento de € 4.356,43, de capital e juros de mora vencidos, acrescidos dos juros vincendos.
Com o requerimento executivo juntou cópia de notificação de judicial avulsa e certidão de notificação desta ao requerido, aqui executado.
Em despacho de fls. 26, o Mmº Juiz a quo ordenou a notificação da exequente para juntar o original do título executivo, incluindo o contrato de arrendamento.
Posteriormente, veio a exequente a juntar aos autos o original da notificação judicial avulsa e cópia de recibos de arrendamento, declarando que o contrato de arrendamento foi celebrado verbalmente.
Em despacho de fls. 42 e sgs. o Mmº Juiz do Tribunal “a quo” indeferiu liminarmente o requerimento executivo com fundamento na falta de executivo, por não ter sido junto aos autos o contrato de arrendamento, invocando o disposto nos artigos 15º, nº 2, da Lei nº 6/2006, de 27.02 ( doravante NRAU ) e 812º, nº 2, al. a), do Cód. Processo Civil.

Inconformado com tal decisão, dela apelou a exequente, em cujas alegações formula as seguintes conclusões:
1 - A Recorrente/Exequente é dona e legítima possuidora do prédio sito na Rua da L.. , n.º , inscrito na matriz predial urbana da respectiva freguesia sob o artigo 1534 e descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o número 2073, da freguesia de Creixomil.
2 – No âmbito do Regime de Arrendamento Urbano (de ora em diante RAU), a Recorrente/Exequente, através do seu falecido marido, tinha dado de arrendamento o referido prédio, supra identificado, ao Executado J... SILVA.
3 – Apesar de o artigo 7.º, n.º 1 do RAU, estipular que o contrato de arrendamento deve ser celebrado por escrito, estabelece também o seu n.º 2, que a forma escrita do mesmo é aqui suprimida pela exibição dos recibos de renda, recibos estes cujas cópias constam igualmente dos autos de execução.
4 – A Recorrente/Exequente procedeu à resolução unilateral do contrato, nos termos do artigo 1083.º, n.º 3 do Código Civil.
5 – Requereu assim a Recorrente/Exequente a notificação judicial avulsa do Arrendatário/Executado, a qual foi efectivamente realizada por Solicitador de Execução, a 07 de Fevereiro de 2008.
6 – Encontrando-se assim o contrato de arrendamento resolvido desde a data de 07 de Fevereiro de 2008, aguardou a Recorrente/Exequente por um período de três meses, durante o qual o Arrendatário/Executado poderia ainda ter cessado a mora, todavia o mesmo nada fez.
7 – Pelo que, a Recorrente/Exequente instaurou a presente acção executiva, com vista ao pagamento de quantia certa, apresentando então como título executivo a notificação judicial avulsa efectuada, tendo também posteriormente procedido à junção de cópia dos recibos de renda, quando para tal notificada.
8 – Tendo por base o que estabelece o artigo 7.º, n.º 2 do RAU, diploma em vigor aquando da celebração do contrato, a exibição dos recibos de renda, exime a apresentação de um contrato de arrendamento sob a forma escrita.
9 -Nos termos do artigo 15.º, n.º 2 da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, vale como título executivo a apresentação dos recibos de renda juntamente com a notificação judicial avulsa ao arrendatário da resolução do contrato de arrendamento, na execução para pagamento de quantia certa, relativa a rendas em dívida, quando o contrato de arrendamento seja verbal, como se verifica no caso dos autos.

Requer a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por decisão que ordene a admissibilidade do requerimento executivo.

*****

II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar;

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir a única questão colocada pela apelante, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, nº 1, todos do Código de Processo Civil (CPC).

A questão suscitada é em suma:

a) Verifica-se ou não a falta de título de título executivo que serviu de fundamento à rejeição do requerimento executivo.


III – Fundamentos;
Dos factos:
A factualidade descrita no relatório supra.
Do direito:
O artº 812º, nº2, al.a), do CPC, prescreve o indeferimento liminar do requerimento executivo quando seja manifesta a falta ou insuficiência de do título.
Na execução para pagamento de quantia certa que instaurou, apresentou inicialmente a exequente como título executivo uma cópia da notificação judicial avulsa e respectiva certidão de notificação ao requerido/executado que considerava resolvido o contrato de arrendamento celebrado com este, há mais de 20 anos ( admitindo depois nos autos ter sido o mesmo verbal ), quanto à loja do prédio sito na Rua da Liberdade, nº 88, da freguesia de Creixomil, da cidade de Guimarães, e lhe comunicava, na qualidade de arrendatário, o montante das rendas em dívida.
Mais tarde, juntou o original da aludida notificação judicial avulsa e certidão de notificação, bem como duas cópias de recibos de renda.
Posto isto, face ao decidido e à alegação de recurso, o cerne da questão nestes autos prende-se apenas com a interpretação da norma legal inserta no nº 2, do artº 15º, do NRAU, ou seja, o que deve integrar o conceito de “ contrato de arrendamento “ : se o documento escrito relativo ao acordo de vontades para arrendamento celebrado entre senhorio e arrendatário ou se equivale a tal a exibição da cópia de recibo de renda, face ao preceituado no artº 17º, nº 2, do Dec.Lei nº 321-B/90, de 15.10 (RAU).

O citado artº 15º, nº 2, do NRAU prescreve que serve de título executivo para o senhorio exigir o pagamento das rendas em atraso a apresentação do contrato de arrendamento acompanhado da comunicação do montante em dívida.
Que a prova da relação locatícia tem de ser feita por meio escrito, através de documento, será ponto pacífico, em virtude de a apontada disposição legal referir que o contrato de arrendamento é “acompanhado “ da comunicação do montante das rendas em atraso. Mas será que basta a exibição de cópia do recibo de renda, nos casos de contrato de arrendamento verbal, como defende a recorrente, ou é necessário a junção do respectivo contrato escrito de arrendamento?
Entendemos que a posição da apelante não é defensável, no caso concreto.
Na verdade, com a publicação do Decreto-Lei n.º 64-A/2000, de 22 de Abril, por força do seu art. 7º, deixou de ser exigível a escritura pública nos arrendamentos urbanos para o comércio, indústria ou exercício de profissão liberal ( no caso vertente, segundo a exequente, trata-se de contrato verbal e celebrado anteriormente àquele diploma ), bastando a redução a escrito ( nº 1 ).
Por sua vez, escuda-se a recorrente no seu nº 2, que refere que « a inobservância da forma escrita só pode ser suprida pela exibição do recibo de renda e determina a aplicação do regime de renda condicionada, sem que daí possa resultar aumento de renda.», para argumentar que, exibindo o recibo de renda ( ou melhor cópia desse recibo ), convalida-se formalmente tal contrato, passando a constituir o tão almejado título executivo a que aludo o nº 2 do artº 15º.
O advérbio “só” do n.º 2 do art. 7º do R.A.U, já existia, com efeito, no art. 1088º do Código Civil de 1966, entretanto revogado. Facto que Aragão Seia não desconhece, já que na nota 1 da pág. 173, da sua citada obra, escreveu: “Ver, com referência ao revogado art. 1088º do C.C., o Prof. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed., 437, nota 1: o inquilino, mesmo sem recibo de renda, pode provar o contrato de arrendamento por confissão do senhorio, constante, por exemplo, de uma carta, de declaração na Repartição de Finanças, etc. Ver, também, o Acórdão do S.T.J. de 9/3/1993, Bol. 425,485.”
No dizer do Prof. Pereira Coelho, “embora a exibição de recibos tenha hoje função diferente da que o art. 1088º do Código Civil lhe reconhecia (na vigência do art. 1088º era um meio de prova de um contrato válido, e hoje é uma forma de convalidação de um contrato nulo), cremos que a orientação seguida a este respeito na doutrina e na jurisprudência em face do art. 1088º do Código Civil ainda é de manter, em face do R.A.U”. Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 126º, pág. 198, nota 37.
A exibição do recibo destina-se assim a informar a existência de um contrato (formalidade ad probationem), não se assumindo como elemento constitutivo do negócio jurídico ou como pressuposto da respectiva validade. A exibição pelo inquilino do recibo, até ao encerramento da audiência de julgamento, afasta a nulidade do negócio, convalidando-o.
Ou seja, enquanto que na redacção do citado art. 1088º se dizia “o arrendatário só pode provar o contrato desde que exiba recibo de renda”, na redacção do actual art. 7º do R.A.U a referência ao arrendatário foi excluída, não alterando, porém, a doutrina daquele art. 1088º, já que o recibo está sempre na sua esfera jurídica.
Quer isto dizer que, ao senhorio, como não tem o meio de prova facultado pelo recibo, porquanto este é entregue ao arrendatário, restar-lhe-á a possibilidade de fazer a prova por qualquer meio Carlos Mateus, advogado, Estudo sobre o artº 7º do R.A.U., in Verbo Jurídico., mas necessariamente em sede de acção declarativa. Na vigência do art. 1088º do Código Civil, o senhorio poderia fazer a prova por qualquer meio. Neste sentido, Conselheiro Pais de Sousa, Extinção do Arrendamento Urbano, 2ª ed., pág. 54 e nota 117. Pereira Coelho, Arrendamento, 1988, pág. 118, nota 1, “Efectivamente, no regime do Código Civil de 1966 (...) ao senhorio, não se pondo na lei qualquer limitação, podia fazer por qualquer meio, mesmo por testemunhas, a prova do contrato de arrendamento”.
Enquanto que na redacção do art. 1088º se dizia “o arrendatário só pode provar o contrato desde que exiba recibo de renda”, na redacção do actual art. 7º do R.A.U a referência ao arrendatário foi excluída, não alterando, porém, a doutrina daquele art. 1088º, já que o recibo está sempre na sua esfera jurídica.
Além disso, importa não descurar, como se salienta na decisão recorrida, que “o título executivo é algo que faz as vezes do direito que se pretende realizar, e que se lhe substitui, não podendo, por isso, reduzir-se à natureza de um simples meio de prova Cfr. ANSELMO DE CASTRO, A Acção executiva Singular, Comum e Especial, 2ª edição, págs.14-15 , mas antes significando um requisito necessário da existência do direito mencionado no documento, assumindo, assim, uma função constitutiva “ e que, em matéria de títulos executivos vigora o princípio da tipicidade.
Assim, a mera exibição de duas cópias de recibos de renda pelo senhorio, aqui exequente, não são susceptíveis de fazer prova do contrato de arrendamento e como tal não têm força de título executivo para efeitos do disposto no mencionado artº 15º, nº 2.
Pelas razões sobreditas, cingindo-nos ao caso vertente, no âmbito dos contratos de arrendamento para o comércio e ao abrigo do disposto no artº 7º, nº 2, do RAU, o recibo de renda, enquanto documento da esfera jurídica do arrendatário, apenas permite que este se possa valer do mesmo como meio de prova do contrato de arrendamento. O recibo de renda exibido pelo arrendatário prova o pagamento da renda ao senhorio e, consequentemente, duma vinculação locatícia, dum contrato de arrendamento, por parte de ambos; a mera cópia do recibo na posse do senhorio não é susceptível de provar esse acordo de vontades, designadamente por parte do arrendatário. Daí que, as duas cópias de “recibos” de rendas juntas pela exequente não possam suprir a inobservância da forma escrita do contrato de arrendamento, para efeitos do disposto no artº 7º, nº 2, do RAU e, por consequência, constituam prova do contrato de arrendamento ( reduzido a escrito ) aludido naquele nº 2 do artº 15º ( onde taxativamente se refere que o contrato de arrendamento é acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida ).
Carece, assim, a exequente de título executivo, pelo que a decisão recorrida fez correcta interpretação e aplicação da disciplina dos artigos 812º, nº 2, alínea a), do CPC, sendo de manter.

IV – Decisão;

Termos em que se acorda em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

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Custas pela apelante.

Guimarães, 06.11.2008