Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | GOMES DA SILVA | ||
Descritores: | PROVIDÊNCIA CAUTELAR ALIMENTOS PROVISÓRIOS | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 04/30/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | 1. A prestação de alimentos devida ao cônjuge e ex-cônjuge, nos casos de separação de facto, de dissolução ou até de anulação do vínculo, afere-se mais pela manutenção do seu trem de vida económica e social, a que ele faz jus como casado (ou ex-casado) com o devedor, do que pelas suas estritas necessidades. 2. A providência cautelar nominada de alimentos provisórios, distinta da especialíssima do art. 1407º-nº7 CPC, obedece a critérios de legalidade estrita, sendo sempre dependência de uma causa, de tal modo que os aí fixados ficam sempre sujeitos a uma decisão definitiva, a proferir na acção principal, e caducam se esta não for proposta no prazo de 30 dias ou se o pedido improceder. 3. Cabendo ao autor o ónus de provar o respectivo estado de necessidade e a relação que vincula o réu a tal prestação, a este incumbe convencer que os meios de que dispõe não permite satisfazê-la, total ou sequer parcialmente. 4. os alimentos provisoriamente fixados ficam sempre sujeitos a uma decisão definitiva, a proferir na acção principal, e caducam se esta não for proposta no prazo de 30 dias (art. 389º-nº1-a) CPC, ex vi art. 392º-nº1) ou se o pedido improceder. 5. Pendendo já execução por alimentos provisórios, a respectiva instância cessará sempre que a fixação deles fique sem efeito, por caducidade da providência, nos termos gerais 6. Aceite pelo credor de alimentos provisórios a imodificabilidade da decisão que fixara a definitiva cessação do seu direito, a respectiva audição prévia à declaração da extinção da instância preliminar carece de razão, por configurar acto/diligência contra a economia do processo e incapaz de atingir qualquer direito substancial ou expectativa razoável, perante a fatalidade daquela morte processual. | ||
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Decisão Texto Integral: | 11 ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES: I – RELATÓRIO 1. Aos 2007.01.18, J… intentou, por apenso a acção declarativa, acção executiva, com processo comum, sob a forma sumária, contra J…. 2. Pretendia obter o pagamento da quantia de 300 €/mês, fixada a título de alimentos provisórios, no valor total de 3 600 €, a partir de Fev/2006. 3. Após infrutífera pesquisa junto do Fisco, aos 2008.11.03, requereu a Exequente penhora em saldos de contas bancárias tituladas pelo Executado. Entretanto, com data de 2008.12.03, foi prolatada decisão que teve a instância por extinta, com fundamento em caducidade derivada da improcedência da acção principal, de 2008.10.16. 4. Irresignada, dela recorreu a Exequente, tendo elencado conclusões. Foi junta certidão da decisão da 1ª instância, que absolveu o R. do pedido alimentício, confirmado por acórdão desta Relação, de 2008.10.16, já transitado. O Recorrido nada contra-alegou. 5. Colhidos os legais vistos, cumpre apreciar e decidir. II – FUNDAMENTAÇÃO A) FÁCTICA Suporta a decisão a materialidade acima sumariada. B) JURÍDICA 1. A via recursiva apresenta-se ancorada na questão seguinte: · mesmo perante decisão transitada no sentido da improcedência da acção principal, ocorre preterição de formalidade essencial se a extinção do procedimento executivo foi determinado sem audição da contraparte. 2. a) O casamento baseia-se na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges (art. 1671º CC); ou seja, o nexo que preside às relações entre eles é de franca coordenação, sendo que ela se processará, tanto quanto possível, longe da intervenção do Tribunal, a não ser em casos contados, como o presente, este até de carácter simplesmente patrimonial (cfr. L. Beleza, Reforma do Código Civil, 105). Os cônjuges, durante a manutenção do vínculo matrimonial, estão reciprocamente obrigados pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência (art. 1672º); e, para além destes de carácter pessoal, outros há para cumprir, respeitantes aos de carácter patrimonial, como os ligados à administração dos interesses familiares. A prestação de alimentos devida ao cônjuge e ex-cônjuge, nos casos de separação de facto, de dissolução do casamento (comummente dita de manutenção), ou até de anulação do vínculo (cfr. arts. 2009º-nº1-a), 2015º, 2016º e 2017º CC), afere-se mais pela manutenção do seu trem de vida económica e social, a que ele faz jus como casado (ou ex-casado) com o devedor, do que pelas estritas necessidades do credor; ainda assim, tem de adaptar-se às reais possibilidades do devedor, computados os seus rendimentos de trabalho e outros (de capital e de bens de raiz, só a sacrificar em situações de manifesta necessidade); critério mais razoavelmente exigente funcionará em relação às situações de alimentos aos próprios filhos (p. ex., em que se imporá estimular mais fortemente a capacidade de trabalho do pai ou exigir a alienação de bens de raiz (cfr. A. Varela, Direito de Família, 337). Em princípio, só o cônjuge culpado (pela ruptura conjugal formal ou seu início) dá lugar à exoneração do dever de manutenção/assistência, por parte do cônjuge não ou menos culpado; na verdade, não sendo caso da aplicação da última parte do nº 3 do art. 1675º, este mantém o direito a que aquele lhe preste alimentos, mesmo que os não estivesse a exigir antes (cfr. Nazareth L. Guimarães, Reforma do CC, 190). Pelo que tem direito a receber alimentos do outro cônjuge: o cônjuge não considerado único ou principal culpado, quando o fundamento do divórcio for uma causa subjectiva, a separação de facto entre os cônjuges ou a ausência de um deles (art. 2016º-nº1-b) CC); qualquer dos cônjuges, se o divórcio tiver sido obtido por mútuo consentimento ou se, tratando-se de divórcio litigioso, ambos os cônjuges tiverem sido considerados igualmente culpados (art. 2016º-nº1-c); e, finalmente, mesmo que um dos ex-cônjuges não tenha direito a receber alimentos, pode o tribunal, com fundamento em equidade, por via da duração do casamento e da colaboração prestada à economia do casal, ainda assim, arbitrá-los (cfr. M. Teixeira de Sousa, O Regime Jurídico do Divórcio, 114). b) Como relação estruturalmente obrigacional, de cariz familiar, a obrigação alimentícia entende-se como um vínculo autónomo, de adstrição de uma pessoa perante outra a uma prestação que cubra o indispensável ao sustento, habitação e vestuário desta ou até a sua educação e instrução (art. 2003º CC); melhor: abrange tudo o que é indispensável à satisfação das necessidades da vida, segundo a situação social do alimentado. O direito a alimentos caracteriza-se, desde logo, pela ideia da sua actualidade; isto é, tem de traduzir correspondência cumulativa entre as necessidades do alimentando e as possibilidades do obrigado, situações essas já verificadas ou imediatamente previsíveis (art. 2004º), em função não só das exigências de sobrevivência, mas também do sexo, idade, saúde, nível de vida e posição social daquele (art. 2016º-nº3 CC). Cabendo ao autor o ónus de provar o respectivo estado de necessidade e a relação que vincula o réu a tal prestação, a este incumbe convencer que os meios de que dispõe não permite satisfazê-la, total ou sequer parcialmente. São devidos desde a partir do primeiro mês subsequente à data da dedução do respectivo pedido (art. 401º CPC), mantendo-se até ao pagamento da primeira prestação definitiva (art. 399º). Sendo a obrigação de alimentos accionada depois da dissolução do casamento, assume natureza indemnizatória e alimentar. A prestação correspondente tem características de dívida de valor, devendo apresentar expressão pecuniária atida à realidade actual, eventualmente reportado até ao do salário mínimo nacional. Incumbe ao demandado, em ordem a livrar-se da obrigação de prestar alimentos ao ex-consorte, o ónus da prova de que o divórcio é imputável em maior quota-parte, ao demandante; ao alimentando, por seu lado, cabe provar que o demandado tem possibilidade de satisfazer os alimentos, sem pôr em risco a sua própria manutenção condigna (art. 2009º-nº1-a) CC). c) A fixação de alimentos provisórios feita no incidente referido no art. 1407º-nº7 CPC é uma providência cautelar especialíssima; na verdade, com ela se tem por objectivo ou finalidade última garantir, enquanto não se encontrar a solução definitiva, a satisfação das necessidades do cônjuge carecido de alimentos. Há, no entanto diferenças significativas entre essa providência cautelar e a regulada nos arts. 388º a 392º CPC. Com efeito, enquanto aquela é julgada segundo critério de conveniência; e, ao contrário do que sucede quanto às providências cautelares comuns (cf. arts 384º e 382º-nº1-a) CPC), não requer a intentação de uma acção cujo objecto seja o próprio direito acautelado. Neste sentido TEIXEIRA de SOUSA, quando diz: "Como a providência cautelar de alimentos provisórios exige a propositura da acção de alimentos dentro do prazo de trinta dias a contar da notificação da decisão que os decretou (artigo 382 n. 1 alínea a), do Código de Processo Civil), mesmo que a providência tenha sido requerida no processo de divórcio litigioso, não é admissível, pela falta de identidade de formas processuais requerida pelo artigo 470º- nº, do Código de Processo Civil, formular na acção de divórcio o pedido de alimentos definitivos, dado que essa acção de alimentos segue a forma de processo comum e a acção de divórcio é um processo especial regulado nos arts. 1407º e 1408º do Código de Processo Civil. Deve ainda acrescentar-se que, em geral, não é adequado requerer a providência de alimentos provisórios antes ou durante a pendência da acção de divórcio litigioso, porque, como essa providência caduca se a acção de alimentos definitivos não for proposta no prazo de um mês após a notificação da decisão que decretou os alimentos provisórios (artigo 382 n. 1 alínea a), do Código de Processo Civil) e como o direito a alimentos depende, em princípio, da não declaração do cônjuge requerente na sentença de divórcio como único ou principal culpado na ruptura das relações conjugais (cfr. artigo 2016 n. 1 alínea a), do Código Civil), pode suceder frequentemente que essa providência já tenha caducado mesmo antes de ser possível intentar a acção definitiva" (cfr. O Regime Jurídico do Divórcio, 1991, pág. 97). Por seu lado, a última apresenta-se como um procedimento cautelar específico, obedecendo a critérios de legalidade estrita e sendo sempre dependência de uma causa, em que, principal ou acessoriamente, se peçam alimentos (art. 393º CPC), de tal modo que os alimentos provisoriamente fixados ficam sempre sujeitos a uma decisão definitiva, a proferir na acção principal, e caducam se esta não for proposta no prazo de 30 dias (art. 389º-nº1-a) CPC, ex vi art. 392º-nº1) ou se o pedido improceder. Pendendo já execução por alimentos provisórios, a respectiva instância cessará sempre que a fixação deles fique sem efeito, por caducidade da providência, nos termos gerais (cfr. art. 1120º CPC, na redacção do DL nº 329-A/95 de 1995.12.12); todavia, em caso algum haverá lugar à restituição das quantias recebidas a título de alimentos provisórios (art. 2007º-nº2 CC). 3. a) Como a Agravante reconheceu, o título executivo que suportava a instância fora obtido na providência cautelar específica de alimentos provisórios (como preliminar da acção que veio a intentar); mas desapareceu na sequência de decisão transitada, proferida na acção de alimentos definitivos por ela intentada, que julgou improcedente o respectivo pedido e que provocou a extinção do respectivo direito creditório-alimentar (art. 389º-nº1-c) CPC). Mantém, ainda assim, a pretensão ao prosseguimento da instância executiva – vejamos se com suficiente bondade - invocando haver sido cometida preterição de formalidade essencial – a sua não audição prévia à decisão sindicada que declarou extinta a instância por inutilidade superveniente ou impossibilidade da lide. Sabe-se que, coberta pela natureza do caso julgado material a decisão proferida sobre o mérito ou o fundo substancial da causa, já não é possível rediscuti-la mais tarde (esgotadas que ficaram as vias do recurso ordinário ou da reclamação), dentro ou fora do processo (cfr. arts. 671º-nº1 e 813º-h) CPC), por outro ou pelo mesmo tribunal; assim se acautela a segurança e certeza do direito, se prestigia a justiça e se previne o risco de decisão inútil (cfr. 675º CPC). b) Entre os princípios essenciais do processo civil avulta o do contraditório; em função dele, nenhuma prova deve ser aceite em audiência e nenhuma decisão deve ser tomada sem que tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade ao sujeito processual contra quem é dirigida de a discutir, contestar e valorar (Parecer da Com. Constitucional nº 18/81). A garantia do exercício do direito do contraditório, visa, como princípio estruturante da lei adjectiva, evitar decisões surpresa, ou seja, baseadas em fundamentos que não tenham sido previamente considerados pelas partes (art. 3º-nº3 CPC). A violação da garantia do exercício desse direito consubstancia uma nulidade de natureza processual; tendo essa nulidade sido cometida em plena sentença, deve ela ser arguida ou invocada, no prazo de 10 dias (arts. 205º, 668 e 685º). Tendo aceite a imodificabilidade da decisão que fixara a definitiva cessação do seu direito, a respectiva audição prévia à declaração da extinção da instância preliminar carecia de razão, por configurar acto/diligência contra a economia do processo e incapaz de atingir qualquer direito substancial ou expectativa razoável, perante a fatalidade daquela morte processual e o contra senso da suposta expiação, à conta da pendência do formal litígio. Em vez de desvio a ritualismo imposto, deve ver-se naquela omissão caminho acertado para atingir prestemente o destino sem escolha, por já decorrente daqueloutra sentença confirmada neste Tribunal. Daí que deva a via recursória soçobrar, por usada sem fundamento bastante. IV – DECISÃO Em conformidade: i. tem-se por improvido o agravo e ii. julga-se confirmada a decisão. Custas pela sucumbente. Guimarães, 2009.04.30, |