Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ROSA TCHING | ||
Descritores: | LEGADO QUOTA DISPONÍVEL LEGADO EM LUGAR DA LEGÍTIMA | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 04/21/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1º- A afirmação exarada em testamento público de que a testadora declarou, naquele acto, ser devedora à sua filha Amélia da Mota Almeida da quantia de 1.500.000$00, que esta lhe emprestou, faz apenas prova plena de que foi feita esta afirmação. 2º- E, ainda que essa afirmação, documentada no testamento, constitua confissão, nos termos do art. 352º do C. Civil, trata-se, todavia, de confissão extrajudicial, pelo que, de harmonia com o disposto no art. 355º, n.º4 do mesmo diploma legal, a força probatória dessa confissão é apreciada livremente pelo tribunal. 3º- No legado por conta da quota disponível ou com dispensa de colação, há da parte do testador a manifestação da vontade no sentido de beneficiar o legatário e este nada confere, sem prejuízo de o legado poder vir a ser reduzido por inoficiosidade. 4º- No legado por conta da legítima, o testador não atribui ao legatário qualquer prevalência quantitativa em relação aos demais herdeiros seus; apenas lhe antecipa a quota hereditária no todo ou em parte, preenchendo-a com os bens legados; assim o legatário haverá de conferir todo o objecto do legado. 5º- Diferentemente, no legado em substituição da legítima, o legitimário não recebe a legítima preenchida embora desta ou daquela maneira: recebe um legado, em que se esgotará toda a sua posição. Fica portanto a ser legatário, e não herdeiro. 6º- Na falta de indicação expressa no testamento e se o contrário não resultar da interpretação deste, o legado deixado a um legitimário é de imputar na legítima e não na quota disponível. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães No 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Verde, pendem autos de inventário para partilha dos bens que ficaram por óbito de "A". Na sequência da tramitação legal, foi realizada conferência de interessados, no âmbito da qual e após a cabeça de casal ter apresentado nova relação de bens, em substituição das apresentadas a fls. 47 e 61, pelos interessados "B" e "C" foi dito que, não obstante o exarado no testamento público da inventariada junto a fls. 48, não aprovam a dívida constante da relação do passivo, no montante de € 7.481,97, em virtude de nem a pretensa credora ter dinheiro para emprestar à inventariada, nem as obras efectuadas na casa relacionada sob a verba nº l terem sido custeadas pela falecida, mas antes pela Junta de Freguesia, Câmara Municipal e Cruz Vermelha Portuguesa. Pelos mesmos interessados foi ainda dito que pretendem licitar no bem legado descrito sob a verba número um. Ouvida a legatária e credora do passivo Amélia ..., por esta foi declarado que aprova o passivo relacionado e não se opõe à licitação no bem legado. Face à pretensão dos interessados, à impossibilidade de acordo e à não oposição da legatária, o Excelentíssimo Juiz, nos termos dos art°s 1353/1, 1363/1 e 1370 todos do C.P.C. ordenou se procedesse à licitação sobre os imóveis relacionados, incluindo o legado. Abertas as licitações entre os interessados verificou-se o seguinte resultado: a) - A verba n.° l (um) foi licitada pela legatária AMÉLIA ..., pelo valor de €24.940,00 (vinte e quatro mil, novecentos e quarenta euros); b) - A verba n.° 2 (dois) foi licitado pelo interessado JOAQUIM ..., pelo valor de €75,00 (setenta e cinco euros). Foi proferido despacho determinativo da partilha – cfr. fls. 107 e 108- com o seguinte teor: “1. Procede-se a inventário por morte de "C" falecida em 28.9.92, no estado de viúva. Sucederam-lhe 3 filhos. Em testamento público datado de 12.11.1970 a inventariada declarou: - ser devedora à sua filha Amélia ... de 1.500.000$00, que a sua filha lhe emprestou; - legar a essa sua filha um prédio misto e o rústico, este último vendido entretanto pela intenvariada (fls. 52). Foi descrito passivo, parcialmente aprovado em conferência de interessados. Procedeu-se a licitações sobre todos os bens, inclusive os legados, sem oposição da legatária. 2. Questões Prévias 2.1. Legado do imóvel rústico - Bouça do Vale de Mondim Constatando-se que este bem não existia no património da falecida à data da sua morte tendo sido alienado pela mesma em 1991 (fls. 52), é, nessa parte, nulo e ineficaz o respectivo legado (cf. art. 289° e 2254°, n° 1, do Cód. Civil). 2.2. Legado do imóvel misto licitado Tendo em conta o disposto no art. 1366°, n° 3, do Cód. Proc. Civil, apesar de licitado, mantém a legatário o direito ao seu valor, contrariamente ao que defende o interessado Joaquim. 2.2. Passivo relacionado No que diz respeito à quota-parte aprovada, considera-se reconhecida de acordo com as disposições conjugadas dos arts. 1354°, n° 1, e 1356°, do Cód. Proc. Civil. No que toca à parte não aprovada, ponderando a prova documental autêntica produzida nos autos - consubstanciada no testamento público junto a fls. 48 e ss. - considero assente que a interessada Amélia Mota emprestou à falecida a quantia de 1.500.000$00, de que esta se confessou devedora (cf. arts. 341°, 342°, 363°, 371°, 1142° e1143° , do Cód. Civil). Com essa prova é, com segurança, possível reconhecer tal obrigação pecuniária da herança da devedora/inventariada para com a interessada acima identificada. 3. Forma da Partilha Face ao exposto, deve proceder-se à partilha da forma que seguidamente se enuncia. Somam-se os valores dos bens (tendo em conta os valores obtidos na conferência de interessados) e divide-se o montante encontrado por 3, sendo um terço a quota disponível da falecida. Os restantes 2/3, que constituem a herança a partilhar, serão, por sua vez, divididos em 3 partes iguais, que se atribuem a cada um dos herdeiros/filhos. Na referida quota disponível imputar-se-á a disposição testametária a título de legado (verba n° 1). No caso de esta ultrapassar o seu valor, imputa-se o restante na legítima da legatária e só o excesso, se o houver, será considerado para efeitos de redução, nos termos dos arts. 2168° e ss., do Cód. Civil. Observar-se-á, quanto aos preenchimentos, as licitações havidas. O passivo aprovado pelos interessados parcialmente será pago/reposto pelo(s) aprovante(s) na proporção do(s) seu(s) quinhão(ões). O passivo reconhecido, na parte não aprovada, será paga por todos os interessados nos mesmos termos. N.” Elaborado o mapa da partilha foi proferida sentença homologatória da partilha constante do mapa de fls. 116 a 118, adjudicando aos interessados os quinhões que naquele lhes foram atribuídos. Não se conformando com esta decisão e para possibilitar a impugnação do despacho determinativo da partilha, dela, atempadamente apelou o interessado, Joaquim ..., terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que se transcrevem: “1ª- Nos termos do art.° 1355° aplicável ex vi do art.º 1356°, ambos do Cod. Proc. Civil, o Juiz conhecerá da existência da dívida não aprovada por todos ou alguns dos interessados quando a questão puder ser resolvida com segurança pelo exame dos documentos apresentados. 2ª - Ora, a dívida relacionada e não aprovada consta de um testamento outorgado em 12/11/1990 que só produz efeitos a partir da morte da testadora que ocorreu em 30/09/1992. 3ª - Nada garante, portanto, que a dívida, se dívida houvesse, não tivesse sido paga em vida da testadora. 4.ª- Seria, pois, necessária produção de prova ou, até, a remessa dos interessados para os meios processuais comuns, para, com a profundidade necessária, se averiguar se foi ou não a Junta de Freguesia, a Câmara Municipal e a Cruz Vermelha Portuguesa quem custeou as obras da casa ou se, tendo sido a alegada credora e cabeça-de-casal a pagá-las, a dívida já foi paga em vida da testadora. 5ª- O testamento, só por si, não é, pois, documento idóneo nem bastante para provar a dívida, designadamente para o seu reconhecimento se fazer com total segurança. POR OUTRO LADO. 6ª- O bem constante da verba n.° l da relação de bens de fls 100, foi legado pela inventariada à filha da testadora e, por isso, sua presuntiva herdeira legitimaria. 7ª- Sendo certo que do teor do testamento se não vislumbra que a testadora tivesse querido desigualar a legatária relativamente aos restantes filhos. 8ª- Designadamente, do testamento não consta que a deixa seria imputada na quota disponível da autora da herança ou que o legado seria em substituição da legítima da legatária. 9ª- Logo, e tal como acontece nas liberalidades em vida, a deixa deve ser imputada na quota legitimaria da legatária e nada mais. 10ª- Assim ao reconhecer e, consequentemente, ao condenar o Apelante na quota-parte de uma dívida cuja existência é controversa, em vez de mandar produzir prova no inventário ou remeter os interessados para os meios comuns, o Mmº Juiz Recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, os arts.º 1355° e 1.356° do Cód. Proc. Civil. 11ª- E ao ordenar, no despacho determinativo da partilha, que o legado fosse imputado, em primeira linha na quota disponível da inventariada e, o excesso, na sua quota legitimaria, o Mmº Juiz Recorrido violou as normas dos arts. 2162° e 2.144° n.° l, este aplicável por analogia às liberalidades por morte. 12.ª - Tal deixa, porque à data da outorga do testamento a legatária era já presuntiva herdeira legitimaria da testadora, deverá ser imputada na sua quota legitimaria. A final pede seja dado provimento ao recurso, revogando-se a sentença homologatória da partilha constante destes autos e ordenando-se a substituição do, aliás, douto despacho determinativo da partilha de fls. 107 e 108 por outro em que, relativamente à dívida relacionada e não aprovada, se convidem os interessados a produzir prova no processo ou se remetam para os meios processuais comuns para se averiguar da sua existência ou do seu eventual pagamento e ainda que o bem legado seja imputado na quota legitimaria da legatária por forma a que o valor total dos bens se divida em três partes iguais, por tantos serem os filhos da inventariada, repondo a legatária tornas aos demais interessados no que exceder a sua quota legitimaria. Não foram apresentadas contra-alegações. Foi proferido despacho de sustentação. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir: FUNDAMENTAÇÃO: Como é sabido, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente – art. 660º, n.º2, 684º, n.º3 e 690º, n.º1, todos do C. P. Civil - , só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras, eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas. Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respectivamente. Assim, as únicas questões a decidir nos presentes autos, traduzem-se em saber se 1ª- o testamento constitui prova bastante da existência de dívida 2ª- o legado há-de ser imputado em substituição da legítima. I- A primeira questão prende-se com o poder que o juiz tem, nos termos do disposto no art. 1355º do C. P. Civil, de reconhecer a existência de dívidas, pelo que importa tecer algumas considerações prévias a este respeito. Dispõe o citado preceito legal que “Se todos os interessados forem contrários à aprovação da dívida, o juiz conhecerá da sua existência quando a questão puder ser resolvida com segurança pelo exame dos documentos apresentados”. Tal como ensina, Lopes Cardoso In, “Partilhas Judiciais”, Vol. II, págs. 139 e 140., “Através desta norma, pretende-se obstar à desaprovação de dívidas por capricho, sem razões convincentes. Desde que o juiz obtém a segurança da sua existência, decide respeitantemente a ela; se a não obtém, guarda-se de emitir pronúncia e condenação. A decisão condiciona-a a lei á produção da prova documental e só desta espécie de prova (...)”. E ter-se-á de proceder, do mesmo modo, relativamente ás situações de falta de aprovação de dívidas por parte de todos os interessados. Todavia, se houver divergência entre os interessados sobre a aprovação de dívidas, estabelece o art. 1356º do C. P. Civil, que “aplicar-se-á o disposto no art. 1354º á quota-parte relativa aos interessados que a aprovem; quanto á parte restante, será observado o determinado no art. 1355º”. Acresce que, como ensina Lopes Cardoso In, “Partilhas Judiciais”, vol. II,3ª ed., pág. 141. , mau grado a não aprovação de dívida em inventário ou o seu não reconhecimento pelo juiz, aos credores não ficam tolhidos os meios comuns para obterem o pagamento do que afirmam ser-lhes devido. Da desaprovação ou do não reconhecimento pelo juiz apenas resulta que não poderão obtê-lo no processo de inventário, mas dela não advém qualquer caso julgado, ou autoridade de caso julgado que obste à instauração das acções competentes. Por fim, cumpre salientar que, reportando-se a abertura da herança ao tempo do falecimento do “de cujus”, não deve reconhecer-se as dívidas activas constituídas posteriormente á sua morte. Só são de atender às dívidas que obrigam a herança indivisa. Na verdade, o princípio básico da reclamação de créditos no inventário é que sejam aprovados e pagos os créditos dos credores da herança. Assim, aplicando estes ensinamentos cumpre decidir se é de aprovar a dívida relacionada, na parte não aprovada por todos os interessados. O Mmº Juiz a quo reconheceu esta dívida, na parte não aprovada, porque face ao testamento público junto a fls. 48 e ss, que entendeu constituir prova documental autêntica, considerou assente que a interessada Amélia ... emprestou à falecida a quantia de 1.500.000$00, de que esta se confessou devedora (cf. arts. 341°, 342°, 363°, 371°, 1142° e 1143° , do Cód. Civil). E com base nessa mesma prova, concluiu ser possível reconhecer, com segurança, tal obrigação pecuniária da herança da devedora/inventariada para com a interessada acima identificada. Que dizer? Do documento junto a fls. 48 e segs. dos presentes autos, resulta que, em testamento público datado de 12.11.1970, a inventariada declarou: ser devedora à sua filha Amélia ... de 1.500.000$00, que esta lhe emprestou. De harmonia com o disposto no art. 371º, n.º1 do C. Civil, os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que neles estão atestados com base nas percepções da entidade documentadora. Sendo o testamento público documento autêntico, atento o disposto no art. 363º, n.º1 e 2 do C. Civil, a afirmação nele feita de que a testadora declarou, naquele acto, ser devedora à sua filha Amélia ... da quantia de 1.500.000$00, que esta lhe emprestou, faz prova plena desta afirmação. Na verdade, a realidade desta afirmação cabe nas percepções do notário. No entanto, de tal não resulta que o afirmado coincida com a realidade, isto é, que a Amélia ... haja, efectivamente, emprestado a aludida de 1.500.000$00 á inventariada. . Embora a entrega desta quantia seja um facto susceptível de ser apreendido pelo notário, a força probatória material do documento só cobriria este acto se fosse praticado na presença do notário e por ele atestado no testamento. Ou seja, a força probatória plena do testamento só se comunicaria ao empréstimo da dita quantia, se a mesma quantia tivesse sido entregue pela Amélia ... á testadora na presença do notário e se este tivesse atestado tal facto no testamento público. E, ainda que essa afirmação, documentada no testamento, constitua confissão, nos termos do art. 352º do C. Civil Segundo o qual “Confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária”., trata-se, todavia, de confissão extrajudicial segundo o disposto no art. 355º, n.º4 “Confissão extrajudicial é a feita por algum modo diferente da confissão judicial”. do mesmo diploma legal. Ora, quanto à força probatória material da confissão extrajudicial contida em testamento, dispõe o art. 355º, n.º4 do C. Civil, que tal confissão é apreciada livremente pelo tribunal. Quer isto dizer que a confissão feita em testamento não tem força probatória plena, podendo, por isso, ser contrariada por quaisquer outros meios de prova, fora do processo de inventário. Assim e ao contrário do decidido pelo Mmº juiz a quo, julga-se não ser possível, com base unicamente naquela prova, reconhecer, com segurança, a existência de tal obrigação pecuniária da herança da devedora/inventariada para com a interessada acima identificada. É que se tivermos em conta que o testamento em causa data de 12.11.1970 e que a inventariada faleceu em 28.9.1992 (volvidos, portanto, quase 22 anos), pode até dar-se o caso dessa dívida já ter sido em vida da inventariada. Deste modo, é nosso entendimento que o Mmº Juiz a quo não poderia ter reconhecido a existência da dívida relacionada relativamente à quota-parte dos interessados que não a aprovaram, pelo que de acordo com o disposto no art. 1360º do C. Civil, não poderá a mesma ser tomada em conta no processo de inventário, nomeadamente para efeitos de determinação do seu pagamento. Daí procederem as 1ª a 5ª e 10ª conclusões do apelante. II- Quanto à segunda questão, sustenta o apelante que, não constando do testamento que o legado deixado à filha Amélia seria por conta da quota disponível da autora da herança ou que o legado seria em substituição da legítima da legatária, tal deixa deverá ser imputada na quota legitimária da legatária, pois que à data da outorga do testamento a legatária era já presuntiva herdeira legitimária da testadora. Cremos assistir-lhe, pelo menos em parte, razão. E para um melhor esclarecimento da questão, importa estabelecer a diferença entre cada uma destas figuras jurídicas. Os legados podem ser feitos por força da quota disponível, por conta da legítima ou em substituição da legítima. No legado por conta da quota disponível ou com dispensa de colação, consentido pelo disposto no art. 2113º, n.º1 do C. Civil, há da parte do testador a manifestação da vontade no sentido de beneficiar o legatário e este nada confere, sem prejuízo de o legado poder vir a ser reduzido por inoficiosidade Neste sentido, vide, Lopes Cardoso, in, “Partilhas Judiciais”, 3ª ed. , Vol. II, pág 353.. No legado por conta da legítima, o testador não atribui ao legatário qualquer prevalência quantitativa em relação aos demais herdeiros seus; apenas lhe antecipa a quota hereditária no todo ou em parte, preenchendo-a com os bens legados; assim o legatário haverá de conferir todo o objecto do legado Neste sentido, vide Lopes Cardoso in, obra e local citados.. Por sua vez, ensina, Oliveira Ascensão In, “Direito das Sucessões”, 1979, pág. 463. que “existe um legado por conta da legítima, quando o de cujus compõe, através de legados, um quinhão legitimário, no todo ou em parte. O legitimário, neste caso, não perde o direito á legítima, e nomeadamente não perde a qualidade de herdeiro. Porém, em vez de ter unicamente o direito a uma quota, que seria preenchida na partilha, torna-se seguro logo com a aceitação que na sua quota cabem determinados bens.” “A lei prevê implicitamente esta situação no art. 2163º, ao determinar que o testador não pode designar os bens que devem preencher a legítima contra a vontade do herdeiro. Daqui se deduz claramente que, havendo aquiescência do herdeiro, é válido o preenchimento da legítima feito pelo de cujus. A isto se contrapõe a figura do legado em substituição da legítima contemplada no art. 2165º do C. Civil. Aí, como refere Oliveira Ascensão Obra citada, pág. 466., “o legitimário não recebe a legítima preenchida embora desta ou daquela maneira: recebe um legado, em que se esgotará toda a sua posição. Fica portanto a ser legatário, e não herdeiro”. Todavia só perante cada caso concreto se poderá concluir que estamos perante uma ou outra situação. Quer isto dizer que, na falta de indicação expressa no testamento, só a interpretação deste nos pode deixar apreender a intenção do testador de afastar o sucessível da herança, de o limitar ás forças daquele legado. Se assim acontecer teremos, então, um legado em substituição da legítima. Importa, porém, salientar, como ainda o faz Oliveira Ascensão In obra e local citados. , que “essa intenção nunca é de presumir. Na dúvida, deve sempre entender-se que se está perante um legado por conta, e não em lugar da legítima.” Do mesmo modo, ensina Pereira Coelho In, “Sucessões”, 1966, pág. 260., que “as liberalidades feitas a um legitimário são de imputar na legítima e não na quota disponível”. Daqui decorre que, não contendo o testamento em causa qualquer elemento indicativo duma ou doutra intenção por parte da testadora/inventariada, na dúvida, deve entender-se o legado deixado à sua filha Amélia como sendo por conta da legítima. Significa isto que, também nesta parte, não pode ser mantido o despacho determinativo da forma à partilha proferido pelo Mmº Juiz a quo, o qual deverá ser substituído por outro despacho que tenha em consideração o seguinte: “O acervo a partilhar é constituído pela totalidade do somatório dos valores dos bens relacionados com o aumento proveniente das licitações. Divide-se esta totalidade em três partes iguais, representando uma terça parte, a quota disponível da inventariada e constituindo as restantes duas terças partes a quota indisponível, ou seja, a legítima da inventariada. Divide-se uma (1/3) e outra quotas (2/3) em partes iguais, pelos três filhos da inventariada, que lhe sucedem por direito próprio. A parte que, da quota legitimária, fica a caber à filha, Amélia ..., é preenchida pelo valor do bem doado. No caso de este ultrapassar o seu valor, imputa-se o excedente no quinhão hereditário que à mesma fica a caber da quota disponível da inventariada, e só o excesso, se o houver, será considerado para efeitos de redução, nos termos do disposto nos artigos 2168º e 2174º, ambos do C. Civil. Observar-se-á, quanto aos preenchimentos, as licitações havidas. O passivo aprovado pelos interessados parcialmente será pago/reposto pelo(s) aprovante(s) na proporção do(s) seu(s) quinhão(ões)”. Nesta conformidade, procedem as 6ª a 9ª , 11ª e 12ª conclusões do apelante. CONCLUSÃO: Do exposto pode extrair-se que: 1º- A afirmação exarada em testamento público de que a testadora declarou, naquele acto, ser devedora à sua filha Amélia ... da quantia de 1.500.000$00, que esta lhe emprestou, faz apenas prova plena de que foi feita esta afirmação. 2º- E, ainda que essa afirmação, documentada no testamento, constitua confissão, nos termos do art. 352º do C. Civil, trata-se, todavia, de confissão extrajudicial, pelo que, de harmonia com o disposto no art. 355º, n.º4 do mesmo diploma legal, a força probatória dessa confissão é apreciada livremente pelo tribunal. 3º- No legado por conta da quota disponível ou com dispensa de colação, há da parte do testador a manifestação da vontade no sentido de beneficiar o legatário e este nada confere, sem prejuízo de o legado poder vir a ser reduzido por inoficiosidade. 4º- No legado por conta da legítima, o testador não atribui ao legatário qualquer prevalência quantitativa em relação aos demais herdeiros seus; apenas lhe antecipa a quota hereditária no todo ou em parte, preenchendo-a com os bens legados; assim o legatário haverá de conferir todo o objecto do legado. 5º- Diferentemente, no legado em substituição da legítima, o legitimário não recebe a legítima preenchida embora desta ou daquela maneira: recebe um legado, em que se esgotará toda a sua posição. Fica portanto a ser legatário, e não herdeiro. 6º- Na falta de indicação expressa no testamento e se o contrário não resultar da interpretação deste, o legado deixado a um legitimário é de imputar na legítima e não na quota disponível. DECISÃO: Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se o despacho determinativo da partilhe, na parte em que deu por reconhecida a dívida não aprovada da herança para com a interessada Amélia e em que imputou o legado deixado à interessada Amélia ... na quota disponível da inventariada, e, consequentemente todo o processado subsequente, incluindo a sentença homologatória da partilha, devendo ser proferido novo despacho determinativo da partilha em conformidade com o que se deixou dito. Custas da presente apelação a cargo da herança. Guimarães, |