Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2318/03.1TBFLG-B.G1
Relator: RAQUEL RÊGO
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
RENÚNCIA
MANDATÁRIO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/20/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I – A inércia da embargante em constituir novo mandatário não pode significar um meio legal de entorpecimento da justiça, permitindo àquele, que nisso tem interesse, obstar ao prosseguimento de um processo que, de outro modo, não conseguiria.
II - Dado terem a virtualidade de suspender a execução, a falta de constituição de novo mandatário por parte do embargante, após renúncia, não pode conduzir à suspensão da instância dos embargos por se traduzir em fim contrário à lei.
III - Tendo a embargante sido notificada para constituir novo mandatário, o que não fez, ocasionou a verificação de uma excepção dilatória, do conhecimento oficioso, que conduz à absolvição da instância dos embargados e, a seu tempo, à prossecução da acção executiva.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I - Relatório

Pelo Sr. Juiz do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Felgueiras foi proferido o seguinte despacho:

«Por requerimento constante de fls. 390, veio o ilustre mandatário da Embargante, renunciar à procuração, nos termos do art. 39º do C.P.C.
Devidamente notificada, a Embargante, no prazo que lhe foi concedido, nada veio dizer ou requerer, nem constitui novo mandatário.
Uma vez que estamos perante um processo em que é obrigatória a constituição de mandatário, e atento o disposto no art. 39º, nº3 do C.P.C., declara-se suspensa a presente instância».

Com ele não se conformando, veio agravar a exequente/embargada C.

Nas correspondentes alegações, a recorrente concluiu do seguinte modo:

- Instaurados os Embargos de Terceiro, a exequente, aqui agravante, contestou-os e, nessa mesma contestação, invocou, por via de excepção, a simulação do negócio e ainda, de forma subsidiária, a ineficácia do mesmo (impugnação pauliana).
- Pelo menos por duas vezes, em momentos diferentes, o mandatário da embargante renunciou à procuração, sempre antes que a audiência de julgamento fosse levada a efeito.
- A exequente/embargada requereu de imediato que ao Tribunal procedesse à notificação da embargante para constituir novo mandatário, no prazo e sob a cominação da lei, acrescentando que estamos em presença de um caso em que é obrigatória a constituição de mandatário e, como tal, a falta de constituição no prazo a conceder importará que os embargos sejam declarados findos e a execução siga os seus termos normais.
- Notificada a embargante, esta nada veio dizer nem ou requerer, nem constituiu novo mandatário, quer no prazo concedido, quer posteriormente.
- Como os Embargos de Terceiro são um enxerto declarativo numa acção executiva e configuram uma verdadeira acção declarativa, autónoma e especial e a embargante assume a figura de Autora, se o seu mandatário renuncia à procuração, isso funciona como se numa acção declarativa comum o advogado do Autor renunciasse à mesma. Portanto,
- A falta de constituição de mandatário nas referidas circunstâncias determina a absolvição da embargada da instância e que se dê sem efeito os Embargos de Terceiro e nunca uma mera suspensão da instância (artºs 33º e nº 3 do artº 284º do CPC). Ou seja,
- A falta de constituição de mandatário tem os mesmos efeitos que a falta de constituição inicial (nº 3 do artº 284º do CPC).
- Ainda que assim não fosse, quando muito a solução passaria pela aplicação do disposto no nº6 (última parte) do artº 39º do CPC. Com efeito,
- A suspensão da instância devida à inércia do autor na constituição de novo mandatário não pode obstar ao seguimento contra ele do pedido reconvencional, decorridos que sejam dez dias sobre a suspensão da causa.
- No caso em apareço, e se vier a entender-se que não estamos perante um caso de absolvição da instância, pelo menos deve o despacho ser lavrado no sentido de ordenar o seguimento dos autos de embargos de terceiro, apenas para apreciação do pedido reconvencional (matéria de excepção), nos termos do nº6 do artº 39º do CPC.
- O despacho recorrido faz uma errada interpretação das normas ali invocadas e violou o disposto nos artºs 33º, 39º, 40º-2, 284º-3 e 494º-h) do CPC.

Termina pedindo a revogação do despacho sob censura, substituindo-se por um outro que determine a absolvição da embargada da instância e dê sem efeito os Embargos de Terceiro instaurados.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
O Senhor Juíz sustentou o despacho em causa.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II – Factos Provados

Para tanto, considera-se provado o seguinte:
1. No Tribunal Judicial de Felgueiras a recorrente instaurou execução contra os executados M e L.
2. Tendo sido penhorado o prédio rústico devidamente identificado na petição, veio I deduzir os presentes embargos de terceiro, arrogando-se propritária do mesmo.
3. Estes embargos foram recebidos, tendo sido declarada suspensa a execução quanto a ele, por despacho de 17.06.2004.
4. Notificada, a exequente/agravante veio apresentar contestação e, nessa mesma contestação, invocou, por via de excepção, a simulação do negócio e ainda, de forma subsidiária, a ineficácia do mesmo (impugnação pauliana).
5. Os autos seguiram os seus termos com elaboração dos Factos Assentes e da Base Instrutória e, designado dia para a audiência de julgamento, veio o I. Mandatário da embargante renunciar ao respectivo mandato.
6. A agravante/embargada requereu a notificação da embargante para constituir novo mandatário, no prazo e sob a cominação da lei.
7. Notificada a embargante, nada veio dizer ou requerer, nem constituiu novo mandatário, quer no prazo concedido, quer posteriormente.
8. Foi, então, declarada suspensa a instância, ao abrigo do estatuído no artº 284º, nº3, do Código de Processo Civil.
9. Perante ele, mediante requerimento da exequente, foi proferido despacho a notificar a embargante «para, em 10 dias, constituir novo mandatário sob pena de a sua falta ter os mesmos efeitos que a falta de consituição inicial – cf. artº 283º, nº3, do C.P.C.».
10. A embargante constituiu novo mandatário que, poucos dias antes da nova data de julgamento, veio, também ele, renunciar ao mandato.
11. De novo a agravante requereu a notificação da embargante para constituir novo mandatário, o que foi feito, com a cominação de, não o fazendo, a instância se suspender, com a consequente continuação da instância executiva.
12. Apesar disso, a embargante não constituiu novo mandatário, pelo que foi proferido despacho declarando suspensa a instância.
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III – O Direito

Na presente acção impõe-se decidir qual a consequência jurídica que advém da circunstância de um embargante de terceiro não ter constituído novo mandatário, após renúncia do anterior.
E, como é bom de ver, esta questão, tão pragmática, só se coloca por o nosso legislador não ter expressamente configurado esta situação e, consequentemente, não ter estabelecido resposta legal directa para a mesma.
No nosso sistema processual civil deparam-se-nos algumas normas que abordam a problemática da inexistência, irregularidade ou renúncia do mandato forense, cujo conteúdo, devidamente articulado, nos poderá apontar o caminho a seguir, tendo em vista alcançar solução jurídica que vá de encontro ao querer do legislador.
São elas as dos artigos 33º, 39º, 40º, 284º, nº3, 288º, nº1, e) e 494º, h).
De todos estes preceitos decorrem, sem qualquer margem para dúvidas, duas conclusões: a primeira é a de que a inércia da parte em constituir mandatário, nas causas em que é obrigatória, acarreta consequências e cominações para a mesma; a segunda é a de que essa inércia não pode, de modo algum, significar um meio legal de entorpecimento da justiça, permitindo àquele, que nisso tem interesse, obstar ao prosseguimento de um processo que, de outro modo, não conseguiria.
Ora, aqui chegados, verificamos que, de acordo com o estatuído no artº 39º, nº3, do Código de Processo Civil, «Nos casos em que é obrigatória a constituição de advogado, se a parte, depois de notificada da renúncia, não constituir novo mandatário no prazo de vinte dias, suspende-se a instância, se a falta for do autor; se for do réu, o processo segue os seus termos, aproveitando-se os actos anteriormente praticados pelo advogado».
Certamente tendo em conta que os embargos de terceiro se configuram como uma acção declarativa (cf. artº 357º), o Sr. Juiz a quo aplicou o último normativo citado e declarou suspensa a instância, posto que a embargante, apesar de notificada para tanto, não constituiu novo mandatário.
Contra isso se insurge a recorrente e cremos que se impõe dar-lhe razão.
Na verdade, ao contrário de uma qualquer acção declarativa normal, nos embargos de terceiro a suspensão da instância pode, e quase sempre significará, um “prémio” precisamente para a parte que se votou ao alheamento do processo. É que, como sabemos, por força do disposto no artº 356º do Código de Processo Civil, o despacho que receba os embargos determina a suspensão dos termos do processo em que se inserem, quanto aos bens a que dizem respeito.
Portanto, suspensa a instância (que perdurará pelo largo tempo previsto na lei, se o embargante assim o quiser), fica automaticamente suspensa a execução relativamente aos bens a que se reportam os embargos.
E, por essa via, está acautelado o direito do embargante (hipoteticamente, até, em conluio com o executado) e está obstado o direito do exequente de se ver ressarcido do seu crédito.
Manifestamente, não é possível conferir tutela jurídica a situações deste cariz!
Daí que, na ponderação dos interesses em jogo, no equilíbrio das normas processuais e na primazia do direito, sejamos levados a concluir o seguinte:
Os presentes autos são de constituição obrigatória de advogado – artº 32º do Código de Processo Civil.
Os embargos de terceiros, pese embora a sua tramitação como acção declarativa após o seu recebimento (artº 357º do Código de Processo Civil), não deixam de constituir um incidente da acção executiva (inserido no capítulo III-Incidentes da Instância) e, por isso, não lhes pode ser aplicado, sem mais, o regime consignado no nº3 do artº 39º.
Dado terem a virtualidade de suspender a execução, a falta de constituição de novo mandatário por parte do embargante, após renúncia, não pode conduzir à suspensão da instância dos embargos por se traduzir em fim contrário à lei.
Do mesmo modo, também se julga não ser de enquadrar no regime do pedido reconvencional, posto que não se trata de um verdadeiro pedido dirigido contra o exequente, mas antes da defesa de uma posição jurídica incompatível com a do exequente e a do executado.
Finalmente, crê-se não ser de aplicar o previsto no artº 284º, nº3, dado que a instância dos embargos não tinha sido, ainda, declarada suspensa e é precisamente contra o despacho que a declara que, agora, se insurge a apelante.
Sabemos a falta de constituição de advogado, nas causas em que e obrigatória, constitui uma excepção dilatória nominada, prevista no artº 494º, h).
As excepções dilatórias conduzem à absolvição do réu da instância, de acordo com o artº 288º, nº1, e), do Código de Processo Civil.
Consequentemente, tendo a embargante sido notificada para constituir novo mandatário, o que não fez, ocasionou a verificação de uma excepção dilatória, do conhecimento oficioso, que conduz à absolvição da instância dos embargados e, a seu tempo, à prossecução da acção executiva, tudo nos termos dos artºs 288º, nº1, e) e 494º, h).
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IV – Decisão:

Nestes termos, acordam os juízes que constituem esta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar procedente a apelação, revogar a decisão recorrida e absolver da instância os embargados.

Custas pela embargante.


Guimarães, 20 de Janeiro de 2011
(Raquel Rego)
(Canelas Brás)
(António Sobrinho