Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
| Processo: |
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| Relator: | MARIA LUÍSA RAMOS | ||
| Descritores: | PROVA VALOR PROBATÓRIO | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 02/04/2016 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | I . As condições de admissibilidade do “valor extraprocessual da prova”, vêm previstas no artº 421º -nº 1 e 2 do CPC, designadamente, e como o preceito indica, que os depoimentos e perícias produzidos num processo, o tenham sido com audiência contraditória da parte, e que venham a ser invocados noutro processo contra essa mesma parte; que o regime de produção da prova do primeiro processo ofereça às partes garantias não inferiores às do segundo; que o processo em que a prova foi realizada não tenha sido anulado, na parte relativa á produção da prova que se pretende invocar. II. Já relativamente ao procedimento processual a observar, regem os princípios gerais de direito processual, designadamente, o princípio da iniciativa processual das partes, a quem incumbe o Ónus processual de alegação e Ónus probatório, nos termos consignados nos artº 5º e 6º do CPC, ao juiz incumbindo o Dever de gestão pro-cessual. III. É á parte que dela se pretende aproveitar, que incumbe o ónus de indicação da produção da prova extraprocessual, na parte que se pretende invocar no processo, e, de forma especificada, relativamente, aos Temas de Prova enunciados, ou na falta destes, aos factos fundamentos da acção, com indicação precisa dos depoimentos ou parte dos depoimentos e testemunhas que os produziram, á parte, ainda, incumbindo “formalizar” a apresentação da prova extraprocessual, nomeadamente, por via da junção de cópia certificada ou gravação das declarações em causa – “ No segundo processo ( processo cível ) a prova emprestada - gravação ou registo escrito – será apresentada no momento normal em que se faria ou requereria a respectiva produção” - Prof. Dr. Rui Pinto in “Separata de Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. José Lebre de Freitas- “Valor Extraprocessual da Prova Penal”, pg. 1194/1195, FDUL. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães C…, Réu nos autos de acção declarativa, com processo sumário , nº 3459/12.0TJVNF, de V.N.Famalicão-Inst. Local-Secção Cível-J3- em que é Autora B…, veio recorrer do despacho judicial proferido nos autos, em 22/6/2015, que indeferiu liminarmente o requerimento apresentado pelo Réu, com a Ref: 19820684, pelo qual veio requerer, nos termos do Art.º421º do C.P.C, fosse “junto aos autos, e atendida como prova para a boa decisão da causa, os depoimentos prestados e gravados pelas testemunhas do autos no processo n.º 480/10.6TAVNF, que correu termos no 1.º Juízo Criminal do Tribunal, e que também nestes autos são testemunhas, respeitando aos mesmos sujeitos processuais, ao mesmo fundamento de pedido e causa de pedir”. O recurso foi recebido como recurso de Apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo. Nas alegações de recurso que apresenta, o recorrente formula as conclusões de fls.13 e sgs, concluindo: - Salvo o devido e merecido respeito, que é muito, o Réu entende que a M.ª juíza “a quo” nesta parte decidiu mal, pois entende que, o n.º 1 do art.421º do C.P.C., que a parte interessada não carece de repetir num segundo processo os meios de prova, depoimentos e arbitramentos, já feitos num processo, e tendo-se verificado o principio do contraditório, podendo nessa medida a prova assim produzida, ser invocada pelos aqui Réus, nestes autos; - Assim como, salvo o devido e merecido respeito, que é muito, o Réu, entende que a M.ª juíza “a quo” nesta parte decidiu mal ao limitar o princípio do valor extraprocessual das provas, ao impor ao aqui Réu, Recorrente, a indicação dos quais as testemunhas em causa, quais os concretos pontos dos seus depoimentos que sejam atendido, nem qual a concreta matéria fática em discussão nestes autos que pretendem provar, pois, tais requisitos e exigências não decorrem do n.º 1 do art. 421 do C.P.C.; - Assim, entende o Réu, o douto despacho proferido conforme consta a ref: 140841548 á margem referenciados, indeferindo liminarmente o requerido, por não indicarem quais as testemunhas em causa, quais os concretos pontos dos seus depoimentos que sejam atendido, nem qual a concreta matéria fática em discussão nestes autos que pretendem provar, é limitativa ao princípio do valor extraprocessual das provas consagrado no C.P.C., e manifestamente violadora do n.º 1º do art. 421º do C.P.C. - Assim, não se entendendo, no douto despacho recorrido violou o disposto non.º 1 do art.º 421º Código Processo Civil. Não foram proferidas contra-alegações Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir. Atentas as conclusões da apelação deduzida, e supra descritas, é a seguinte a questão a apreciar: - reapreciação da decisão recorrida na medida em que indeferiu liminarmente o requerimento apresentado pelo Réu, pelo qual veio requerer, nos termos do Art.º421º do C.P.C, fosse “junto aos autos, e atendida como prova para a boa decisão da causa, os depoimentos prestados e gravados pelas testemunhas do autos no processo n.º 480/10.6TAVNF, que correu termos no 1.º Juízo Criminal do Tribunal “, com o fundamento de que os RR. não indicaram quais as concretas testemunhas em causa, quais os concretos pontos dos seus depoimentos que pretendem que sejam atendidos, nem qual a concreta matéria fáctica em discussão nestes autos que pretendem provar, e, não juntaram cópia certificada das declarações em causa. FUNDAMENTAÇÃO ( de facto e de direito ) A.1. C…, Réu nos autos de acção declarativa, com processo sumário, nº 3459/12.0TJVNF, de V.N.Famalicão- Inst. Local-Secção Cível-J3- em que é Autora B…, veio recorrer do despacho judicial proferido nos autos, em 22/6/2015, que indeferiu liminarmente o requerimento apresentado pelo Réu, com a Ref: 19820684, pelo qual veio requerer, nos termos do Art.º421º do C.P.C, fosse “junto aos autos, e atendida como prova para a boa decisão da causa, os depoimentos prestados e gravados pelas testemunhas do autos no processo n.º 480/10.6TAVNF, que correu termos no 1.º Juízo Criminal do Tribunal, e que também nestes autos são testemunhas, respeitando aos mesmos sujeitos processuais, ao mesmo fundamento de pedido e causa de pedir”. 2. Nos termos do despacho recorrido, foi indeferido o requerimento do Réu, nos seguintes termos: “Os RR. vieram requerer que "nos termos do art. 421º do CPC, seja junto aos presentes autos e atendida como prova para boa decisão a causa os depoimentos prestados e gravados pelas testemunhas do A, no processo na 480/10.6 TAVNF, que correu termos no 1º Juízo Criminal deste Tribunal, e que também aqui nestes autos são testemunhas ( ... )". Ora, constata-se que os RR. não indicaram quais as concretas testemunhas em causa, quais os concretos pontos dos seus depoimentos que pretendem que sejam atendidos, nem qual a concreta matéria fáctica em discussão nestes autos que pretendem provar. Por outro lado, também não juntaram cópia certificada das declarações em causa. Assim, indefere-se liminarmente o requerido”. B. Alega o recorrente que o despacho recorrido violou o disposto non.º 1 do art.º 421º Código Processo Civil, considerando não constituirem requisitos ou exigências do n.º 1 do art.421º do C.P.C., as indicadas no despacho recorrido, designadamente, a indicação de quais as concretas testemunhas em causa, quais os concretos pontos dos seus depoimentos que pretendem que sejam atendidos, nem qual a concreta matéria fáctica em discussão nestes autos que pretendem provar, invocando o apelante que a parte interessada não carece de repetir num segundo processo os meios de prova, depoimentos e arbitramentos, já feitos num processo, e tendo-se verificado o princípio do contraditório, poderá, nessa medida, a prova assim produzida, ser invocada pelos aqui Réus, nestes autos. Dispõe o artº 421º do CPC, sob a epígrafe “ Valor extraprocessual das provas”, que nº1: “ Os depoimentos e perícias produzidos num processo com audiência contraditória da parte podem ser invocados noutro processo contra a mesma parte, sem prejuízo do disposto no nº 3 do artº 355º do Código Civil; se, porém, o regime de produção da prova do primeiro processo oferecer ás partes garantias inferiores às do segundo, os depoimentos e perícias produzidos no primeiro só valem no segundo como princípio de prova", nº 2 – “ O disposto no número anterior não tem aplicação quando o primeiro processo tiver sido anulado, na parte relativa á produção da prova que se pretende invocar”. Relativamente ás condições de admissibilidade do “valor extraprocessual da prova”, vêm previstas no artº 421º -nº 1 e 2 do CPC, designadamente, e como o preceito indica, que os depoimentos e perícias produzidos num processo, o tenham sido com audiência contraditória da parte, e que venham a ser invocados noutro processo contra essa mesma parte; que o regime de produção da prova do primeiro processo ofereça ás partes garantias não inferiores às do segundo; que o processo em que a prova foi realizada não tenha sido anulado, na parte relativa á produção da prova que se pretende invocar” ( v., neste sentido M.Teixeira de Sousa, in “As partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa “; A. Reis, in CPC, anotado, Vol III, pg.344 e sgs.) Já relativamente ao procedimento processual a observar, regem os princípios gerais de direito processual, designadamente, o princípio da iniciativa processual das partes, a quem incumbe o Ónus processual de alegação e de prova, nos termos consignados nos artº 5º e 6º do CPC, ao juiz incumbindo o Dever de gestão processual, dirigindo ativamente o processo e providenciando pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção, sem prejuízo, porém, do ónus de impulso especialmente imposto por lei ás partes, nomeadamente, o Ónus probatório, ás partes, em exclusivo incumbindo a apresentação dos meios de prova e prova dos factos que constituem os fundamentos da acção, restringindo-se o Princípio Inquistório do Tribunal aos factos que lhe é lícito conhecer nos termos preceituados no artº 411º do CPC. Nestes termos, consequentemente, é á parte que dela se pretende aproveitar, que incumbe o ónus de indicação da produção da prova extraprocessual, na parte que se pretende invocar no processo posterior (aliás, como expressamente alude o nº 2 do artº 421º do CPC, e demais preceitos legais referentes ao modo e oportunidade de oferecimento das provas, por ex, artº 423º, 452º-nº2, 466º-nº1, 475º, todos do CPC, todos regulando a iniciativa probatória da parte), e, de forma especificada, relativamente, aos Temas de Prova enunciados, ou na falta destes, aos factos fundamentos da acção, com indicação precisa dos depoimentos ou parte dos depoimentos e testemunhas que os produziram; á parte, ainda, incumbindo “formalizar” a apresentação da prova extraprocessual, nomeadamente, por via da junção da gravação ou de cópia certificada das declarações em causa, como refere o despacho recorrido, ( v., neste mesmo sentido – Ac. TRL, de 8/6/2000, P. nº 0000796, Sumário, in www.dgsi.pt . _ “I - O princípio do valor extraprocessual das provas, tal como se encontra proclamado no artigo 522 do CPC sofre duas limitações: se o regime da produção de prova no primeiro processo oferecer à parte contra quem é invocado garantias inferiores às do segundo processo, caso em que vale como "princípio de prova"; é se for anulada a parte do processo relativa à produção da prova em causa. II - À luz do princípio do valor extraprocessual das provas a prova testemunhal num primeiro processo, que não sofra das limitações previstas na lei referidas em I, onde foi observado o princípio do contraditório e interveio o Tribunal Colectivo no julgamento da matéria de facto, pode projectar-se para além desse processo podendo ser muito relevante para a formação da convicção do julgador na decisão sobre a matéria de facto num outro processo, desde que a parte requeira a apreciação de tal prova juntando certidão da prova produzida no primeiro processo”. Ainda, sendo distinta da invocação e valoração de prova extraprocessual nos termos do artº 421º do CPC, a verificação da “Oponibilidade e eficácia” da decisão penal, relativamente a “terceiros” nos termos dos artº 623º e 624º do citado código, bastando-se esta com a apresentação, com nota do trânsito em julgado, da sentença proferida no processo criminal ( neste caso, v. Ac. STJ de 5/5/2015, citando JOSÉ LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, volume 2, Coimbra Editora, 2001, p. 691). "Não se trata, directamente, da eficácia extraprocessual da prova produzida no processo penal, mas da eficácia probatória da própria sentença, independentemente das provas com base nas quais os factos tenham sido dados como assentes" ; Ac. STJ de 8/10/2013, - “Não divergindo desta doutrina a correspondente posição sedimentada neste Supremo e de que, a título de mero exemplo, mencionaremos os Acs. de 19.12.06 (Cons. Azevedo Ramos) – Rev. nº 3245/06 – 6ª Secção -, de 09.11.06 (Cons. Alberto Sobrinho) – Rev. nº 3338/06 – 7ª Secção –, de 10.01.08 (Rev. nº 4486/07 – 2ª Secção), 22.10.09 (Rev. nº 387/04.6TBCBR.C1.S1 – 2ª Secção) e 16.09.10 (Rev. nº 858/06.0TBMTS.P1.S1 – 2ª Secção), todos relatados pelo Cons. Oliveira Rocha, no último se tendo considerado que “O que está em causa no art. 674º-A do CPC não é a eficácia do caso julgado penal, mas a definição da eficácia probatória legal extraprocessual da própria sentença penal condenatória transitada em julgado, com recurso ao estabelecimento de uma presunção da existência dos factos constitutivos em que se tenha baseado a condenação, invocável em relação a terceiros em qualquer acção de natureza cível em que se discutam relações jurídicas dependentes ou relacionadas com a própria infracção, independentemente das provas com base nas quais os factos tenham sido dados como assentes”, Ac. disponíveis in www.dgsi.pt. Como refere Rui Pinto in “Separata de Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. José Lebre de Freitas- “ Valor extraprocessual da Prova Penal ”, pg. 1194/1195, FDUL - “ No segundo processo ( processo cível ) a prova emprestada - gravação ou registo escrito – será apresentada no momento normal em que se faria ou requereria a respectiva produção (...) ”. Mostra-se, consequentemente, correcta a exigência das formalidades indicadas na decisão recorrida, divergindo-se, porém, da consequência declarada de indeferimento liminar do Requerimento de produção de prova, em referência, antes se impondo a prolação de despacho convite á parte para apresentação de novo requerimento, devidamente corrigido, em prazo a designar, nos termos dos poderes/deveres do Tribunal de direção do processo e gestão processual, decorrentes do artº 6º do CPC, ainda, improcedendo os fundamentos da apelação. DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, em revogar o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído, por um outro de convite á parte para apresentação de novo requerimento, devidamente corrigido, em prazo a designar, nos termos acima assinalados, ainda, improcedendo os fundamentos da apelação. Custas pelo apelante, na proporção de ½. Guimarães, 4 de Fevereiro de 2016 |