Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
523/05-1
Relator: AMÍLCAR ANDRADE
Descritores: INVENTÁRIO
ACEITAÇÃO DA HERANÇA
CADUCIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/04/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- O direito de aceitar a herança caduca ao fim de 10 anos, como diz o art. 2059º, nº 1 do Código Civil. Esse prazo conta-se a partir da data em que o sucessível teve conhecimento de haver sido chamado à herança.
II- A doação (ou a partilha em vida) não é contrato sucessório – artº 2029º do Cód. Civil, pois este é um negócio jurídico mortis causa enquanto a doação e a partilha em vida são contratos inter vivos, destinados, por conseguinte, a produzir efeitos em vida dos contraentes.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Vem o presente recurso interposto do douto despacho de fls. 65 e ss, proferido nos presentes autos de Inventário, para partilha de bens, em que "A" veio requerer a partilha dos bens deixados por óbito de "B", seu pai, e "C", que com ele foi casada em segundas núpcias dele, falecidos respectivamente, em 11/5/2002 e 3/8/88, que julgou extinta a instância.
Inconformado com o decidido, o requerente "A" veio interpor recurso, o qual motivou, aduzindo conclusões em que, em síntese, sustenta que não se verifica nos autos a caducidade do direito de aceitar a herança, por parte do inventariado.
Contra-alegou o cabeça de casal, pugnando pela confirmação do decidido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Com interesse para o julgamento do presente recurso, consideramos relevantes os seguintes factos:
O inventariado "B" foi casado no regime de comunhão de adquiridos com a inventariada "C", em segundas núpcias dele.
Do casamento dos inventariados não existem descendentes.
De um anterior casamento do inventariado existem 4 filhos, identificados nos autos, entre os quais se contam o requerente do inventário "A" e o cabeça de casal José B....
"C" faleceu a 3 de Agosto de 1988.
"B" veio a falecer em 11 de maio de 2002.
Em 28 de Agosto de 1986 a inventariada doou ao cabeça de casal José B..., seu enteado, um prédio urbano, que era um bem próprio da doadora, ora inventariada, tendo o donatário declarado aceitar a doação (conforme escritura pública de doação de fls. 38 a 44).
Em 4 de Setembro de 1987 o donatário, ora recorrido e cabeça de casal, procedeu ao registo em seu nome dessa doação, na Conservatória do Registo predial de Viana do Castelo.
A fls. 65 veio a ser proferido pelo Mmº Juiz a quo o seguinte despacho, que, para melhor compreensão, se transcreve na íntegra:
“"A" veio requerer o presente inventário para partilha dos bens deixados por óbito de "B", seu pai, e "C", que com ele foi casada em segundas núpcias dele, falecidos respectivamente, em 11/5/2002 e 3/8/88.
Nomeado cabeça de casal o filho mais velho do inventariado, José B..., veio este opor-se ao presente inventários, alegando, em síntese: que a inventariada "C", era proprietária de um imóvel que doou ao cabeça de casal, por conta da sua quota disponível; os restantes bens que possuía doou ao inventariado, seu marido; quando este faleceu, o lar de idosos onde residia não declarou quaisquer bens que o mesmo tivesse deixado. Mais alega que a inventariada efectuou a partilha em vida de todos os seus bens, pelo que existe impossibilidade de se proceder a inventário. Por outro lado, o inventariado não requereu inventário por morte do seu cônjuge, de forma a reagir contra a referida doação, pelo que se caducou o prazo dentro do qual poderia ser reduzida a doação feita ao cabeça de casal. De qualquer forma, sempre seria de entender que o direito de aceitar se encontra caducado, nos termos do art. 2059, nº 1 do CC, ou seja, quando o inventariado faleceu já tinha perdido há muito a qualidade de herdeiro da inventariada, pelo que não pode transmitir aos seus filhos um direito que já não tinha, o que implica que o interessado "A" já não tem legitimidade para requerer o inventário por morte da inventariada.
O requerente "A" respondeu alegando que a inventariada deixou o imóvel doado ao cabeça de casal e que ainda não se procedeu à partilha por sua morte, sendo que ao inventariado, seu pai, cabia metade da herança aberta por óbito daquela. Pede, ainda, a relacionação dos bens móveis indicados pelo cabeça de casal.
Apreciando:
Nos termos do disposto no art. 2059º, nº 1 do Código Civil “O direito de aceitar a herança caduca ao fim de dez anos, contados desde que o sucessível tem conhecimento de haver sido a ela chamado”.
A sucessão abre-se no momento da morte do seu autor. Aberta a sucessão, são chamados à titularidade das relações jurídicas do falecido aqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis. Mas do facto de serem chamados à sucessão não se retira que lhes é atribuída, necessariamente, a qualidade de sucessores, pois antes disso têm de aceitar a herança.
Pela aceitação o sucessor manifesta a sua vontade no sentido de tornar seus os direitos e obrigações que foram transmitidas pela lei ou pelo testamento; pelo repúdio a vontade é manifestada em sentido contrário.
A aceitação da herança, de acordo com o disposto no art. 2056º do CC, pode ser expressa ou tácita. A lei define o que é aceitação expressa no nº 2 do citado artigo, mas não nos dá a noção da aceitação tácita que terá de resultar do disposto na parte final do art. 217º que considera que a declaração negocial tácita é aquela manifestação de vontade que se revele, com toda a probabilidade, através de simples factos.
Nos termos do nº 3 do citado artigo “os actos de administração praticados pelo sucessível não implicam aceitação tácita da herança”, sejam eles puramente conservatórios, ou consistentes na alienação gratuita dela em beneficio de todos aqueles a que caberia se o alienante a repudiasse (art. 2057º) ou ainda praticados no exercício de um dever legal.
Mas revela, sem dúvida, uma aceitação tácita da herança, quando os herdeiros praticam algum facto de que necessariamente se deduz a intenção de aceitar, ou de tal natureza, que ele não poderia praticá-lo senão na qualidade de herdeiro (Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, 4ª ed., I, p. 17).
No caso sub judicio, o requerente do inventário não alega nenhum facto de onde se possa retirar a aceitação por parte de seu pai, ainda que tácita, da herança aberta por óbito da inventariada.
A inventariada faleceu em 1988. O requerente não contesta o conhecimento imediato desse facto por parte do inventariado. Desde então até ao falecimento do inventariado decorreram mais de 10 anos, pelo que se verificou, efectivamente, a caducidade do seu direito em aceitar a herança.
Assim, e como bem refere o cabeça de casal, o inventariado não pode transmitir aos seus filhos um direito que já não tinha.
Estas considerações importam, necessariamente, a falta de legitimidade do requerente para requerer o inventário por morte da inventariada "C", por não ser interessado directo na partilha (art. 1327º, nº 1, a) do CPC).
Nestes termos, julgando procedente a invocada caducidade do direito de aceitar a herança por parte do inventariado, julgo extinta a instância por falta de legitimidade do requerente, no que ao processo de inventário para partilha dos bens de "C" diz respeito.
Custas pelo requerente.
*
A fim de se apurar a existência ou não de bens móveis existentes no património do inventariado, que o cabeça de casal referiu e cuja relacionação é requerida pelo interessado "A", designo o dia 10/1/05, pelas 9 horas para inquirição das testemunhas arroladas”.
A douta e bem fundamentada decisão recorrida, ao julgar procedente a invocada caducidade do direito de aceitar a herança por parte do inventariado, ao contrário do alegado pelo recorrente fez correcta interpretação e aplicação do Direito aos factos, mostrando-se desnecessárias quaisquer outras considerações complementares.
Efectivamente, o direito de aceitar a herança caduca ao fim de 10 anos, como diz o art. 2059º, nº 1 do Código Civil. Esse prazo conta-se a partir da data em que o sucessível teve conhecimento de haver sido chamado à herança.
A sucessão abre-se no momento da morte do seu autor.
Aberta a sucessão, serão chamados à titularidade das relações jurídicas do falecido aqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis, desde que tenham a necessária capacidade (nº 1 do artº 2032º).
Se os primeiros sucessíveis não quiserem ou não puderem aceitar, serão chamados os subsequentes, e assim sucessivamente, reza o nº 2 do artº 2032º.
São três os pressupostos da vocação segundo resulta deste artigo:
1º- ser-se sucessível no momento da morte do «de cujus», isto é, o sucessível deve existir nessa altura, deve sobreviver ao autor da sucessão; 2º- o chamado deve gozar de prioridade na hierarquia dos sucessíveis: é escolhido aquele que ocupa melhor posição na hierarquia dos sucessíveis; 3º- tem que ter capacidade sucessória (N. Espinosa Gomes da Silva, Sucessões, 1980,181).
Ora, no caso ocorrente, o inventariado "B" era quem gozava de prioridade na hierarquia de sucessíveis, sendo que no que toca à herança da inventariada, o recorrente (bem como os enteados daquela) não é herdeiro desta.
O inventariado deu o seu consentimento à doação que a inventariada, sua mulher, fez ao ora cabeça de casal, conforme flui da escritura pública de doação, onde se lê: “Pelo 3º Outorgante ("B") foi declarado que dá o consentimento necessário à sua mulher para efectuar a presente doação”, sobreviveu 15 anos à mulher, sem nunca ter questionado a referida doação e sem algum vez ter manifestado que se sentia prejudicado na sua legítima.
Como bem se salienta na decisão sob recurso «o requerente do inventário não alega nenhum facto de onde se possa retirar a aceitação por parte de seu pai, ainda que tácita, da herança aberta por óbito da inventariada.
A inventariada faleceu em 1988. O requerente não contesta o conhecimento imediato desse facto por parte do inventariado. Desde então até ao falecimento do inventariado decorreram mais de 10 anos, pelo que se verificou, efectivamente, a caducidade do seu direito em aceitar a herança.
Assim, e como bem refere o cabeça de casal, o inventariado não pode transmitir aos seus filhos um direito que já não tinha».
Como ensina Oliveira Ascensão (Sucessões, 1967,101) «não são apenas os bens da herança que se perdem; é a própria qualidade de herdeiro. Não pode aquele, cujo direito de aceitar caducou, vir declarar-se herdeiro».
O recorrente sustenta ainda que a partilha efectuada em vida dos bens da inventariada, tem que ser havido a contrario sensu, por pacto sucessório, o que implica por parte do inventariado, a aceitação da herança.
Com o devido respeito o recorrente labora em equívoco. Importa notar que a doação (ou a partilha em vida) não é contrato sucessório – artº 2029º do Cód. Civil, pois este é um negócio jurídico mortis causa enquanto a doação e a partilha em vida são contratos inter vivos, destinados, por conseguinte, a produzir efeitos em vida dos contraentes.
Improcedem, assim, as conclusões da alegação de recurso.

Decisão
Pelo exposto, julgando-se improcedente o recurso, confirma-se a douta decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Guimarães, 4 de Maio de 2005