Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
7543/11.9TBBRG.G1
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: CO-HERDEIRO
HIPOTECA LEGAL
PARTILHA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CIVEL
Sumário: I - A alínea e), do artº 705º, do Código Civil, ao referir/aludir que , de entre os credores que têm hipoteca legal, conta-se “o co-herdeiro, sobre os bens adjudicados ao devedor de tornas , para garantir o pagamento destas “, está a circunscrever a referida Garantia à partilha por óbito.
II – Em razão do sentido literalmente manifestado na alínea e), referida em I, afastada fica a possibilidade de, por via de interpretação extensiva, considerar abrangida a partilha por divórcio, por falta do mínimo de correspondência verbal exigido pelo artº 9°,nº2, do Código Civil.
Decisão Texto Integral: Processo nº 7543/11.9TBBRG.G1
Apelação - 1ª
Acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
1.Relatório.
António A,intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo Ordinário, contra MARIA T, SARA S e CAIXA, peticionando que:
a) seja declarada a nulidade do registo de aquisição a favor da primeira Ré do prédio que identifica na petição, e, consequentemente, seja ordenado o seu cancelamento de todas as inscrições e anotações prediais subsequentes;
b) seja declarada nula a inutilização da inscrição da hipoteca legal a favor do autor para garantia do pagamento de tornas devidas pela 1ª R e, consequentemente, seja ordenado o cancelamento da anotação oficiosa lavrada em 2011/06/08, na descrição predial nº 116/Cividade-Braga;
c) seja declarada nula a escritura de compra e venda do prédio já referido e identificado na petição, celebrada entre a primeira e a segunda Ré, por falta de apresentação no acto da sua celebração de licença de obras e/ou habitabilidade ou documento comprovativo da sua isenção, bem como por violação da lei, e, consequentemente, ordenado o cancelamento da inscrição no registo predial efectuada pela Ap. l88 de 2011/08/19, na descrição predial nº 116/Cividade-Braga;
d) seja declarada nula por violação da Lei n° 107/2001, de 08 de Setembro, a escritura pública de 19 de Agosto de 2011, de compra e venda outorgada entre a 1ª e 2ª Rés, e de hipoteca voluntária celebrada entre a 2ªR e a 3ªR e que incide sobre o prédio identificado na petição, sendo, ,consequentemente, ordenado o cancelamento da inscrição no registo predial efectuada pela Ap. 188 de 2011/08/19, na descrição predial nº 116/Cividade-Braga.
1.1.- Alegou o Autor, para tanto e em síntese, que :
- Foi casado com a 1ª Ré Maria T, de quem se divorciou em 09/06/2002, sendo que, na sequência da partilha efectuada após divórcio, foi adjudicado à Ré Ex-cônjuge (que licitou pelo valor de €361.650,00) o prédio urbano descrito na CRP de Braga sob o nº 00116;
- Tendo reclamado tornas no valor de €217.642,00, a 1ª Ré não as depositou, razão porque requereu o Autor a venda do imóvel no próprio processo de inventário;
- Sucede que, a 1ª Ré, no decurso do processo de venda do imóvel, requereu no processo uma certidão judicial "para fins tidos por convenientes", tendo de seguida requerido na CRP o registo da aquisição plena do prédio, o que foi efectuado;
- Porque o registo de aquisição referido foi efectuado com base em título insuficiente, padece o mesmo de inexactidões, razão porque a descrição predial e a descrição do prédio constante do título encontram-se feridos de nulidade;
- Ademais, em 19/8/2011 a 1ª Ré vendeu à 2ª Ré o referido imóvel, constituindo esta última a favor da Ré Caixa uma hipoteca voluntária sobre o mesmo imóvel, omitindo que se tratava de um prédio em reconstrução, e não tendo sido apresentada – o que era obrigatório - a licença de construção ou de habitabilidade, razão porque também a referida escritura de compra e venda é nula;
- Por fim, também a escritura pública referida foi outorgada sem que tivesse sido apresentada a necessária e obrigatória Ficha Técnica de Habitação, e ainda a certidão comprovativa da renúncia do Estado ou do Município de Braga ao direito de preferência - uma vez que se trata de prédio situado na zona histórica da cidade de Braga e classificado de interesse público e cultural - , o que tudo acarreta a nulidade da escritura de compra e venda e de hipoteca.
1.2. - Citadas, todas as Ré apresentaram contestação, deduzindo oposição por excepção [a Ré Maria T invocou a ineptidão da petição inicial, o erro na forma de processo e a falta de interesse em agir do Autor] e outrossim por impugnação motivada , pugnando todas pela improcedência da acção.
1.3. - Após Réplica do autor, no âmbito da qual foi apresentada resposta às excepções invocadas em sede de contestação, e seguindo-se a Tréplica das 1ª e 2ª Rés, foi dispensada a realização de uma audiência preliminar, proferindo-se de imediato despacho saneador [ no âmbito do qual as excepções arguidas pela 1ª Ré foram julgadas inexistentes/inverificadas ] e fixando-se outrossim a matéria de facto assente , bem como a base instrutória da causa [ peça última esta que foi objecto de reclamação desatendida ].
1.4. - Por fim [ tendo entretanto a Ré Maria T sido judicialmente declarada insolvente, veio o Administrador de Insolvência a constituir mandatário ] , designado dia para a audiência final, à mesma se procedeu com observância do legal formalismo, iniciando-se a 16/10/2015 e concluindo-se a 16/10/2015, e conclusos os autos para o efeito, foi proferida a competente sentença, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor:
“ (…)
IV. DECISÃO
Pelo exposto, decide-se:
a) Julgar a presente acção totalmente improcedente e, em consequência, absolver as Rés dos pedidos formulados pelo Autor;
b) Não condenar o Autor e nem as Rés como litigantes de má-fé .
Custas da acção pelo autor.
Registe e notifique.
Braga, 11 de Dezembro de 2015.”
1.5. - Notificado da sentença, da mesma discordando e inconformado, veio então o Autor António A interpor a competente apelação, sendo que, a justificar a alteração do julgado, formula o recorrente as seguintes conclusões :
1a. - Com base na prova testemunhal, documental e pericial existente nos autos, deveria o Mmo. Juiz “a quo" ter julgado a acção procedente, condenando nos termos peticionados pelo A./Recorrente.
2a - O Tribunal “a quo”, erradamente, julgou como não provado " 2. Que aquando da venda referida em 20 ) o prédio estava em reconstrução.", quando face aos documentos ( designadamente fls. 68 a 91, 151 a 156), do relatório pericial ( fls. 340 a 342 ) e do confronto com os factos provados 3, 15, 22, 23, 29, 30 31, 32, 34 e 44 constante da sentença, deveria ter sido considerado provado que à data da celebração da escritura de compra e venda ( referida nos factos provados 20 ) o prédio estava em reconstrução ,
3a - Bem como antes da celebração daquela escritura, sofreu grandes modificações/alterações na sua estrutura interna, aumentando o número de pisos e a área coberta.
4a - O Tribunal “a quo" errou na apreciação da prova ao julgar como provado que “As obras começaram e foram interrompidas, na sequência da citação da 2a ré para a presente acção”, quando confrontando com o depoimento da testemunha Mário A que afirmou que “no prédio tirou-se lixo até final de 2011 e as obras efectuaram-se posteriormente" e com data da citação da 2a. Ré, tal facto deveria ter considerado como não provado.
5a. - Erradamente foi julgado como não provado que “Que o Autor foi previamente notificado, para se pronunciar, sobre a inutilização da inscrição referida em 19", quando do texto da sentença recorrida (pág. 15) resulta que o Autor não foi previamente notificado da inutilização da inscrição da hipoteca legal registada a seu favor (cfr. depoimentos das testemunhas Luís S e Carlos V), devendo tal facto ser julgado como provado.
6a - O Tribunal “a quo", considerou como não provado que:
“Que no acto de realização da escritura referida em 20) foi apresentado o alvará de licença de construção (...) ), quando em conformidade com a informação prestada a fls. 127, tal facto deveria ter sido julgado como provado.
7a. - Em face dos documentos juntos autos ( fls. 175 e 179 ) deveria ter sido julgado como provado que no acto da celebração da escritura não foi exibida a certidão comprovativa da renúncia do Estado ou do Município de Braga ao direito de preferência nem a prévia comunicação escrita ao IGESPAR.
8a. - Atenta a alegação do A./Recorrente (artº, 34 da PI.) e aos documentos de fls. 64 a 67, deveria o Tribunal “a quo” considerar como provado que, pelo menos, em 2010/12/02 e 2011/06/01, aquele consultou inscrição do registo da hipoteca legal a seu favor.
9a. - Atenta aquele matéria factual provada deveria ter sido julgado procedente o pedido de declaração de nulidade do registo definitivo de aquisição a favor da la. Ré e, consequentemente, o cancelamento e das inscrições subsequentes,
10º - Quer pela nulidade do título, composto por duas distintas certidões judiciais, uma das quais emitida muito antes do trânsito em julgado da sentença homologatória (fls. 110 a 121).
11a - Quer pela certidão judicial de fls. 98 a 109, não constar referência expressa à pendência, nos próprios autos, de processo judicial de venda do imóvel objecto do registo de aquisição.
12a- Àquele processo judicial de venda (executivo simplificado) nos termos do artº, 1378º, aplica-se, com as devidas adaptações as normas da acção executiva.
13a - Na data do registo da aquisição plena do prédio a favor da 1a. R (2010/11/22) verificava-se uma desconformidade entre a descrição do prédio constante do título (certidão judicial) "Prédio urbano (em reconstrução) - casa de 2 andares e águas furtadas ... " e a constante na descrição matricial um prédio com " Pavimentos 3 e águas furtadas".(fls. 153).
14a - As irregularidades e inexactidões do título (certidões judiciais) aliadas à desconformidade da descrição do prédio supras descritas, conduz à nulidade do registo definitivo de aquisição plena a favor da 2a. R, que se invoca (crf. Artº, 16°, 68° CRPredial e 1378° do CP.Civil) .
15a - A anotação de inutilização da inscrição da hipoteca legal a favor do A/Recorrente é um acto de registo ( cfr. artº, 76° n.º 1 do CR Predial), sendo susceptível de recurso hierárquico ou impugnação judicial (artº 131° n.º 4 do CRPredial)
16a - Aquela inutilização da inscrição de hipoteca lega a favor do Autor tinha de respeitar o legal procedimento de rectificação (cfr. artº, 121° do CRPredial),
17a - Tinha o A/Recorrente, sujeito activo daquela inscrição e titular interessado do registo da hipoteca, que ser previamente notificado da inutilização daquela hipoteca legal inscrita a seu favor ( cfr. art. 129° do CRPredial), o que in casu não se verificou.
18a - Foi, assim, coarctado um direito fundamental ao A/Recorrente de impugnar um acto administrativo lesivo dos seus direitos e interesses (artº. 264° n.º 4 da Constituição da República Portuguesa),
19a - A inutilização da inscrição da hipoteca legal, sem audição do A/ recorrente, é uma autêntica "decisão surpresa", colocando de forma intolerável a segurança, confiança e certeza jurídica (princípios ínsitos de um Estado de Direito democrático – artº, 2° da CR. Portuguesa)
20a - Com o devido respeito, erradamente julgou o tribunal "a quo", o facto do A/Recorrente "não ter sido notificado não gera a nulidade da inutilização “ (sentença pág. 19).
21a. - Verifica-se assim uma inconstitucionalidade, que desde já se invoca, na interpretação das normas do registo predial (artºs, 16°, 68°, 76°, 121°, 129°, 131° do Código de Registo Predial) no sentido vertido na sentença recorrida de que a falta de notificação a anotação de inutilização da inscrição da hipoteca legal inscrita a favor do A/Recorrente não gera a nulidade do registo, por violação, entre outros, dos artºs, 2° e 264°, n.º 4 da Constituição República Portuguesa.
22a. - O Tribunal "a quo", com o devido respeito, erradamente julgou, "que não se verifica qualquer nulidade da anotação de inutilização da inscrição do registo de hipoteca legal (sentença pág.19), por não haver lugar no caso de direito a tornas decorrente de partilha subsequente ao divórcio (sentença - pág. 18), o que não se aceita.
23a - A fonte legal do direito à hipoteca legal no caso do crédito de tornas resultante de partilha em processo de inventário é o nº, 4 do artº, 1378° do CPC, aplicável (por remissão do 1404° do CPC), ao processo de inventário subsequente divórcio,
24a - Tratando-se de uma norma de direito substantivo incorporada no código de processo civil, traduz na sua previsão o reconhecimento ao ex-cônjuge (ora A./Recorrente) do direito a hipoteca legal, "ampliando" o âmbito da previsão do artº, 705° do Código Civil.
25a.- Mesmo que se entendesse (o que não se aceita) que única fonte legal da hipoteca legal decorrente da falta de pagamento de tornas é a prevista na al. e) do artº, 705° do CC, nada impede, por recurso a elementos extraliterais, nomeadamente à unidade elementos históricos e enquadramento sistemático, a sua interpretação extensiva (cfr. artº, 11° do CC) ao credor ex-cônjuge.
26a. - Conforme se provou nos presentes autos o prédio foi totalmente reconstruído, alterado e ampliado, após 1994, conforme documentos juntos aos autos (supra referenciados) e relatório pericial.
27a.- Não tendo sido apresentado no acto da celebração da escritura de compara e venda a licença de construção, origina a sua nulidade, que se invoca. ( em conformidade com disposições legais referidas no ponto 3 das alegações).
28a.- Com o devido respeito, erradamente julgou o tribunal "a quo" (fls. 24 da sentença) " ao considerar que não resultou demonstrado nos autos que se tratava de imóvel situado nas zonas de protecção de bens classificados nos termos do artigo 15° da presente lei ... ) ( Lei n.º 107/2001, de 08 de Setembro).
29a.- O imóvel, objecto da compra e venda, situa-se no Centro Histórico da cidade de Braga e nele se encontram vestígios arqueológicos (factos provados 33) e inserido na Zona Especial de Protecção da Sé de Braga, em conformidade com os documentos de fls. 265, 331 a 333 dos autos.
30a. - No acto da celebração da escritura não foram exibidas as comunicações nem a certidão comprovativa da renúncia do Estado ou do Município de Braga ao direito de preferência. (cfr. artº 37 da Lei nº 107/2001), pelo que constituía impedimento à sua realização, bem como à inscrição daquele acto no registo predial (cfr. art°. 38° nº 1 da Lei nº 107/2001), verificando-se, por violação da lei, a nulidade da escritura e da sua inscrição no registo predial.
31a. - Assim alterada a decisão sobre os concretos pontos de facto elencados nas anteriores conclusões, tem de concluir-se que a sentença recorrida é nula, porquanto os fundamentos da decisão, constantes dos autos, estão em oposição com a sua decisão - Cfr, art° 615°, nº 1, al. c), do CPC.
32a.- Assim, o tribunal “a quo" fez interpretação errada da lei e da prova produzida, violando os arts. 1384 n.º 4, do Código de Processo Civil, bem como o preceituado nos arts. 16.°, 68.°, 76.°, 121º e 129° do Código do Registo Predial, artº 1 e 2 do D.L. 281/99, de 26/07, os art°. 37° e 38°. n.º 1 da Lei n.º 107/21, de 08 de Setembro, arts. 2°. e 264°. n.º 4 da Constituição República Portuguesa.
33a - Deve, pois, ser a sentença proferida revogada e julgar-se procedente a acção por provada.
TERMOS EM QUE,
Deve considerar-se provado e procedente o presente recurso e, por via disso, deve proferir-se douto Acórdão que:
a) modifique a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos do alegados e concluídos supra e, por consequência;
b) revogue a sentença recorrida ;
c) julgue procedente, por provada, a acção intentada pelo A./Recorrente, fazendo assim JUSTIÇA.
1.6.- Tendo a apelada e Ré SARA S contra-alegado, veio a recorrida impetrar a confirmação do julgado.
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Thema decidendum
1.7. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir são as seguintes ;
I) - Aferir se a sentença apelada padece do vício de nulidade a que alude o artº 615º,nº1, alínea c), do CPC ;
II) - Se deve este Tribunal ad quem introduzir alterações/modificações na decisão proferida pelo tribunal a quo e relativa à matéria de facto;
III) - Se deve a sentença apelada ser revogada, sendo a acção julgada procedente, designadamente em razão da alteração da decisão relativa à matéria de facto proferida pelo a quo e em consequência da impugnação deduzida pelo apelante .
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2.- Motivação de Facto.
Pelo tribunal a quo foi fixada a seguinte factualidade:
A) PROVADA
2.1.- O Autor António A e a 1ª Ré Maria T casaram no civil no dia 4 de Agosto e catolicamente a 23 de Agosto de 1973;
2.2.- O casamento foi dissolvido por divórcio, por sentença de 9 de Julho de 2002, transitada em julgado a 23 de Setembro de 2002, proferida no processo de divórcio por mútuo consentimento n.º 70/2002, da La secção do Tribunal de Família e Menores de Braga.;
2.3. - No processo de inventário/partilha de bens em casos especiais (partilha de bens comuns do extinto casal) que correu termos sob o n.º 70-D/200l, na 1a secção do referido Tribunal, foi adjudicado à 1ª Ré Maria T, o bem imóvel, constante da relação de bens apresentada sob a "Verba n.° 30º que se transcreve: "Prédio urbano (em reconstrução) - casa de dois andares e águas furtadas - com área de 97m2 e logradouro com 79m2, sito na Rua D. Afonso Henriques, n.os 36, 38 e 40, de polícia, freguesia de Braga (Cividade), inscrito na matriz respectiva sob art°. 189 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 00116/Braga (Cividade), com o valor patrimonial de € 3.571,55;
2.4. - Na conferência de interessados realizada naquele processo de inventário a 15 de Fevereiro de 2008, a lª Ré licitou aquele imóvel, pelo montante de €361.650,00 (trezentos e sessenta e um mil seiscentos e cinquenta euros), sendo-lhe o mesmo adjudicado;
2.5. - Face à existência de um excesso de quinhão da lª Ré, ficou esta obrigada a pagar ao autor tornas no montante de €2l7.642,00 (duzentos e dezassete mil seiscentos e quarenta e dois euros);
2.6. - A 8 de Julho de 2008 o autor reclamou o pagamento das tomas que lhe eram devidas pela lª ré;
2.7. - A lª Ré, mais do que uma vez, foi notificada pelo tribunal para proceder ao depósito das tornas, e não o fez ;
2.8. - Como forma de garantir o pagamento das suas tornas, nos termos do n.º 3 do art. 1378.°, n.º 3 do C.P.Civil , o Autor requereu a venda, no próprio processo ( processo executivo simplificado), do bem imóvel adjudicado à lª. Ré;
2.9. - A venda foi deferida por despacho judicial proferido a 22 de Outubro de 2009, a fls. 703 dos autos, que ordenou a elaboração do mapa da partilha;
2.10.- Foi proferida sentença a homologar a partilha a 20 de Abril de 2010, a qual transitou em julgado a 6 de Maio de 2010;
2.11. - A 8 de Novembro de 2010, no decurso do processo de venda daquele imóvel, por intermédio da sua então mandatária, Dr.ª Lídia B, a lª Ré Maria T requereu no processo de inventário, "para os fins tidos por convenientes", a emissão de uma certidão judicial de várias peças processuais e da sentença homologatória da partilha;
2.12. -Aquela certidão judicial para além de certificar "que as fotocópias juntas e que fazem parte integrante desta certidão estão conformes os originais constantes dos autos ... " certifica ainda "que a sentença ora certificada foram as partes devidamente notificadas e transitou em julgado." ;
2.13. - Aquela certidão judicial é omissa no seu "rosto" quanto à falta do pagamento de tornas e à pendência do processo judicial de venda do imóvel;
2.14. - A sentença homologatória da partilha referida em 2.10, parte daquela certidão, faz referência expressa à decisão judicial da venda daquele imóvel pelo não pagamento das tornas por parte da l.ª Ré ao afirmar ''Na sequência do despacho de fls. 703 do p.p., homologo por sentença a partilha que consta do mapa antecedente ... " ;
2.15. - Na relação de bens apresentada no processo de inventário, e para a qual remete o mapa informativo, o mapa de partilha e a sentença homologatória da partilha, cuja certificação a ora lª Ré requereu, o prédio está descrito como "verba trinta" - "Prédio urbano (EM RECONSTRUÇÃO ), casa de dois andares e águas furtadas - com a área coberta de 97 m2 e logradouro com 79 m2, sito na Rua D. Afonso Henriques, n.os 36, 38 e 40, de polícia, freguesia de Braga (Cividade), inscrito na matriz respectiva sob o artigo 189.° e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n. ° 00116/Braga (Cividade), com o valor patrimonial de €3.57l,55 ";
2.16. - A lª Ré Maria T, munida da certidão judicial, pela Apresentação n.º 5901 de 2010/11/22, requereu na lª Conservatória do Registo Predial de Braga o registo da aquisição plena daquele prédio urbano;
2.17. - Naquele mesmo dia, pelo Adjunto do Conservador, foi registada definitivamente inscrição de aquisição plena a favor da lª Ré, Maria T;
2.18. - Pela mesma Apresentação n.º 5901 de 2010/11/22, o Adjunto do Conservador, oficiosamente, registou inscrição de hipoteca legal a favor do aqui autor, sobre aquele prédio, para "garantia do pagamento de tornas, nos autos de Inventário/Partilha de Bens com o n.º 70-D/200l do Tribunal de Família e Menores de Braga - la. Secção";
2.19 - Em 8 de Junho de 2011, o mesmo Adjunto do Conservador, oficiosamente, inutilizou a inscrição referida no número anterior por considerá-la "indevidamente lavrada";
2.20. - Em 19 de Agosto de 2011, por escritura pública de compra e venda celebrada na 2ª Conservatória do Registo Predial de Braga, a lª Ré, Maria T, vendeu à 2ª. Ré, Sara S, a casa de rés-do-chão, primeiro e segundo andares, com águas furtadas e logradouro, para habitação secundária daquela, sita na Rua D. Afonso Henriques, n.º 36, 38 e 40, freguesia de Braga (Cividade), em Braga, correspondente ao art. 189.° da matriz, prédio descrito sob o n.º l16/Braga (Cividade), da 2ª C.R.Predial de Braga, pelo preço de duzentos e vinte mil euros, livre de ónus e encargos;
2.21. - Na aludida escritura interveio ainda a 3ª Ré, "Caixa", a qual financiou a compra e venda, concedendo à Susana Esteves, um empréstimo no valor de oitenta mil euros, pelo prazo de 25 anos, e para garantia do qual foi simultaneamente constituída a favor da aludida 3ª ré uma hipoteca no valor de duzentos e vinte mil euros para garantia do capital mutuado, juros e despesas;
2.22. - Teor da memória descritiva e justificativa apresentada na Câmara Municipal de Braga, alçados e corte de fls. 82 a 89. - doc. 7 e 8 da pi. (alínea V) dos factos assentes).
2.23. - Teor da certidão de fls. 90;
2.24. - Teor do alvará de licença de obras n.º 831/94 de fl. 91;
2.25. - O prédio foi inscrito na matriz em 1937, com a menção ao ano de 1989 por aí ter sido apresentada a declaração modelo 130 ("Declaração de prédio urbano total ou parcialmente arrendado");
2.26. - Por despacho proferido a 9 de Fevereiro de 2011 no processo de inventário referido de C) a J) decidiu-se a suspensão da instância por um ano, "sem prejuízo de se acabar a avaliação já ordenada, excepto se vierem dizer já não terem interesse em que seja feita.";
2.27. - Correu termos sob o n.º 571/08.3TABRG, do 2.° Juízo criminal de Braga, um processo comum singular, em que o aqui autor foi arguido e a aqui 1ª ré foi assistente, no âmbito do qual a 6 de Janeiro de 2011 foi homologada transacção, quanto à parte cível, tendo-se consignado que a " demandante e o arguido suspendem os termos do processo n.º 70-D/200l que corre termos pela 1ª secção do Tribunal de Família e Menores de Braga, pelo prazo de um ano, vencendo as tornas juros durante este período o correspondente a metade dos juros legais", e foi ainda homologada a desistência de queixa quanto ao crime de injúria e declarada extinta a responsabilidade criminal do arguido quanto ao crime de dano qualificado;
2.28. - A 25 de Janeiro de 2012 a Câmara Municipal de Braga, e a Secretaria de Estado da Cultura pelo IGESPAR/IPPAR a 21 de Dezembro de 2011, declararam não pretender exercer o direito de preferência relativamente à compra e venda referida em 2.20 ;
2.29. – Sara S requereu, a 30 de Dezembro de 2011, à Câmara Municipal de Braga o averbamento da licença n.º 831/94 referida em 2.24 em seu nome, e em Janeiro de 2012 requereu a prorrogação do prazo dessa licença por mais 12 meses;
2.30. - Teor da licença de obras n.º 516/2011, emitida em nome da 1ª Ré Maria T a 7 de Julho de 2011, onde foi consignado "nova licença (lic. 892/06), com prazo para conclusão de obras entre 7.7.2011 a 7.1.2012;
2.31. - No imóvel foram realizadas obras que consistiram na substituição de toda a estrutura interior por outra, pavimento, telhado, bem como o prolongamento do rés-do chão/cave para o seu logradouro (aumento de área coberta). - Quesito 3°.
2.32. - No acto de realização da escritura referida em 20) o prédio não tinha condições de habitabilidade. - Quesito 6°.
2.33. - O prédio urbano situa-se no Centro Histórico da cidade de Braga e nele se encontram vestígios arqueológicos. - Quesitos 8° e 9°.
2.34. - Em 13 de Junho de 1994 foi concedida pela Câmara Municipal de Braga ao Autor o Alvará de Licença n° 831/94 para recuperação de prédio situado na Rua D. Afonso Henriques n° 36/40, Cividade, válida até 13 de Junho de 1995, encontrando-se a licença caducada em 28 de Novembro de 2001. - Quesito 10°.
2.35. - Aquando da realização da escritura referida em 2.20 a 2ª ré sabia que a 1ª ré, Maria T devia tornas ao autor. - Quesito 13°.
2.36. - A 2a ré que, atento o seu local de trabalho, passa, diariamente na Rua Afonso Henriques, apercebeu-se, no decurso de 2011, que no prédio existia uma tabuleta com indicação de "vende-se". - Quesito 17°.
2.37. - Ao ver a tabuleta, decidiu visitar o prédio e informar-se do preço da venda, apercebendo-se que se tratava de um prédio antigo, com entulho e com vestígios de algumas obras iniciadas no seu interior e interrompidas, há muitos anos. - Quesitos l8°e19°.
2.38. - Mais tarde foi informada que o prédio continuava à venda e depois de saber o "preço" que a lª ré propunha, consultou um arquitecto com vista a informar-se da viabilidade de obras de reparação e beneficiação do prédio. - Quesitos 20° e 21 °
2.39. - Foi informada que tinha já havido um projecto de obras na Câmara Municipal de Braga, no início dos anos 90 do século passado, que houvera licença de obras, que as mesmas tinham sido iniciadas e, de seguida, interrompidas e que tendo a CMB autorizado obras no prédio fácil seria retomar o processo de obras, apresentando novo projecto. - Quesitos 22° e 23°.
2.40. - Em Junho de 2011, a 2.° ré teve acesso à cópia da descrição n° 116/19961210, de fls. 159 e 160, onde constava que o prédio estava registado a favor da lª ré. - Quesito 26°.
2.41. - Foi então que solicitou financiamento junto da aqui 3ª ré "Caixa". - Quesito 27°.
2.42. - A Caixa procedeu à avaliação do prédio e às diligências que entendeu necessárias, com vista à concessão do financiamento requerido. - Quesito 28°.
2.43. - A 2.a ré tomou conhecimento da existência da licença referida em 2.30 que lhe facilitaria o pedido de reinício de obras no prédio. - Quesito 31°.
2.44. - A ré Sara S procedeu já à realização de obras ao nível da "loja", nomeadamente, remoção de entulhos e lavagem de paredes, de acordo com o projecto do Arquitecto André A, sendo que a respectiva execução foi entregue, ao nível do 1 ° piso, à "B, Lda.". - Quesitos 32°, 33° e 34°.
2.45. -As obras começaram e foram interrompidas, na sequência da citação da 2ª ré para a presente acção. - Quesito 35°.
2.46. - A 2ª ré contratou um arquitecto, que para a elaboração do projecto e acompanhamento da execução das obras, apresentou uma "proposta" de honorários: €5.850,00 (cinco mil oitocentos e cinquenta euros) mais IVA. - Quesito 37°.
2.47. - Já foram executados pela 2ª ré trabalhos orçamentados em €1650,00 (mil seiscentos e cinquenta euros), a que acresce o valor de IVA. - Quesito 38°.
B) NÃO PROVADA.
2.48. - Que o Autor foi previamente notificado, para se pronunciar, sobre a inutilização da inscrição referida em 2.19 . - Quesito 1°.
2.49. - Que aquando da venda referida em 2.20 o prédio estava em reconstrução. - Quesito 2°.
2.50. - Que no acto de realização da escritura referida em 2.20 foi apresentado o alvará de licença de construção. - Quesito 4°.
2.51. - Que no acto de realização da escritura referida em 2.20 a licença de obras estava nessa data caducada. - Quesito 5°.
2.52.- Que aquando da realização da escritura referida em 2.20 foi apresentada a ficha técnica da habitação. - Quesito 7°.
2.53. - Que o imóvel está classificado de interesse público e cultural. - Quesito 9°.
2.54. - Que as obras foram autorizadas pelo "Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, LP." (IGESPAR). - Quesito 11°.
2.55. - Que o referido em 2.26 e 2.27 teve por base um acordo entre o autor e a l ª ré para que esta vendesse o prédio a terceiro. - Quesito 12°.
2.56. - Que aquando da realização da escritura referida em 20) a 2.a ré sabia que estivera registada uma hipoteca sobre o prédio, a favor do autor, para garantir o pagamento dessas tornas. - Quesito 14°.
2.57. - Que a Sara S, em conjugação de esforços com a 1.a ré, Maria T, diligenciou junto da Conservatória do Registo Predial pela inutilização da inscrição referida em 18) dos factos provados. - Quesito 15°.
2.58 - Que a 2.a ré só pretendeu adquirir a parte inferior do prédio, comprometendo-se a ceder à 1.a ré Maria T, filhas ou a quem esta indicasse a parte superior do mesmo. - Quesito 16°.
2.59 - Que acertado o preço, a Maria T propôs à 2a ré a outorga de contrato promessa, com entrega de sinal, a fim de ultimar uns pormenores necessários à venda, informando-a que tinha que pagar ao ex-marido, na sequência da partilha, determinado valor o que levou a 2a ré a desistir dessa aquisição. - Quesitos 24° e 25°.
2.60.- Que foi a 2ª ré quem decidiu que a compra seria feita por acto realizado, na Segunda Conservatória do Registo Predial de Braga, no âmbito do processo "Casa Pronta" e que tal foi aceite pela 3ª ré. - Quesitos 29° e 30°.
2.61. - Que a 2.a ré apresentou na Câmara Municipal de Braga o projecto de obras para o prédio da autoria do arquitecto referido em 2.44 - Quesito 36°.
2.62. - Que os atrasos na obra decorrentes do referido em 2.45 obrigam a ré a requerer prorrogação de licenças, pagar à empreiteira e ao arquitecto e a suportar as despesas com a amortização do empréstimo bancário. - Quesito 39°.
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3. - Da nulidade da sentença apelada invocada no âmbito do recurso interposto pelo A. António A.
Em sede de conclusões da respectiva instância recursiva, refere o recorrente António A que, a ser alterada a decisão sobre os concretos pontos de facto elencados também nas conclusões, tem de concluir-se que a sentença recorrida é nula, porquanto os fundamentos da decisão, constantes dos autos, estão em oposição com a sua decisão, verificando-se assim o vício do art° 615°, nº 1, al. c), do CPC.
Já em sede de alegações recursórias (stricto sensu), não explica o recorrente se, de alguma forma, estão os fundamentos de facto e/ou de direito vertidos na sentença apelada em oposição com o respectivo comando decisório subsequente.
Perante o quadro traçado a propósito do vício que o recorrente atribui à sentença apelada, e conhecendo da arguida nulidade, é óbvio e patente, que não padece de todo a sentença apelada do vício adjectivo acima apontado, maxime em razão dos – praticamente inexistentes - fundamentos invocados pelo apelante.
Senão, vejamos.
Como é por demais consabido, a apontada nulidade decorrente de pretensa contradição entre a fundamentação e a decisão, apenas existe quando os fundamentos invocados na sentença e na mesma plasmados - de facto e/ou de direito - devessem, necessária e logicamente ( qual vício lógico ), conduzir a uma decisão diferente/oposta àquela que a sentença expressa, sob pena de existir entre ambos uma contradição insanável e incompreensível (a decisão colide com os fundamentos em que ostensivamente se apoia ) . (1)
Dito de uma outra forma, e como ensinam Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (2), na alínea c), do nº1, do pretérito artº 668º do CPC, a lei refere-se à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não à hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão.
É que, e em rigor, como bem explicam ainda os mesmos e ilustres Prof.s (3) citados, na situação referida, “há um vício real no raciocínio do julgador ( e não um simples lapsus calami do autor da sentença ): a fundamentação aponta num sentido ; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente”.
Ainda como referência ao vício formal ora em apreço, e agora nas palavras de Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto (4),” Entre os fundamentos da decisão não pode haver contradição lógica: se na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença”.
E, logo a seguir, os mesmos autores advertem que “Esta oposição não se confunde com o erro de subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora da ineptidão da petição inicial (art. 193-2-b).”
Em suma, a hipótese da alínea c), pressupõe a existência de uma oposição real entre os fundamentos e a própria decisão, isto é, em causa estão situações em que os fundamentos invocados pelo julgador devessem ter conduzido, logicamente e coerentemente, a um resultado diferente do expresso na decisão. (5)
Dito isto, tal “obriga“ por si só e desde logo, a arredar o invocado vício de nulidade de sentença, com base em pretensa contradição entre a fundamentação e a decisão ou comando /dispositivo – a solução dada ao litígio , pois que, analisado o grosso (a globalidade) da fundamentação do a quo aduzida na sentença, não se descortina, antes pelo contrário, que aponte ela necessária e obrigatoriamente para um único sentido, tendo porém o Exmº julgador enveredado, contraditoriamente, por diferente desfecho/solução.
De resto, é o próprio recorrente que, a sustentar o vício que aponta à sentença apelada, parte do pressuposto de que incorre o julgador em sede de decisão de facto em erro de julgamento, considerando assim, pelo menos implicitamente, que a nulidade que invoca decorre desde logo do erro da Exmª Juiz a quo em sede de apreciação das provas, erro que, a não ter existido, forçosamente implicava uma fundamentação de facto diversa, e, consequentemente, um julgamento da causa igualmente diferente.
Ora, tal como o autor o caracteriza, então o vício que atinge a sentença será já de natureza substantiva (error in judicando), que não adjectiva, não sendo ele de todo subsumível à previsão do artº 615º, do CPC.
Em suma, e mais uma vez, o que de resto integra prática nefasta e confrangedoramente recorrente em sede de instâncias recursórias, confunde o recorrente o error in judicando com o mero error in procedendo, ou seja, trata o erro no julgar ou erro material ou de conteúdo como se fosse também ele um mero erro adjectivo ou um vício de forma, o que não é aceitável.
Dito de uma outra forma, para o recorrente, qualquer erro de julgamento, de facto e ou de direito, ou ambos, necessariamente conduz à nulidade da sentença, integrando o mesmo a previsão da alínea c), do nº1, do artº 615º, do CPC, o que, como é elementar, não faz de todo qualquer sentido.
Destarte, e sem necessidade de mais considerações, improcede portanto a conclusão do recorrente relacionada com a verificação de pretensa nulidade da sentença apelada, que não existe de todo.
3.1 - Da impugnação pelo recorrente da decisão proferida pelo a quo e relativa à matéria de facto.
No âmbito das alegações ( stricto sensu ) do recorrente António A, descortina-se a discordância do mesmo em relação ao julgamento de facto efectuado pelo tribunal a quo, designadamente no tocante às respostas conferidas a pelo menos 4 concretos pontos de facto e, bem assim, a insatisfação pelo facto de alguns dos factos alegados na petição não terem sido objecto de qualquer resposta.
Ainda em sede de alegações recursórias, indica o recorrente quais os meios probatórios que, no respectivo entendimento, desde que objecto de uma mais adequada apreciação e melhor e diferente valoração/julgamento, obrigavam à prolação pelo tribunal a quo e em sede de julgamento de facto de uma decisão diversa.
Por fim, já no âmbito das conclusões recursórias, volta o apelante a manifestar a sua discordância no tocante ao julgamento de facto da primeira instância e direccionado para concretos pontos de facto, aduzindo que em razão da prova produzida antes se impunha que tivessem sido todos os impugnados julgados de uma forma diversa.
Feita esta breve resenha direccionada para a forma como o apelante manifesta e exprime a sua discordância em relação ao julgamento da matéria de facto da primeira instância, temos para nós que nada obsta que a este Tribunal ad quem se imponha o conhecimento da pertinência/mérito da impugnação que o recorrente dirige para a decisão proferida pelo a quo e relativa à matéria de facto, maxime tendo presente a observância/cumprimento dos diversos ónus a cargo do impugnante e indicados no artº 640º, do CPC.
3.1.1.- Dos pontos de facto impugnados pelo apelante, porque alegadamente incorrectamente julgados.
Discorda o recorrente António A do facto de o tribunal a quo não ter julgado como provada a factualidade vertida no item 2.49. do presente Acórdão [Que aquando da venda referida em 2.20 o prédio estava em reconstrução], alicerçando o erro de julgamento em razão sobretudo de concreta prova documental junta aos autos e, bem assim, tendo ainda em atenção diversa outra factualidade que o mesmo tribunal a quo reconheceu ter ficado provada.
Já da sentença apelada, e no segmento respeitante ao cumprimento do disposto no nº 4, do artº 607º, do CPC, possível é concluir que a Exmª Juiz a quo considerou o ponto de facto ora em apreço como não provado, designadamente porque , para além de no relatório pericial junto aos autos referir o perito que não podia afirmar o estado do prédio em Agosto de 2011, certo é que outra prova também não foi feita que permita alicerçar uma resposta positiva .
Ora Bem.
Sendo verdade que a este Tribunal, e em sede de julgamento do mérito de impugnação de recorrente , nada obsta, antes é-lhe exigível , que forme a sua própria convicção, o certo é que importa não olvidar que a este Tribunal da Relação não cabe de todo a tarefa de realizar um segundo ou um novo julgamento, antes é a sua competência residual [ porque os respectivos poderes circunscrevem-se à reapreciação de concretos meios probatórios relativamente a determinados pontos de facto impugnados (6) ], ou seja, a impugnação da decisão de facto “ não pode transformar o tribunal de segunda instância em tribunal de substituição total e pleno, anulando, de forma plena e absoluta, o julgamento que foi realizado por um tribunal a quem cabe, em primeira e decisiva linha, fazer uma aproximação, imediata e próxima, das provas que lhe são presentes. À segunda instância cabe proceder ao julgamento da decisão de facto por forma a corrigir erros de julgamento patentes nos tribunais de 1.ª instância, mas dentro de limites que não podem exacerbar ou expandir-se para além do que a lei comina.” (7) .
Daí que, compreensivelmente, no âmbito do julgamento da impugnação da decisão de facto, há-de o Tribunal da Relação evitar a introdução de alterações quando não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de um erro de apreciação da prova relativamente aos concretos pontos de facto impugnados .(8)
Isto dito, e começando pela prova documental invocada pelo apelante, muita dela reportada a documentação já com alguns anos de existência à data da venda outorgada a 19 de Agosto de 2011, é óbvio que não serve a mesma como prova idónea que permita responder provado que, “ aquando da venda referida em 2.20 o prédio estava em reconstrução”, e isto se levarmos em consideração que a redacção do ponto de facto em análise tem prima facie o propósito de aludir a uma intervenção que o prédio está a ser objecto no momento, estando a mesma em execução, e não a algo que o prédio foi sujeito há já anos, mas que não chegou a concluir-se.
Que o referido sentido é aquele que, tal como o ponto de facto se mostra concebido/redigido, mais pertinência tem, assim o entendeu - implicitamente - outrossim o perito aquando da elaboração do Relatório Pericial de fls. 339, produzido no inicio de Janeiro de 2013, ao explicar que não podia “confirmar se, naquele mês e naquele ano, o prédio referido se encontrava fisicamente em processo de obras de reconstrução ou se estas se encontravam suspensas “.
Dir-se-á, assim, que a prova – maxime pericial e documental – a que se refere o impugnante, se alguma valia tem para o julgamento de facto, permite tão só julgar como provado que, “aquando da venda referida em 2.20 o prédio não se encontrava habitável, tendo sido sujeito a obras de reconstrução que não foram porém concluídas”.
Não se olvida que, os “pretéritos” quesitos , não careciam tão só ser objecto de respostas positivas ou negativas, podendo outrossim aos mesmos o julgador responder restritivamente e, não se desconhece também que, e tal como já resultava dos nºs 2 e 3, do artº 264º, do já revogado CPC, e na linha de uma tendência paulatina do legislador em conferir uma maior importância à verdade material em detrimento de uma verdade puramente formal - à decisão de fundo sobre a decisão de forma, e em razão de uma diferente ponderação entre os princípios do dispositivo e da oficiosidade - , diz-nos o artº 5º, nº2, do CPC actualmente em vigor que, além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz “os factos instrumentais que resultem da instrução da causa“, e também “os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar “.
Sucede que, sendo os factos instrumentais , por contraposição aos factos essenciais, “ aqueles que nada têm a ver com a substanciação da acção e da defesa e, por isso mesmo, não carecem de ser incluídos na base instrutória, podendo ser livremente investigados pelo juiz no âmbito dos seus poderes inquisitórios de descoberta da verdade material ” (9), e tal como actualmente resulta claro do artº 607º, nº 4, do actual CPC, hão-de os mesmos fazer parte tão só da motivação da convicção da decisão de facto, que não já da decisão de facto/fundamentação de facto stricto sensu , sendo que esta última apenas deve integrar os factos essenciais , ou, dito de uma outra forma, os relevantes à luz do direito substantivo . (10)
Por outra banda, a integrar o âmbito da alínea b), do nº2, do artº 5º, do CPC, o que se nos afigura ser o mais adequado, não foi porém a referida factualidade [ ou seja, que “ aquando da venda referida em 2.20 o prédio não se encontrava habitável, tendo sido sujeito a obras de reconstrução entretanto não concluídas” ] sujeita a contraditório com vista a passar a fazer parte do objecto da instrução , e , em última instância, integrar a fundamentação de facto da sentença.
Em razão do exposto, em consequência , porque a prova indicada pelo recorrente não permite e obriga [ apenas aponta a mesma para que o prédio objecto da venda referida em 2.20 foi em momento anterior sujeito a obras de reconstrução, e não que, “ aquando da venda referida , estava em reconstrução” ] a responder positivamente ao ponto de facto ora em sindicância, improcede portanto a impugnação da decisão da matéria de facto nesta parte.
Ademais, com referência à específica não habitabilidade do prédio à data do acto de realização da escritura referida, existe já inserido na motivação de facto um concreto ponto de facto que à mesma alude ( o 2.32 ), não se justificando assim que tal factualidade seja novamente atendida.
De seguida, discorda também o apelante do ponto de facto vertido no item 2.45. do presente Ac., invocando para tanto – como fundamento - e apenas o depoimento que refere ter sido prestado pela testemunha Mário A, e reproduzindo um pequeno excerto do mesmo.
Sucede que, não apenas não indica o apelante, com exactidão [quer com referência ao início e termo do registo da gravação de todo o depoimento testemunhal visado, quer também do início e termo do registo da gravação da exacta passagem na qual se funda a impugnação – cfr. artº 640º,nº2, alínea a), do CPC ] , como, ademais, o pequeno excerto transcrito está longe de demonstrar , com a mínima segurança, um erro de apreciação da prova da parte do tribunal a quo.
É que, tendo a testemunha invocada alegadamente referido que no prédio tirou-se lixo até final de 2011 e as obras efectuaram-se posteriormente, e dizendo por sua vez o ponto de facto nº 2.45 que “As obras começaram e foram interrompidas, na sequência da citação da 2ª ré para a presente acção “, não se nos afigura que se esteja perante um claro erro de apreciação da prova.
Basta, para tanto, admitir que, ao aludir a final de 2011, estava a testemunha a querer dizer até finais de 2011 (que não exactamente até o dia 31/12/2011 ) , isto por um lado e, por outro, sendo verdade que a 2ª Ré foi citada em 30/11/2011, certo é que da redacção do facto nº 2.45 não decorre inelutavelmente que “As obras começaram e foram interrompidas imediatamente após a citação da 2ª ré para a presente acção ( v.g. logo no dia imediato/seguinte ) , mas tão só que “ As obras começaram e foram interrompidas, na sequência ( por causa e/ou em razão de, que não imediatamente e, ou logo a seguir ) da citação da 2ª ré para a presente acção”.
Logo, porque o depoimento invocado pelo apelante é perfeitamente conciliável com a redacção do facto nº 2.45, improcede também nesta parte a impugnação.
Discorda também o apelante do facto julgado “Não Provado”, vertido no item 2.48. do presente Ac., rezando ele que “O Autor foi previamente notificado, para se pronunciar, sobre a inutilização da inscrição referida em 2.19”.
Nesta parte, ao recorrente assiste toda a razão.
É que, desde logo, porque o ponto de facto em apreço [rezando que “o Autor foi previamente notificado, para se pronunciar, sobre a inutilização da inscrição referida em 2.19“], mais não íntegra do que mera impugnação motivada do alegado pelo autor na petição inicial [ no artº 38º da petição alega o autor que não foi notificado/informado da ratio da inutilização da inscrição da hipoteca , e não que “o Autor foi previamente notificado, para se pronunciar, sobre a inutilização da inscrição referida em 2.19 “ ] , não justificava sequer que tivesse sido objecto de quesitação ( Quesito 1° ).
Na verdade, e em bom rigor jurídico , porque apenas os factos essenciais alegados (que são tão só os que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas , logo, os únicos prima facie relevantes para a decisão da causa ) são os que merecem ser objecto de actividade instrutória, o que importava sujeitar à instrução era a versão negativa do quesito 1º ( porque integrante da causa petendi , e alegada pelo Autor ), que não de todo a sua versão positiva ( porque mera impugnação) – cfr. artºs 5º,nº1, e 410º, ambos do CPC.
Não tendo todavia a primeira instância sujeitado à actividade instrutória a alegação negativa do autor ( como se impunha , porque integrante da causa petendi e a provar pelo autor – cfr. artº 342º,nº1, do CC ), e porque consubstancia a mesma, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, um facto relevante para a decisão da causa, resta a este Tribunal lançar mão do poder-dever que lhe confere a parte final da alínea c), do nº2, do artº 662º, do CPC [ ao invés de conferir ao ponto de facto nº 2.48. uma redacção totalmente diversa da fixada ab initio pelo tribunal a quo, extravasando e alterando – ilicitamente - assim o respectivo âmbito e sentido inicial, pois que, de uma versão positiva, passa-se para uma outra totalmente diversa, a versão negativa, considerando-se provado o contrário do perguntado].
Isto dito, recorda-se que a citada disposição legal – artº 662º, nº2, alínea c) - adjectiva , diz-nos que a Relação deve ainda, mesmo oficiosamente ”Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta”.
A indispensabilidade da ampliação da matéria de facto, diz-nos António Santos A. Geraldes (11), deve ter lugar quando se confronte a Relação com uma objectiva falta de selecção de factos relevantes, v.g. quando determinado ponto controvertido da matéria de facto, não obstante se revelar essencial para a decisão da causa, não foi todavia objecto de pronúncia, caso em que se pode comprometer o resultado da acção.
Mais explica A. Geraldes (12) que, a existir o referido vício e sem necessidade de a parte interessada na sua reparação o solicitar sequer, e caso à disposição da segunda instância constem todos os elementos do processo que permitam ( nos termos do nº1, do artº 662º, do CPC) a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, deve então o tribunal da Relação suprir de imediato o referido vício.
Ora, in casu, inquestionável é que do processo constam todos os elementos do processo que permitem a alteração da decisão da facto, maxime a gravação de depoimentos testemunhais prestados em audiência de julgamento, nada obstando portanto a que introduza este Tribunal na decisão relativa à matéria de facto a modificação tida/julgada por oportuna, isto por um lado.
Por outra banda, analisada a referida prova testemunhal, manifesto é que [como de resto o reconhece o próprio julgador em sede de cumprimento do disposto no artigo 607º,nº4, do CPC], os Conservadores Luís S e Carlos V, quando ouvidos em audiência, reconheceram que não notificaram o autor da inutilização da inscrição de hipoteca legal.
Destarte, tendo presente a referida prova, valorando-a, deve assim à decisão de facto proferida pelo tribunal a quo ser modificada, justificando-se adicionar à factualidade provada um novo ponto de facto, e devendo o mesmo ter a seguinte redacção:
“ 2.48. (A) “O Autor não foi previamente notificado, para se pronunciar, querendo, sobre a inutilização da inscrição de hipoteca legal indicada em 2.18 e 2.19 “.
Manifesta também o recorrente o seu desacordo direccionado para o julgamento negativo conferido pelo tribunal a quo ao ponto de facto correspondente ao item 2.50. do presente Ac. [“ No acto de realização da escritura referida em 2.20 foi apresentado o alvará de licença de construção “ - Quesito 4° ], considerando que , em face da prova produzida, justificava-se que tivesse a primeira instância julgado Provado que “ No acto de realização da escritura de compra e venda do imóvel não foi apresentado o alvará de licença de construção nem apresentada a ficha técnica da habitação”.
No tocante a este ponto de facto, e considerando que o que o autor alegou na respectiva petição não foi o que acabou por ser inserido – e respondido – pela primeira instância no ponto de facto impugnado, mas antes a versão contrária e não alegada , inevitável é que deva ao mesmo aplicar-se mutatis mutandis o já referido no presente Ac. com referência ao ponto de facto nº 2.48.
Na verdade, no artº 49º da petição, o que o autor alegou foi que No acto de realização da escritura de compra e venda e hipoteca não foi apresentado o alvará de licença de construção , desde logo porque não existia, acabando porém o tribunal a quo – por razões não descortináveis - por formular/quesitar a versão contrária, não alegada, ainda que em sede de impugnação.
Ora, considerando o teor da informação prestada pela 2dª CRP de Braga, subscrita pelo Conservador, e junta a fls. 327, é manifesto que deve a impugnação da decisão de facto proferida pelo Tribunal a quo ser atendida, porque existe prova idónea que sustenta e comprova o ponto de facto alegado pelo autor e não objecto de resposta pela primeira instância.
Em consequência, ao abrigo do nº2. Alínea c), in fine, do artº 662º, do CPC) , à decisão proferida sobre a matéria de facto pelo tribunal a quo, adita este tribunal o seguinte, devendo o mesmo integrar o rol dos factos PROVADOS:
“ 2.48. (B) “ No acto de realização da escritura de compra e venda do imóvel não foi apresentado o alvará de licença de construção nem apresentada a licença de habitação “.
De seguida, considera o Autor/recorrente que justifica-se que à matéria de facto provada seja adicionado que, “no acto da celebração da escritura não foi exibida a certidão comprovativa da renúncia do estado ou do Município de Braga ao direito de preferência nem a prévia comunicação escrita ao IGESPAR”.
A pretensão do autor, nesta parte, não pode/merece porém ser atendida.
Desde logo, não alega o autor, no seu articulado a referida factualidade [ alegando v.g. em termos peremptórios que aquando da escritura não foram exibidas a certidão comprovativa da renúncia do estado ou do Município de Braga ao direito de preferência , bem como a prévia comunicação escrita ao IGESPAR”] , antes limita-se na referida peça a “concluir e ou a advertir ” ,nos artºs 69º e 70º da petição, que aquando do acto da celebração da escritura impunha-se a exibição da certidão comprovativa da renúncia do Estado ou do Município de Braga ao direito de preferência , bem como, a validade da alienação do prédio e a constituição da hipoteca dependia da prévia comunicação escrita ao IGESPAR.
Depois, não se olvidando o disposto no artº 5º, nº2, do artº 5º, do CPC, do qual resulta que , ainda que não alegados , deve ainda assim o Juiz considerar os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, e sendo inquestionável que do teor dos documentos jutos a fls 175 e 179 , licito é presumir ( cfr. artºs 349º e 351º, ambos do CC ) que aquando da escritura não foram exibidas a certidão comprovativa da renúncia do estado ou do Município de Braga ao direito de preferência , bem como a prévia comunicação escrita ao IGESPAR, a verdade é que em sede de recurso/utilização de presunções judiciais, importa que o facto presumido , para poder ser considerado provado, tenha em todo o caso sido efectivamente alegado.
É que , como bem se conclui em Ac, do STJ (13) , se é permitido ao julgador extrair ilações de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (art. 349º C.Civil), nada obstando a que as instâncias , através das chamadas presunções judiciais, considerem comprovada determinada matéria de facto com base em regras racionais e de conhecimentos decorrentes da experiência comum, certo é que tais deduções hão-de ser sempre o desenvolvimento lógico e racional dos factos assentes, pois que, “ Já não é possível extraí-las de factos não provados, nem de factos não alegados, ou seja, de uma realidade processualmente não adquirida”.
Isto disto, improcede portanto, nesta parte, a impugnação do apelante.
Por fim, é entendimento do apelante que deveria ainda o tribunal a quo ter julgado como provado os factos alegados no artº 34° da PI [ o autor, pelo menos em 2/12/2010 e 1/6/2011, consultou a inscrição registal da hipoteca legal a seu favor ], sobretudo tendo em conta o teor dos documentos juntos a fIs. 64 a 67.
“Dando de barato” que o alegado pelo autor no artº 34º da petição foi objecto de prova produzida ,categórica e contundente, a questão que se coloca é a de saber qual a importância, para o desfecho da acção, da prova do referido facto.
Para nós, porque a resposta pertinente é só uma, “nenhuma” , temos que, neste segmento, a impugnação do apelante não justifica/merece uma qualquer actividade cognitiva da nossa parte, porque inútil.
Ora, porque em obediência ao princípio da limitação dos actos (cfr. artº 130º, do CPC), também em sede de impugnação de decisão proferida pela primeira instância e relativa à matéria de facto, hão-de os concretos pontos de facto impugnados poderem - segundo as diversas soluções plausíveis das variadas questões de direito suscitadas - contribuir para a boa decisão da causa, maxime a respectiva e solicitada modificação há-de minimamente relevar para uma almejada alteração do julgado, quando tal não sucede, então não é de exigir ao tribunal ad quem que sobre a matéria se manifeste.
Na verdade, como bem se decidiu em Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa (14) “ Não há que conhecer da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, por desnecessidade, mesmo que verificados os requisitos legais, se a alteração pedida for meramente instrumental em relação à solução jurídica pretendida por via do recurso“, razão porque , ainda que ao ad quem incumba apreciar todas as questões que lhe sejam colocadas pelo respectivo recorrente ( cfr. artº 608º,nº2, ex vi artº 663º,nº2, ambos do CPC ) , devem porém tais questões estar “numa relação directa com o aquilo que se pretende obter com o provimento do recurso, pelo que tudo o que seja espúrio e desnecessário ao efeito pretendido não pode, nem deve, ser apreciado.
Alinhando por igual entendimento, também o TRP (15) decidiu ( e bem ) que “ Se os factos cuja reapreciação é pretendida não têm a virtualidade de influir na possível solução jurídica do caso, o tribunal ad quem, em estrita observância da regra legal de que são proibidos os actos inúteis (artigo 130º do Código de Processo Civil), deve recusar-se a conhecer dessa matéria juridicamente inócua”.
É que, diz-se na douta decisão indicada em último lugar, se a matéria de facto impugnada é inócua, então “não tem aptidão para constituir objecto de uma impugnação da decisão da matéria de facto, já que do que se trata em qualquer caso, não é do apuramento de uma qualquer verdade absoluta ou ontológica, mas sim e de modo mais modesto, de uma verdade factual prática apta a desencadear ou suportar certas consequências jurídicas”.
E, ainda o mesmo Tribunal da Relação do Porto, em nova e posterior decisão (16) , refere, “ se a reapreciação de concreta matéria de facto é inócua, à luz das diversas soluções plausíveis das várias questões de direito, e atento o carácter instrumental da reapreciação da decisão da matéria de facto, no sentido de que a reapreciação pretendida visa sustentar uma certa solução para uma dada questão de direito, a inocuidade da aludida matéria de facto justifica que este tribunal indefira essa pretensão, em homenagem à proibição da prática no processo de actos inúteis”
Dito isto, e aqui chegados, temos assim que os ganhos conseguidos pelo apelante em sede de impugnação da decisão proferida pelo a quo e relativa à matéria de facto, resumem-se aos seguintes, a saber:
À factualidade julgada provada pelo tribunal a quo, e na sequência da procedência parcial da impugnação da decisão proferida pelo a quo e elativa à matéria de facto, impõe-se acrescentar os seguintes dois pontos de facto;
I - “2.48. (A) “O Autor não foi previamente notificado, para se pronunciar, querendo, sobre a inutilização da inscrição de hipoteca legal indicada em 2.18 e 2.19 “.
II - “ 2.48. (B) “ No acto de realização da escritura de compra e venda do imóvel não foi apresentado o alvará de licença de construção nem apresentada a licença de habitação “.
*
4. - Se deve a sentença apelada ser revogada, sendo a acção julgada procedente, maxime em razão da alteração da decisão relativa à matéria de facto proferida pelo a quo e em consequência da impugnação do apelante.
Como decorre do relatório do presente Ac., e, sobretudo, das conclusões recursórias do próprio Apelante dirigidas para a sentença recorrida, manifesto é que a pretendida/almejada alteração do julgado assentava e exigia, no essencial, uma alteração e/ou modificação/alteração da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo a quo.
É assim que, v.g. no tocante ao pedido de declaração de nulidade do registo de aquisição a favor da primeira Ré do prédio que identifica na petição, que a primeira instância julgou improcedente, refere o autor/apelante que, as alterações na decisão de facto que se impõem efectuar , por si só obrigam à sua procedência.
Por outra banda, considera ainda o apelante que, também a factualidade provada pelo próprio tribunal a quo justificava , desde logo , a procedência do aludido pedido de declaração de nulidade do registo de aquisição a favor da primeira Ré, logo, na referida parte pelo menos, incorre o tribunal a quo em error in judicando.
Vejamos.
4.1. - O tribunal a quo, ao apreciar/conhecer do mérito do pedido referido [ de declaração de nulidade do registo de aquisição a favor da primeira Ré ] , sustentou que não se justificava ser ele atendido porque, no essencial , todas as “irregularidades” invocadas pelo autor [ v.g. : a) ancorar-se o registo em certidão emitida “para fins tidos por convenientes" ; b) ser a referida certidão omissa quanto à falta do pagamento de tornas e à pendência de processo judicial ; c) enfermar o registo de inexactidões acerca do objecto, por desconformidade entre a descrição predial existente no registo e a descrição do prédio constante da certidão, designadamente por da certidão constar a adjudicação de um "Prédio urbano (em reconstrução) ], em rigor de pretensos vícios se tratavam que não conduziam e justificam de todo a nulidade do registo.
Adiantando desde já o nosso veredicto, temos para nós que o decidido pelo Tribunal de primeira instância, nesta parte, não é susceptível de qualquer censura/reparo , e , ademais, a alteração da decisão de facto operada por este mesmo Tribunal não força/obriga também a um diverso julgamento.
Na verdade , e sendo incontroverso estar-se in casu na presença de facto jurídico - porque determina a aquisição do direito de propriedade - sujeito a registo [ em consonância com o princípio da tipicidade sufragado nos artºs 2º e 3º do CRPredial ] importa desde logo não olvidar que as causas de nulidade do registo mostram-se taxativamente enumeradas no artº 16º do CRP (17) , o que equivale a dizer que, em regra, as inexactidões do registo não conduzem desde logo e inevitavelmente à sua nulidade, pois que tal apenas sucederá quando em causa estiver qualquer uma das situações referidas/identificadas no referido artº 16º. (18)
Dito de uma outra forma, não constituem motivo de nulidade as falhas ou deficiências do registo para as quais a lei não comine e consagre expressamente tal consequência.
Depois, dispondo é certo que o registo é nulo “ Quando enfermar de omissões ou inexactidões de que resulte incerteza acerca dos sujeitos ou do objecto da relação jurídica a que o facto registado se refere”, importa ter bem presente que não basta uma simples falta ou imprecisão que não ponha em causa a identidade do prédio ou dos sujeitos para, sem mais, se dever concluir pela nulidade do registo, e isto porque, estando em causa um vício com relevo ( a ponto de desencadear a nulidade ) , há-de a omissão ou inexactidão ser necessariamente GRAVE, devendo ainda ser de molde a atingir aqueles elementos essenciais da relação jurídica, inculcando que são outros (19).
É que, integrando a nulidade, em geral, uma espécie grave de invalidade dos actos jurídicos ( o que conduz desde logo a um regime especial em sede de arguição/invocação, e no tocante às suas consequências, operando ipso jure ou ipsa vi legis ), compreensível é que esteja “pensada” apenas para falhas muito graves , devendo as mesmas estar directamente previstas na lei, ou seja, como o afirma o Prof. João de Castro Mendes (20) , sendo a nulidade dos actos uma pena muito grave e de efeitos transcendentes, porque produz a morte civil dos mesmos actos, “só a deve haver quando a lei por motivos de grande conveniência pública, a tenha expressamente cominado."
Isto dito, e não apontando de todo a factualidade assente para a prova de fattispecie susceptível de integrar a previsão das alíneas a) e b), do artº 16º, do CRP [ v.g. registo - de aquisição a favor da primeira Ré - lavrado com base em títulos falsos e/ou com base em título insuficiente para a prova legal do facto - aquisição - registado ], e , muito menos, das alíneas d) e e) do mesmo normativo [ registo efectuado por serviço de registo incompetente ou assinado por pessoa sem competência, ou lavrado sem apresentação prévia ou com violação do princípio do trato sucessivo ] , in casu apenas a segunda parte da alínea c) do artº 16º [ padecer o registo de omissões ou inexactidões de que resulte incerteza acerca do objecto da relação jurídica a que o facto registado se refere ] apresenta alguma pertinência , prima facie, para poder alicerçar a pretensão do apelante.
Com efeito, se atentarmos no disposto nos artºs 43º,nº1 e 92º,nº1, alínea J), ambos do CRPredial, conjugados com o artº 1378º,nº3, do CPC ( vigente à data dos factos vertidos nos itens 2.8. e 2.9, do presente Ac. ), lícito não é considerar que o registo de aquisição foi lavrado com base em título insuficiente para a prova legal do facto registado, e isto porque, certificando uma certidão que existe sentença a homologar a partilha proferida em 20 de Abril de 2010, transitada em julgado a 6 de Maio de 2010 ( cfr. itens 2.10 a 2.12 , do presente Ac. ) , importa não olvidar que, como bem chama à atenção J.A.Lopes Cardoso (21) , a venda dos bens adjudicados ao devedor de tornas não conduz a que a licitação fique sem efeito, antes se atribui ao titular dum direito de crédito a fácil execução do mesmo ( cfr. o disposto no artº 1378º,nº3, do CPC ) .
Por outro lado, e agora com referência específica à segunda parte da alínea c) do artº 16º , sucede que , como vimos já , forçoso - para poder integrar o vício de nulidade - é que se esteja perante uma inexactidão que incida sobre elementos essenciais da relação jurídica, a ponto de a relevância/gravidade da mesma criar e suscitar fundadamente a incerteza do objecto da relação jurídica a que o facto registado se reporta.
Ora, nesta matéria, e tal como bem o considerou o tribunal a quo, não é a mera desconformidade entre a descrição predial existente no registo e a descrição do prédio constante da certidão, designadamente por da certidão constar a adjudicação de um "Prédio urbano (em reconstrução) “, que justifica subsumir a inexactidão existente à II parte da alínea c), do artº 16º, do CRP , e sobretudo quando o objecto da relação jurídica se mostra minimamente delimitado e concretizado ( não existindo incerteza quanto ao mesmo ), sendo ele o Prédio urbano, sito na Rua D. Afonso Henriques, n.os 36, 38 e 40, de polícia, freguesia de Braga (Cividade), inscrito na matriz respectiva sob o artigo 189.° e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n. ° 00116/Braga.
Em razão do acabado de aduzir, e porque não integra também o novo facto aditado por este Tribunal [ “2.48. (B) “ No acto de realização da escritura de compra e venda do imóvel não foi apresentado o alvará de licença de construção nem apresentada a licença de habitação “ ] causa/fundamento tipificado para efeitos de nulidade de Registo, inevitável é a improcedência das conclusões recursórias do apelante e identificadas nos nºs 9º a 14º das alegações.
4.2.- De seguida, conclui outrossim o apelante que a primeira instância não sentenciou com acerto quando desatendeu o pedido de declaração de nulidade da inutilização da inscrição da hipoteca legal a seu favor.
A fundamentar a decisão da primeira instância, recorda-se, considerou o tribunal a quo , no essencial, que , além de o registo da hipoteca legal [ o qual , em razão do disposto no artº 687º, do CC e 4º, nº2, do CRP, tem natureza constitutiva, sendo a hipoteca um direito real sujeito a publicidade registral constitutiva ] ter sido efectuado indevidamente, porque destituído de fundamento legal, e não obstante se impor reconhecer que deveria o autor, previamente à sua inutilização, ter sido notificado/informado das razões factuais e jurídicas que a justificavam, o certo é que tal omissão - de notificação - não gera a nulidade.
Dissentindo o apelante do referido julgamento, é entendimento do recorrente que, em face da factualidade assente, e sendo inquestionável que a inutilização da inscrição da hipoteca legal a seu favor, e sem a sua audição , integra uma autêntica "decisão surpresa", frustrando uma legítima expectativa decorrente de certo facto inscrito no registo, então forçoso é concluir que a anotação de inutilização da inscrição do registo de hipoteca legal a seu favor não pode deixar de ser nula, impondo-se que seja ordenada a reconstituição da situação tabelar anterior, ou seja, o registo da hipoteca legal a favor do A.
Vejamos.
Antes de mais, importa deixar claro que nos revemos na posição sufragada pelo tribunal a quo no sentido de que ao autor/apelante não confere a Lei, enquanto credor de tornas, a hipoteca legal sobre os bens adjudicados ao devedor das referidas tornas.
Na verdade estando em causa uma Hipoteca legal, deve a mesma resultar imediatamente da lei ( cfr. artº 704º, do CC ) , e , em rigor, da alínea e), do artº 705º, do mesmo diploma legal, apenas decorre que tem hipoteca legal “ O co-herdeiro , sobre os bens adjudicados ao devedor de tornas, para garantir o pagamento destas “, o que equivale a dizer que em causa está tão só a partilha hereditária, que não a partilha subsequente a divórcio.
Daí que, como o concluiu e decidiu já, e bem a nosso ver , o STA (22) (sic):
1 - “ A norma do art. 705°, alínea e), do Código Civil, ao estipular a hipoteca legal a favor do co-herdeiro, em relação aos bens adjudicados ao devedor de tornas, para garantir o pagamento destas, não abrange o cônjuge meeiro a quem são devidas tornas por efeito da adjudicação dos bens do casal ao outro cônjuge, no âmbito de um inventário especial de partilha em consequência de divórcio”; e,
2 - “ Por não subsistir facto ilícito, é de improceder a acção de responsabilidade civil intentada contra o Estado com base na omissão por parte do conservador de registo predial de registo oficioso de hipoteca legal a favor do cônjuge credor de tornas, quando lhe tenha sido apresentado o registo da aquisição do prédio que foi adjudicado nesse inventário ao outro cônjuge”.
De resto, pertinente não é, de todo, dizer-se - como o faz o apelante - que também o nº4, do artº 1378º, do CPC pretérito, consagra/estabelece uma situação de Hipoteca legal, aplicável ao caso sub judice, razão porque mal andou o Conservador do Registo Predial em proceder ao cancelamento do respectivo registo.
Desde logo, importa não olvidar que, dispondo o referido normativo adjectivo que “ Não sendo reclamado o pagamento, as tornas vencem juros legais desde a data da sentença de partilhas e os credores podem registar hipoteca legal sobre os bens adjudicados ao devedor ou, quando essa garantia se mostre insuficiente, requerer que sejam tornadas ,quanto aos imóveis, as cautelas prescritas no artigo 1384º “, a verdade é que in casu o apelante reclamou as tornas, e ,consequentemente, lançou mão do nº3, do artº 1378º, requerendo a venda do bem.
Ora, utilizando-se o velho e conhecido provérbio português, não pode o credor de tornas, e perante o disposto no artº 1378º, do CPC, almejar ter “sol na eira e chuva no nabal “, que o mesmo é dizer, socorrer-se simultaneamente de ambas as faculdades dos nºs 3 e 4 do referido dispositivo , e , tendo o apelante optado pela do nº3, então não faz sentido invocar assistir-lhe também a do nº4.
Depois, como bem se explica, justifica e se CONCLUIU em douto Parecer do Conselho Consultivo do IRN, e de 26/7/2013 (23), e para o qual se remete Brevitatis causa , sufragando-se in totum os respectivos - exaustivos e sapientes - fundamentos :
1. Ao referir-se ao co-herdeiro, para efeito de reconhecimento de direito de hipoteca legal sobre os bens adjudicados ao devedor de tornas ( art. 705°/e) do Código Civil), o sentido que a letra da lei directamente comporta é o de que pretendeu limitar o seu âmbito de aplicação à partilha por óbito.
2. Perante o sentido assim literalmente manifestado, afastada fica a possibilidade de, por via de interpretação extensiva, considerar abrangida a partilha por divórcio, por falta do mínimo de correspondência verbal exigido pelo art, 9°/2 do Código Civil.
3. A remissão que, no âmbito do inventário em consequência de divórcio, é feita para as disposições processuais relativas ao inventário por óbito, pelo nº 3 do art. 1404° do Código de Processo Civil - "O inventário corre por apenso ao processo de separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação e segue os termos prescritos nas secções anteriores" - não abrange o disposto no nº 4 do art. 1378° do mesmo código, cujo regime assenta no reconhecimento do direito de hipoteca legal constante da indicada alínea e) do art. 705º, exclusivamente aplicável a co-herdeiro.” .
Finalmente, resta tão só acrescentar que, para sufragar o entendimento do apelante, pertinente não é, de todo, chamar-se à colação os Acs. do Tribunal da Relação de Coimbra ( de 18/9/2007 ) e do Tribunal da Relação de Lisboa ( de 3/11/2011 ) , pois que, em qualquer um deles, e em abono da verdade , não foi a questão que vimos analisando abordada e decidida directamente, antes decidiu o primeiro aresto da questão de saber se, nas circunstâncias processuais dos autos, podia ou não a agravante lançar mão do processo executivo especial previsto no artº 1378º, nº 3, e para cobrança coerciva das tornas em dívida , e , o segundo, sobretudo da possibilidade de para satisfação do crédito de tornas de interessado poder ser vendido nos autos um imóvel que é bem próprio do outro interessado mas que não lhe foi adjudicado no processo de inventário.
No seguimento do entendimento acabado de expor , forçoso é concluir que o registo efectuado pelo Adjunto do Conservador da inscrição identificada em 2.18 dos presentes autos, foi indevidamente efectuado, sendo o mesmo nulo, por ter sido lavrado com base em título insuficiente para a prova legal do facto registado ( cfr. artº 16º, alínea b), do CRP ), sendo que, a regra geral aplicável ao referido tipo de vício registal , é a de que “a nulidade do registo só pode ser invocada depois de declarada por decisão judicial com trânsito em julgado" ( cfr. artº 17º,nº1, do CRP ).
Porém, sendo certo que, insiste-se, a regra geral em sede de direito registal é a de que a nulidade do registo não é sanável, exigindo ( cfr. artºs 17º,nº1 , do CRP ) ser declarada judicialmente para poder ser invocada, a verdade é que, quando o vício de nulidade do registo resulte do facto de ter sido ele indevidamente lavrado [ cfr. artigo 16º, alínea b), e artigos 120º, nº 1 e 123º, nº1, todos d CRP ], consagrou o legislador uma forma legal expedita de ser o referido vício reparado/sanado, o que pode ocorrer através do instituto da rectificação.
É assim que, no artº 121º do CRP, refere o respectivo nº 1 que “ Os registos inexactos e os registos indevidamente lavrados devem ser rectificados por iniciativa do conservador logo que tome conhecimento da irregularidade, ou a pedido de qualquer interessado, ainda que não inscrito “, logo acrescentando o nº2, seguinte, que “ Os registos indevidamente efectuados que sejam nulos nos termos das alíneas b) e d) do artigo 16.º podem ser cancelados com o consentimento dos interessados ou em execução de decisão tomada neste processo”.
No essencial, tal como refere Mouteira Guerreiro (24) , constituindo a nulidade um vício que em principio não admitiria a possibilidade de sanação, todavia a “lei, para abrir o leque das hipótese de rectificação do registo, permitiu que as alíneas b) e e) fossem sanáveis, a primeira pelo cancelamento e a outra pela feitura dos registos em falta “ .
Dedicando de seguida uma particular atenção à forma de sanação da nulidade de registo indevidamente efectuado, a concretizar através do respectivo cancelamento, vimos já que , para repor a legalidade que a segurança do comércio jurídico imobiliário que emerge da publicidade registral ( cfr. artº 1º, do CRP ) reivindica e exige, o legislador ( através do nº1, do artº 121º do CRP ) impõe ao Conservador o dever de tomar a iniciativa de desencadear a rectificação, estabelecendo assim um meio intra-sistemático e oficioso de rectificação e de reposição expedida da conformidade da realidade registral com a realidade jurídica e material subjacente.
O Conservador, portanto, e sem prejuízo de o competente procedimento poder ser desencadeado a pedido de qualquer interessado, ainda que não inscrito ( segundo o principio da instância – artº 41º, do CRP ) , está obrigado ( não olvidando também o principio da legalidade plasmado no artº 68º do CRP ) a promover a rectificação, o que deve fazer logo que tome conhecimento da irregularidade, sendo de resto a sua primeira e essencial função a de zelar pela veracidade do registo, e com o desiderato decisivo de velar pela sua coincidência com o que foi titulado. (25)
E, no desempenho do referido e apontado dever, de rectificação oficiosa, caso considere que não envolve a mesma qualquer prejuízo para os titulares inscritos , nada obsta a que, de imediato, e sem necessidade de quaisquer diligências, proceda à rectificação, repondo de pronto – através do cancelamento do registo nulo - a legalidade registral ( cfr. artºs 121º ,nº1 e 125º,nº1, ambos do CRP ), não havendo assim lugar a um qualquer e efectivo procedimento de rectificação, maxime com vista à obtenção do consentimento dos titulares inscritos.
De contrário, sendo a rectificação susceptível de prejudicar direitos dos titulares inscritos, não pode a mesma ter lugar ou operar-se de pronto, devendo correr termos um efectivo processo de rectificação, no âmbito do qual é assegurado o contraditório ( cfr. artº 129º do CRP ) , e , não existindo acordo/consentimento de todos os interessados, será no final , após a pertinente e necessária instrução, proferida então a decisão pelo Conservador , e que será forçosamente de rectificação caso venha o mesmo a considerar o registo inexacto ou indevidamente efectuado ( cfr. artº 130º, do CRP ).
Em suma, em face de tudo o acabado de aduzir, interligado com o procedimento legal que vigora em sede de rectificação registo, no essencial tudo conduz a que os registos indevidamente efectuados que sejam nulos - v.g. nos termos da alínea b) do artigo 16.º do CRP - , podem ser cancelados de imediato pelo conservador quando a rectificação não seja susceptível de prejudicar os direitos dos titulares inscritos , ou , já em sede de processo de rectificação, quer com base em consentimento dos interessados inscritos , quer em execução de decisão tomada/proferida pelo Conservador no final do referido processo de rectificação ( cuja existência e pendência é averbada – cfr. artº 126º,nº 1, do CRP).
Por fim, estando em causa um diferente tipo de vício registal, a saber, o de inexactidão [ aludido na primeira parte do nº1, do artº 121º, do CRP , e que, nos termos do artigo 18.º do CRP, são aqueles que tenham sido lavrados em desconformidade com o título que lhe serviu de base ou enfermem de deficiências provenientes desse título que não sejam causa de nulidade ], sendo o mesmo também rectificável nos termos dos artigos 120.º e seguintes do CRP ( cfr. nº 2, do artº 18) , certo é que “ O conservador apenas poderá rectificar sem o consentimento dos interessados os registos inexactos, cuja inexactidão provenha de desconformidade com o título ( o que se conclui através da análise dos documentos que lhe serviram de base), desde que não se verifique prejuízo de titulares inscritos, excluindo o titular do direito inscrito pelo registo errado, que se entende não sofrer nenhum prejuízo (artigo 125.º, n.º 1, a), e n.º 2). “ (26)
Munidos dos sintéticos ensinamentos acabados de aduzir, e tendo presente a factualidade provada, maxime a vertida nos itens 2.18 e 2.19 da motivação de facto, tudo aponta para que o Adjunto do Conservador, ao proceder oficiosamente ao cancelamento/inutilização da inscrição de hipoteca legal registada a favor do ora apelante, dispondo – prima facie - é certo de fundamento legal substantivo para considerar estar na presença de registo indevidamente efectuado, e nulo nos termos da alíneas b), do artigo 16º, do CRP, logo, assistia-lhe o dever de tomar a iniciativa de desencadear a rectificação do mesmo, reparando a irregularidade registal, não agiu já e em termos procedimentais da forma correcta, antes “queimou etapas”.
É que, não estando perante hipótese de rectificação insusceptível de prejudicar direitos dos titulares inscritos, não poderia a mesma ter sido efectuada de pronto, e em rigor à margem do processo cuja tramitação mostra-se disciplinada nos artºs 121º a 130º, do CRP.
Isto dito, questiona-se de imediato e de seguida se, perante o quadro traçado, decidiu mal a primeira instância em não atender ao pedido do apelante, nesta parte, com o fundamento de que, o procedimento incorrecto/desadequado do Conservador não gera nulidade da inutilização do registo.
Pela nossa parte, data vénia, é nossa convicção que a decisão final mostra-se acertada, ainda que o fundamento em que a mesma se alicerça seja algo inconvincente e débil.
É que, no nosso entendimento, perante o acto oficioso de registo do conservador, de cancelamento ( por averbamento) de registo de hipoteca, exigível era que o ora apelante, porque interessado afectado, e pretendendo “atacar” a referida decisão registal, deveria ter lançado mão do processo próprio, intra-sistemático e a que aludem os artºs 120º e segs. do CRP, no âmbito do qual seria apreciado e eventualmente declarado o vício do registo efectuado ( o identificado no item 2.19 da motivação de facto ) , e , sendo caso disso, restaurada a legalidade violada.
Na verdade, o nº2, do artº 140º, do CRP, é elucidativo em determinar/impor que “A recusa de rectificação de registos só pode ser apreciada no processo próprio regulado neste Código”, rezando por sua vez o artº 131º, nº1, do mesmo diploma legal, que “ A decisão sobre o pedido de rectificação pode ser impugnada mediante interposição de recurso hierárquico para o conselho directivo do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P., ou mediante impugnação judicial para o tribunal da comarca da área da circunscrição a que pertence o serviço de registo, nos termos dos números seguintes.”
Ou seja, para atingir o desiderato visado, devia o interessado e ora autor ,ter desencadeado motu próprio o processo de rectificação do registo previsto e regulado nos artigos 120.º e segs. do CRP , invocando v.g. estar-se na presença de acto de registo ( de inutilização/cancelamento ) indevidamente lavrado , e , uma despoletado tal procedimento por iniciativa do ora apelante, e caso viesse o pedido de rectificação a ser indeferido pelo conservador ( com base v.g. no artº 127º, do CRP ) , então sim, lícito era ao autor/interessado interpor o competente recurso para o tribunal de 1.ª instância competente na área de circunscrição a que pertence a conservatória ( cfr. artº 131º, do CRP ).
Dir-se-á que, a rectificação dos registos é , em primeira linha, da exclusiva competência do conservador ( a exercer em momento e processo especifico ) e, apenas quando na presença de decisão pelo mesmo proferida que desatenda a subjacente pretensão de interessado, v.g. indeferindo-a liminarmente porque manifestamente improcedente, cabe então aos tribunais comuns conhecer da questão ( cfr. artºs 127.º e 131º, ambos do CRP), razão porque, perante o exposto, inevitável é a improcedência, também, das conclusões recursórias do apelante nºs 15º a 26º.
Ademais, não se nos afigura ainda que uma tal forma vinculada de reagir de interessado que se sinta afectado por acto de registo de Conservador seja susceptível de infringir um qualquer princípio Constitucional, sendo que, não se olvidando v.g. que o artº 268º,nº4, da CRP, refere que “ É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequada “, certo é que, como há muito vem sendo entendido (27) , os actos típicos praticados por conservadores e notários não são actos administrativos, mas actos que se inserem no âmbito do direito privado, tendo uma natureza jurisdicional ou, para judicial, e , consequentemente, pertinente não é pretender aplicar-se o CPA processo registral.
Dir-se-á que a actividade das conservatórias do registo predial não corresponde a uma actividade tipicamente administrativa, prosseguindo interesses públicos e interesses privados. (28)
4.3.- Integra também o objecto da apelação do recorrente António A, em razão do conteúdo das respectivas conclusões, a aferição da correcção do julgamento do tribunal a quo no tocante à desconsideração da invocada – pelo recorrente – nulidade da escritura de compra e venda do prédio identificado nos autos, porque outorgada – entre a 1ª e 2ª Rés - sem que tivesse sido apresentada no acto a celebração de licença de obras e/ou habitabilidade , ou documento comprovativo da sua isenção.
Neste conspecto, e tal como decorre da factualidade provada ( em razão da procedência da impugnação da decisão de facto, nesta parte) , inquestionável é que [ 2.48. (B) ] “No acto de realização da escritura de compra e venda do imóvel não foi apresentado o alvará de licença de construção nem apresentada a licença de habitação “.
Para não atender à pretensão do apelante, no que ao respectivo pedido concerne, considerou a primeira instância, no essencial, que uma vez que o prédio objecto da compra e venda fora inscrito na matriz em 1937 , e desta não constando qualquer outra menção para além da declaração modelo 30, não se encontrava portanto a realização da escritura de compra e venda do imóvel sujeita à apresentação dos elementos documentais acima indicados, a que acresce que, in casu, diz-se também na sentença apelada, necessário não era ainda a apresentação da ficha técnica da habitação a que alude o artº 9º, do DL nº 68/2004, de 25/3, porque não existente a mesma à data.
Ora, com interesse para a resolução da presente questão , e para além do facto acima já referido, resulta que o prédio objecto da escritura pública de compra e venda celebrada na 2ª Conservatória do Registo Predial de Braga, entre a lª Ré, Maria T e a 2ª Ré, Sara S, foi inscrito na matriz em 1937, com a menção ao ano de 1989 por aí ter sido apresentada a declaração modelo 130 ("Declaração de prédio urbano total ou parcialmente arrendado"), e, em momento anterior à referida escritura, foi objecto de obras [v.g. de substituição de toda a estrutura interior por outra, pavimento, telhado, bem como o prolongamento do rés-do chão/cave para o seu logradouro - aumento de área coberta], sendo que, no acto de realização da escritura referida, não tinha/apresentava condições de habitabilidade.
Já em termos de direito, relevante é o disposto no art.º 1.º, n.ºs 1 e 2, do Dec-Lei n.º 281/99, de 26-07, com a redacção conferida pelo DL n.º 116/2008, de 04 de Julho, o qual reza ( no nº1 ) que “ Não podem ser realizados actos que envolvam a transmissão da propriedade de prédios urbanos ou de suas fracções autónomas sem que se faça prova da existência da correspondente autorização de utilização, perante a entidade que celebrar a escritura ou autenticar o documento particular”, e , no nº2, que “ Nos actos de transmissão de imóveis é feita sempre menção do alvará da autorização de utilização, com a indicação do respectivo número e data de emissão, ou da sua isenção “.
Ainda com pertinência para a matéria ora em análise, recorda-se que, como bem referem Fernanda Paula Oliveira e outros (29) , “ às edificações que foram construídas anteriormente ao DL 38382 de 7 de Agosto de 1951, ( RGEU ), não é exigível qualquer tipo de licenciamento, nem de obras, nem de utilização, dado que não existia na época nenhum diploma legal que exigisse o licenciamento de obras“ , e isto porque, é apenas com o RGEU que passa a ser doravante exigível o licenciamento municipal nas “novas edificações ou em quaisquer obras de construção civil, reconstrução, ampliação, alteração, reparação ou demolição de edificações de obras já existentes, e bem assim os trabalhos que impliquem alteração da topografia local, dentro do perímetro urbano e das zonas rurais de protecção fixadas para as sebes de concelho e para as demais localidades sujeitas por lei a plano de urbanização e expansão.”
Também como refere Joaquim Seabra Lopes (30) , “ A licença de utilização apenas é exigível para prédios construídos depois da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 38 382, de 7 de Agosto de 1951 “, pois que só passou a ser exigida pelo artº 8º do RGEU aprovado por aquele diploma , e , o mesmo sucede com a Ficha técnica de habitação ( artº 9º, do DL nº 68/2004, de 25/3 ) , exigência que outrossim não se aplica aos prédios construídos antes da entrada em vigor do RGEU ( cfr. artº 2, nº 2, do DL nº 68/2004, de 25/3.
Em face do referido, improcedem portanto as conclusões recursórias 26ª a 27º.
4.4.- Por fim, a alicerçar a alteração do julgado, é convicção do apelante que errou também o tribunal a quo ao não declarar nula por violação da lei n° 107/2001, de 08 de Setembro, a escritura de hipoteca voluntária celebrada entre a 2ªR e a 3ªR que incide sobre o prédio identificado em 2.3. .
É que, para o apelante, em razão do facto provado vertido no item 2.33. do presente Ac. [ O prédio urbano situa-se no Centro Histórico da cidade de Braga e nele se encontram vestígios arqueológicos ] , e tendo presente o disposto nos artºs 15º, 32º e 38º , todos da Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro, forçoso/obrigatório era que , no acto da celebração da escritura, tivesse sido exibida - o que não aconteceu - certidão comprovativa da renúncia do Estado ou do Município de Braga ao direito de preferência, sendo que, o incumprimento do referido dever de comunicação consubstancia impedimento à celebração pelos notários das respectivas escrituras, bem como obstáculo a que os conservadores inscrevam os actos em causa nos competentes registos.
Ora bem.
Socorre-se o apelante, para fundamentar a invocada nulidade da escritura de compra e venda celebrada entre a 1ª e 2ª Rés, no essencial, no disposto no artº 38º, nº1, da Lei nº Lei n.º 107/2001, de 08 de Setembro [ LEI DE BASES DO PATRIMÓNIO CULTURAL ], diploma este que, tal como o refere o respectivo artº 1º, “ (…) estabelece as bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural, como realidade da maior relevância para a compreensão, permanência e construção da identidade nacional e para a democratização da cultura”.
O referido artº 38 º, sob a epígrafe de “ Escrituras e registos “ , dispõe no seu nº1, que “ O incumprimento do dever de comunicação estabelecido nos artigos anteriores constituirá impedimento à celebração pelos notários das respectivas escrituras, bem como obstáculo a que os conservadores inscrevam os actos em causa nos competentes registos “.
O dever de comunicação a que se refere o aludido artº 38º, diz respeito, no fundamental, aos deveres que em concreto se mostram especificados nos artºs 36º e 37º da mesma Lei, a saber, ao exigido para os casos de alienação, constituição de outro direito real de gozo ou a dação em pagamento de bens classificados nos termos do artigo 15.º da Lei nº 107/2001 , ou em vias de classificação como tal [ caso em que , cfr. nº1, do artº 37º, depende de prévia comunicação escrita ao serviço competente para a instrução do respectivo procedimento ] , e , bem assim , ao titular do direito de preferência de bens classificados ou em vias de classificação ou dos bens situados na respectiva zona de protecção [ cfr. artº 416º, do CCivil, e artº 37º,nºs 1 e 2 ] .
Ora, como resulta do artº 15 da Lei já nossa conhecida [ LEI DE BASES DO PATRIMÓNIO CULTURAL ] os bens imóveis podem ser classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal , e , para o referido efeito , de classificação, necessário é que tenha lugar um procedimento administrativo mediante o qual se determina que certo bem possui um inestimável valor cultural ( cfr. artº 18º ).
O referido procedimento, cujos trâmites mostram-se descritos e identificados nos artºs 24º a 30º da LBPC , sendo concluído no sentido da pertinência de concreto imóvel dever ser classificado como de interesse nacional ou de interesse público, exige sempre a prolação de uma decisão/acto final [ cuja forma varia, podendo ser um decreto do governo, uma portaria, ou uma outra, consoante o resultado final da classificação ] que deve estar devidamente fundamentado, identificando com rigor o bem ou as partes componentes da universalidade em apreço ( cfr. artº 28º ).
Depois, forçoso é ainda que a referida decisão final seja notificada aos interessados, bem como ao município da área a que o bem pertença, quando não seja deste o serviço instrutor, e ainda às associações que tenham participado na instrução do procedimento, devendo ainda ser publicada ( cfr. artº 29º).
De resto, tal como o refere ainda o artº 39º, da LBPC , “ Os prédios classificados nos termos do artigo 15.º da presente lei, ou em vias de classificação como tal, devem ter esta qualidade inscrita gratuitamente no respectivo registo predial”.
Isto dito, forçoso é concluir que a protecção legal dos bens culturais e o regime de protecção e valorização do património cultural que consagra a LBPC pressupõe um prévio trabalho de classificação e inventariação [ levantamento sistemático, actualizado e tendencialmente exaustivo dos bens culturais existentes com vista à respectiva identificação – cfr. artºs 6º ,16º e 19º ] dos bens, correspondendo a primeira tarefa ao acto final do procedimento administrativo pelo qual se determina que certo bem tem um valor cultural inestimável , e , a segunda, à identificação dos bens culturais existentes a nível nacional, bem como o levantamento actualizado, sistemático e tendencialmente exaustivo de tais bens ,devendo ainda constar do inventário independentemente do desfecho do procedimento os bens que se encontrem em vias de classificação ( cfr. artº 19º,nº6, ).
E, apenas os bens qualificados, ou já inventariados e em vias de classificação, é que passam a estar sujeitos a um regime particular e especial de tutela da parte do Estado, quer beneficiando v.g. de uma zona geral de protecção de 50 metros, contados a partir dos seus limites externos, cujo regime é legalmente fixado ( cfr. artº 43º) , quer ficando sujeitos a diversos ónus e restrições , sendo v.g. insusceptíveis de usucapião ( cfr. artº 34º), quer obrigando os seus titulares ao dever de comunicação a que alude o artº 36º, quer , finalmente – que é o que importa sobremaneira para a presente acção - , ao dever de comunicação para efeitos do exercício do direito de preferência a que alude o artº 37º, sendo que, com referência a este último dever, estabelece o legislador que o respectivo incumprimento impede a celebração pelos notários das respectivas escrituras, obstando ainda que os conservadores inscrevam os actos em causa nos competentes registos ( cfr. artº 38.°, n º1).
Em suma, o regime legal que vimos de escalpelizar em traços largos, e ditado pelas razões de interesse público de protecção e valorização do nosso património cultural, pressupõe em primeira linha a classificação e a inventariação dos bens.
Ora, resultando da factualidade provada, tão só ( item 2.33 ) que “ O prédio urbano situa-se no Centro Histórico da cidade de Braga e nele se encontram vestígios arqueológicos”, ou seja, não refere a motivação de facto que o imóvel tenha sido classificado, ou sequer que foi inventariado para efeitos de classificação, é manifesto que não se verifica, de todo, a previsão do artº 38º, da LBPC.
De resto, dos documentos juntos aos autos a fls . 321, e 333, decorre , pelo contrário, que o imóvel, não apenas não está classificado como de interesse Municipal ( e a fortiori , não está também classificado de interesse nacional ou de interesse público ) . como não se encontra sequer classificado.
Em razão do acabado de expor, manifesto é que, nesta parte, decidiu também a primeira instância com total acerto.
Em conclusão, a apelação deve necessariamente improceder in totum.
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5. - Em conclusão ( cfr. artº 663º, nº7, do CPC)
I - A alínea e), do artº 705º, do Código Civil, ao referir/aludir que, de entre os credores que têm hipoteca legal, conta-se “o co-herdeiro, sobre os bens adjudicados ao devedor de tornas, para garantir o pagamento destas“, está a circunscrever a referida Garantia à partilha por óbito.
II – Em razão do sentido literalmente manifestado na alínea e), referida em I, afastada fica a possibilidade de, por via de interpretação extensiva, considerar abrangida a partilha por divórcio, por falta do mínimo de correspondência verbal exigido pelo artº 9°,nº2, do Código Civil.
***
6. - Decisão.
Em face do supra exposto,
acordam os Juízes na 2 Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em, não concedendo provimento à apelação do autor António A:
6.1. - Alterar/modificar a decisão de facto proferida pelo tribunal a quo;
6.2. - Confirmar, ainda assim, a sentença apelada;
Custas da apelação a cargo do apelante.
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(1) Cfr. José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, anotado, 5ª , pág. 141.
(2) In Manual de Processo Civil, 1984, Coimbra editora, pág. 671.
(3) In ob. citada, pág. 671.
(4) In Código de Processo Civil, Anotado, Coimbra Editora, vol. II, pág. 670,
(5) Cfr. J.O. Cardona Ferreira, in Guia de Recursos em Processo Civil, 5ª Edição, pág. 71.
(6) Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2010, 3ª Edição, pág. 309.
(7) Cfr. Ac. do STJ de 1/7/2014, Proc. nº 1825/09.7TBSTS.P1.S1, in www.dgsi.pt.
(8) Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, ibidem, pág. 318.
(9) Cfr. Lopes do Rego, in Comentário ao CPC, pág. 201.
(10) Cfr. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2013.
(11) Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2010, 3ª Edição, pág. 333.
(12) Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2010, 3ª Edição, pág. 334.
(13) Cfr. Ac. do STJ de 2/12/2010, Proc. nº 1/04.0TBCPV.P1.S1, in www.dgsi.pt.
(14) Ac. de 14/3/2013, Proc. nº 933/11.9TVLSB-A.L1-2, e disponível in www.dgsi.pt.
(15) Ac. de 17/3/2014, Proc. nº 7037/11.2TBMTS-A.P1, e disponível in www.dgsi.pt.
(16) Ac. de 19/5/2014, Proc. nº 2344/12.0TBVNG-A.P1, e disponível in www.dgsi.pt.
(17) Reza o artº 16º que o registo é nulo:
a) Quando for falso ou tiver sido lavrado com base em títulos falsos;
b) Quando tiver sido lavrado com base em títulos insuficientes para a prova legal do facto registado;
c) Quando enfermar de omissões ou inexactidões de que resulte incerteza acerca dos sujeitos ou do objecto da relação jurídica a que o facto registado se refere;
d) Quando tiver sido efectuado por serviço de registo incompetente ou assinado por pessoa sem competência, salvo o disposto no n.º 2 do artigo 369.º do Código Civil e não possa ser confirmado nos termos do disposto no artigo seguinte;
e) Quando tiver sido lavrado sem apresentação prévia ou com violação do princípio do trato sucessivo.
(18) Cfr. J.A.Mouteira Guerreiro, in Noções de Direito Registral, 2.a Edição, Coimbra Editora, pág. 98., e ISABEL PEREIRA MENDES, in Código de Registo Predial, Anotado, 10ª edição, Coimbra, 2000, pág. 127.
(19) Cfr. J.A.Mouteira Guerreiro, ibidem.
(20) In Direito Civil, Teoria Geral, Vol. III, 1979, pág. 696.
(21) In Partilhas Judiciais ,Vol. II, Almedina, pág. 449.
(22) Ac. de 8/7/1997, Proc. nº 041398, sendo Relator Fernandes Cadilha, in www.dgsi.pt;
(23) Referente ao Pº R.P. 45/2013,STJ CC, Homologado pelo Exmº Presidente do Conselho Directivo, em 2/8/2013, e acessível em www.irn.mj.pt/IRN/sections/.../P_R_P__45-2013_STJ-CC.pdf? ;
(24) Ibidem, pág. 98.
(25) Cfr. J.A.Mouteira Guerreiro, ibidem, pág. 271.
(26) Cfr. ISABEL PEREIRA MENDES, in Código de Registo Predial, Anotado, 14ª edição, Coimbra, Almedina, 2004, pág. 426.
(27) A propósito de tal questão, vide designadamente o Ac. do S.T.A. de 6 de Março de 1980 ( in “Acórdãos Doutrinais” n.° 227, p. 123, comentado por Afonso Queiró na Rev. Leg. Jur., n.° 3679, pág. 351).
(28) cfr. Ac. do TR de Coimbra, de 2/3/2011, Proc. nº 593/09.7TBAVR.C1, in www.dgsi.pt.
(29) Cfr. Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves, Dulce Lopes, Fernanda Maçãs, in Regime Jurídico da Urbanização e Edificação – Comentado, 3ª ed. Almedina/2011, pág.124.
(30) In Direito dos Registos e do Notariado, 2015, 7ª Edição , Almedina, págs. 441/442.
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Guimarães, 12/5/2016
António Manuel Fernandes dos Santos ( O Relator)
Maria Amália Pereira dos Santos ( 1º Adjunto)
Ana Cristina Oliveira Duarte ( 2º Adjunto