Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA CRISTINA CERDEIRA | ||
Descritores: | SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA JUROS COMPULSÓRIOS PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO EXECUÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 05/11/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I) - A sanção prevista no artº. 829º-A, nº. 4 do Código Civil é classificada pela doutrina como uma sanção pecuniária compulsória legal, por ser fixada por lei e automaticamente devida.
II) - Este sanção opera de forma automática, quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, sendo devida desde o trânsito em julgado da sentença de condenação, não carecendo, por isso, de ser fixada na sentença proferida na acção declarativa, nem de ser pedida no requerimento executivo. III) - Decorre do disposto nos nºs 1 e 4 do artº. 829º-A do Código Civil que compete ao devedor o pagamento dos juros compulsórios, estabelecendo o artº. 716, nº. 3 do NCPC que cabe ao agente de execução proceder à liquidação da quantia devida a título de juros compulsórios e notificar o executado da dita liquidação. IV) - Sendo requerida pela exequente a extinção da execução, face à inexistência de bens penhoráveis da executada, sem que se mostre liquidado o montante correspondente aos juros compulsórios, incumbe ao Ministério Público, em representação do Estado, requerer o prosseguimento da execução para a cobrança desses juros, da responsabilidade da executada/devedora, não cabendo à exequente proceder ao seu pagamento ou tratar da sua cobrança. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
M intentou a presente execução para pagamento de quantia certa, contra C, com base em sentença proferida em 12/02/1991, no âmbito da acção ordinária nº. 100/1999 do Tribunal Judicial de Vila Flôr, transitada em julgado, que condenou a ora executada a pagar a M a quantia total de € 286 340,11, acrescida de juros de mora à taxa de 15%, a contar desde 31/03/1991 (para o montante de € 246 629,04) e 28/10/1991 (para o montante de € 39 711,07) até integral pagamento. A presente execução foi também proposta contra o Município de Vila Flôr constituindo título executivo a sentença proferida pela 2ª Vara Mista de Vila Nova de Gaia, no âmbito da acção ordinária nº. 6582/06.6TBVNG (impugnação pauliana), transitada em julgado, na qual foi reconhecido à exequente o direito de executar o imóvel identificado no requerimento executivo e aqui nomeado à penhora, que fazia parte do património do 2º executado, para garantia do crédito acima referido (cfr. fls. 16 a 57).
No decurso da execução, não se logrou obter informação sobre bens pertencentes à executada Cooperativa, não tendo havido interessados na aquisição do imóvel penhorado e pertencente ao 2º executado Município de Vila Flôr. Em Junho de 2015, a exequente e o 2º executado Município de Vila Flôr fizeram um acordo, mediante o qual este pagou a quantia de € 50 000,00 e, em contrapartida, a exequente libertou da penhora o imóvel que pertencia ao referido co-executado (cfr. 58 a 64).
Em 4/04/2016 a exequente requereu à agente de execução a extinção do processo executivo, por não se encontrarem bens da executada Cooperativa susceptíveis de penhora (cfr. fls. 97 e 98).
Em 9/05/2016 a agente de execução solicitou ao Tribunal “o envio da guia para pagamento dos juros compulsórios ao exequente, uma vez que as quantias recebidas foram-lhe pagas directamente” (fls. 81).
Notificada de tal requerimento da agente de execução, em 20/05/2016 a exequente apresentou o seguinte requerimento [transcrição]:
Em 6/06/2016 foi proferido o seguinte despacho [transcrição]: «Resulta dos autos que a Exequente acordou com a co executada Município de Vila Flôr acordo mediante o qual esta pagava € 50.000,00 e aquela libertava a penhora que detinha para garantia do crédito que detinha sobre a outra co-executada. Mais resulta que, não se tendo apurado a existência de bens da executada Cooperativa de Vila Flôr, foi requerida a extinção do processo executivo. Ora, nos termos do disposto no artigo 716º, n.º 3 do Código de Processo Civil a liquidação da sanção pecuniária compulsória que for devida, incumbe ao agente de execução não sendo necessário qualquer iniciativa do Estado, face à oficiosidade consagrada nesta disposição legal. Tendo sido celebrado um acordo de pagamento da quantia em dívida, ainda que parcialmente, e tendo sido requerida a extinção da instância executiva, é a partir deste momento que o agente de execução deve liquidar os juros compulsórios e exigir o seu pagamento (cfr. artigo 51º da Lei da Portaria 282/2013, de 29/08). Face ao exposto, determino que o agente de execução seja notificado para liquidar os juros compulsórios devidos ao Estado e que exija ao Exequente o seu pagamento, nos termos do artigo 51º da Lei da Portaria 282/2013, de 29/08.»
Em 21/06/2016 a agente de execução solicitou à exequente que depositasse a quantia de € 7 500,00 correspondente à sanção pecuniária compulsória, remetendo-lhe a competente guia (fls. 51 e 52).
Inconformada com o despacho de 6/06/2016, a exequente dele interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]: Termina entendendo que o presente recurso deve ser julgado procedente, revogando-se o despacho recorrido por erro de julgamento e declarando-se que a recorrente não é devedora de nenhuma quantia a título de juros compulsórios.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido por despacho certificado a fls. 82. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II. FUNDAMENTAÇÃO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artºs 608º, nº. 2, 635º, nº. 4 e 639º, nº. 1 todos do Novo Código de Processo Civil [doravante NCPC], aprovado pela Lei nº. 41/2013 de 26/6.
Nos presentes autos, o objecto do recurso interposto pela exequente, delimitado pelo teor das suas conclusões, circunscreve-se à questão de saber se são devidos ao Estado os juros compulsórios previstos no artº. 829º-A, nº. 4 do Código Civil, após a exequente requerer a extinção da instância, apesar de não terem sido peticionados no requerimento executivo e, em caso, afirmativo, quem deve proceder ao seu pagamento.
Com relevância para a apreciação e decisão da questão suscitada no presente recurso, importa ter em consideração a dinâmica processual supra referida, em sede de relatório. * Apreciando e decidindo. A exequente, ora recorrente, discorda do despacho proferido em 6/06/2016, defendendo que não há lugar ao pagamento de juros compulsórios ao Estado por parte da exequente (e também do 2º executado Município de Vila Flôr), porquanto a exequente não peticionou o pagamento de juros compensatórios e requereu a extinção do processo executivo face à inexistência de bens penhoráveis da executada Cooperativa; mas se o Estado entender que tem direito a receber juros compulsórios, deverá o Ministério Público em representação daquele requerer o prosseguimento da execução para a cobrança desses juros, que são devidos pela executada Cooperativa por ser esta o devedor incumpridor. Vejamos se lhe assiste razão. Conforme se alcança dos autos, nas acções declarativas onde foram proferidas as sentenças dadas à execução, não houve condenação dos ora executados no pagamento de sanção pecuniária compulsória, pois tal não foi peticionado naquelas acções nos termos do artº. 829º-A, nº. 1 do Código Civil, nem a exequente a peticionou em sede de requerimento executivo. Os juros compulsórios estão previstos no artº. 829º-A, nº. 4 do Código Civil que estabelece o seguinte: “Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar”. Refere João Calvão da Silva (in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1987, Coimbra, pág. 456) que no artigo supra referenciado atribui-se natureza não indemnizatória ao adicional de juros à taxa de 5% ao ano sendo que tal sanção tem de ser vista como uma sanção pecuniária compulsória legal no âmbito das obrigações pecuniárias que funciona automaticamente, pelo que nunca há a necessidade de ser requerida (quer na acção principal em que se condena ao pagamento de certa quantia em dinheiro, quer no requerimento executivo da mesma dependente). Por outro, sobre esta matéria pronunciou-se o acórdão do STJ de 12/04/2012 (proc. nº. 176/1998, relatado pelo Cons. Pinto Hespanhol, no qual se cita o decidido no acórdão do STJ de 23/01/2003, proc. nº. 02B4173, relatado pelo Cons. Araújo Barros, ambos disponíveis em www.dgsi.pt): «A sanção pecuniária compulsória visa, em suma, uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis. Quando se trate de obrigações ou de simples pagamentos a efectuar em dinheiro corrente, a sanção compulsória – no pressuposto de que possa versar sobre quantia certa e determinada e, também, a partir de uma data exacta (a do trânsito em julgado) – poderá funcionar automaticamente. Parece, por conseguinte, que a sanção pecuniária compulsória, cujo “fim não é (nem atenta a sua natureza de adstreinte” (…), o poderia ser), o de indemnizar o credor pelos danos sofridos com a mora, mas o de forçar o devedor a cumprir, vencendo a resistência da sua oposição ou do seu desleixo, indiferença ou negligência” (…) constitui “um meio intimidativo, de pressão sobre o devedor, em ordem a provocar o cumprimento da obrigação, assegurando-se, ao mesmo tempo, o respeito e o acatamento das decisões judiciais e reforçando-se, assim, o prestígio da justiça (…)». Assim, de harmonia com o entendimento supra transcrito, a que se adere, a sanção prevista no nº. 4 do citado artº. 829º-A decorre directamente da lei, operando de forma automática, quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, sendo devida desde o trânsito em julgado da sentença de condenação. E precisamente por isso, não carece a mesma de ser fixada na sentença proferida na acção declarativa, nem de ser pedida no requerimento executivo, como aconteceu “in casu” (cfr. acórdão da RC de 13/07/2016, proc. nº. 57/12.1TTLRA-A e do STJ de 12/04/2012 acima referido). Tal entendimento resulta ainda da redacção do artº. 716º, nº. 3 do NCPC, nos termos do qual “(…) o agente de execução liquida, ainda, mensalmente e no momento da cessação da aplicação da sanção pecuniária compulsória, as importâncias devidas em consequência da imposição de sanção pecuniária compulsória, notificando o executado da liquidação”. No caso em apreço, a exequente fundou a presente execução em sentença que condenou a executada Cooperativa a pagar-lhe uma quantia pecuniária acrescida de juros de mora. Esta execução foi também proposta contra o Município de Vila Flôr, com base em sentença de que a recorrente dispunha, proferida no âmbito de uma acção de impugnação pauliana, na qual lhe foi reconhecido o direito de executar o imóvel identificado no requerimento executivo e aqui nomeado à penhora, que fazia parte do património do executado Município, para garantia do crédito acima referido. Posteriormente, em Junho de 2015, a exequente e o executado Município de Vila Flôr fizeram um acordo, mediante o qual este pagou a quantia de € 50 000,00 e, em contrapartida, a exequente libertou da penhora o imóvel que pertencia ao referido co-executado, tendo em 4/04/2016 a exequente requerido à agente de execução a extinção do processo executivo, por não se encontrarem bens da executada Cooperativa susceptíveis de penhora. No despacho ora sob censura, proferido na sequência do requerimento apresentado pela exequente em 20/05/2016, o Tribunal “a quo” determinou que a agente de execução efectuasse a liquidação dos juros compulsórios devidos ao Estado e exigisse o seu pagamento à exequente, considerando não ser necessária qualquer iniciativa do Estado, face à oficiosidade consagrada no artº. 716º, nº. 3 do NCPC. Como vimos, os juros compulsórios têm a sua génese no artº. 829º-A do Código Civil, servindo estes como mecanismo para forçar o devedor à realização da prestação. Decorre do disposto nos nºs 1 e 4 do citado normativo que compete ao devedor o pagamento desses juros, estabelecendo o artº. 716, nº. 3 do NCPC que cabe ao agente de execução proceder à liquidação da quantia devida a título de juros compulsórios, acrescentando ainda que este deve notificar o executado da dita liquidação (e não o exequente). A este propósito, importa referir que o devedor incumpridor da exequente é a executada Cooperativa. O Município de Vila Flôr não era devedor de nenhuma quantia à exequente, tendo assumido a qualidade de executado, porque de acordo com a sentença proferida em acção de impugnação pauliana, à exequente foi reconhecido o direito de executar um imóvel pertencente àquele Município. O Município não foi condenado a cumprir qualquer obrigação pecuniária para com exequente. Ademais, conforme resulta dos autos, a exequente não recebeu qualquer quantia a título de juros, mormente compulsórios. Ora, se não recebeu qualquer quantia da executada devedora a esse título, não pode entregar ao Estado uma verba que não recebeu, nem a isso está obrigada. Como já se referiu, a obrigação de pagamento dos juros compulsórios impende sobre os devedores/executados e não sobre os credores/exequentes. Assim, da conjugação do disposto nos artºs 829º-A, nºs 1 e 4 do Código Civil e 716º, nº. 3 do NCPC e por força do que atrás se deixou exposto, não subsistem dúvidas de que os juros compulsórios decorrem automaticamente da lei e são da responsabilidade do devedor/executado, não devendo a aqui recorrente ser sancionada com o pagamento de tais juros (cfr. acórdãos da RG de 2/05/2016, proc. nº. 1144/14.5T8CHV e da RL de 14/05/2013, proc. nº. 4579/10.0YYLSB, acessíveis em www.dgsi.pt). Se assim não se entendesse, estaríamos a penalizar a credora (aqui recorrente) e não a devedora (executada Cooperativa) que incumpriu a obrigação a que foi condenada. E na esteira do que vem sendo defendido por alguma jurisprudência, que aqui acolhemos, tendo a exequente requerido a extinção da execução, face à inexistência de bens penhoráveis da executada Cooperativa, sem que se mostre liquidado o montante correspondente aos juros compulsórios, incumbe ao Ministério Público, em representação do Estado, requerer o prosseguimento da execução para a cobrança desses juros, da responsabilidade da executada/devedora, não cabendo à exequente/recorrente proceder ao seu pagamento ou tratar da sua cobrança (cfr. acórdão da RL de 20/06/2013, proc. nº. 23387/10.2YYLSB-B, acessível em www.dgsi.pt).
Nestes termos, procede o recurso de apelação interposto pela exequente. * SUMÁRIO: I) - A sanção prevista no artº. 829º-A, nº. 4 do Código Civil é classificada pela doutrina como uma sanção pecuniária compulsória legal, por ser fixada por lei e automaticamente devida. II) - Este sanção opera de forma automática, quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, sendo devida desde o trânsito em julgado da sentença de condenação, não carecendo, por isso, de ser fixada na sentença proferida na acção declarativa, nem de ser pedida no requerimento executivo. III) - Decorre do disposto nos nºs 1 e 4 do artº. 829º-A do Código Civil que compete ao devedor o pagamento dos juros compulsórios, estabelecendo o artº. 716, nº. 3 do NCPC que cabe ao agente de execução proceder à liquidação da quantia devida a título de juros compulsórios e notificar o executado da dita liquidação. IV) - Sendo requerida pela exequente a extinção da execução, face à inexistência de bens penhoráveis da executada, sem que se mostre liquidado o montante correspondente aos juros compulsórios, incumbe ao Ministério Público, em representação do Estado, requerer o prosseguimento da execução para a cobrança desses juros, da responsabilidade da executada/devedora, não cabendo à exequente proceder ao seu pagamento ou tratar da sua cobrança III. DECISÃO Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso de apelação interposto pela exequente M e, em consequência, revogar o despacho recorrido, declarando-se que a exequente não é devedora de qualquer quantia a título de juros compulsórios.
Sem custas. Notifique. Guimarães, 11 de Maio de 2017 (processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora) ____________________________________ (Maria Cristina Cerdeira) ____________________________________ (Espinheira Baltar) ____________________________________ (Eva Almeida) |