Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5367/09.2TBGMR-A.G1
Relator: MARIA LUÍSA RAMOS
Descritores: PROVA EM MATÉRIA CIVIL
CONCEITO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
REQUISITOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/05/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I. Relativamente aos factos subjectivos ou do foro interno do agente ou de terceiro, refere o ilustre Prof. A. varela, in obra citada: “ … a prova, no domínio do direito ( processual ) , ao invés do que ocorre com a demonstração, no campo da matemática, ou com a experimentação, no âmbito das ciências naturais, não visa a certeza lógica ou absoluta, mas apenas a convicção ( o grau de probabilidade ) essencial às relações práticas da vida social.”
2. A responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, com dolo ou negligência grave, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça, ou, a deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Por apenso à execução para pagamento de quantia certa, nº 5367/09.2TBGMR-A, do Juízo de Execução do Tribunal Judicial de Guimarães, que lhe moveu o Fundo de Garantia Automóvel, veio a executada Andreia deduzir a oposição à execução, alegando, em síntese, que a exequente não possui qualquer título executivo contra si, pedindo a extinção da acção executiva contra si instaurada e a condenação do exequente FGA como litigante de má-fé, em multa e indemnização a seu favor no valor de € 4.000,00.
O exequente FGA, notificado da oposição à execução, veio alegar que a acção executiva foi instaurada contra a co-excutada/oponente por o exequente ter incorrido em erro, atenta a circunstância de no seu sistema interno ainda constar como proprietária do veículo de matrícula HJ-48-30, e assim declara desistir da instância executiva relativamente à opoente.
A opoente, notificada para se pronunciar sobre a desistência apresentada pela exequente, reiterou o pedido de condenação daquela como litigante de má fé.
Foi homologada a desistência da instância executiva e determinado o prosseguimento dos autos no que concerne à condenação da exequente como litigante de má-fé, a requerimento da opoente.
Foi proferido despacho saneador strictu sensu, dispensando-se a selecção da matéria de facto.
Realizado o julgamento foi proferida sentença a condenar a exequente como litigante de má-fé na multa de 2 UC´s, e, a ordenar a notificação do exequente para vir aos autos identificar a pessoa a quem deve ser imputada a actuação dada como demonstrada e configurada como de litigância de má-fé, e para se pronunciar sobre o quantitativo da indemnização requerida pela opoente/executada, tendo em atenção o montante por esta peticionado.
Inconformado veio o exequente, FGA, interpor recurso de apelação.

O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresenta, o apelante formula as conclusões de fls.165 a 167, alegando, em síntese,
- que atento o disposto nos artigos 817°-nº2 e 490º-n.º3 ambos do CPC, deveria o Tribunal “a quo” ter dado pelo menos como provado que o FGA intentara a execução contra a Executada Andreia por erro pois foi essa a confissão expressa efectuada pelo exequente no articulado de resposta à Oposição à Execução, e,
- que em face dos elementos que dispunha nos autos tinha o Tribunal “a quo” o dever de julgar improcedente o pedido de litigância de má-fé, e ao não o fazer violou o artigo 456º do C.P.C.

Não foram proferidas contra – alegações.
O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, tal como decorre das disposições legais dos art 684º-nº3 do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras “( artº 660º-nº2 do CPC).
E, de entre estas questões, excepto no tocante aquelas que o tribunal conhece ex officio, o tribunal de 2ª instância apenas poderá tomar conhecimento das questões já trazidas aos autos pelas partes, nos termos dos artº 664º e 264º do CPC, não podendo a parte nas alegações de recurso e respectivas conclusões vir suscitar e requerer a apreciação de questões ou excepções novas.
Atentas as conclusões da apelação deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questões a apreciar:
- impugnação da matéria de facto –.reapreciação da resposta negativa dada ao art.º 2º da Base Instrutória elaborada a fls.141.
- reapreciação da decisão que condenou o exequente como litigante de má-fé.

Fundamentação.
I) OS FACTOS ( factos declarados provados na sentença recorrida)
a) O Fundo de Garantia Automóvel intentou acção executiva comum, para pagamento de quantia certa, contra Luís, Eduardo e Andreia, para destes haver o pagamento da quantia de € 86.265,55, acrescida de juros de mora vencidos, computados em € 13.549,24- [al. a) da Fact. Assente].
b) No requerimento executivo, o exequente, na parte destinada à “Exposição dos Factos”, alegou o seguinte: “Fundo de Garantia Automóvel, integrado no Instituto de Seguros de Portugal, vem propor a presente execução para pagamento de quantia certa, nos termos do art. 46º, alínea a) do C.P.C. e No cumprimento do douto Acórdão e da transacção homologada por sentença, o exequente pagou € 86.265,55, a título de despesas, juros de mora e de indemnizações aos então Autores (Doc. 1 de 8 páginas, Doc. 2 de 22 e Doc. 3 que ora se junta e se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
Ao efectuar o pagamento, o exequente ingressou na posição detida pelos Autores. Não surgiu no Universo Jurídico um direito novo, operou-se tão somente transmissão para o exequente do direito inscrito na esfera dos credores iniciais, é o que resulta da conjugação dos arts.592º, n.º1 do Código Civil e art. 25º, n.º 1 do DL n.º 522/85 de 31 de Dezembro. Neste último preceito, expressamente se declara que "satisfeita a indemnização", o Fundo de Garantia Automóvel fica sub rogado nos direitos do lesado..." Assim, não obstante a natureza da condenação, o pagamento efectuado não conduziu à extinção do direito de crédito do exequente, originando a transmissão desse direito para o exequente por via de sub-rogação. Ora, por efeito da sub-rogação "o subrogado adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam" - n.º1 do artr. 593º do Código Civil. O que acarreta a transmissão para o subrogado das garantias e acessórios do direito transmitido, conforme estipula o art. 582º do C.C., aplicável por força do art. 594º do mesmo diploma legal. Como se refere no Acórdão da Relação do Porto, C.J., ano XXI - 1996 - pág. 227 a intervenção do responsável civil ao lado do F.G.A. tem como um dos objectivos evidentes: "...3-Defenir, logo, na medida do possível e sem mais dispêndio processual, aproveitando da presença daquele, os pressupostos de facto e até de direito em que há-de fundar-se o direito de sub-rogação do F.G.A. previsto no art. 25º do D.L. 522/85 citado, o que seria possível sem a presença desse "responsável
civil" no processo. Entende, ainda, a jurisprudência que assiste ao F.G.A. "plena e inteira legitimidade processual para dar à execução tal título contra o co-devedor (ora devedor único) da parte de crédito indemnizatório em que ele ficou sub-rogado. Legitimidade que lhe advém da transmissão para ele, através do pagamento alegado e documentado, da posição creditória dos Autores na sentença que serve de título executivo. Tornando-se, em consequência, desnecessário, o uso do processo declarativo por parte do F.G.A. para fazer valer aquela sub-rogação contra o executado, o que aliás, conforme se diz no requerimento, tomara já conhecimento do pagamento das indemnizações e respectivos juros, significando
isso que tal sub-rogação se tornou plenamente eficaz contra ele (cfr. art. 594º do C.C. e Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral", vol.II ed. ,339)". Pelo exposto, resulta que o exequente ingressou por sub-rogação nos direitos dos AA do processo declarativo, na titularidade do título executivo e é parte legítima na presente execução, cfr. art. 56º ,do C.P.C.
Os executados foram interpelados, pelo ora exequente, para efectuar o pagamento da quantia em dívida, contudo, os executados até hoje nada pagaram. Por força da subrogação o sub-rogado adquire o direito transmitido com todas as suas garantias e acessórios incluindo os juros.
O executado deve, assim, ao exequente a quantia de € 86.265,55, acrescida de €13.549,24, a título de juros legais vencidos, calculados às sucessivas taxas legais, desde a data do respectivo pagamento aos Autores, até à presente data. O que eleva o valor da dívida para € 99.814,79. Dispõe o art. 63º, nº 1 do D.L. 291/2007 de 31 de Agosto que: O Fundo de Garantia Automóvel, no exercício do direito de sub-rogação... está isento de custas. Assim, não é devido pagamento da taxa de justiça inicial e demais encargos com o processo.” – tudo cfr. requerimento executivo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais - [al. b) da Fact. Assente].
c) O exequente fundou a execução aludida em a), na certidão emitida pelo Instituto de Seguros de Portugal, na sentença homologatória da transacção efectuada no Processo nº 381/03.4TCGMR, da 1ª Vara de Competência Mista de Guimarães, no acórdão proferido no Processo Comum nº 2964/01.8TAGMR, da 1ª Vara de Competência Mista de Guimarães e no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que decidiu o recurso interposto sobre aquele acórdão - tudo cfr. documento de fls. 6 dos autos executivos e traslado de fls. 91-137 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais - [al. c) da Fact. Assente].
d) A opoente nada deve ao exequente - [al. d) da Fact. Assente].
e) Com os presentes autos, a opoente teve transtornos e incómodos - [resp. ao artº 1º da Base Instrutória].


II) O DIREITO APLICÁVEL
1. Nos termos do disposto no artº 712º - nº1, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação :
a) “ Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 690º - A, a decisão com base neles proferida;
b) “Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas.
“A reapreciação da matéria de facto, pela Relação, no âmbito dos poderes conferidos pelo artº 712º do CPC, não pode confundir-se com um novo julgamento, destinando-se essencialmente á sanação de manifestos erros de julgamento, de falhas mais ou menos evidentes na apreciação da prova “ ( v. Ac. STJ, de 14/3/2006, in CJ,XIV, I, pg. 130; Ac. STJ, de 19/6/2007,www.dgsi.pt ; Ac. TRL, de 9/2/2005, www.pgdlisboa.pt ), sendo, assim, entendimento dominante na jurisprudência que a convicção do julgador, firmada no principio da livre apreciação da prova (artº 655º do Código de Processo Civil ), só pode ser modificada pelo tribunal de recurso quando fundamentada em provas ilegais ou proibidas ou contra a força probatória plena de certos meios de prova, ou então quando afronte, de forma manifesta, as regras da experiência comum.
Alega a recorrente ter ocorrido erro de julgamento relativamente à resposta negativa que veio a ser dada ao art.º 2º da Base Instrutória elaborada a fls.141, considerando que nos termos do disposto nos artigos 817°- nº2 e 490º- n.º 3 do Código de Processo Civil, deveria o Tribunal “a quo” ter dado pelo menos como provado que o FGA intentara a execução contra a Executada Andreia por erro pois foi essa a confissão expressa efectuada pelo exequente no articulado de resposta à Oposição à Execução.
Atentos os autos cremos ter, efectivamente, ocorrido erro de julgamento relativamente à matéria de facto constante do aludido art.º 2º da Base Instrutória elaborada a fls. 141 dos autos, referenciada pelo apelante, com o seguinte teor: Facto 2º : “ A acção executiva foi instaurada contra a opoente por erro da exequente, atenta a circunstância de no seu sistema interno aquela constar como proprietária do veículo de matrícula HJ-48-30 ?”, embora por fundamentos distintos dos invocados pelo recorrente, inexistindo a alegada confissão nos termos dos indicados art.º 817°- nº2 e 490º- n.º 3 do Código de Processo Civil, devendo concluir-se, como a seguir se exporá e fundamentará, e assim se declarar provado, em resposta ao indicado quesito, correspondente aos art.º 3º e 4º da contestação do exequente, a fls. 34 dos autos, que “A acção executiva foi instaurada contra a opoente por erro da exequente “.
A questão prende-se, no essencial, desde logo, com a possibilidade, ou não, de prova dos factos subjectivos e sua prévia inclusão na base instrutória da acção, evidenciando-se a dificuldade na delimitação entre factos subjectivos e questões de direito e conclusões.
Tal questão encontra resposta afirmativa na doutrina e jurisprudência, decorrendo a sua previsibilidade das normas legais ( art.º 264º, 511º, 513º, 655º, do Código de Processo Civil, e, art.º 341º, 349º, 351º , 362º e 392º, do Código Civil ), assim tendo sido igualmente considerada, e bem, pelo Tribunal “ a quo “ ao incluir na Base Instrutória um quesito com o assinalado teor- cfr. facto 2º- quesito elaborado a fls. 141.
Com efeito, serão de atender os factos subjectivos, ou do foro interno, de qualquer das partes ou de terceiros, devendo ser incluídos na base instrutória da acção, desde que tais factos integrem a causa de pedir na acção, sendo factos essenciais, ou instrumentais a esta, e com relevância, e, tenham sido levados à acção por alegação das partes, devendo, ainda, sobre esses mesmos factos ser admitida a produção de prova, nos termos gerais.
Tais factos, embora subjectivos, ou do foro interno, não deixam de ser factos materiais, considerados estes como “ as ocorrências da vida real, isto é, ou os fenómenos da natureza, ou as manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os actos e os factos dos homens:” ( A. Reis, in Código de Processo Civil, anotado, volume III, pg. 209 ).
A este propósito, e no tocante à distinção a fazer-se entre as questões de facto e as questões de direito, atente-se nos ensinamentos do Prof. A.Varela, in, Manual de Processo Civil, pg. 391/2, o qual refere: “ Os factos, para o efeito do disposto no art.º 511º abrangem as ocorrências da vida real(…). Dentro da vasta categoria dos factos (processualmente relevantes ), cabem não apenas os acontecimentos do mundo exterior ( da realidade empírico-sensível, directamente captável pelas percepções do homem- ex propriis sensibus, visus et audictus ), mas também os eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do indivíduo ( v.g. …., o conhecimento por alguém de determinado evento concreto…; as dores físicas ou morais…) .”
No tocante à prova de tais factos, a mesma far-se-á, dentro do princípio geral da livre convicção, de acordo com os meios de prova legalmente previstos em direito probatório material e com obediência das respectivas normas de aplicação, sendo tal juízo valorativo, como nos demais casos de produção de prova, devidamente fundamentado pelo julgador, nos termos dos art.º 653º e 655º do Código de Processo Civil.
Com efeito, relativamente a tais factos subjectivos ou do foro interno do agente ou de terceiro, refere ainda o ilustre Prof. A. varela, in obra citada : “ … a prova, no domínio do direito (processual ) , ao invés do que ocorre com a demonstração, no campo da matemática, ou com a experimentação, no âmbito das ciências naturais, não visa a certeza lógica ou absoluta, mas apenas a convicção ( o grau de probabilidade ) essencial às relações práticas da vida social ( a certeza histórico-empírica ). E a este grau de convicção, próprio da prova, podem ascender, não apenas as ocorrências do mundo exterior ( os factos externos ), mas também as realidades do foro psíquico ( os factos internos, hoc sensu ).”
E, refere A. Reis, in obra citada, pg. 242 . “ …na prova directa e na indirecta o juiz tem sempre de exercer as duas actividades – a percepção e o raciocínio. A diferença à somente de grau .(…). As provas críticas ou lógicas dão ao juiz o conhecimento do facto por meio de operações lógicas. O juiz parte de um facto que não é o facto a observar nem o representa; esse facto permite-lhe chegar ao facto a apurar mediante raciocínio e ilações.
Prova suficiente é a que é susceptível de produzir a plena convicção no juiz (…); conduz a um juízo de certeza; não de certeza absoluta, material, na maior parte dos casos, mas de certeza bastante para as necessidades práticas da vida, de certeza chamada histórico-empírica.”
No caso em apreço, e contrariamente ao que veio a ser considerado pelo Tribunal de 1ª instância que julgou que quanto ao alegado “erro” em que incorreu o exequente nenhuma prova foi produzida nesse sentido, assim respondendo negativamente ao indicado quesito 2º da Base Instrutória, entendemos que sobre a indicada matéria de facto foi produzida prova, e, designadamente, prova suficiente para declarar provado que “A acção executiva foi instaurada contra a opoente por erro da exequente”, facto este que, aliás, consideramos resultar manifesto nos autos e deduzir-se e comprovar-se dos próprios termos da contestação e da circunstância de face às declarações e assumpção de erro expressa na contestação vir o exequente, de imediato, e prontamente, e em face da verificação e expressa declaração do aludido erro, que assume e explica, a desistir da instância executiva relativamente à opoente/apelada.
Conclui-se, face ao exposto, pela procedência da impugnação da matéria de facto nos termos acima expostos, devendo aditar-se ao elenco dos factos provados descritos na sentença uma nova alínea. f) com o indicado teor: - alínea. f) - “A acção executiva foi instaurada contra a opoente por erro da exequente”.
2. No caso em apreço, realizado o julgamento foi proferida sentença a condenar o exequente como litigante de má fé na multa de 2 UC´s, e, a ordenar a notificação do exequente para vir aos autos identificar a pessoa a quem deve ser imputada a actuação dada como demonstrada e configurada como de litigância de má fé, e para se pronunciar sobre o quantitativo da indemnização requerida pela opoente/executada, tendo em atenção o montante por esta peticionado, considerando o Mº Juiz “ a quo “ que “…Era obrigação da exequente não ter intentado a acção executiva quanto à opoente/executada, uma vez que nada a impedia de ter conhecimento de que não possuía título executivo quanto à mesma (… ) verificando-se a situação prevista no artº 456º, nº 2, al. a), do C. P.Civil”.
Dispõe o artº 456º -n.º1 do Código de Processo Civil, que “ Tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.”
E, nos termos do n.º 2 do citado preceito legal :
Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”
Nos termos da actual legislação, e após a reforma processual introduzida pelo Decreto-Lei n.º n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, considera-se sancionável a título de má-fé, a lide dolosa, tal como preconizava A. Reis, in Código de Processo Civil anotado, II volume, pg.280, e, ainda, a lide temerária baseada em situações de erro grosseiro ou culpa grave.
Como refere Menezes Cordeiro “ alargou-se a litigância de má-fé à hipótese de negligência grave, equiparada, para o efeito, ao dolo.” ( in “Da Boa Fé no Direito Civil“, Colecção Teses, Almedina ).
No dolo substancial deduz-se pretensão ou oposição cuja improcedência não poderia ser desconhecida – dolo directo – ou altera-se a verdade dos factos, ou omite-se um elemento essencial – dolo indirecto; no dolo instrumental faz-se dos meios e poderes processuais um uso manifestamente reprovável ( v. Menezes Cordeiro, obra citada, pg.380 ).
Verifica-se a negligência grave naquelas situações resultantes da falta de precauções exigidas pela mais elementar prudência ou das desaconselhadas pela previsão mais elementar que devem ser observadas nos usos correntes da vida ( Maia Gonçalves, C.Penal, anotado, pg.48 ).
O dever de litigar de boa-fé, com respeito pela verdade é corolário do princípio da cooperação a que se reporta o art.º 266º do Código de Processo Civil, e vem consignado no art.º 266º-A, do mesmo diploma legal.
Em qualquer caso, a conclusão pela actuação da parte como litigante de má-fé será sempre casuística, não se deduzindo mecanicamente da previsibilidade legal das alíneas do art.º 456º do Código de Processo Civil e a responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça.
No caso sub judice, concluiu o Mº Juiz “ a quo “ pela verificação da actuação do exequente/recorrente como litigante de má fé, condenando-o no pagamento de uma multa no montante de 2 UC's, nos termos e pelos fundamentos supra referidos.
Atentos os autos, cremos não ser de manter tal decisão, considerando-se, contrariamente ao juízo sobre tal matéria desenvolvido pelo Tribunal de 1ª instância, que a aludida litigância de má fé não resulta provada, nem se manifesta nos autos, não se demonstrando qualquer actuação dolosa ou gravemente negligente do exequente FGA, com vista a conseguir um objectivo ilegal, a impedir a descoberta da verdade, ou a entorpecer a acção da justiça, não decorrendo a verificação de actuação de litigância de má-fé, por si só, da circunstância de a parte – in casu, o exequente - instaurar acção executiva que, após dedução de Oposição, prontamente assume e reconhece se deveu a mero erro, que explica, imediatamente desistindo da instância executiva.
Sendo certo, ainda, que nos autos se prova, - alínea. f) - “A acção executiva foi instaurada contra a opoente por erro da exequente”, desconhecendo-se, porém, quais as causas e razões ou qualquer circunstancialismo que determinou tal erro, não podendo assim classificar-se de erro grosseiro o verificado no caso concreto.
O que se considera, salienta-se, sem prejuízo, de ser manifesta a gravidade do erro/lapso verificado e susceptivel de produzir efeitos danosos para a oponente/apelada, e eventualmente gerador de responsabilidade civil por perdas e danos a accionar em acção própria contra o exequente FGA e/ou o seu Ilustre Mandatário que elaborou o requerimento inicial da acção executiva e em juízo representa o exequente.
Distintamente, porém, exige-se para a condenação como litigante de má-fé que se esteja perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a actuação dolosa ou gravemente negligente da parte (Abílio Neto, Código de Processo Civil anotado, anotações ao art.º 456º, citando Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 20/6/1990; Ac.STJ de 10/4/80; 19/9/91; 3/7/84, in www.dgsi.pt), situação esta que julgamos não se mostrar comprovada nos autos, não podendo considerar-se, atento o concreto factualismo dos autos e na ausência de qualquer outro, o erro em referência como um acto de negligência grave, e, não decorrendo, ainda, dos autos, por qualquer forma, a actuação dolosa da parte com vista a deduzir pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, nem, sequer, a verificação de lide temerária baseada em erro grosseiro ou culpa grave, com vista ao mesmo fim, como acaba por concluir o Mº Juiz “ a quo “.
Acresce que, sendo o exequente uma pessoa colectiva não pode ser condenado como litigante de má-fé, mas apenas o seu representante que se apure estar de má-fé na causa, tal como decorre do artigo 458º do Código de Processo Civil, e, assim, também por esta razão a aludida condenação do exequente em tal qualidade não poderia subsistir pois que nenhuma referência ou imputação foi feita, ou se provou, relativamente à actuação do seu legal representante, não havendo lugar ao apuramento de tal factualidade, não alegada, nem provada, após a respectiva condenação da parte.
“Aquela parte que pretender a condenação por litigância de má-fé, sendo a outra parte uma pessoa colectiva, não poderá pedi-la acusando-a simplesmente da prática de actos que integram tal má-fé: terá de referir concretamente a pessoa singular a quem imputa a actuação maliciosa, formulando um pedido, autónomo em relação à sociedade, de condenação do seu representante, indicando os actos que fundamentam esse pedido “ – cfr. Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 27/5/2010, P. Revista n.º 327/1998.S1, in www.dgsi.pi, mais se referindo em tal aresto do Supremo Tribunal de Justiça, em sumário, “I. Na litigância de má-fé é necessário que a actuação da parte seja dolosa – dolo directo ou instrumental. II - Porém, a intenção é um acto psicológico insusceptível de ser imputado materialmente a uma pessoa colectiva. III - Daí que a lei regule especificamente a litigância de má-fé quando está em causa uma pessoa colectiva, estipulando que a responsabilidade das custas, da multa e da indemnização recairá sobre o seu representante que esteja de má-fé (art. 458.º do CPC), avultando, pois, uma responsabilidade própria deste último.”
Conclui-se, nos termos expostos, pela procedência da apelação, devendo revogar-se a decisão recorrida que decide condenar o apelante como litigante de má-fé, por falta de verificação dos pressupostos legais a tal condenação, absolvendo-se o exequente do indicado pedido, sem prejuízo de eventual verificação de responsabilidade civil por perdas e danos da exequente e/ou seu Ilustre Mandatário a favor da apelada, questão excluída do objecto de apreciação do presente recurso e acção executiva.
E, assim, improcedendo o incidente de má fé que a oponente/apelada decidiu fazer prosseguir após a homologação da desistência da instância executiva, será responsável pelas custas do decaimento deste.





DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, em julgar procedente a Apelação, e, revogando-se a decisão recorrida, decide-se absolver o exequente do pedido de condenação como litigante de má-fé.
Custas pela apelada.
Guimarães, 05 de Julho de 2012
Luísa Ramos
Raquel Rego (vencida)
António Sobrinho