Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
71934/12.7YIPRT-A.G1
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
RECURSO DE APELAÇÃO
RECLAMAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: DESATENDIDA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: No âmbito do recurso extraordinário de revisão, no caso de indeferimento liminar, a reação contra o mesmo, pela parte interessada, terá de ser feita, não através de reclamação, mas mediante recurso de apelação.
Decisão Texto Integral: I. RELATÓRIO
A) P…, Lda, veio, por apenso à ação que intentou contra J…, interpor recurso de revisão, onde entende que deverá o recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser declarada revogada a douta sentença recorrida, com os fundamentos indicados, sendo o recorrido condenado na totalidade do pedido inicialmente formulado em primeira instância.
Alega, para tanto, em síntese, que instaurou procedimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias contra o recorrido pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de €28.317,95, acrescida de juros, à taxa legal de 4%, desde a citação, até integral pagamento, tendo sido proferida sentença que condenou o réu a pagar à autora a quantia de €4.982,90, acrescida de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento, absolvendo-o do mais peticionado, sentença essa que foi confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10/07/2014.
Mais refere que apenas no passado dia 29/10/2014, o antigo sócio e gerente da recorrente, com 76 anos, disponibilizou a agenda onde anotava todas as entradas de dinheiro para pagamentos à recorrente, realizados pelos clientes e, até ao referido dia, ainda não tinha sido possível ter acesso às agendas, baseando-se a atual gerência nos dados contabilísticos para fazer a cobrança junto dos clientes.
A requerente juntou uma declaração constante de fls. 7 vº onde consta “declaro para os devidos efeitos que durante o meu período de gerência, desde a génese da empresa P…, Lda, até 31 de Dezembro de 2011, a minha gestão diária do dinheiro que entrava para pagamentos à empresa era registada no meu caderno, que nesta data disponibilizarei ao atual gerente J…, onde anotava tudo quanto fosse para abatimento de contas pendentes.
Tudo o que não constar desse caderno não foi para liquidar qualquer quantia à P…, Lda.
Cristelo 29 de Outubro de 2014
M…” (a que se segue uma assinatura manuscrita).
*
B) Foi proferido a decisão que consta de fls. 11 a 16, onde se decidiu “… ao abrigo do disposto no artigo 699º nº 1 do CPC, indefere-se liminarmente o presente recurso extraordinário de revisão interposto por P…, Lda.”
*
C) Discordando desta decisão, veio a recorrente P…, Lda, reclamar da decisão que indeferiu liminarmente o recurso, onde conclui entendendo dever a reclamação ser considerada procedente/deferida, sendo o recurso extraordinária de revisão admitido, nos termos nele estabelecidos.
No essencial, a recorrente alega que o fundamento da revisão se baseia na apresentação de uma declaração por parte do anterior gerente da empresa recorrente, tratando-se de um documento novo e não de um facto novo, uma vez que tal facto sempre foi defendido pela recorrente na petição inicial e no recurso e evidencia um erro no julgamento da matéria de facto, uma vez que a decisão de algumas questões de facto no processo teria sido diferente se tivesse sido então apresentado tal documento.
Refere ainda a reclamante quanto à decisão de indeferimento liminar que não pode conformar-se com o facto de não ter instruído o recurso com as “agendas” mencionadas na referida declaração, uma vez que o que serviu de motor ao recurso de revisão foi a declaração referida e um despacho de aperfeiçoamento convidando a recorrente a juntar as agendas, colmataria a questão.
O recorrido não apresentou resposta.
D) A questão a decidir nesta reclamação é a de saber se a reclamação deve ser admitida.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO
A) Os factos a considerar são os que constam do relatório que antecede.
B) O Direito
No caso em apreço estamos perante uma situação em que a reclamante discorda da decisão que indeferiu liminarmente o recurso de revisão.
E a reação da reclamante perante a decisão de indeferimento liminar foi apresentar reclamação, nos termos do disposto nos artigos 642º (pretendendo, certamente, referir-se ao artigo 643º) ex vi artigo 641º nº 6 do NCPC.
Estabelece o artigo 643º nº 1 do NCPC que “do despacho que não admita o recurso pode o recorrente reclamar para o tribunal que seria competente para dele conhecer no prazo de 10 dias contados na notificação da decisão.”
O que está em causa na decisão que apreciou o recurso de revisão, foi um indeferimento liminar, não se tratando, assim, de um despacho que não admitiu o recurso, uma vez que o recurso foi admitido e apreciado, tendo sido indeferido liminarmente.
Uma coisa é não se admitir o recurso, outra, diferente, ser o mesmo indeferido (liminarmente).
E se não há nenhuma decisão que o não admita, nunca poderia haver reclamação de tal despacho, dado que são esses os casos em que pode haver a reclamação prevista no artigo 643º nº 1 do NCPC, pelo que a reclamação nunca seria admissível.
Mas, ainda que assim não fosse – e é – nunca poderia haver reclamação da decisão que não admitisse o recurso de revisão, como decorre de uma leitura atenta do referido artigo 643º nº 1 do NCPC.
O que aí se diz é que do despacho que não admita o recurso pode o recorrente reclamar para o tribunal que seria competente para dele conhecer no prazo de 10 dias contados na notificação da decisão.
Ora, o tribunal competente para conhecer do recurso de revisão, é o tribunal da 1ª Instância que proferiu a decisão a rever, no caso concreto (cfr. artigo 697º nº 1), como será a regra, admitindo-se, no entanto, que tal competência seja deferida aos Tribunais da Relação, no caso de processos de revisão e confirmação de sentença estrangeira, conforme decorre do artigo 73º alínea e) da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovado pela Lei nº 62/2013, de 26/08.
Assim sendo, como o tribunal competente é o da 1ª Instância, a reclamação, se fosse admissível, seria para o tribunal … da 1ª Instância (?), o que não faria qualquer sentido, nunca para o Tribunal da Relação.
Por outro lado é preciso atentar que o recurso de revisão, é um recurso extraordinário, que tem uma estrutura diversa dos recursos ordinários, atualmente limitados à apelação e à revista (artigo 627º nº 2 NCPC), com uma tramitação específica, na 1ª Instância e, nas situações em que, como no caso presente, haja um indeferimento liminar, a parte interessada em impugnar tal decisão, não pode dela reclamar mas, antes, terá de interpor recurso de apelação, nos termos do disposto no artigo 644º nº 1 alínea a) do NCPC.
Aliás, no artigo 772º nº 5 do NCPC diz-se que as decisões proferidas no processo de revisão admitem os recursos ordinários a que estariam originariamente sujeitas no decurso da ação em que foi proferida a sentença a rever.
A propósito do regime existente anteriormente ao atual Código de Processo Civil, cujo regime não é substancialmente diferente do atual, refere-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28/05/2009, no processo nº 1204/06.8YLSB-A.L100, disponível em www.dgsi.pt, que “o Dec.-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, reformou o regime dos recursos cíveis, incluindo o recurso extraordinário de revisão.
Quanto a este, realce-se a sua fusão com o anterior recurso extraordinário de oposição de terceiro, passando ambos a constituir o novo recurso de revisão (cfr. anteriores artigos 778.º a 782.º do Código de Processo Civil e atuais artigos 771.º, alínea g), 772.º n.º 2, alínea c) e n.º 3, 776.º n.º 2 do Código de Processo Civil).
Tal como no regime anterior, também agora o recurso de revisão é interposto perante o tribunal que proferiu a decisão a rever (art.º 772.º, n. 1), o qual indeferi-lo-á liminarmente se o requerimento não estiver instruído nos termos legais ou quando se reconheça de imediato que não há motivo para revisão (art.º 774.º n.º 2 do C.P.C.).
Igualmente, de tal decisão de indeferimento cabe sempre recurso, ainda que o valor da causa esteja contido na alçada do tribunal a quo, pois essa decisão corresponde ao indeferimento liminar da petição inicial (artigos 234.º-A n.º 2, 475.º n.º 2 e 772.º n.º 5; neste sentido, Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8.ª edição, 2008, Almedina, pág. 336; Cardona Ferreira, obra citada, pág. 236; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2008, Almedina, pág.205).
Tal recurso é a apelação, a qual fundiu a antiga apelação e o antigo agravo interposto em 1.ª instância (art.º 691.º n.º 1).
Também no novo regime não cabe, assim, reclamação do aludido despacho de indeferimento, pois a reclamação tem por objeto a apreciação da rejeição de recurso ordinário, recurso cuja apreciação cabe a tribunal de instância superior, a quem caberá igualmente apreciar a reclamação (art.º 688.º do C.P.C.-, neste sentido, também Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em processo civil, Coimbra Editora, 2009, pág. 204).
Conclui-se, assim, que tanto à luz do regime anterior como à luz do atual, do despacho proferido pelo tribunal a quo … (rejeição liminar do recurso de revisão) não cabia reclamação, mas sim recurso.”
Por todo o exposto conclui-se que, no âmbito do recurso extraordinário de revisão, no caso de indeferimento liminar, a reação contra o mesmo, pela parte interessada, terá de ser feita, não através de reclamação, mas mediante recurso de apelação.
Termos em que terá de se indeferir a reclamação.
*
III. DECISÃO
Nesta conformidade, decide-se indeferir a reclamação apresentada.
Custas pela reclamante.
Notifique.
Guimarães, 08/06/2015
António Figueiredo de Almeida