Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | ||||
Processo: |
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Relator: | TERESA BALTAZAR | |||
Descritores: | INDÍCIOS SUFICIENTES CONCEITO DE FUNCIONÁRIO PARA EFEITO DE LEI PENAL | |||
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Nº do Documento: | RG | |||
Data do Acordão: | 07/05/2010 | |||
Votação: | UNANIMIDADE | |||
Texto Integral: | S | |||
Privacidade: | 1 | |||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | |||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | |||
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Sumário: | I – Conceito de indícios suficientes: Para que os indícios sejam suficientes, ou seja, para que os indícios tenham um valor probatório que possa conduzir, através do esquema subsuntivo, à aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança, é necessário que sejam precisos, graves e concordantes. II - Conceito de funcionário para efeito de lei penal: - Sobre o conceito de funcionário (art. 386.º do C. P.), não podem nele ser integradas as pessoas colectivas de mera utilidade pública e as denominadas instituições particulares de solidariedade social. De facto, pressuposto essencial para a afirmação do exercício de tarefas administrativas era a base legal da sua atribuição. Nestes casos (de mera “utilidade pública”), do que se trata é de “distinguir” pessoas colectivas sem escopo lucrativo, cujos fins estatutários correspondem a interesses sociais”. - Dir-se-á que in casu a razão fundamental para que não se preencham os elementos de quaisquer crimes cometidos no exercício de funções públicas, concretamente o de peculato, reside na inaplicabilidade do conceito de funcionário (para efeito da lei penal) ao arguido, porquanto apesar de o conceito de funcionário, para efeito da lei penal, sempre ter exigido, para legitimar essa qualificação, o desempenho de funções ou actividades no âmbito de uma pessoa colectiva de direito público, no caso dos autos a pessoa colectiva de utilidade pública é uma pessoa colectiva de direito privado, não podendo os seus agentes ser considerados servidores do Estado, nem funcionários, para efeitos da lei penal, tanto mais que o aspecto privatístico é o único a considerar, no caso dos autos. | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães: - Tribunal recorrido: Tribunal Judicial de Braga ( 4º juízo Criminal - Proc. em que foi requerida instrução). - Recorrente: A assistente APVG. - Objecto do recurso: No processo n.º 1 015/07.3TA BRG do 4º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Braga, foi proferida decisão instrutória, na qual se decidiu não pronunciar o arguido António B..., pela prática de um crime de peculato p. e p. pelo art. 375º, n.º 1 do Código Penal, ou de qualquer outro crime ( cfr. fls. 1704 a 1713 dos autos ). (Sendo que o M. P. de fls. 1378 a 1399, no final do inquérito, havia proferido despacho de arquivamento, por ter entendido que dos autos não resultam factos, suficientemente indiciados, que permitam imputar ao arguido António B... a prática de qualquer crime). * Inconformada com a supra referida decisão, a assistente APVG dela interpôs recurso (cfr. fls. 1735 a 1749), terminando a sua motivação com as conclusões constantes de fls. 1744 a 1749, que aqui se dão integralmente como reproduzidas.No essencial, as questões colocadas no requerimento de interposição de recurso pela assistente, são as seguintes: - Saber se existe nos autos alicerce indiciário suficiente. - E se o arguido pode ser considerado como tendo a qualidade de funcionário para efeitos penais. * O recurso da assistente foi admitido por despacho constante a fls. 1758 dos autos. * Na 1ª instância o Mº Pº respondeu ( cfr. fls. 1753 a 1757 ), concluindo que, no seu entender, o recurso não merece provimento, devendo manter-se a decisão recorrida.* O arguido não apresentou resposta.* O Ex.mo Procurador Geral Adjunto, nesta Relação emitiu parecer ( cfr. fls. 1768 a 1770 ), no qual conclui, também, que o recurso não deverá merecer provimento,* Cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2, do C. P. Penal, não veio a ser apresentada qualquer resposta. * Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, prosseguiram os autos para conferência, na qual foi observado todo o formalismo legal. ** Cumpre apreciar e decidir: A) - É de começar por salientar que são as conclusões do recurso que definem o seu objecto, nos termos do disposto no art. 412º, n.º 1, do C. P. Penal. * B) - Sendo que, no essencial, as questões colocadas no requerimento de interposição de recurso pela assistente, são as seguintes:1 - Questão de saber se existe nos autos alicerce indiciário suficiente, devendo, na afirmativa, vir a ser proferido despacho de pronúncia. 2 – Questão de saber se o arguido pode ser considerado como tendo a qualidade de funcionário para efeitos penais. * C) - A decisão instrutória proferida nos autos, tem o teor seguinte (transcrição):“Declaro encerrada a instrução. * 1. Relatório. 1.1. Do despacho de arquivamento do Ministério Público. A final do inquérito, despoletado pela apresentação da queixa-crime de fls. 2 a 36, o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento (fls. 1378/1399), por ter entendido que dos autos não resultam factos, suficientemente indiciados, que permitam imputar ao arguido António B... a prática de qualquer crime. * 1.2. O requerimento de abertura da instrução. A fls. 1413 a 1420, veio a assistente APVG (APVG) requerer a abertura da instrução, insurgindo-se contra o despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, articulando que: 1. O arguido António B..., enquanto Presidente da APVG, mandou emitir e assinou, para pagamento de honorários à Sociedade de Advogados V... & Associados, os seguintes cheques: - cheque n.º 3442961746, datado de 31/10/2003, no valor de 1 250,00€; - cheque n.º 6615083383, datado de 28/10/2004, no valor de 1 000,00€; - cheque n.º 5670985022, datado de 27/03/2006, no valor de 3 000,00€; 2. Os cheques acima referidos foram para pagamento dos honorários devidos em virtude de um processo de impugnação de eleições para os órgãos dirigentes da APVG e emitidos de uma conta da APVG; 3. As quantias respeitantes aos cheques foram dispendidas no interesse do arguido e de outros que integraram a sua lista; 4. Os demais intervenientes no processo eleitoral suportaram pessoalmente as custas judiciais e os honorários dos respectivos mandatários; 5. O arguido afirmou, quando confrontado no âmbito de referido processo de impugnação, que as despesas judiciais e honorários dos advogados eram da responsabilidade de cada um; 6. A assistente é uma instituição particular de solidariedade social, reconhecida como pessoa de utilidade pública por despacho publicado no DR, III série, de 12/07/2001; 7. Nunca os associados da assistente tiveram conhecimento de que o arguido tivesse decidido que o processo de impugnação do acto eleitoral e a sua defesa nesse processo representasse o interesse da APVG, nem nunca tal matéria foi apreciada na Assembleia-Geral; 8. O arguido apoderou-se de dinheiro da APVG para seu interesse pessoal e de que detinha a posse em razão das suas funções de Presidente da Direcção; 9. Prejudicando materialmente a APVG; 10. Sabia o arguido que tal conduta causava um prejuízo à APVG e agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo proibida a sua conduta; A final, pugna pela pronúncia do arguido António B... pela prática de um crime de peculato, p. e p. pelo artigo 375.º do Código Penal. 1.3. As diligências instrutórias e debate instrutório. Por despacho de fls. 1467/1468 foi declarada aberta a instrução. Realizadas as diligências probatórias requeridas e admitidas, foi designado debate instrutório, o qual se realizou, com observância do legal formalismo, como consta da acta. * 2. Saneamento. O Tribunal é o competente. Não existem nulidades, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer. * 3. Fundamentação. 3.1 As finalidades da instrução. Como se sabe, nos termos do disposto no artigo 286.º/1 do Código de Processo Penal, com a fase processual penal (facultativa) de instrução visa-se a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento, não estando, consequentemente, em causa a realização de um novo inquérito, mas a comprovação, por parte do juiz de instrução criminal da decisão proferida pelo Ministério Público, de acusação ou de arquivamento, sem prejuízo de o juiz de instrução instruir autonomamente os factos em apreço e não se limitar ao material probatório carreado para os autos. Nos termos do artigo 308.º/1 do Código de Processo Penal se até ao encerramento da instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário profere despacho de não pronúncia. Estabelece o artigo 283.º/2 do Código de Processo Penal, que a suficiência de indícios encontra-se dependente de deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança. Assim, em primeiro lugar, impõe-se um juízo de indiciação da prática de um crime, ou seja, importa indagar de todos os elementos probatórios produzidos, quer na fase de inquérito, quer na de instrução, que conduzam ou não à verificação de uma conduta criminalmente tipificada. Caso se opere essa adequação, proceder-se-á, em segundo lugar, a um juízo probatório de imputabilidade desse crime ao arguido, de modo que os meios de prova legalmente admissíveis e que foram produzidos, ao conjugarem-se entre si, conduzam à imputação do(s) facto(s) criminoso(s) ao(s) arguido(s). A finalizar, cabe efectuar um juízo de prognose condenatório, pelo qual se possa concluir a razoável possibilidade do arguido vir a ser condenado por esses factos e vestígios probatórios, estabelecendo-se um juízo indiciador semelhante ao juízo condenatório a efectuar em julgamento. * Fixadas as directrizes que, de acordo com a lei, nos devem orientar na prolação da decisão instrutória, de pronúncia ou não pronúncia, a presente decisão abordará a questão de saber se (in)existe prova indiciária que preencha o tipo de crime de peculato (ou qualquer outro) e, havendo, da respectiva imputação ao arguido. 3.2. factos suficientemente indiciados. 1. O arguido, enquanto Presidente da Direcção Nacional da APVG, instituição particular de solidariedade social, de utilidade pública, mandou emitir e assinou os cheques n.º 3442961746 da CGD, no valor de 1 250,00€, datado de 31/10/2003; n.º 6615083328 da CGD, no valor de 1 000,00€, datado de 28/10/2004; e n.º 5670985022, da CGD, no valor de 3 000,00€, de 27/03/2006, todos de uma conta titulada pela APVG, para pagamento de honorários à sociedade de Advogados V... & Associados; 2. Os honorários acima referidos foram devidos em virtude de um processo de “impugnação” das eleições para os órgãos dirigentes da APVG; 3. O arguido e outros foram patrocinados pela sociedade de Advogados supra referida no âmbito do processo que correu termos sob o n.º 2898/03.1TBBRG-4, pelo qual era pretendida a “impugnação” do processo eleitoral de 02/03/2003 para os órgãos dirigentes da APVG; 4. O arguido foi o candidato à Presidência Nacional da APVG, pela lista A, tendo sido eleito; 5. Pretendia a “lista B”, pela “impugnação” do acto eleitoral, ser a final declarada a vencedora do acto eleitoral; 6. Na sequência do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido em 31/01/2008, foi julgado improcedente o pedido de “impugnação” do acto eleitoral. 3.3. factos não suficientemente indiciados. 7. Que as quantias constantes dos cheques foram dispendidas no interesse do arguido e de outros membros que integraram a sua lista (lista A); 8. Que a conduta do arguido tenha causado prejuízo à APVG. 9. Que o arguido se tenha apoderado das quantias tituladas pelos cheques para o seu interesse pessoal. 3.4. Motivação. Quanto à factualidade dada como suficientemente indiciada, assim a considera o Tribunal porquanto resulta globalmente dos autos, quer dos documentos juntos, quer do próprio teor da sentença proferida na Vara Mista de Braga, quer do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães. Relativamente aos cheques em causa nos autos, não é questionado que os mesmos foram emitidos a favor da sociedade de advogados V... & Associados. Também resulta suficientemente indiciado nos autos que tais cheques foram emitidos para pagamento dos honorários decorrentes da prestação de serviço desta sociedade no âmbito da acção de impugnação do acto eleitoral. É o que se extrai do depoimento do Sr. Dr. Bento C... (fls. 1305) quando o mesmo refere “Os três RR. Representados pela sociedade V... & Associados eram os Membros da Direcção da Associação cujo acto eleitoral veio a ser impugnado na dita acção, embora fosse movida contra eles individualmente, até decisão em contrário, eles seriam sempre os membros da direcção e estavam a agir em representação e nos interesses esta. Aliás, tal situação veio a ser confirmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães”. Independentemente de estar em causa um depoimento interpretativo e de a questão essencial não ter sido directa e frontalmente colocada, o certo é que se extrai do mesmo depoimento que os cheques – é isso que está em causa – foram emitidos (ou pelo arguido ou a seu mando e com o seu conhecimento) para pagamento dos serviços jurídicos no âmbito dessa acção. Assim resulta do confronto das datas de emissão dos cheques, da análise dos mesmos (fls. 888, 897, 898), do período de tempo em que a acção correu em Tribunal, do depoimento da testemunha Dr.ª Andreia M... (fls. 972), das cópias dos cheques de fls. 188 a 190, da procuração de fls. 1178, outorgada em 13/10/2003 a favor da referida sociedade de Advogados pelo arguido, tal como já haviam feito outros (fls. 1176 e 1177). Quanto à factualidade dada como não suficientemente indiciada assim a considera o Tribunal porquanto não pode afirmar-se, nem tal resulta dos autos, que as quantias constantes dos cheques foram dispendidas no interesse do arguido e de outros membros que integraram a sua lista (lista A). Na verdade, não pode deixar de se considerar que a lista A, encabeçada pelo arguido, foi a lista vencedora do acto eleitoral, tendo tomado posse em 22 de Março de 2003, como resulta dos autos e é afirmado inclusive na queixa. Da mesma forma, nas eleições seguintes, foi o arguido reconduzido no cargo de Presidente da Direcção da APVG, tendo tomado posse em 07/01/2006. Daqui decorre que os cheques em causa nestes autos foram emitidos no período temporal em que o arguido era Presidente da Direcção da APVG, podendo ver-se que em todos eles, por comparação com a assinatura da procuração de fls. 1178, consta a assinatura do arguido. Como resulta dos autos, a assistente deixou cair a demais factualidade que vertera na queixa e mantém a posição relativamente aos três cheques afirmando que nunca a APVG contratou a sociedade de Advogados. Formalmente é correcta a afirmação de que a APVG não contratou a sociedade de Advogados V... & Associados, bastando verificar as procurações outorgadas, acima já referidas, vendo-se que a mesmas foram outorgadas a título individual, quanto ao arguido veja-se a procuração de fls. 1178. Contudo, o que estava em causa era a “impugnação” de um acto eleitoral, do qual o arguido, encabeçando a lista vencedora, havia sido eleito Presidente da Direcção da APVG e havia tomado posse enquanto tal. Ora, tendo a acção declarativa de “impugnação” das eleições sido desencadeada pelos elementos da lista B, perdedora, contra os elementos da lista A, vencedora (e outros) os quais já haviam tomado posse para os órgãos dirigentes da APVG, sendo o arguido Presidente da respectiva Direcção, não se vê como sustentar a afirmação de que este tenha emitido os cheques no seu interesse e dos outros membros que integraram a sua lista (lista A). Na verdade, era do próprio interesse da APVG, enquanto tal, que os respectivos órgãos estatutários, eleitos, se mantivessem e exercessem as funções e que não fosse criado um vazio directivo em função de uma qualquer impugnação eleitoral, aliás in casu com efeito não suspensivo. Na verdade, se se visse apenas um interesse particular daqueles que são eleitos e não também um interesse próprio da associação, então qualquer impugnação de um acto eleitoral apresentar-se-ia inócuo para o funcionamento do ente associativo, o que categoricamente não se apresenta incontroverso. Ora, se é certo que a acção declarativa é interposta contra (também) elementos da lista vencedora (lista A), a título individual, o certo é que é interposta, no caso do arguido, contra pessoa (já) eleita, em 02/03/2003, Presidente da Direcção da APVG. Além do mais, como se pode ver do pedido formulado na acção declarativa (fls. 998), há uma pretensão dirigida contra a decisão do Presidente da Mesa da Assembleia Geral Eleitoral e há ainda uma pretensão individual dirigida ao ora arguido (aí 2.º Réu) de acatamento da deliberação da Mesa da Assembleia Geral que, a final, não mereceu provimento (entre o mais). Não pode assim, para finalizar, dizer-se que seja ilegítima a decisão (de gestão corrente) de emissão de cheques sobre a conta da Associação para pagamento dos honorários devidos pelos serviços prestados pela sociedade de advogados no âmbito da acção declarativa em causa, apesar de nela não ser parte directa a APVG, mas que inegavelmente é parte interessada, mesmo que reflexa ou indirectamente, não se vendo assim que a conduta do arguido tenha causado prejuízo à APVG (o que nem se mostraria determinante), na medida em que esta beneficiou da estabilização directiva dos órgãos sociais eleitos, nem se vendo fundamento sólido para que tivesse de ser o arguido – e os outros demais eleitos - a suportar os custos de uma acção a que não deram individualmente causa e no âmbito de um processo eleitoral de que saíram vencedores e cujo processo conforme veio a ser confirmado judicialmente. 3.5. O crime imputado. Dispõe o artigo 375.º do Código Penal que: “1. O funcionário que ilegitimamente se apropriar, em proveito próprio ou de outra pessoa, dinheiro ou qualquer coisa móvel, pública ou particular, que lhe tenha sido entregue, esteja na sua posse ou lhe seja acessível em razão das suas funções, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal. (…) 3. Se o funcionário der de empréstimo, empenhar ou, de qualquer forma, onerar os valores ou objectos referidos no n.º 1, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”. O conceito de funcionário encontra-se no artigo 386.º do Código Penal que tem sofrido alterações, concretamente através da Lei n.º 108/2001 de 28/11 e da Lei 59/2007, de 04/2007. “1. para efeitos da lei penal a expressão funcionário abrange: a)O funcionário civil; b)O agente administrativo; e c)Quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, tiver sido chamado a desempenhar ou a participar no desempenho de uma actividade compreendida na função publica administrativa ou jurisdicional, ou nas mesmas circunstâncias, desempenhar funções em organismos de utilidade pública ou nelas participar. (…)”. A primeira questão que importa esclarecer é a de saber se o arguido pode ou não ser considerado “funcionário para efeitos penais” pelo facto de desempenhar funções, como Presidente, numa associação, pessoa colectiva de direito privado a quem foi atribuída utilidade pública (cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, III vol. p. 815 e Comentário do Código Penal, Paulo Pinto de Albuquerque, p. 914, nota 26, o qual dá conta da evolução do comentador do Comentário Conimbricense para um entendimento mais restritivo do âmbito subjectivo do conceito de funcionário). Assim o Prof. Damião da Cunha, num recente estudo “O Conceito de Funcionário para Efeito de Lei Penal e a Privatização da Administração Pública”, Coimbra Editora, 2008, alterando a sua posição vertida no Comentário Conimbricense do Código Penal, p. 56, nota 69, diz “Resulta, pois, desta legislação, mas também de uma mais correcta interpretação dos dados legais, que, ao contrário, do que defendemos no Comentário Conimbricense sobre o conceito de funcionário (cf. §§ 23 e 27 do art. 386.º), não podem nele ser integradas as pessoas colectivas de mera utilidade pública e as denominadas instituições particulares de solidariedade social (…). De facto, pressuposto essencial para a afirmação do exercício de tarefas administrativas era a base legal da sua atribuição. Nestes casos (de mera “utilidade pública”), do que se trata é de “distinguir” pessoas colectivas sem escopo lucrativo, cujos fins estatutários correspondem a interesses sociais”. Embora seja questão que se não apresenta pacífica, entendo que, no caso dos autos e em face do objecto da instrução, a resposta tem de ser, em conformidade com a nova posição acima referida, negativa, ou seja: não é “funcionário para efeitos penais” quem desempenha funções, como Presidente, numa associação, pessoa colectiva de direito privado a quem foi atribuída utilidade pública Na verdade, o crime de peculato, previsto no artigo 375.º do Código Penal, está inserido no Capítulo “Dos crimes cometidos no exercício de funções públicas”. Ora, aos crimes cometidos no exercício de funções públicas, mesmo que não pressuponham o elemento típico cargo, como é de certa forma o caso do crime de peculato, para serem aplicados, importam sempre a necessidade de demonstração do exercício de um poder ou de uma função pública, a apreciar caso a caso, o que não acontece no caso dos autos. Dir-se-á que a razão fundamental para que não se preencham os elementos de quaisquer crimes cometidos no exercício de funções públicas, concretamente o de peculato, reside na inaplicabilidade do conceito de funcionário (para efeito da lei penal) ao arguido, porquanto apesar de o conceito de funcionário, para efeito da lei penal, sempre ter exigido, para legitimar essa qualificação, o desempenho de funções ou actividades no âmbito de uma pessoa colectiva de direito público, no caso dos autos a pessoa colectiva de utilidade pública “APVG” é uma pessoa colectiva de direito privado, não podendo os seus agentes ser considerados servidores do Estado, nem funcionários, para efeitos da lei penal, tanto mais que o aspecto privatístico é o único a considerar, no caso dos autos, na medida em que estamos apenas perante uma simples pessoa colectiva de direito privado, destinada a prosseguir apenas os interesse privados dos seus associados, sendo unicamente no âmbito desses interesses particulares que importa circunscrever a actuação do arguido nos presentes autos, na medida em que não está em causa qualquer concreto exercício de funções públicas (eventualmente decorrentes da utilidade pública, a qual se destina a conferir essencialmente cobertura legal para uma ajuda à própria associação, quer ao nível fiscal quer ao nível de subsídios estatais, assegurando assim a sua viabilidade existencial com vista a assegurar o escopo fundacional, ou seja os interesses dos respectivos associados). Como refere Vital Moreira, in Administração Autónoma e Associações Públicas, Reimpressão, Coimbra Editora, 2003, págs. 547 e 548, “as entidades colectivas privadas com funções públicas têm um regime jurídico dualista: de direito público, no que respeita ao exercício de funções públicas; de direito privado, no resto (relações com os seus aderentes, vida interna, relações entre associações, pessoal, património, contratos). Ora, é esta vertente privada e interna da APVG que está em causa nos autos e que, quanto a mim, se apresenta in casu determinante. Dito isto, não pode estar em causa o crime de peculato, por o arguido não poder, in casu e em face do concreto objecto delimitado no requerimento de abertura da instrução, ser considerado funcionário para efeitos penais, independentemente de uma conclusão diversa, em idênticos termos do que abaixo se dirá relativamente ao crime de abuso de confiança, importar por questões de não indiciação da factualidade pertinente (apropriação em proveito próprio ou de outra pessoa e de inexistência de abuso de cargo ou de função de direcção da APVG, tanto mais que o dinheiro titulado pelos cheques não estava na disponibilidade do arguido, porquanto essa disponibilidade jurídica era colectiva e exigia, segundo resulta do exame dos cheques, a assinatura de mais duas pessoas) ao preenchimento dos elementos objectivos do tipo a não pronuncia do arguido. E o crime de abuso de confiança. Dispõe o artigo 205.º do Código Penal que: “1. Quem ilegitimamente se apropriar de coisa móvel que lhe tenha sido entregue por título não translativo da propriedade é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. (…)” Ora, como resulta da factualidade dada como não suficientemente indiciada, não se mostra que o arguido se tenha apropriado das quantias tituladas pelos cheques. Aliás, se é verdade que não existe nos autos qualquer deliberação no sentido de ser a APVG a suportar as despesas com a referida acção declarativa, também inexiste qualquer deliberação pela qual a mesma tenha solicitado a restituição das quantias em causa, para desse forma se poder afirmar que, pelo menos a partir dessa data, houve inversão do título não translativo de propriedade (in casu administração) * Para finalizar não pode deixar de se referir que estando em causa três cheques (cheque n.º 3442961746, datado de 31/10/2003, no valor de 1 250,00€; cheque n.º 6615083383, datado de 28/10/2004, no valor de 1 000,00€ e cheque n.º 5670985022, datado de 27/03/2006, no valor de 3 000,00€), face ao período temporal que medeia entre a emissão dos mesmos, seria de considerar a existência três resoluções criminosas e como tal três crimes de abuso de confiança simples – face ao valor individual de cada um deles – pelo que importaria considerar que a queixa apresentada em 18/04/2007, pela APVG, o foi após o prazo de 6 meses (artigo 115.º/1 do Código Penal), porquanto apesar de a assistente APVG sustentar o seu conhecimento da situação no inquérito que terminou em 28/10/2006, o certo é que esse conhecimento só pode ser circunscrito aos novos dirigentes da APVG e não à própria ofendida Associação, que seguramente já o tinha muito antes, desde logo coincidente com a data de emissão dos cheques, com aposição de três assinaturas, em cada um deles, vendo-se inclusive que no conjunto dos três cheques existem seis assinaturas diferentes. Para além disso não se entende a razão de apenas haver queixa contra o arguido, quando existem várias assinaturas nos cheques, o que sempre importaria a aplicação do disposto no artigo 116.º/3 do Código Penal. * 4. Decisão: 4.1. De não pronúncia. Assim, tendo em conta o acima exposto e atento o disposto no artigo 308.º do Código de Processo Penal, decido não pronunciar o arguido: António B..., pela prática de um crime de peculato, p. e p. pelo artigo 375.º/1 do Código Penal, ou qualquer outro crime, e ordeno o oportuno arquivamento dos autos. * Cessam as medidas de coacção – artigo 214.º/1-b) do Código de Processo Penal. * Sem custas, face à isenção da assistente. * Notifique.”. *** - Vejamos: 1 - Questão de saber se existe nos autos alicerce indiciário. Estipula o n.º 1 do art. 286º do Código de Processo Penal que: “A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”. Culmina a instrução com o debate instrutório o qual visa permitir uma discussão perante o Juiz, por forma oral e contraditória, sobre se, do decurso do inquérito e da instrução, resultam indícios de facto e elementos de direito suficientes para justificar a submissão do arguido a julgamento (cfr. art. 298º do C.P.P.). Sendo que encerrado o debate instrutório o juiz profere despacho de pronúncia ou não pronúncia ( art. 307º do C.P.P.) consoante existam ou não indícios suficientes que justifiquem a submissão ou não do arguido a julgamento. É exigido que existam “indícios suficientes” ou “prova bastante”. Mas quando são suficientes os indícios, quando é bastante a prova? Tem razão Castanheira Neves (Questão de facto, Questão de Direito pags. 105 e segs.) quando ensina que na suficiência dos indícios está contida “a mesma exigência de «verdade» requerida pelo julgamento final - só que a instrução não mobiliza os mesmos elementos probatórios e de esclarecimento e, portanto, de convicção, que estarão ao dispor do juiz na fase de julgamento e, por isso, mas só por isso, o que seria insuficiente para a sentença pode ser bastante ou suficiente para a pronúncia”. Não conduz a prova indiciária a um julgamento de certezas. A prova indiciária contém, apenas, um conjunto de factos conhecidos que permitirão partir para a descoberta de outro ou outros que deixarão de se mover no campo das probabilidades para entrarem no domínio das certezas. É o indício, em si, um facto certo do qual, por interferência lógica, baseada em regras da experiência, consolidadas e fiáveis, se chega à demonstração do facto incerto a provar segundo o esquema do chamado silogismo judiciário. É possível que de um facto verificado seja logicamente deductível uma única consequência, mas o facto indiciante pode conduzir a uma pluralidade de factos ambíguos sem uma univocidade que nos conduza à certeza lógica da existência do facto a provar. Não determina o C. P. P. o que possam ser indícios “suficientes” ( art. 308º nº 1) para efeitos de pronúncia ou não pronúncia deixando à jurisprudência a fixação de tal conteúdo. Ora, para que os indícios sejam suficientes, ou seja, para que os indícios tenham um valor probatório que possa conduzir, através do esquema subsuntivo, à aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança, é necessário que sejam precisos, graves e concordantes. Existe precisão do indício quando o facto conhecido é indiscutível, certo na sua objectividade, não sendo logicamente deductível um facto desconhecido de um outro facto que, por sua vez, é, ele próprio, hipotético. A gravidade do indício reside na circunstância de o facto conhecido ter uma relevante proximidade lógica com o facto desconhecido (daí a terminologia fortes indícios). O indício é concordante quando, confrontados uns com os outros, precisos na sua essência e logicamente próximos do facto desconhecido, se movem na mesma direcção ou são, logicamente, do mesmo sinal. Enquanto a precisão e a gravidade se verificam, em princípio, pelo exame individualizado de cada indício, a concordância valora-se pelo confronto dos indícios, colocando em evidência as convergências e divergências destes no plano lógico. Quanto mais graves, precisos e concordantes, forem os indícios, mais fácil é o juízo de probabilidade ou mais evidente é a suficiência dos mesmos. Para que este Tribunal da Relação possa fazer uma valoração lógica da gravidade, precisão e concordância dos indícios por forma a tê-los como suficientes ou insuficientes à aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança e desta forma optar pela necessidade da pronúncia ou não pronúncia, necessita saber quais os indícios tidos (ou não) por assentes pela 1ª instância, para, em operação posterior, confrontando a prova carreada à instrução, se pronunciar num ou noutro sentido. Os depoimentos e demais eventual documentação junta aos autos permitirão inferir diversos indícios para a partir destes, em operação lógica posterior, se poder retirar as conclusões referentes à sua suficiência ou insuficiência. Compete agora ao Tribunal da Relação concatenar os factos apurados e por força do recurso, em vista de factos indiciários descritos, corroborados ou não por outros elementos dos autos, decidir se todos eles são suficientes ou insuficientes para o proferimento de um despacho de pronúncia ou não pronúncia (sempre a levar a efeito em primeira instância). Ora, compulsados os autos, no essencial, constatamos o seguinte: Do acervo probatório carreado para os autos dúvidas inexistem que os três cheques indicados no ponto 3.2.1. dos factos suficientemente indiciados, foram mandados emitir e assinados pelo arguido, sendo todos de uma conta titulada pela APVG, para pagamento dos serviços jurídicos prestados pela sociedade “Advogados V... & Associados” e no âmbito do processo judicial para impugnação do acto eleitoral mencionado nos pontos n.ºs 2 e 3 da mesma materialidade fáctica – cfr. fls. 1706. A questão que se coloca é a de saber se era legitimo que a APVG devesse suportar o pagamento de tais honorários (e que para tanto se emitissem os três cheques sobre a conta da mesma Associação). Não houve qualquer deliberação da assembleia geral da ora recorrente a determinar que o pagamento de honorários á sobredita sociedade de advogados por causa do processo de impugnação judicial, seria suportado pela ora recorrente. Igualmente não se põe em causa que a acção de impugnação judicial era alusiva á capacidade eleitoral e individual de elementos das listas A e C e que ali se invocava a falta de capacidade eleitoral dos candidatos à eleição; e também não se dúvida que as procurações forenses que conferiram poderes à referida sociedade de advogados, foram outorgados a titulo individual. Todavia, havendo como houve, um processo de impugnação judicial quanto às condições de elegibilidade dos sócios da APVG para as eleições realizadas em Março de 2003 e quanto á regularidade/ legalidade deste acto eleitoral – no qual saiu vitoriosa a lista A, cujo presidente da direcção era o ora arguido – existem alguns dados indiciários nos autos no sentido de o órgão executivo respectivo da ora recorrente ter decidido que os custos daquele processo ficavam por conta da mesma. Com efeito, Abílio S..., então presidente da mesa da assembleia geral da APVG, afirmou que “os membros dos Órgãos Sociais depostos intentaram um processo contra os Órgãos Sociais entretanto eleitos, sendo que, nessa altura, a Direcção determinou que os custos de tal processo seriam da responsabilidade da Associação, dado que se tratava de defender os interesses da Associação e seus associados” (sublinhado nosso, fls. 404). Domingos C..., então tesoureiro da APVG, declarou que “Relativamente às quantias pagas a titulo de honorários à sociedade de Advogados V... & Associados, refere que as mesmas se referem a honorários devidos àquela sociedade pela representação da Associação num processo de impugnação de eleições, que, tratando-se de um processo da Associação, tais despesas teriam que ser suportadas por esta, o que aliás também foi discutido em reunião de Direcção” (sublinhado nosso, fls. 435). Também a Sr.ª Dr.ª Andrea M..., advogada e representante da sociedade de Advogados V... & Associados, afirmou “ter conhecimento de a APVG ter sido representada, em juízo e neste tribunal, pelo seu colega Dr. Bento C...” (fls. 972). Por seu turno, o Sr. Dr. Bento C..., confirmou que “os três RR (um deles era o ora arguido) representados pela sociedade sociedade V... & Associados eram os Membros da Direcção da Associação cujo acto eleitoral veio a ser impugnado na dita acção, embora fosse movida contra eles individualmente, até decisão em contrário, eles seriam sempre os membros da direcção e estavam a agir em representação e nos interesses desta” (fls. 1305). Acresce, que a Auditoria Interna/ Relatório de Averiguações efectuada na APVG e terminada em 11-08-06, não foi peremptória sobre esta matéria, ali se exarando que os € 5250.00 pagos pelo arguido “com dinheiros da APVG, a advogados num Processo Ordinário, provavelmente, de sua inteira responsabilidade e interesse” (sublinhado nosso, fls. 882). Ora, como bem se menciona na douta decisão a quo, não obstante a APVG não ser parte directa na acção de impugnação judicial em apreço, nestes autos ela “inegavelmente é parte interessada, mesmo que reflexa ou indirectamente” (fls. 1709). E, neste sentido, o arguido actuou em representação e defesa dos interesses da Associação. Naturalmente que o arguido, enquanto membro da lista vencedora, tinha interesse directo na improcedência da acção de impugnação eleitoral instaurada contra ele e outros elementos da sua lista. Mas a APVG, enquanto pessoa colectiva com existência jurídica também tinha interesse directo em tais autos, em particular no que respeitava á alegada ausência de capacidade eleitoral dos seus sócios e membros dos corpos gerentes, eleitos em Março de 2003 e á invocada ilegalidade deste acto eleitoral. Vícios que, note-se não foram confirmados em sede de recurso pelo Tribunal da Relação de Guimarães. A APVG em nada era, pois, alheia a este processo. Face a todo este cenário, subsiste a dúvida sobre se foi legitima a emissão dos três cheques sacados sobre uma conta da APVG e para pagamento dos sobreditos honorários. Dúvida, que tem necessariamente, de ser valorada a favor do responsável pela sua emissão e ora arguido. Carecendo destarte, de alicerce indiciário bastante a tese de que as quantias constantes dos cheques foram dispendidas no interesse do arguido e de outros membros que integravam a sua lista, ou que a conduta do arguido tenha causado prejuízos á APVG ou que o mesmo se tenha apoderado daquelas quantias para o seu interesse pessoal. *** 2 – Questão de saber se o arguido pode ser considerado como tendo a qualidade de funcionário para efeitos penais. Dispõe o art. 386º, do Código Penal:
Concordamos com esta nova orientação, mais restrita do conceito de funcionário para efeitos da lei penal e que aliás se insere no âmbito do principio da ultima rácio que norteia o direito penal. In casu é imputado ao arguido um crime de peculato tipificado no art. 375º do C. Penal. Esta infracção reporta-se a crimes cometidos no exercício de funções públicas. Logo, para que este crime se mostre preenchido necessário se torna que haja o exercício de um poder um de uma função pública. A APVG é uma Instituição Particular de Solidariedade Social, de direito privado que prossegue fins de utilidade pública (cfr. os art.s 2º e 5º dos seus estatutos a fls. 1425). Ora, como bem se fundamentou na decisão recorrida “Dir-se-á que a razão fundamental para que não se preencham os elementos de quaisquer crimes cometidos no exercício de funções públicas, concretamente o de peculato, reside na inaplicabilidade do conceito de funcionário (para efeito da lei penal) ao arguido, porquanto apesar de o conceito de funcionário, para efeito da lei penal, sempre ter exigido, para legitimar essa qualificação, o desempenho de funções ou actividades no âmbito de uma pessoa colectiva de direito público, no caso dos autos a pessoa colectiva de utilidade pública “APVG” é uma pessoa colectiva de direito privado, não podendo os seus agentes ser considerados servidores do Estado, nem funcionários, para efeitos da lei penal, tanto mais que o aspecto privatístico é o único a considerar, no caso dos autos, na medida em que estamos apenas perante uma simples pessoa colectiva de direito privado, destinada a prosseguir apenas os interesse privados dos seus associados, sendo unicamente no âmbito desses interesses particulares que importa circunscrever a actuação do arguido nos presentes autos, na medida em que não está em causa qualquer concreto exercício de funções públicas (eventualmente decorrentes da utilidade pública, a qual se destina a conferir essencialmente cobertura legal para uma ajuda à própria associação, quer ao nível fiscal quer ao nível de subsídios estatais, assegurando assim a sua viabilidade existencial com vista a assegurar o escopo fundacional, ou seja os interesses dos respectivos associados) – (cfr. fls. 1711). Não está em causa a utilidade pública da APVG; nem que esta, para além da função privada, também desempenha funções públicas (fins de solidariedade social). Mas in casu o objecto delineado no requerimento de abertura de instrução não respeitava àquelas funções públicas ou àquelas finalidades de solidariedade social; mas, outrossim, tinha a ver com a vida interna da APVG, com o seu património em suma com a alegação de que o arguido tinha feito suas certas quantias da APVG, tituladas por três cheques, para com elas contratar uma sociedade de advogados e pagar os seus serviços, o que teria feito no interesse dele, arguido, e em prejuízo da Associação. É, destarte, esta natureza privada (que, repete-se, tem a ver com a vida interna da APVG, com o seu património e contratos) que está aqui em causa; não a vertente respeitante ao exercício de funções públicas ou ao prosseguimento de finalidades de solidariedade social. Não pode, assim, o arguido ser considerado funcionário para efeitos penais, não se vislumbrando qualquer contradição insanável da fundamentação da decisão recorrida quanto a esta matéria. *** Face a tudo o que se deixou referido, conclui-se que não existem, pois, nos autos indícios suficientes da prática dos factos em causa e de se terem, pois, verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido, no caso, de uma pena, pelo que não deve ser dado provimento ao recurso, devendo manter-se inalterado o despacho recorrido de não pronuncia do arguido. Concordando-se, também, com o mencionado pelo Digno PGA, quando no seu parecer a fls. 1770, refere o seguinte: “Também não nos parece muito correcto atacar a decisão em causa com base nos vícios do art. 410.° n.º 2 do CPP * - DECISÃO:Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em, negando provimento ao recurso da assistente, confirmar a decisão recorrida. * Sem custas (face à isenção da assistente – cfr. também fls. 1713). Notifique. D. N. Texto processado por computador e revisto pela primeira signatária (art. 94º, n.º 2 do C. P. Penal - Proc. n.º 1015/07.3TA.BRG.G1). Guimarães, 05 de Julho de 2010 |