Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ROSA TCHING | ||
Descritores: | CONTRATO DE AGÊNCIA REPRESENTAÇÃO COMÉRCIO SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 12/19/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PRACIALMENTE PROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1º- O contrato de agência ou de representação comercial é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a celebração de contratos, de modo autónomo e estável e mediante retribuição, podendo ser-lhe atribuída certa zona ou determinado círculo de clientes. 2º- São elementos essenciais deste contrato a obrigação do agente promover a celebração de contratos; actuação do agente por conta da outra parte, isto é, defendendo os interesses do principal; actuação do agente num a certa zona geográfica ou num determinado círculo de pessoas; autonomia do agente (apesar de integrado na rede de distribuição do principal, o agente tem a possibilidade de organizar livremente a sua própria actividade e o seu próprio trabalho); o carácter de estabilidade da relação contratual entre as partes ( a actividade de intermediação, prolonga-se no tempo) e a remuneração paga pelo principal ao agente ( direito à comissão logo que o principal ou o terceiro haja cumprido o contrato). 3º- O agente só pode celebrar contratos em nome da outra parte se esta lhe tiver conferido, por escrito, os necessários poderes. 4º- Não tendo o agente poderes para obrigar o principal, cai-se na previsão do art.268º, nº1 do C. Civil, sendo o negócio ineficaz em relação àquele, salvo se o mesmo o ratificar. 5º- Não tendo o agente poderes para obrigar o principal nem tendo este ratificado o negócio, a eficácia do negócio, nestes casos, depende: - Da existência de razões (objectivamente apreciadas, de acordo com as circunstâncias concretas) que justifiquem a confiança de terceiro; - Da boa fé do terceiro ( boa fé subjectiva, no sentido de que o terceiro não conhecia nem devia conhecer a falta de poderes de representação) - Do facto do principal ter igualmente contribuído ( com o seu comportamento por acção ou omissão) para a confiança do terceiro na legitimidade do agente. 6º- A excepção de não cumprimento do contrato prevista no art. 428º do C. Civil não pode ser invocada com sacrifício do princípio geral da boa fé e deve ser proporcionada à gravidade da inexecução. 7º- No caso da invocação, ainda que ilegítima, da exceptio non rite adimpleti contractus, não há qualquer enriquecimento sem causa. 8º- A privação do uso e fruição de um veículo automóvel, em consequência de conduta ilícita terceiro, integra, por si só, lesão do património do respectivo proprietário, constituindo dano indemnizável. 9º- A sanção pecuniária compulsória judicial prevista nos nºs 1 e 2 do artigo 829º-A do C. Civil, só pode ser decretada pelo juiz a pedido do credor e na data do trânsito em julgado da condenação principal ou em momento ulterior (nunca, porém, em momento anterior ao trânsito). | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Dr. C... Pereira intentou a presente acção declarativa de condenação com processo comum sob forma ordinária contra J & C..., Ld.ª, pedindo a condenação da ré entregar-lhe toda a documentação relativa a um veículo automóvel importado do estrangeiro que identifica, bem como a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 37,50 diários por cada dia de mora na entrega da documentação, contados a partir do dia 01/05/2004. Mais pede a condenação da ré a indemnizá-lo na quantia de € 603,01. Para tanto alega, em suma ter comprado à ré, em 30/04/2004, um veículo automóvel de marca Mercedes Benz, 220 CDI, de matrícula 98-54-...I, cujo preço pagou. Até hoje a ré não lhe entregou os documentos do veículo, motivo por que está privado da sua utilização, o que lhe acarreta prejuízos. A ré contestou e reconveio alegando, em suma, que o autor não pagou a totalidade do preço do veículo, ficando a dever a quantia de € 1.250. Por ser credora deste montante, a ré reteve os documentos do veículo. Termina pedindo a condenação do autor a pagar-lhe a referida quantia. Na réplica, o autor impugnou a factualidade invocada na contestação/reconvenção. Foi proferido despacho saneador, no qual se afirmou a validade e a regularidade da instância, tendo sido organizadas a matéria de facto assente e a base instrutória. Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento com observância de todo o formalismo legal, decidindo-se a matéria de facto controvertida pela forma constante do despacho de fls. 131 a 136. A final foi proferida sentença que: 1- Julgou a acção parcialmente procedente e, consequentemente, condenou a ré: a) a proceder ao registo inicial do direito de propriedade do veículo de matrícula 98-54-...I em seu nome, enquanto importadora do mesmo; b) a entregar ao autor declaração de venda do veículo, devida e regularmente preenchida, assinada, datada e legalizada, do livrete do mesmo veículo e do requerimento para registo inicial de propriedade do veículo, documento alfandegário comprovativo da importação do veículo, documento comprovativo da vistoria inicial do veículo efectuado pelas entidades competentes portuguesas para esse efeito, documento comprovativo do pagamento dos impostos devidos pela importação do mesmo veículo – I.A e I.V.A. e recibos relativos aos pagamentos efectuados pelo A. a título de preço do veículo que comprou. c) a pagar, em partes iguais, à autora e ao Estado, a sanção pecuniária compulsória de € 30,00 (trinta euros) por cada dia de atraso na entrega dos documentos referidos na antecedente alínea, contados desde o dia 01/04/2004; 2- Julgou a reconvenção procedente e, consequentemente: a) condenou o autor a pagar à ré a quantia de € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros); b) Juros de mora sobre esta quantia, às taxas legais sucessivamente aplicáveis, desde a notificação da reconvenção e até integral pagamento. Condenou ambas as partes no pagamento das custas, na proporção de 1/30 para o autor e 29/30 para a ré. Não se conformando com a decisão, dela, atempadamente apelou a ré, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que se transcrevem: “1a O exercício da exceptio non adimpleto contratas não viola in caso o princípio da boa fé contratual, porque a recorrente tem direito a recusar o cumprimento integral da prestação em falta enquanto o recorrido não efectuar o pagamento integral do preço - cf. art° 428, n° l, C.C., tal como foi condenado. 2a A sanção pecuniária compulsória visa obter o cumprimento das obrigações e do acatamento das decisões judiciais, e só pode ser decretada pelo tribunal a requerimento do lesado/credor, não podendo o juiz decretá-la ex officio - cf. art° 829-A, n" l, CC. 3a A sentença infringe a disciplina legal ao decretar ex officio uma sanção pecuniária compulsória que não foi expressamente requerida pelo autor/recorrido. 4a O tribunal não pode, como o fez, fixar o termo a quo da sanção pecuniária compulsória em data anterior à própria decisão que a ordena, sob pena de ao fazê-la retroagir afirmar a contradição com o carácter coercitivo preventivo da medida, destinada a provocar o futuro cumprimento da obrigação e o respeito, pelo devedor, da condenação judicial. 5a A sentença enferma de nulidade, porque o tribunal não fundamenta de facto nem de direito o critério que presidiu a fixação do montante da sanção pecuniária compulsória - cf. art" 668, n° l, al. b), CPC. 6a O montante fixado como sanção pecuniária compulsória é exorbitante e sem fundamento, não tem correspondência de razoabilidade com a situação económica do país e com a capacidade financeira da recorrente que também não foi objecto de conhecimento. 7a A sentença quanto a custas deve ser revista na medida da improcedência dos pedidos do autor e da procedência do peticionado pela recorrente”. O autor contra-alegou, pugnando pela manutenção, nesta parte, da sentença recorrida e pedindo a condenação da ré, por litigância de má fé, em multa e indemnização a fixar ao apelado. Não se conformando com a referida decisão, dela interpôs o autor recurso subordinado, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que se transcrevem: “A- O apelante comprou à apelada em 30 de Abril de2004 o veículo marca Mercedes de matrícula 98-54-...I, pelo preço de 37.500 euros. Depois de negociar cláusula verbal adicional ao pré - contrato de compra e venda, foi decidido entre o recorrente e M... Magalhães fazer uma redução ao preço de l .250 euros, quantia estimada para fazer umas pequenas reparações na grelha, frisos e caixa de telefone do veículo; B- O Apelante, face ao que atrás ficou exposto em 30.04.2004 pagou á Apelada a quantia de 36.250 euros, que esta recebeu a titulo de preço. O preço, nesta data, ficou integralmente pago; C- M... Magalhães comprava e vendia carros, sob a orientação e no interesse da Apelada, em stand aberto ao público da Apelada, com publicidade a esta, utilizando os impressos e carimbos próprios da recorrida. Assim fez com o recorrente. O público consumidor clara e confiantemente julgava que estava a negociar com a recorrida, face ao circunstancialismo descrito. Nem o recorrente nem o público em geral podiam ou deviam ter conhecimento do logro agora invocado pela recorrida. D- Nestas circunstâncias todas as decisões comerciais de compra e venda de veículos, tomadas pelo M... Magalhães, obrigavam a Apelada; E- Até esta data, a Apelada não entregou ao Apelante os documentos necessários e imprescindíveis á circulação do veículo. A Apelada de má - fé e até dolosamente, tendo recebido o preço do veículo que vendeu, não proporcionou ao Apelante os meios legais e até físicos que lhe permitissem circular com o veículo. Violou, de forma manifesta e intensa, as obrigações decorrentes do contrato de compra e venda; F- Mesmo que se considerasse, mal em nosso entender, que ao Apelante faltava pagar 1.250 euros do preço, esta parcela constituía um trinta avos da totalidade do preço. Nunca concedia a Apelada o direito e faculdade de invocação de excepção de não cumprimento, do contrato. A parte da prestação não cumprida pelo Apelante seria de um trinta avos da totalidade da prestação. A apelada não podia, sob forma de grave ilegalidade e violação dos princípios da proporcionalidade, adequação e boa fé contratual, negar-se a entrega tudo quanto era e é necessário á circulação do veículo, como fez e faz. Além de violar a lei e todos os princípios gerais de direito enunciados, a Apelada enriqueceu-se, sem causa, com a quantia de 36.250 euros que o Apelado lhe pagou, sem nada receber em troca - vide a este respeito entre tantos - Almeida Costa, RLJ, 119 - 143 - G- O preço do veículo comprado está completamente pago pelo recorrente á recorrida; H- A Apelada é responsável pelo pagamento duma indemnização ao Apelante que o compense de todos os danos, materiais e morais, sofridos e que continue a sofrer, que nunca deverá ser inferior a 37,50 euros diários, com inicio em 30.04.2004 e até que a recorrida faça entrega ao recorrente de toda a documentação enumerada na alínea D) da petição inicial. Sendo certo que é um dado objectivo e notório que o A. teve prejuízos elevados pela falta de documentação que permitisse circular. I- A douta sentença, nos aspectos impugnados, violou os arts. 397, 398, 405, 406, 473, 483, 496, 595 n°l, 804, 874, 875, 879 als. a) e b) do C. Civil e 668 n°l al. d) do C. P. Civil. J- Em qualquer caso, tendo em vista o recurso interposto pela aqui recorrida, por mera cautela de patrocínio, e apesar de tudo quanto alegámos nas contra -alegações apresentadas no recurso da J. & C... Ldª - que mantemos na integra - o A. e ora Apelante requer a condenação da Apelada em sanção pecuniária compulsória, no montante, características, inicio e termo que Vªs Ex decidam decretar”. A final, pede seja a sentença recorrida alterada em conformidade com o referido. A ré não contra-alegou. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir: Os factos dados como provados na 1ª instância são os seguintes: 1. O A. comprou à Ré, em 30 de Abril de 2004 o veículo marca Mercedes Benz — modelo 220 CDJ, com a matricula 98-54-...I e número de quadro WDB2032061F208759. 2. O preço da compra e venda do veículo foi formalmente fixado em 37.500 euros, apagar pelo A. à Ré da seguinte forma. 3. (…)15.000 euros em dinheiro. 4. A restante parte do preço em divida, com entrega do veículo Audi TT e de matricula 22-62-...O, propriedade do A. 5. Antes da formalização do negócio referida nas precedentes alíneas, o A. e representante da Ré, de nome M... Magalhães, assinaram na mesma data um pré – contrato, em 30.04.04, onde se referia a compra e venda do veículo referido em 1., 2. e 3. e a respectiva forma de pagamento. 6. Toda a negociação referente ao contrato de compra e venda do veículo em questão, decorreu no Stand aberto ao público, com publicidade afirma ora Ré, instalado no rés-do-chão do edifício do Hotel D. Pedro em Guimarães. 7. Foi aí, que o A. contactou por diversas vezes com o M... Magalhães, que se dizia sócio da Ré, e negociou a compra do XI, nos termos alegados, e que ali se encontrava em exposição e à venda. 8. O veículo 98-54-...I, foi importado directamente do estrangeiro pela ora Ré. 9. Foi colocado à venda, no Stand atrás referido, pela ora Ré. 10. Assim, em Maio de 2004, o A., para pagamento do veículo, agora com a matrícula 98-54-...I, que lhe foi vendido pela Ré, pagou-lhe: - 13.750 euros em cheque, que pela Ré foi levantado e recebido. - Entregou-lhe o veículo – Audi TT de matricula 22-62-...O, avaliado pela Ré, em 22.500 euros, bem como a respectiva declaração de venda, devidamente legalizada e documentos deste veículo (livrete e titulo de registo). 11. Nessa mesma data, Maio de 2004 — a Ré entregou ao A. o veículo automóvel, para o seu uso e fruição. 12. Até hoje não lhe entregou os documentos do veículo: nem livrete, nem título de registo, nem documento relativo à vistoria, nem documento comprovativo do pagamento dos impostos relativos à importação, nem documento alfandegário que comprove a legalidade da importação, nem os recibos das quantias pagas. Tudo isto documentos necessários e imprescindíveis à circulação do mesmo. 13. O veículo 98-54-...I, que vendeu ao A., em Maio de 2004, não está registado em Portugal, nem consta nas Conservatórias do Registo Automóvel Português, só e apenas, porque a ré, entidade que o importou, não procedeu a esse registo, e só ela o pode fazer. 14. M... Magalhães actuava como vendedor “freelancer”, angariando e mediando vendas de veículos automóveis no interesse e sob orientação da ré. 15. Apesar dos preços estipulados no pré-contrato de fls. 7, houve uma cláusula adicional e verbal negociada entre o autor e M... Magalhães – e que este não transmitiu à ré, nem esta aceitou – e que consistia no seguinte: ao preço do veículo seria deduzida a quantia de € 1.250, estimada por ambos como suficiente para a substituição da grelha metalizada da frente do veículo, dos frisos laterais e cromados, pela substituição da caixa interior que acondicionava o telefone e por uma revisão do veículo, tudo a realizar na Mercedes. 16. A grelha e os frisos laterais do veículo encontravam-se “picados” e em parte “amolgados”. 17. A revisão seria menos necessária, mas teria a ver com a substituição de alguma peça e filtros, no motor, ou mudança de óleos. 18. No acto de pagamento do veículo o autor ficou na posse da quantia de € 1.250, para proceder à reparação e revisão referidas em 15., 16. e 17. 19. Em Julho de 2004 o autor entregou o veículo na Mercedes – C. Santos, no Porto, para efectuar os serviços descritos nas facturas de fls. 8 a 11. 20. A C. Santos debitou pela realização de tais serviços a quantia de € 1.853,01 emitindo as facturas e recibos em nome da António T... – Unip., Ld.ª, Av. D. Afonso Henriques, 618-740, U..., 4810-431 Guimarães, por indicação M... Magalhães. 21. O autor pagou do seu bolso à C. Santos, a quantia de € 1.853,01, referida na resposta ao artigo anterior. 22. O A. comprou o veículo para entregar ao seu filho, para diariamente se deslocar de Guimarães para Porto e vice-versa, onde frequenta a Universidade. 23. O Audi TT que entregou à ré como forma de pagamento do XI era já exclusivamente utilizado pelo filho do autor nessas deslocações. 24. O filho do autor não pode utilizar o Mercedes nessas deslocações diárias ao Porto. 25. O A é quem suporta os gastos e despesas com os estudos do seu filho e tudo quanto lhe é necessário. 26. A ré, como ficou credora do autor pela importância de €1.250,00, não lhe entregou os documentos da viatura nem a necessária declaração de venda para o habilitar ao registo da titularidade do direito de propriedade na conservatória do registo automóvel. FUNDAMENTAÇÃO: Como é sabido, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente – art. 660º, n.º2, 684º, n.º3 e 690º, n.º1, todos do C. P. Civil - , só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, ainda que outras, eventualmente, tenham sido suscitadas nas alegações propriamente ditas. Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respectivamente. Por outro lado, cumpre referir que as apelações são julgadas pela ordem da sua interposição (art. 710º, n.º1 do C. P. Civil). A- Assim, quanto à APELAÇÃO interposta pela ré, diremos que as únicas questões a decidir traduzem-se em saber se: 1ª- a sentença recorrida padece da nulidade prevista no art.668º, nº.1. al. b) do C. P. Civil; 2ª- Procede a excepção de não cumprimento do contrato; 3ª- há lugar à aplicação da sanção pecuniária. B- Relativamente à APELAÇÃO interposta pelo autor, as questões a decidir traduzem-se em saber se: 1ª- a redução do preço do veículo, acordada entre o autor e o M... Magalhães, obriga a ré; 2ª- houve enriquecimento sem causa por parte da ré; 3ª- a ré está obrigada a indemnizar o autor pela privação do uso do veículo XI; 4ª- este Tribunal da Relação deve condenar a ré no pagamento de sanção pecuniária compulsória. A- I- Quanto à primeira questão suscitada na APELAÇÃO interposta pela RÉ, sustenta esta padecer a sentença recorrida da nulidade prevista n alínea b) do n.1 do art. 668º do C. P. Civil, porquanto o Tribunal a quo não fundamentou de facto nem de direito o critério que presidiu a fixação do montante da sanção pecuniária compulsória. Segundo a referida alínea é nula a sentença “quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”. Este vício, tal como é jurisprudência pacífica Neste sentido, vide, entre muitos outros, Acs.. do STJ, de 10.5.1973, in, BMJ, n.º 228º, pág. 259 e de 15.3.1974, in, BMJ, n.º 235, pág. 152. , traduz-se na falta absoluta de motivação, quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão, e não na motivação deficiente, medíocre ou errada. No caso em apreço, é manifesto não ocorrer tal falta de motivação, pois, conforme se vê da sentença recorrida, o critério que presidiu à fixação do montante da sanção pecuniária compulsória foi o da razoabilidade estabelecido no citado art. 829º-A, nº2 do C. Civil. Quando muito poder-se-à dizer que estamos perante um caso de motivação deficiente pois que o Mmº Juiz a quo devia ter indicado as razões concretas que o levaram a ter por adequado o montante diário de € 30,00. Daí improceder a 5ª conclusão da ré/apelante. Todavia e porque as demais questões suscitadas em ambas as apelações estão interligadas, procederemos à sua análise conjunta. A- II e B-I- II-e III- Relativamente a estas questões, começa a ré por defender que não está obrigada a entregar ao autor a documentação necessária à circulação do veículo marca Mercedes Benz e matrícula 98-54-...I enquanto este não cumprir integralmente a sua prestação, ou seja, enquanto o autor não pagar o remanescente do preço daquele veículo ainda em dívida e no montante de € 1.250,00. Por sua vez, argumenta o autor que cumpriu integralmente a sua prestação, na medida em que aquela quantia corresponde a uma redução do preço do veículo acordada com o M... Magalhães, sendo que tal acordo obriga a ré. Que dizer? Desde logo que, assente que ficou, no caso dos autos, que o contrato de compra e venda relativo ao veículo automóvel marca Mercedes Benz — modelo 220 CDJ e matricula 98-54-...I foi celebrado entre o autor e a ré, por intermédio de M... Magalhães, a solução a dar a esta questão depende do tipo de relação jurídica que se estabeleceu entre este último e a ré. A este respeito, resulta dos factos provados que toda a negociação referente ao contrato de compra e venda do veículo em questão e havia entre o autor e o M... Magalhães, que se dizia sócio da ré, decorreu no Stand aberto ao público, com publicidade à firma ora Ré, instalado no rés-do-chão do edifício do Hotel D. Pedro em Guimarães e onde se encontrava em exposição e à venda o veículo objecto daquele negócio, que aí foi colocado pela ré. Mais resulta que, antes da formalização do referido negócio, o A. e representante da Ré, de nome M... Magalhães, assinaram na mesma data um pré – contrato, em 30.04.04, onde se referia a compra e venda do dito veículo pelo preço de € 37.500,00 e a respectiva forma de pagamento: - 15.000,00 euros em dinheiro e restante parte do preço com a entrega do veículo Audi TT, de matricula 22-62-...O, propriedade do autor e avaliado pela Ré em € 22.500,00. E que, apesar dos preços estipulados no pré-contrato de fls. 7, houve uma cláusula adicional e verbal negociada entre o autor e M... Magalhães – e que este não transmitiu à ré, nem esta aceitou – e que consistia no seguinte: ao preço do veículo seria deduzida a quantia de € 1.250, estimada por ambos como suficiente para a substituição da grelha metalizada da frente do veículo, dos frisos laterais e cromados, pela substituição da caixa interior que acondicionava o telefone e por uma revisão do veículo, tudo a realizar na Mercedes. Resulta ainda que o M... Magalhães actuava como vendedor “freelancer”, angariando e mediando vendas de veículos automóveis no interesse e sob orientação da ré. Perante este quadro factual, o Mmº Juiz a quo qualificou a relação existente entre a ré e o M... Magalhães, no que respeita ao contrato de compra e venda, como assumindo a natureza de um contrato de mandato com representação. Já quanto ao acordo celebrado entre o autor e o mesmo M... Magalhães quanto ao desconto de € 1.250,00 sobre o preço anteriormente acordado, enquadrou o negócio celebrado no âmbito do contrato de mandato sem representação. Não é este, porém, o nosso entendimento. E porque no direito português podemos vislumbrar, no âmbito da representação, uma série de figuras contratuais, algo similares no seu conteúdo e efeitos, e em cujo âmbito poderemos, à primeira vista, enquadrar o negócio celebrado entre a ré e o M... Magalhães, há que diferenciar todos esses contratos, nos seus aspectos dissemelhantes, por forma a determinar, em concreto, a que tipo ou modalidade o negócio em causa pertence. Na definição do art.1157º do C. Civil, mandato é o contrato estabelecido entre quem encarrega outrem de praticar um ou mais actos jurídicos por conta do mandante, e quem aceita essa obrigação, o mandatário. Por outro lado, o mandato pode ser representativo, caso em que ao mandatário foram conferidos pelo mandante poderes para agir em seu nome (cfr.arts.1178º,nº. 1 e 258º do C. Civil), situação em que aquele deve agir, não só por conta, mas em nome do mandante (cfr. citado art. 1178º, nº2). Ou não representativo, o denominado mandato sem representação, caso em que o mandatário age por conta do mandante, mas em nome próprio (cfr. art. 1180º do C. Civil). E isto significa, como se escreve no Acórdão do STJ, de 29.6.93 In, CJ/STJ, Ano I, Tomo III, pág.9. que, “praticado o acto ou actos para que o mandato foi outorgado, os efeitos destes actos reflectem-se não na esfera jurídica do mandante, mas na do mandatário. Logo e para que o elemento essencial “por conta” do mandante seja respeitado tem-se de acrescentar a transferência daqueles efeitos, agora pelo mandatário, para a esfera jurídica do mandante” (cfr. art. 1181º,nº. 1 do C. Civil). Daí que, no mandato sem representação, para vender, o mandatário assume a obrigação, perante o mandante, de transferir para o mandante, o preço daquilo que ainda em nome próprio, vai vender. Assim, a diferença entre o mandato com representação e o mandato sem representação reside no facto de, no primeiro caso, o mandatário praticar os actos em nome, no interesse e por conta do mandante, enquanto, no segundo, o mandatário pratica os actos no interesse e por conta do mandante, mas em seu próprio nome. Isto porque o mandato sem representação pressupõe, no dizer do Acórdão do STJ, de 23.2.89 Sumariado na Tribuna da Justiça, nº1, Dezembro de 1989,pág. 139.: “a) O interesse de certa pessoa na realização de um negócio sem intervenção pessoal; b) Interposição de outra pessoa a fazer o negócio por incumbência não aparente do titular do interesse; c) Celebração do negócio pela interposta pessoa sem referência ao verdadeiro interessado; d) Transmissão para o mandante dos direitos adquiridos pelo mandatário”. Por sua vez, o contrato de mediação é “um contrato inominado que supõe, na sua essência, a incumbência a uma pessoa de conseguir interessado para certo negócio, a aproximação feita pelo mediador entre o terceiro e o comitente e a conclusão do negócio entre ambos consequência adequada da actividade do intermediário, sendo indiferente que este intervenha na fase final do negócio” Neste sentido, vide Acórdão da Relação de Lisboa, de3.6.77,in,CJ,Ano 1977, Tomo II, pág.647.. São, pois, traços característicos deste tipo de contrato: a incumbência a uma pessoa de conseguir interessado para certo negócio (o mediador actua para a prática de actos isolados); aproximação, feita pelo mediador, entre o terceiro e o comitente; conclusão do negócio entre este e o terceiro, graças à actividade do mediador e a remuneração paga ao mediador pela simples conclusão do contrato ( a qual apenas pode ser exigida no caso de o terceiro cumprir as suas obrigações). Segundo Maria Helena Brito In, “O Contrato de Agência”, Novas Perspectivas do Direito Comercial, págs. 123 e124., “ O mediador é o intermediário cuja função consiste em por em contacto duas ou mais partes interessadas em realizar uma operação, na maioria das vezes comercial. Desenvolve uma actividade de carácter material e preparatório, limitando-se a facilitar a conclusão de contratos, em que não intervém. Exerce essa actividade em seu nome pessoal, mas no interesse de ambas as partes. Por isso o mediador é neutro e imparcial”. Mas se o mediador intervém na declaração da vontade negocial, então, actua já como mandatário, com ou sem representação Neste sentido, vide Pessoa Jorge, in, “O Mandato sem Representação”, pág.239.. E nos termos do disposto no art.1º, nº. 1 do DL nº. 178/86,de 3de Julho, actualizado pelo DL nº. 118/93,de 13 de Abril, o contrato de agência ou de representação comercial “é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a celebração de contratos, de modo autónomo e estável e mediante retribuição, podendo ser-lhe atribuída certa zona ou determinado círculo de clientes”. São, assim, elementos essenciais deste contrato a obrigação do agente promover a celebração de contratos; actuação do agente por conta da outra parte, isto é, defendendo os interesses do principal; actuação do agente num a certa zona geográfica ou num determinado círculo de pessoas; autonomia do agente (apesar de integrado na rede de distribuição do principal, o agente tem a possibilidade de organizar livremente a sua própria actividade e o seu próprio trabalho); o carácter de estabilidade da relação contratual entre as partes ( a actividade de intermediação, prolonga-se no tempo) e a remuneração paga pelo principal ao agente Neste sentido, vide, António Pinto Monteiro, in,”Contrato de Agência”, págs. 17 a 20 e Maria Helena Brito, in, obra citada, págs. 114 e115. ( direito à comissão logo que o principal ou o terceiro haja cumprido o contrato). De salientar ainda que, de harmonia como disposto no art. 2º, nº1.docitado DL 178/86, o agente só pode celebrar contratos em nome da outra parte se esta lhe tiver conferido, por escrito, os necessários poderes. E a verdade é que, mesmo nesta situação de agente com representação, estamos perante uma simples actividade acessória complementar da obrigação fundamental de promover a celebração de contratos Neste sentido, vide Pinto Monteiro, in, obra citada, pág. 18. . Confrontando, agora, todos os regimes jurídicos acabados de expor com o conteúdo do negócio realizado entre a ré e o M... Magalhães, diremos, desde logo, não ser possível qualificar esse negócio nem como contrato de mandato representativo nem como contrato de comissão ou mandato não representativo. É que se é verdade que a ré encarregou o aludido M... Magalhães de proceder, por sua conta, a determinados actos materiais, também não é menos verdade que não lhe conferiu possibilidade de realização de actos jurídicos. Aliás, prova disso, é a intervenção do aludido M... Magalhães apenas no pré-contrato junto a fls.7. dos autos. Logo, não existe no relacionamento entre ambos um dos elementos essenciais do mandato com representação, ou seja, a obrigação para o mandatário, por incumbência do mandante, de praticar um ou mais actos jurídicos. E também não estamos perante um contrato de comissão ou de mandato sem representação, pois que, conforme resulta da matéria de facto provada, o M... Magalhães, não actuou em seu próprio nome (apanágio do mandato não representativo), antes se apresentando perante o autor como sócio da ré e seu representante. Do mesmo modo, julgamos não estarmos perante um contrato de mediação, na medida em que não existe, da parte do M... Magalhães, a imparcialidade característica desse contrato, já que ele agia por conta, no interesse e sob a orientação da ré. E também não se vislumbra a mera ocasionalidade, uma vez que a relação entre ambos apresenta-se dotada de certa estabilidade, tanto mais que se provou que o M... Magalhães actuava como vendedor “freelancer”, angariando e mediando vendas de veículos automóveis no interesse e sob orientação da ré. A nosso ver a relação estabelecida entre a ré e o M... Magalhães configura um contrato de agência. Aliás, esta qualificação ganha maior apoio se atentarmos que referido M... Magalhães exercia a sobredita actividade em Stand sito Guimarães e, por isso, em zona geográfica distinta da área onde a ré tem a sua sede ( Braga- cfr. docs de fls.7, 34 a 39), com autonomia da ré e mediante remuneração, visto trabalhar como vendedor “freelancer”. Ora, assente que ao M... Magalhães competia apenas promover a venda do veículo automóvel marca Mercedes Benz — modelo 220 CDJ e matricula 98-54-...I, propriedade da ré, dúvidas não restam que, ao acordar com o autor uma cláusula adicional e verbal ao contrato de compra e venda celebrado entre o autor e a ré e segundo a qual ao preço do veículo seria deduzida a quantia de € 1.250, excedeu o mesmo os poderes de representação que lhe foram conferidos pela ré. Estamos, pois, perante um caso de excesso dos limites da representação na medida em que o representante pratica actos não abrangidos nos poderes que lhe foram outorgados Neste sentido, vide Vaz Serra, in,”Revista Decana, 100º,pág.177 citado por Januário Gomes ,in,”Contrato de Mandato, Direito das Obrigações”, vol. III, pág.351. . Ora, a este respeito, estabelece o art. 22º do citado DL nº. DL nº. 178/86, de 3 de Julho que: “1- Sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, o negócio que o agente sem poderes de representação celebre em nome da outra parte tem os efeitos previstos no artigo 268º, nº1 do Código Civil. 2- Considera-se o negócio ratificado se a outra parte, logo que tenha conhecimento da sua celebração e do conteúdo essencial do mesmo, não manifestar ao terceiro de boa fé, no prazo de cinco dias a contar daquele conhecimento, a sua oposição ao negócio”. Por sua vez, estatui o art.23º, nº1 do mesmo diploma que “ O negócio celebrado por um agente sem poderes de representação é eficaz perante o principal se tiverem existido razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança do terceiro de boa fé na legitimidade do agente desde que o principal tenha igualmente contribuído para fundar a confiança do terceiro”. Significa isto, por um lado, que, não tendo o agente poderes para obrigar o principal, cai-se na previsão do art.268º, nº1 do C. Civil, sendo o negócio ineficaz em relação àquele, salvo se o mesmo o ratificar. E, por outro lado, que não tendo o agente poderes para obrigar o principal nem tendo este ratificado o negócio, a eficácia do negócio, nestes casos, depende: - Da existência de razões (objectivamente apreciadas, de acordo com as circunstâncias concretas) que justifiquem a confiança de terceiro; - Da boa fé do terceiro ( boa fé subjectiva, no sentido de que o terceiro não conhecia nem devia conhecer a falta de poderes de representação) - Do facto do principal ter igualmente contribuído ( com o seu comportamento por acção ou omissão) para a confiança do terceiro na legitimidade do agente Neste sentido, vide Maria Helena de Brito, in, obra citada, pág. 127.. Trata-se da consagração da teoria da aparência, com vista a tutelar o princípio da confiança e a proteger a boa fé de terceiros, desde que a confiança do cliente na representatividade do agente, ou na legitimidade deste para celebrar o negócio, “se funde em razões objectivas e ponderosas, associadas ao próprio comportamento (por acção ou omissão) do principal” Pinto Monteiro, in, obra citada, pág. 48. . E bem se compreende que seja assim, pois que não só a confiança (condição básica de toda a convivência pacífica e da cooperação entre os homens), é um princípio ético-jurídico fundamental da nossa ordem jurídica Vide, Batista Machado, in,”Tutela da Confiança e Venire Contra Factum Proprium”,in Obras Dispersas,pág.352º., com também o nosso direito acolheu o conceito subjectivo de boa fé, traduzido num “estado de ignorância desculpável, no sentido de que o sujeito, tendo cumprido com os deveres de cuidado impostos pelo caso, ignora determinadas eventualidades Vide, Menezes Cordeiro, in, “Da Boa Fé no Direito Civil”.”. Munidos de todos estes ensinamentos, julgamos estarmos em condições de poder afirmar que, no caso em apreço, não se vislumbram razões objectivas que justifiquem a confiança do autor na existência de poderes por parte do M... Magalhães para deduzir ao preço acordado com a ré e constante do “pré-contrato” junto a fls. 7 a quantia de € 1.250,00. Desde logo porque o facto de o autor ter negociado com o M... Magalhães o contrato do veículo em Stand aberto ao público e com publicidade à firma ora Ré, por si só, não legitima que se crie a convicção de que o aludido M... Magalhães tinha poderes para reduzir o preço anteriormente acordado entre o autor e ré a quantia de € 1.250,00, tanto mais que o autor nem logrou provar que tal Stand fosse propriedade da ré (cfr. resposta restritiva ao artigo 2º da base instrutória). Aliás, o mesmo vale dizer quanto à circunstância de o M... Magalhães se apresentar como sócio da ré, pois que resulta claramente do “pré-contrato”, junto a fls.7, formalizado em folha com o logotipo da ré e assinado pelo autor, que aquele interveio na qualidade de mero “vendedor autorizado”. E nem se diga, como o faz o autor na alínea C) das suas conclusões de recurso que “O público consumidor clara e confiantemente julgava que estava a negociar com a recorrida, face ao circunstancialismo descrito. Nem o recorrente nem o público em geral podiam ou deviam ter conhecimento do logro agora invocado pela recorrida”. É que não é isso que resulta das cartas assinadas pelo autor e que este dirigiu à ré em Outubro de 2004 ( que constituem os documentos juntos pela ré a fls.34 e 36 e que não foram impugnados pelo autor), e que gozam de força probatória plena quanto às declarações por eles feitas e contrárias aos seus interesses, nos termos do disposto no art. 376º do C. Civil. Com efeito, nelas o autor afirma “Comprei o veículo ao Sr. M... Magalhães” e “ Desconheço quais as relações que possam existir entre o Sr. M... Magalhães e essa firma”, o que afasta, desde logo, a ideia de que o autor havia criado a convicção de que estava a negociar com a ré. E a coadjuvar este entendimento, estão as condições pouco claras do acordo verbal em causa, ou seja, a circunstância de o próprio Marinho, ter dado a indicação ao autor de que as facturas e recibos relativos ao valor dos serviços realizados no veículo 98-54-XL (e que estiveram na base da dita redução do preço) fossem emitidos em nome da António T... – Unip., Ld.ª, Av. D. Afonso Henriques, 618-740, Urgeses, 4810-431 Guimarães, pois que não se descortina qualquer relação entre esta actuação e a ré. Acresce mal se compreender que tenham sido reduzido a escrito as condições da compra e venda acordadas entre a ré e o autor e que o próprio M... Magalhães não tenha tido a preocupação de reduzir também a escrito uma alteração do preço já estabelecido, tanto mais que isso estaria sempre dependente de aprovação da ré. Por fim, sempre se dirá ser de estranhar que, caso tivesse concordado com a realização das aludidas reparações, as mesma não fossem efectuadas nas suas oficinas. O que tudo equivale a dizer que, no caso em apreço, também não se vê que o M... Magalhães Magalhães tenha actuado de forma a criar no autor a aparência de estar a contratar com um agente com poderes de representação. Ora, não tendo o M... Magalhães poderes para obrigar a ré quanto ao desconto de € 1250,00 sobre o preço de compra do veículo, forçoso é concluir que o mesmo ao vincular-se a tal desconto perante o autor, praticou acto não abrangido nos seus poderes, ocorrendo, por isso, excesso dos limites do agente. Daqui decorre, por um lado, ser o M... Magalhães o único responsável, perante o autor, por aquele desconto. E por outro lado que, perante a ré, o autor não cumpriu integralmente a sua prestação, estando obrigado ao pagamento do remanescente do preço ainda em dívida, ou seja, da quantia de € 1.250,00. Mas, assente que a ré também não cumpriu integralmente a sua prestação para com o autor, pois que não lhe entregou, tal como lhe competia fazer, os documentos respeitantes ao veículo que vendeu ao autor e necessários à sua circulação (livrete, título de registo, documento relativo à vistoria, documento comprovativo do pagamento dos impostos relativos à importação, documento alfandegário comprovativo da legalidade da importação, recibos das quantias pagas), urge, agora, apreciar a questão de saber se em face do aludido incumprimento parcial do autor, pode a ré recusar-se legitimamente a cumprir a sua prestação em falta. Escuda-se a ré na chamada exceptio non rite adimpleti contractus prevista no art. 428º do C. Civil. Esta figura jurídica permite que nos contratos bilaterais ou sinalagmáticos, um dos contraentes suste, retarde ou recuse a sua prestação enquanto o outro não cumprir simultaneamente, assegurando-se, deste modo, o equilíbrio e equivalência das prestações próprias daqueles contratos. A excepção de não cumprimento do contrato “desempenha uma dupla função: a função de garantia (a permitir ao excipiens garantir-se contra as consequências, presentes ou futuras, do não cumprimento da obrigação recíproca do devedor); a função coerciva (a constituir um poderoso e eficaz meio de pressionar o devedor, que tem um crédito a receber, a cumprir perfeitamente” Cfr. Calvão da Silva, in, obra citada, pág. 337.. E, não obstante o citado artigo 428º fazer referência apenas aos casos em que ”não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações”, a verdade é que constitui entendimento pacífico na doutrina Vide, Pires de Lima e Antunes Varela, in, “Código Civil, Anotado, vol. I, 3ª ed., pág. 381. e na jurisprudência Vide, entre muitos outros, Ac. da relação de Coimbra, de 6-7-1982, in, CJ. Ano 1982, tomo IV, pág. 35 e Ac. da Relação do Porto, de 26-9-95. In, CJ, ano 1995, tomo IV, pág. 269. que tal excepção também pode ser invocada nos contratos bilaterais, com prazos diferentes nas prestações, pelo contraente que deve cumprir em último lugar, caso o primeiro não tenha realizado a sua prestação. Assim, num e noutro caso, o contraente pode “recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo”. Mas, é ainda entendimento unânime da doutrina Vide, Vaz Serra, in, “Excepção de contrato não cumprido”, -, BMJ, n.º 67, pág. 37; Menezes Cordeiro, in, “Violação Positiva do Contrato”, - Revista da Ordem dos Advogados, Ano 41, pág. 148; Antunes Varela in, “Cumprimento Imperfeito do Contrato de Compra e Venda”, - CJ, Ano XII, Tomo, IV, pág. 21, in, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 9ª ed., pág 410; Pires de Lima e Antunes Varela, in, “Código Civil, Anotado”, Vol. I, 3ª ed., pág. 381; Calvão da Silva, in, “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, pág. 337.. e da jurisprudência Vide, entre muitos outros, os Acs. do STJ, de 3-1-1980,in, BMJ, n.º 293, pág. 365, de 9-12-1982, in, BMJ, n.º 322, pág. 321 e de 30-11-2000, in, CJ/STJ, ano VIII, tomo III, pág. 150 ; Ac. da Relação de Évora, de 26-9-1995, in, CJ, Ano XX, tomo IV, pág. 269. que o instituto da “excepção do não cumprimento do contrato” – arts. 428º a 437º do C. Civil – opera também nos casos de incumprimento parcial, de cumprimento defeituoso e de prestação defeituosa e ainda nos casos em que se verifique, simultaneamente, um cumprimento defeituoso e uma prestação defeituosa. Todavia, em qualquer um destes casos, exige-se sempre que a sua invocação não contrarie o princípio geral da boa fé que norteia e deve estar sempre presente na formação dos contratos, no cumprimento da obrigação e no exercício do direito, tal como decorre dos artigos 227º e 762º, n.º2 do C. Civil, podendo, até, fazer-se apelo à figura de abuso de direito contemplada no art. 334 do C. Civil. Na verdade, a recusa pode mostrar-se contrária à boa fé. E isto acontece nos casos em que um dos contraentes recusa a prestação só porque o outro não cumpriu uma parte insignificante. Por outro lado, urge considerar a regra da adequação ou proporcionalidade entre a ofensa do direito do excipiente e o exercício da excepção. A excepção deve ser proporcional à gravidade da inexecução, recusando o excipiente apenas a parte proporcional à parte ainda não cumprida pelo contraente faltoso. No dizer de Almeida Costa In, RLJ, Ano 119º, pág. 144., “Uma prestação significativamente incompleta ou viciada justifica que o outro obrigado reduza a contraprestação a que se acha adstrito. Mas, em tal caso, só é razoável que recuse quando se torne necessário garantir o seu direito”. Do mesmo modo, ensinam Antunes Varela In, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 9ª ed. , pág. 410. e Vaz Serra In, obra citada, pág. 42., que o razoável é que, neste caso, lhe seja consentido apenas recusar uma parte da sua prestação, bastante para se garantir da parte não cumprida. Será, assim, de afastar a invocação de tal meio de defesa perante uma falta pouco significativa ou inexecução de pequeno montante da contraparte, como uma forma de legitimar o incumprimento do excipiente A este respeito, vide José Abrantes, in,”A Execução de Não Cumprimento do Contrato no Direito Civil Português”, págs.92 e segs e Pedro Martinez, in,”Cumprimento Defeituoso”,pág.342. . E é precisamente isso que sucede no caso em apreço. Na verdade, tal como o Mmº Juiz a quo, entendemos ser manifestamente injusto e contrário à boa fé e ao princípio da proporcionalidade que, reportando-se o incumprimento do autor apenas à falta de pagamento da quantia de € 1250,00 ( corresponde a uma trigésima parte do preço total do veículo - € 37.500,00 ), admitir que a ré se socorra da aludida excepção para recusar a entrega ao autor dos referidos documentos do veículo e impossibilitar, deste modo, o autor de circular com ele ou usá-lo da forma que entender, nomeadamente permitindo que o seu filho o utilize nas suas deslocações. Daí ser ilegítimo o uso de tal meio de defesa por parte da ré, que, por isso, não deve obstar à condenação da ré a entregar, desde já, ao autor o livrete, o título de registo, o documento relativo à vistoria, o documento comprovativo do pagamento dos impostos relativos à importação, o documento alfandegário comprovativo da legalidade da importação e, bem assim, a registar o veículo na Conservatória do Registo Automóvel, enquanto entidade importadora. O que, contudo, não isenta o autor da obrigação de pagar à ré o remanescente do preço. Mas sustenta ainda o autor que ao recusar a entrega dos ditos documentos, a ré enriqueceu-se sem causa com a quantia de € 36.250,00 que o autor lhe pagou sem nada receber em troca. Cremos, porém, não lhe assistir qualquer razão. Senão vejamos. Estabelece o art. 473º, n,º1 do C. Civil, que “Aquele que, sem causa justificativa, enriquece à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo que injustamente se locupletou”. No dizer de Vaz Serra In, BMJ, n.º 81, pág. 37., o enriquecimento sem causa, como fonte da obrigação de restituir, tem a sua razão de ser nos casos em que, embora o direito considere legal a produção de certos efeitos, estes representam um enriquecimento injusto de alguém à custa alheia. E tal enriquecimento pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes três requisitos: a) que alguém obtenha um enriquecimento; b) que o enriquecimento não tenha causa justificativa; c) e que o obtenha à custa de quem requer a sua restituição. Conforme ensina, Pereira Coelho In, “o Enriquecimento e o Dano”, págs. 27 e 42 e segs., “O enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial susceptível de ser encarada sob dois ângulos: o do enriquecimento real, que corresponde ao valor objectivo e autónomo da vantagem adquirida; e o do enriquecimento patrimonial, que reflecte a diferença, para mais produzida na esfera económica do enriquecido e que resulta da comparação entre a sua situação efectiva (situação real) e aquela em que se encontraria se a deslocação se não houvesse verificado”. A inexistência de causa justificativa - quer porque nunca a tenha tido, quer porque, tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido - traduz-se na inexistência de uma relação ou de um facto que, à luz do direito, da ordenação jurídica dos bens ou dos princípios aceites pelo ordenamento jurídico, legitime tal enriquecimento. Como refere Antunes Varela In, “Das Obrigações em Geral”, 4ª ed., Vol. I, pág. 474., “o enriquecimento é injusto porque, segundo a ordenação substancial dos bens aprovada pelo Direito, ele deve pertencer a outro”. E o nexo causal, que resulta da fórmula legal “à custa de outrem”, significa que entre o enriquecimento e o empobrecimento deve existir uma certa conexão ou correspondência, exigindo ainda parte da doutrina Neste sentido, vide Pires de Lima e Antunes Varela, in, “Código Civil, Anotado”, vol. I, 4ª ed., pág. 457; Antunes Varela in, “Das Obrigações em Geral”, 4ª ed., pág. 481 ; Almeida Costa, in, “Direito das Obrigações”, 5ª ed., págs. 379 e segs e Pereira Coelho, obra e local citados, pág. 42 e segs. (muito embora se trate de requisito não expressamente formulado no artigo 473º e, quando muito dedutível do artigo 481º do C. Civil) que o primeiro tenha sido obtido directa e imediatamente do segundo, derivando a vantagem e o sacrifício do mesmo facto ou circunstância. De referir que, nos termos do art. 342º, n.º1 do C. Civil, incumbe ao autor o ónus de prova destes requisitos. Acresce que, de harmonia com o disposto no art. 474º do C. Civil, a acção baseada nas regras de enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, ou seja, esta acção só é admitida quando a lei não faculte ao empobrecido outro meio de reagir contra o enriquecimento para desfazer a deslocação patrimonial. Assim, como escreve Galvão Telles In, “Obrigações”, 3ª ed. , pág. 136., se alguém obtém um enriquecimento à custa de outrem, sem causa, mas a lei faculta ao empobrecido algum meio específico de desfazer a deslocação patrimonial, será a esse meio que ele deverá recorrer, não se aplicando as normas dos arts. 473º e ss. Ora, in casu, nenhum dos requisitos supra enunciados se verificam. Desde logo, porque não houve qualquer deslocação patrimonial do autor para a ré sem qualquer causa justificativa. O autor, em Maio de 2004, pagou à ré a dita quantia de € 36.250,00 por corresponder a parte do preço do veículo que comprou à ré e que esta lhe entregou na mesma data. E se é verdade que o direito do autor a receber os documentos em causa ficou paralisado por a ré ter lançado mão, ainda que ilegitimamente, da invocação da exceptio non rite adimpleti contractus, também não é menos verdade inexistir a falada relação de subsidiariedade, pois que o autor tinha ao seu alcance uma série de meios legais para conseguir obter a entrega dos documentos em causa. Daí inexistir enriquecimento sem causa no caso de invocação, ainda que ilegítima, da exceptio non rite adimpleti contractus. Mas terá o autor direito a indemnização pelos danos resultantes da privação do uso do veículo ? Entendeu o Mmº Juiz a quo que não, porquanto o autor não logrou provar os danos por ele alegados, ou seja, não provou, tal como lhe competia fazer, nos termos do disposto no art. 342º, nº. 1 do C. Civil, que mercê da recusa da ré em entregar os documentos, o filho do autor teve de se alojar no Porto e vir a Guimarães, apenas e só aos fins de semana, o que acarretou um aumento de gastos em alimentação e estadia para o autor, que despende com o seu filho a quantia diária de € 30,00 (cfr. resposta restritiva ao artigos 16º e respostas negativas aos artigos 17º e 19º da baseinstrutória) . Não é este, porém, o nosso entendimento O regime geral da obrigação de indemnizar, é referido no artigo 562° do Código Civil, que estabelece: "quem estiver obrigado a reparar um dano é obrigado a reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação." Por outro lado, o artigo 566° n.° 1 prescreve: " a indemnização é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor", estabelecendo o seu nº. 2 que tal indemnização tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente e a que teria nessa data se não existissem os danos. Da articulação destes dois artigos resulta que a nossa lei consagra, como regras, quer a reconstituição natural, quer a teoria da diferença, ou seja, o lesante tem o dever de repor as coisas no estado em que estariam se não se tivesse produzido o dano. E essa restituição in natura tanto pode ser feita através da reparação do objecto destruído, como da entrega de outro idêntico ou do pagamento da importância correspondente ao valor do bem antes do acidente. Na verdade, como refere Vaz Serra In, BMJ, n.º 84, págs. 132 a 138., a reposição natural não supõe necessariamente que as coisas sejam repostas com exactidão na situação anterior, sendo suficiente que se dê a reposição de um estado que tenha para o credor valor igual e natureza igual aos que existiam antes do acontecimento que causou o dano. Todavia, julgamos que, no caso em apreço, as despesas reclamadas não esgotam o princípio da restauração natural. É que impõe a aludida teoria da diferença que o montante da indemnização abranja também o dano sofrido pelo autor por não poder manter o veículo que comprou à ré em circulação e resultante do facto de a ré se recusar a proceder ao registo inicial do direito de propriedade do veículo XI em seu nome e a entregar os respectivos documentos. A este respeito ficou provado, no caso dos autos que: - Em Maio de 2004, o A., para pagamento do veículo, agora com a matrícula 98-54-...I, que lhe foi vendido pela Ré, pagou-lhe 13.750 euros em cheque, que pela Ré foi levantado e recebido e entregou-lhe o veículo – Audi TT de matricula 22-62-...O, avaliado pela Ré, em 22.500 euros, bem como a respectiva declaração de venda, devidamente legalizada e documentos deste veículo (livrete e titulo de registo); - Nessa mesma data, Maio de 2004 — a Ré entregou ao A. o veículo automóvel, para o seu uso e fruição, mas até hoje não lhe entregou os documentos do veículo: nem livrete, nem título de registo, nem documento relativo à vistoria, nem documento comprovativo do pagamento dos impostos relativos à importação, nem documento alfandegário que comprove a legalidade da importação, nem os recibos das quantias pagas. Tudo isto documentos necessários e imprescindíveis à circulação do mesmo. - O veículo 98-54-...I, que a ré vendeu ao A., em Maio de 2004, não está registado em Portugal, nem consta nas Conservatórias do Registo Automóvel Português, só e apenas, porque a ré, entidade que o importou, não procedeu a esse registo, e só ela o pode fazer. - O A. comprou o veículo para entregar ao seu filho, para diariamente se deslocar de Guimarães para Porto e vice-versa, onde frequenta a Universidade. - O Audi TT que entregou à ré como forma de pagamento do XI era já exclusivamente utilizado pelo filho do autor nessas deslocações. - O filho do autor não pode utilizar o Mercedes nessas deslocações diárias ao Porto. - O A é quem suporta os gastos e despesas com os estudos do seu filho e tudo quanto lhe é necessário. - A ré não entregou ao autor os referidos documentos por ter ficado credora do autor pela importância de €1.250,00. No fundo, o que se discute, perante esta factualidade, é a questão de se saber se é, ou não, ressarcível a mera indisponibilidade de um veículo automóvel devida a facto imputável a conduta culposa de terceiro, pois que, conforme já se deixou dito, a falta de pagamento, por parte do autor, da quantia de € 1250,00 (correspondente ao remanescente do preço de compra do veículo XI) não permite à ré, nas circunstâncias dos autos, opor ao autor a exceptio non rite adimpleti contractus prevista no art.428º do C.Civil. E malgrado as divergências existentes, nesta matéria, tanto na doutrina como na nossa jurisprudência Das quais nos dá conta Abrantes Geraldes, in, “Indemnização do Dano da Privação do Uso”. , subscrevemos o entendimento daqueles que consideram que a privação do uso e fruição de um veículo automóvel, em consequência de conduta ilícita terceiro, integra, por si só, lesão do património do respectivo proprietário, constituindo dano indemnizável. É que, quanto a nós este é o entendimento que melhor se coaduna com o conteúdo do direito de propriedade definido no art. 1305º do C. Civil, o qual estipula que “o proprietário goza de modo pleno (...) dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem (..)”. No caso dos autos, não restam dúvidas que, mercê da supra descrita conduta da ré, o autor ficou impossibilitado de circular com aquele seu veículo automóvel conforme entendesse E assente que o autor tem direito a ser indemnização pelo dano que sofreu, consistente em não poder dispor do seu veículo automóvel, importa, agora, determinar o respectivo quantum, sendo certo que, face à ausência de prova do respectivo valor, este há-de ser determinado equitativamente, nos termos do disposto no art. 566º, n.º3 do C. Civil. Significa isto não estar o julgador vinculado à observância rigorosa do direito aplicável, tendo, antes, a liberdade de subtrair-se a esse enquadramento rígido e proferir a decisão que lhe parecer mais justa. Ou seja, o juiz funciona como um árbitro, ao qual, por razões de conveniência, de oportunidade e de justiça concreta, lhe é conferido o poder de julgar ex aequo et bono. Assim, recorrendo a um juízo de equidade e tendo em atenção os factos provados e supra descritos, cumpre referir que, o dano emergente para o autor pela impossibilidade de dispor do veículo automóvel que comprou à ré assume especial gravidade já que tal indisponibilidade ocorre desde Maio de 2004, mantendo-se até aos dias de hoje. E tudo isto ressalta ainda com maior evidência se tivermos em conta que desde a mesma data o autor ficou desembolsado da quantia de € 13.750 euros e ficou também sem possibilidade de utilizar o veículo – Audi TT, pois entregou-o à ré como forma de pagamento do XI. É verdade que a ré, como contrapartida, entregou ao autor o veículo XI. Mas de que serve tal veículo se o mesmo não pode circular na via pública? Assim, ponderando-se tudo o que se deixou dito, entende-se que a indemnização pelos danos emergentes, para o autor, da privação do uso do XI durante todo este período de tempo ( 3 anos e 6 meses) não deve ser inferior a € 15.0000,00. Procedem, por isso, parcialmente as conclusões do autor/apelante vertidas nas alíneas H) e I). A-III e B- IV- Indagando, agora, da possibilidade, ou não, de ser imposta à ré uma sanção pecuniária compulsória judicial prevista nos nºs1 e 2 do art.829º-A do C. Civil, diremos que esta é uma sanção preventiva, destinada a prevenir o ilícito no futuro. É também uma sanção coactiva e intimidante, com vista a compelir o devedor à realização da prestação devida e a obstar ao incumprimento, estimulando-o a obedecer à sentença condenatória. Não funciona como indemnização pois, como se escreve no Acórdão da Relação de Lisboa, de 19.12.91 In,CJ, Ano XVI, Tomo V, pág. 145, “ não se destina a indemnizar o credor pelos prejuízos que o inadimplemento da prestação eventualmente venha a causar” . Só é aplicável, segundo prescreve o nº1 do citadoart.829º-A, nas obrigações de prestação de facto infungível Pela impossibilidade de ter lugar o cumprimento por terceiro, em função do interesse concreto do credor., positivo ou negativo, desde que o cumprimento destas não exija especiais qualidades científicas ou artísticas do devedor, e a requerimento do credor, o que significa que o juiz não tem o poder oficioso de usar tal coerção. E nos termos do nº2 do mesmo artigo, deve ser fixada pelo juiz, em função das circunstâncias do caso e segundo critérios de razoabilidade ou de equidade. Deve ainda mostrar-se adequada a pressionar e intimidar o devedor, levando-o a respeitar a injunção judicial e a cumprir a obrigação a que está adstrito. Para tanto e no dizer do referido acórdão, deve o juiz “tomar em linha de conta, de modo especial, a capacidade económica e financeira do obrigado e a pressão psicológica que a expectativa do agravamento da sanção exerça sobre a sua vontade real (…), embora condicionada pelo valor que a prestação devida revista para o credor”. Do mesmo modo, ensina-se no dito acórdão que, “no que concerne ao termo inicial da sanção pecuniária compulsória, o juiz poderá fixá-lo na data do trânsito em julgado da condenação principal ou em momento ulterior (nunca, porém, em momento anterior ao trânsito). Se não for precisada a data a partir da qual a sanção pecuniária é eficaz e exigível, ela será devida desde o trânsito em julgado da sentença, data em que a decisão fica tendo força obrigatória (cfr. Clavão da Silva,”Cumprimento e sanção pecuniária compulsória”,págs. 364 a 372, 415 a 421,424, 432,450, 451, 459, 460,474 e475,e “Sanção pecuniária compulsória”, pág. 20,21 e 51 (…)”. Expostos os traços característicos da natureza e regime da sanção pecuniária compulsória judicial, estamos, agora, em condições de afirmar, por um lado, que não tendo o autor formulado nos autos, de forma expressa ou tácita Através da articulação de factos que evidenciassem ao julgador a clara intenção de pretender a aplicação de tal sanção., qualquer pedido de aplicação de tal sanção, o MmºJuiz a quo nunca poderia tê-la decretado oficiosamente. E muito menos poderia ter feito retroagir a sua aplicação à data de 1 de Abril de 2004. O que tudo significa que a condenação da ré a “ a pagar, em partes iguais, à autora e ao Estado, a sanção pecuniária compulsória de € 30,00 (trinta euros) por cada dia de atraso na entrega dos documentos referidos na antecedente alínea, contados desde o dia 01/04/2004” não pode ser mantida, impondo-se revogar, nesta parte, a douta sentença recorrida, ficando prejudicado o conhecimento da razoabilidade, ou não, do montante fixado. E ainda que o autor, nas suas conclusões de recurso, tenha formulado pedido nesse sentido, está também vedada a esta Relação a possibilidade de decretar a aplicação de sanção pecuniária compulsória. É que tal pedido não foi formulado em tempo oportuno, ou seja, na petição inicial, na réplica ou até ao encerramento da discussão em 1ª instância, nos termos do disposto nos art. 467º, al. e) e 273º,nº2, ambos do C. P. Civil, sendo, por isso, manifestamente extemporâneo. Procedem, por isso, as 2ª a 4ª e 6ª e 7ª conclusão da ré/apelante e procedem parcilmente as conclusões do autor/apelante vertidas na alínea H), improcedendo todas as demais. Finalmente sempre se dirá não se vislumbra qualquer litigância de má fé por parte da ré. De resto, sendo a ré uma sociedade, de harmonia com o disposto no artigo 458° do C.P.C., nunca poderia a mesma ser condenada a esse título. Isto porque, como ensina Alberto dos Reis In, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, pág. 271., "quando a parte seja um incapaz ou uma pessoa colectiva, a actividade processual que conta é a do respectivo representante. É este que age, em nome do representado; se no exercício da acção ou da defesa puder descobrir-se dolo substancial ou instrumental, há-de imputar-se ao representante e não ao próprio incapaz ou pessoa colectiva." CONCLUSÃO: Do exposto poderá concluir-se que: 1º- O contrato de agência ou de representação comercial é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a celebração de contratos, de modo autónomo e estável e mediante retribuição, podendo ser-lhe atribuída certa zona ou determinado círculo de clientes. 2º- São elementos essenciais deste contrato a obrigação do agente promover a celebração de contratos; actuação do agente por conta da outra parte, isto é, defendendo os interesses do principal; actuação do agente num a certa zona geográfica ou num determinado círculo de pessoas; autonomia do agente (apesar de integrado na rede de distribuição do principal, o agente tem a possibilidade de organizar livremente a sua própria actividade e o seu próprio trabalho); o carácter de estabilidade da relação contratual entre as partes ( a actividade de intermediação, prolonga-se no tempo) e a remuneração paga pelo principal ao agente ( direito à comissão logo que o principal ou o terceiro haja cumprido o contrato). 3º- O agente só pode celebrar contratos em nome da outra parte se esta lhe tiver conferido, por escrito, os necessários poderes. 4º- Não tendo o agente poderes para obrigar o principal, cai-se na previsão do art.268º, nº1 do C. Civil, sendo o negócio ineficaz em relação àquele, salvo se o mesmo o ratificar. 5º- Não tendo o agente poderes para obrigar o principal nem tendo este ratificado o negócio, a eficácia do negócio, nestes casos, depende: - Da existência de razões (objectivamente apreciadas, de acordo com as circunstâncias concretas) que justifiquem a confiança de terceiro; - Da boa fé do terceiro ( boa fé subjectiva, no sentido de que o terceiro não conhecia nem devia conhecer a falta de poderes de representação) - Do facto do principal ter igualmente contribuído ( com o seu comportamento por acção ou omissão) para a confiança do terceiro na legitimidade do agente. 6º- A excepção de não cumprimento do contrato prevista no art. 428º do C. Civil não pode ser invocada com sacrifício do princípio geral da boa fé e deve ser proporcionada à gravidade da inexecução. 7º- No caso da invocação, ainda que ilegítima, da exceptio non rite adimpleti contractus, não há qualquer enriquecimento sem causa. 8º- A privação do uso e fruição de um veículo automóvel, em consequência de conduta ilícita terceiro, integra, por si só, lesão do património do respectivo proprietário, constituindo dano indemnizável. 9º- A sanção pecuniária compulsória judicial prevista nos nºs 1 e 2 do artigo 829º-A do C. Civil, só pode ser decretada pelo juiz a pedido do credor e na data do trânsito em julgado da condenação principal ou em momento ulterior (nunca, porém, em momento anterior ao trânsito). DECISÃO: Pelo exposto, julga-se parcialmente procedentes as apelações e, consequentemente: A- revoga-se a sentença recorrida, na parte que condenou a ré a pagar, em partes iguais, à autora e ao Estado, a sanção pecuniária compulsória de € 30,00 (trinta euros) por cada dia de atraso na entrega dos documentos referidos na antecedente alínea, contados desde o dia 01/04/2004; B- e, alterando-se a sentença recorrida, condena-se a ré a pagar ao autor a quantia de € 15.000,00,a título de indemnização devida pela privação do uso do XI, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da prolação do presente acórdão e até efectivo e integral pagamento. Em tudo o mais mantém-se, na íntegra, a douta sentença recorrida, ainda que com base em fundamentação não totalmente coincidente. Custas, incluindo as devidas na 1ª instância, pelo autor/apelante e pela ré/apelante na proporção do decaimento. Guimarães, 19 de Dezembro de 2007 |