Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
95/04-1
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: MARCAS
NULIDADE
SINAL FRANCO OU GENÉRICO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/11/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I – À semelhança da ineptidão da petição inicial, a nulidade da sentença que decorre do disposto no artº 668º nº1 al.c) C.P.Civ.) só se verifica quando se descortine uma contradição real, flagrante, entre os fundamentos e a decisão.
II – A marca deverá ser dotada de eficácia ou capacidade distintiva, diferenciando o produto marcado de outros idênticos ou semelhantes, pois não faria sentido que o titular de uma marca fosse o monopolista de um significado que é comum e socialmente adquirido; não possuem capacidade distintiva os sinais genéricos (designações comuns de género) ou descritivos dos produtos.
III – A expressão “Dossier do Professor”, referenciada a uma recolha criativa e ao critério do editor de elementos impressos de auxílio ou coadjuvação da actividade lectiva, apresentado em “argolas de plástico” ou em “livro tradicional”, constituindo sobretudo um acervo documental para uso e apontamento dos professores, goza da protecção da marca: sendo descritivo na componente “do professor”, é usado por forma inventiva e diversa daquela que é a sua acepção comum, não sendo a designação em causa praticamente indispensável à concorrência para que esta possa apresentar um produto semelhante.
Decisão Texto Integral: Acordão no Tribunal da Relação de Guimarães

Os Factos
Recurso de apelação interposto na acção com processo ordinário nº.../03, da Vara Mista da Comarca de Braga.
Autora – "A".
– "B".

Pedido
Que seja declarada a nulidade da marca da Ré “Dossier do Professor”, registada com o nº..., para todos os efeitos legais.
Tese da Autora
A marca da Ré “Dossier do Professor” não tem capacidade distintiva, sendo composta apenas por um sinal genérico, distintivo, usual e fraco, insusceptível de protecção, nos termos dos artºs 32º nº1 al.a), 165º e 166º nº1 C.Prop.Ind.
Tese da Ré
Não se verificam os requisitos da nulidade da marca por esta não ser um sinal genérico ou descritivo.
Os vícios que obstariam a um registo devem considerar-se sanados por, no caso concreto, existir o circunstancialismo previsto no artº 188º nº3 C.P.I.

Sentença
O Mmº Juiz “a quo” conheceu de mérito no despacho saneador e a acção foi julgada integralmente improcedente, com a consequente absolvição da Ré do pedido.

Conclusões do Recurso de Apelação apresentado pela Autora
1 – A marca “Dossier do Professor” não tem capacidade distintiva. Normas jurídicas violadas – artºs 32º nº1 al.a), 165º nº1, 166º nº1 als. b) e c) e 188º CPI 95.
2 – A marca “Dossier do Professor” é constituída por sinais genéricos, descritivos e usuais. Normas jurídicas violadas – artºs 32º nº1 al.a), 165º nº1, 166º nº1 als. b) e c) e 188º CPI 95.
3 – Deveria ter sido declarada nula a marca em apreço “Dossier do Professor”. Normas jurídicas violadas – artºs 32º nº1 al.a), 165º nº1, 166º nº1 als. b) e c) e 188º CPI 95.
4 – Deve ser declarada a nulidade da sentença, por oposição entre os fundamentos e a decisão. Normas jurídicas violadas – artº 668º nº1 al.c) C.P.Civ.

Em contra-alegações, a Ré pugna pela manutenção do decidido.

Factos Julgados Provados em 1ª Instância
1º- A ré é titular da marca ‘Dossier do Professor’, com o nº de registo 319.083, para livros, nomeadamente livros escolares, sendo o registo datado de 12/05/97.
2º- A autora pediu o registo de marca nacional – ‘Dossier do Estudante’ – destinada a assinalar material de instrução ou de ensino, tendo a aqui ré apresentado reclamação que foi julgada procedente, pela consideração de que a marca ‘Dossier do Professor’ é prioritária relativamente à marca registanda, que os produtos que ambas se destinam assinalar são manifestamente afins, pois são produtos de natureza e utilidade próxima, que as expressões que constituem as marcas em confronto são susceptíveis de criar na mente do consumidor um risco de confusão compreendendo um risco de associação com a marca anteriormente registada, sendo marcas gráfica e foneticamente muito próximas, que contêm como único elemento distintivo as expressões ‘professor’ e ‘estudante’, conceitos estes que estão intimamente relacionados, podendo o público consumidor atribuir a origem dos produtos à mesma.
3º- Os livros da colecção ‘Dossier do Professor’ são editados todos os anos desde 1991/1992.
4º- Atingiu, nestes anos, a tiragem total de 120.000 exemplares.
5º- A tiragem no último ano rondou os 34.000 exemplares.
6º- Todos os anos a ré envia cartas a todos os estabelecimentos de ensino básico (2º e 3º ciclos) do país (cerca de 1.800), publicitando as obras que edita, com destaque para o ‘Dossier do Professor’, acompanhadas de cartazes para serem afixados nessas escolas e de folhetos em número necessário para serem distribuídos à generalidade dos professores.
7º- A ré envia anualmente circulares publicitando esta obra a diversos livreiros (3.400/ano).
8º- O universo dos professores do ensino básico (2º e 3º ciclos) destinatários da obra é de cerca de 80.000.
9º- O número médio de exemplares vendidos do ‘Dossier do Professor’ é de cerca de 20.000/ano.
10º- A ré foi constituída por escritura de Maio de 1993.

Fundamentos
As questões substancialmente colocadas pelo presente recurso são as seguintes:
- nulidade da sentença, por oposição entre os fundamentos e a decisão;
- falta de capacidade distintiva da marca “Dossier do Professor”, por ser constituída por sinais genéricos, descritivos e usuais, e respectivas consequências.
Apreciemo-las seguidamente.
I
A sentença é nula quando os fundamentos se encontrem em oposição com a decisão (artº 668º nº1 al.c) C.P.Civ.).
Trata-se, obviamente, de um vício muito grave no raciocínio do julgador, conducente a um vício silogístico a todos os títulos evidente, por contradição entre as premissas de facto e de direito e a conclusão.
É o que sucede quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.
Esta nulidade só se verifica quando se descortine uma contradição real, flagrante, entre os fundamentos e a decisão (tal qual a ineptidão da petição inicial – artº 193º nº2 al.b) C.P.Civ. – cf. Teixeira de Sousa, Estudos, pg.224): “a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente” (ut A. dos Reis, Anotado, V/141 e Varela, Bezerra e S. e Nora, Manual, 2ªed., pg.686).
Não se verifica, assim, se o Recorrente pretende questionar o acerto substancial da decisão – saber se esta efectuou a melhor interpretação das normas em causa, e, designadamente, a melhor aproximação do direito aos factos.
Ora, o que soe dizer a este respeito, acerca da decisão em crise, é que elenca os factos aplicáveis, o direito, designadamente o direito de marcas aplicável, e depois, nunca se afastando dos princípios enunciados e da dedução lógica imposta pelo respectivo raciocínio, procedendo a uma detalhada análise linguística, conclui, através da argumentação considerada adequada, que a designação “dossier do professor” não é constituída por quaisquer sinais genéricos, distintivos, fracos ou usuais.
Fica patente, desta forma, que o vício silogístico grave é inexistente – a decisão é coerente com as premissas, já que estas, postas como foram pelo julgador, apenas poderiam conduzir à improcedência da acção.
Improcede este fundamento do recurso.
II
Dispõe o artº 1º C.P.Ind.95 que a propriedade industrial desempenha a função social de garantir a lealdade da concorrência pela atribuição de direitos privativos no âmbito do presente diploma, bem como pela repressão da concorrência desleal.
Encontram-se, desta forma, sujeitos aos regimes jurídicos da propriedade industrial as invenções (artºs 47ºss.), os modelos de utilidade e modelos e desenhos industriais (artºs 122ºss.), as marcas (artºs 165ºss.), as recompensas (artºs 217ºss.), o nome e insígnia do estabelecimento (artºs 228ºss.) e as denominações de origem e indicações geográficas (artºs 249ºss.).
A propriedade da marca não resulta do seu uso, mas do seu registo, pois no sistema de eficácia constitutiva e atributiva do registo, que é o nosso, prevalece o direito de quem primeiro registou a marca, e não daquele que primeiro a usou (Ac.R.C. 23/11/93 Bol.431/570).
Tomando em conta o disposto no artº 167º nº1 C.P.Ind.95, a marca pode ser definida como o sinal distintivo que serve para identificar o produto ou o serviço proposto ao consumidor (Carlos Olavo, O Direito, 127º/46).
Noutra definição, diz-se que a marca, como sinal distintivo dos produtos ou mercadorias, “designa e identifica as mercadorias ou produtos sobre que se exerce a actividade económica do seu proprietário, relacionando-os com a pessoa deste e com o seu exercício mercantil, quer se trate de um comerciante, quer se trate de um industrial” (Pinto Coelho, Lições de Direito Comercial, I/325).
Nos termos do artº 204º C.P.Ind.95, o registo da marca implica a presunção jurídica da novidade ou distinção de outra anteriormente registada.
Também nos termos do artº 32º nº1 al.a) C.P.Ind.95, os títulos de propriedade industrial são, total ou parcialmente, nulos quando o seu objecto for insusceptível de protecção.
De facto, a marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas (artº 165º nº1 C.P.Ind.95).
Como assim, sendo a marca um sinal distintivo de coisas, deverá ser dotada de eficácia ou capacidade distintiva, diferenciando o produto marcado de outros idênticos ou semelhantes (Ferrer Correia, Direito Comercial, lições policopiadas, I/321, cit. por Abílio Neto e Pupo Correia, Propriedade Industrial, artº 79º).
Não faria sentido que o titular de uma marca fosse o monopolista de um significado que é comum e socialmente adquirido.
Assim, o artº 166º nº1 C.P.Ind.95 enuncia alguns dos sinais que não satisfazem a capacidade distintiva da marca:
al.a) Os sinais constituídos exclusivamente pela forma imposta pela própria natureza do produto, pela forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico ou pela forma que confira um valor substancial ao produto;
al.b) os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação de serviço, ou outras características dos mesmos;
al.c) os sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio.
A al.a) corresponde aos usualmente designados sinais genéricos.
Sinal genérico é ou o sinal nominativo que, no seu significado originário e próprio, designa exclusivamente o nome do género de produtos ou serviços marcados ou, ainda, o sinal, bi ou tridimensional, que representa unicamente a forma comum e ordinária do produto marcado (Couto Gonçalves, Direito de Marcas, 2ª ed., pg.72).
As denominações genéricas são as indispensáveis à identificação das mercadorias (Ferrer Correia, op. cit., pg.324)
Trata-se de uma definição que depende mais da definição linguística do que do uso por parte do público consumidor, assim se distinguindo dos sinais usuais (Couto Gonçalves, op. cit., pg.74).
Exemplos: a marca “Agência de Turismo de Lisboa”, para serviço de turismo, ou “Leite”, para lacticínios (Carlos Olavo, Propriedade Industrial, Col.87-II/23). As expressões “frigorífico”, “vinho de mesa”, “pasta dentífrica” (Ferrer Correia, op. e loc. cit.).
Os sinais descritivos são os englobados pela al.b).
São constituídos pelas denominações que indicam, exclusiva e directamente, a produção (espécie, lugar e tempo), qualidade, quantidade, destino, valor ou qualquer outra característica do produto ou serviço (Couto Gonçalves, op. cit., pg.74).
Trata-se de sinais comuns aos objectos idênticos, apenas diferenciados pela sua origem.
Exemplos: os nomes geográficos de proveniência. Parcialmente genérica (“Feira do Livro”) e descritiva (“de Lisboa”) foi considerada a expressão “Feira do Livro de Lisboa” – Ac.R.L. 27/3/03 Col.II/100.
Os sinais usuais (cf. citada al.c) são aqueles cujo uso se vulgarizou e entrou no património comum e que, por conseguinte, não devem ser monopolizados por qualquer produto (Ferrer Correia, op. cit., pg.326).
Exemplos de sinais usuais verbais: “bica”, “prego”, “galão”, “carioca”, “fino”, “imperial”. Exemplos de sinais usuais descritivos: “chaminé do Algarve” ou “galo de Barcelos”. Exemplos de sinais usuais banais: “Imperial”, para vinho, ou “Ideal”, para marca de produtos das classes 9ª, 16ª e 28ª (Couto Gonçalves, op. cit., pg. 81).
A doutrina tem todavia salientado:
“A eficácia distintiva não precisa de se reportar a todos os elementos da marca mas tão somente a alguns deles, sendo certo que, se assim for, a protecção da marca se há-de reconduzir apenas aos elementos distintivos”.
“Além disso, o que num determinado sector tem eficácia distintiva, pode não a ter noutro sector. Por exemplo, um desenho de uma vaca para lacticínios será uma referência genérica, mas já para outro tipo de produtos não o será necessariamente, por ter em relação a eles eficácia distintiva.”
“As marcas expressivas ou significativas, aquelas cuja composição dá ideia de certos produtos, são dotadas de eficácia distintiva, desde que a referência a estes produtos não seja genérica. É o caso, entre outros, da marca “Laranjina”, que sugere a imagem e o sabor da laranja. Já a palavra “laranja” não poderá constituir marca para produtos como as laranjadas, por carecer de eficácia distintiva” (Carlos Olavo, Propriedade Industrial cit., pg.23).
“Os sinais descritivos e de uso genérico (quer figurativos, quer nominativos) poderão ser usados como marca desde que, pelo modo artístico ou original como sejam apresentados, revelem idoneidade distintiva.”
“Por outro lado, as expressões que, por virtude do seu uso genérico em relação a certos produtos, não podem ser usadas como marcas de tais produtos, podê-lo-ão ser, todavia, para distinguir produtos diversos” (Ferrer Correia, op. cit., pgs.326/327).
“O carácter distintivo deve ser realizado num duplo ponto de vista:”
“1 – Em primeiro lugar, é necessário que a marca escolhida não seja constituída por um termo cujo uso seja praticamente indispensável aos concorrentes para apresentar os seus produtos ou os seus serviços ao público. A apropriação privativa de tais termos constituiria um entrave muito grave à actividade destes, o que não seria tolerável.”
“É necessário portanto que uma marca apresente um carácter original.”
“2 – Em segundo lugar, é necessário que uma marca esteja disponível, isto é, que não esteja já apropriada por um concorrente agindo no mesmo sector de actividade.”
“Sob este aspecto, é necessário que a marca seja nova” (Mota Maia, Propriedade Industrial, I/25).

III
Olhemos agora em concreto à pretensão da Autora.
Ao apreciar a natureza do produto em causa, o denominado “Dossier do Professor”, e tendo em conta os documentos juntos com a Contestação, cujo conteúdo não foi de algum modo impugnado, verificamos que nos encontramos perante uma publicação de apoio à actividade profissional dos professores.
Dotado de uma capa e contra-capa em cartolina plastificada, não dura, possui tamanho de folha A4; a lombada pode ser composta de argolas de plástico ou ter o aspecto de livro tradicional; é composto de um conjunto de páginas, todas impressas, divididas em três partes: “Planificação de Actividades”, “Registos Estruturados de Avaliação” e “Interpretação Legislativa”.
É composto, entre outros itens, de “matrizes de avaliação”, “matrizes de caracterização de área de projecto e de estudo acompanhado”, “etapas da metodologia de projecto”, “registos do currículo pessoal e das aulas”, “registos de avaliação”, “avaliação dos alunos – novo regime e anterior”, “reorganização curricular: currículos e esclarecimentos”, “férias, faltas e licenças – efeitos / formalidades”.
Destina-se, pois, em larga medida, a servir de caderno ou livro de uso habitual para o professor, estruturado por forma a enquadrar previamente alguns itens de preenchimento necessário ou costumeiro na actividade lectiva, fornecendo ainda informações úteis, designadamente de âmbito legislativo geral ou específico da referida actividade lectiva.
Será o título “Dossier do Professor” genérico, descritivo ou usual?
Manifestamente não se enquadra no conceito de “usual” supra explicitado – não é usualmente descritivo como “chaminé do Algarve” ou “galo de Barcelos”, conceitos que são rapidamente identificáveis, por pertencentes ao património comum.
Descritivo é na sua componente “do Professor” – a publicação destina-se efectivamente a professores.
Não é descritivo na sua componente “dossier”, porque não recondutível de imediato à definição comum da palavra, na língua portuguesa falada: “dossiê - conjunto de documentos que dizem respeito a um determinado assunto, sensivelmente igual a processo; capa, em geral com argolas, para guardar documentos ou folhas de papel (arquivador ou pasta); assunto ou processo que é objecto de discussão entre parceiros” (cf. Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia de Ciências de Lisboa); “pasta, processo, documentação, registo, arquivo, etc.” (José Pedro Machado, Grande Dicionário de Língua Portuguesa).
Não são “o conjunto de documentos relativos ao professor”, porque se trata de uma recolha criativa e ao critério do editor de elementos impressos de auxílio ou coadjuvação da actividade lectiva – como visto, matrizes de avaliação, espaços para sumários das aulas, calendarização de actividades, currículo, horários das turmas, espaço para as fotos dos alunos, caracterização de actividades, critérios de avaliação, legislação.
No conjunto da expressão, não é descritivo, pois que se não retiram dela as características do respectivo conteúdo. Não se vê no vocábulo “dossier”, quando referido ao concreto produto em causa nos autos, quaisquer sinais comuns com objectos idênticos, apenas diferenciados pela sua origem. Um conjunto de documentos que dizem respeito a um determinado assunto, como processo? Viu-se que os assuntos que o produto aborda são múltiplos, diversificados, não previsíveis e inventivos, unidos apenas pelo interesse profissional que podem proporcionar à actividade docente; o nome da editora, aqui Ré, mostra-se bem visível com o respectivo emblema, na parte inferior da capa; muito menos estamos na presença de uma “capa”, para guardar documentos ou folhas de papel, embora algumas das apresentações do produto o sugiram.
Igualmente se não divisa tal coincidência no facto de a expressão “Dossier do Professor” ter sido utilizada por outros editores, em publicações semelhantes, posto que a expressão que nos ocupa se encontra protegida, em face de tais publicações, pela prioridade do registo.
Finalmente, não se trata também de um conceito genérico.
Não tem um significado originário e próprio como “Agência de Turismo de Lisboa”, para serviço de turismo, “Leite”, para lacticínios, ou “Feira” (lugar, geralmente descampado e descoberto, onde concorrem mercadores em certos dias ou em certas épocas, para oferecer à venda os seus produtos – José Pedro Machado, op. cit.) “do Livro”.
Não se divisa da palavra “dossier”, em concreto, qual o tipo de publicação em causa ou se o concreto “dossier do professor” em causa se engloba no conjunto mais lato dos “dossiers”.
A palavra “dossier” está usada, na expressão referida por forma inventiva e diversa daquela que é a sua acepção comum.
Desta forma, é de concluir que nos encontramos em face de uma marca expressiva ou significativa, cuja composição dá a ideia do produto a que se reporta, dotada por si, considerada na globalidade dos seus elementos, de eficácia distintiva.
Tal como o exemplo das marcas “Laranjina”, “Molaflex” e outras, a expressão composta “Dossier do Professor” sugere o que põe à disposição do consumidor. É composta por sinais descritivos (“do professor”) e de uso genérico (“dossier”) mas apresentados de forma original, face ao produto em causa e à respectiva composição e que, como tal, revelam idoneidade distintiva.
A Autora não se encontra privada de apresentar um “caderno” ou “livro” de apoio à actividade dos professores do ensino secundário que vise uma finalidade idêntica à da publicação da Ré, posto que o título em questão não esgota as designações inventivas do produto em causa.
De resto, como ela própria Autora aceita, e os autos demonstram, logrou a Autora registar outras marcas de conteúdo muito semelhante ao da marca ora impugnada.
O recurso da Autora improcede, desta forma, impondo-se a confirmação da sentença em crise.

A fundamentação poderá resumir-se por esta forma:
I – À semelhança da ineptidão da petição inicial, a nulidade da sentença que decorre do disposto no artº 668º nº1 al.c) C.P.Civ.) só se verifica quando se descortine uma contradição real, flagrante, entre os fundamentos e a decisão.
II – A marca deverá ser dotada de eficácia ou capacidade distintiva, diferenciando o produto marcado de outros idênticos ou semelhantes, pois não faria sentido que o titular de uma marca fosse o monopolista de um significado que é comum e socialmente adquirido; não possuem capacidade distintiva os sinais genéricos (designações comuns de género) ou descritivos dos produtos.
III – A expressão “Dossier do Professor”, referenciada a uma recolha criativa e ao critério do editor de elementos impressos de auxílio ou coadjuvação da actividade lectiva, apresentado em “argolas de plástico” ou em “livro tradicional”, constituindo sobretudo um acervo documental para uso e apontamento dos professores, goza da protecção da marca: sendo descritivo na componente “do professor”, é usado por forma inventiva e diversa daquela que é a sua acepção comum, não sendo a designação em causa praticamente indispensável à concorrência para que esta possa apresentar um produto semelhante.

Com os poderes que lhe são conferidos pelo disposto no artº 202º nº1 da Constituição da República Portuguesa, decide-se neste Tribunal da Relação:
Julgar integralmente improcedente, por não provado, o recurso da Autora, e, em consequência, confirma-se integralmente a sentença recorrida.
Custas pela Apelante.
Fixo os honorários em dívida ao ilustre patrono oficioso da Ré, apenas para presente fase de recurso, em 9 UR`s.

Guimarães, 11/02/04
Vieira e Cunha
António Gonçalves
Narciso Machado