Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2387/03-1
Relator: ANTÓNIO GONÇALVES
Descritores: DESPEJO IMEDIATO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/04/2004
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: 1. O direito de o senhorio obter o despejo imediato do locado com fundamento na falta de pagamento ou depósito das rendas vencidas no decurso da acção, não é uma prerrogativa absoluta que sempre lhe assiste no caso de, numa acção de despejo, se constate que o arrendatário não demonstra ter pago a renda invocada pelo demandante;
2. Para que esta medida possa ser accionada necessário se torna ter como certas a validade do contrato e a certeza de que as rendas em análise são devidas ao senhorio
3. Se a própria renda ou o seu exacto montante estiverem em litígio na acção, esta vicissitude faz com que já não se esteja no enquadramento da disciplina estatuída no art.º 58.º do RAU.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:


Da decisão proferida no processo de acção ordinária n.º 104/2001 - a correr seus termos no T. J. da comarca de Paredes de Coura e em são autores "A" e mulher e réu "B" - que indeferiu o pedido de despejo imediato formulado pelos autores com fundamento na falta de pagamento das rendas vencidas após o termo do prazo da contestação, recorreram os autores que alegaram e concluíram do modo seguinte:
1. Vem o presente recurso do despacho proferido pelo Sr. Juiz “a quo” que indeferiu o pedido de despejo imediato formulado pelos recorrentes, com fundamento na falta do pagamento das rendas vencidas após o termo do prazo da contestação.
2. O recorrido foi notificado do requerimento formulado pelos recorrentes no sentido de requererem o despejo imediato com base no não pagamento das rendas vencidas na pendência da acção.
3. O recorrido, no prazo da sua resposta ao requerimento apresentado, não procedeu ao depósito das rendas em mora, nos termos do art.º 1048.º do Código Civil, nem tão pouco justificou por que é que o não fez.
4. A única defesa admissível do locatário para evitar o despejo é a prova do pagamento ou depósito - não releva a simples invocação de uma eventual mora “accipiendi”.
5. O recorrido, na contestação apresentada, aceita o contrato de arrendamento celebrado com os recorrentes, não pondo a sua validade em questão.
6. Só que se esquece de efectuar o depósito das rendas que, entretanto, se venceram no decurso da acção.
7. Assim, dúvidas parecem não existir de que gozam do direito de pedirem o despejo imediato da fracção arrendada por parte do recorrido.
8. Ao decidir da forma como o fez, entendem os recorrentes que o M.mo Juiz violou, entre outros, o disposto no art.º 58.º do RAU e no art.º 1048.º do Código Civil, pelo que o despacho recorrido deve ser revogado e substituído por outro que decrete o despejo imediato.


O recorrido não contra-alegou e o Ex.mo Juiz manteve a decisão recorrida.


Colhidos os vistos cumpre decidir.

Com interesse para a decisão em recurso estão assentes os factos seguintes:
1. Na presente acção movida contra o réu, os autores pretendem que o demandado lhes pague as rendas inerentes ao arrendamento do prédio que lhes pertence e situado na Rua Conselheiro Miguel Dantas, na freguesia de ..., inscrito na matriz predial respectiva sob o art.º ...º;
2. Na sequência deste pedido os recorrentes pretendem ainda que o Tribunal decrete a resolução do respectivo contrato de arrendamento;
3. Invocando que o réu não procedeu ao depósito das rendas vencidas na pendência da acção, os autores requereram o despejo imediato do locado;
4. Está assente nesta acção, por acordo das partes, que em 1999 terá ocorrido uma derrocada que originou a total demolição do imóvel arrendado (alíneas D, E, F).
Está ainda por saber se, face a este fortuito acontecimento, as partes acordaram na manutenção da vigência e validade do contrato de arrendamento e na suspensão do pagamento das rendas até o locado se encontrar em condições de ser utilizado, designadamente com o respectivo e inerente licenciamento (quesitos 4.º e segs. da base instrutória).
5. Considerando que esta matéria (quesitos 4.º e segs. da BI) é essencial para a determinação do montante que é ou não devido a título de pagamento de rendas vencidas, mais precisamente, para se saber o momento a partir do qual tal pagamento é devido, o Ex.mo Juiz indeferiu o pedido de despejo imediato formulado com fundamento na falta de pagamento das rendas vencidas após o termo do prazo da contestação, sem prejuízo de apreciação de novo requerimento que venha a ser efectuado após a produção de prova a realizar em audiência de julgamento.
6. É desta decisão de que se recorre.


Passemos agora à análise das censuras feitas à decisão recorrida nas conclusões do recurso, considerando que é por aquelas que se afere da delimitação objectiva deste (artigos 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1, do C.P.C.).

A questão posta no recurso é a de saber se, verificando-se a falta de pagamento da renda, a única defesa admissível do locatário para evitar o despejo é a prova do pagamento ou depósito das rendas vencidas após o termo do prazo da contestação.

I. Dispõe o artigo 58.º do RAU:
1. Na pendência da acção de despejo, as rendas vencidas devem ser pagas ou depositadas, nos termos gerais.
2. O senhorio pode requerer o despejo imediato com base no não cumprimento do disposto no número anterior, sendo ouvido o arrendatário.
3. O direito a pedir o despejo imediato nos termos deste preceito caduca quando o arrendatário, até ao termo do prazo para a resposta, pague ou deposite as rendas em mora e a importância de indemnização devida e disso faça prova, sendo, no entanto, condenado nas custas do incidente e nas despesas de levantamento do depósito, que serão contadas a final.

O incidente processual ora em exame destina-se a impor ao arrendatário a obrigação de satisfazer ao senhorio as rendas que se vencerem durante a pendência da acção que aquele lhe moveu com o objectivo de obter o despejo do locado, designadamente com fundamento na falta do seu pagamento.
Compreende-se que assim seja já que, através desta medida, se pode evitar que alguma pessoa continue a usufruir graciosamente um bem imóvel durante o período de tempo necessário à ultimação do pretendido despejo e a impedir que ao dono do locado seja retirada a devida indemnização sempre que se verifique a impossibilidade da sua execução prática - “a lei optou por tal solução não só para prevenir a eventual conflitualidade resultante da pendência da acção de despejo, dispensando nesta fase a oferta de pagamento das rendas e a notificação do depósito, como também para evitar que o réu possa continuar a usufruir do arrendado sem satisfazer a sua contraprestação; este não se poderá defender, por tal motivo, com uma eventual mora accipiendi do senhorio, por ser seu ónus desincumbir-se do pagamento ou do depósito em quaisquer circunstâncias” (Aragão Seia; Arrendamento Urbano; pág. 309/310).
Mas este direito do senhorio não é uma prerrogativa absoluta que sempre lhe assiste no caso de, numa acção de despejo, se constate que o arrendatário não demonstra ter pago a renda invocada pelo demandante; para que esta medida possa ser accionada, necessário se torna ter como certas a validade do contrato e a certeza de que as rendas em análise são devidas ao senhorio - só se pode falar em rendas vencidas na pendência da acção se esta tiver subjacente um arrendamento válido, que não é posto de qualquer modo em questão pelo réu ou se este não põe em causa o direito que o autor se arroga de receber as rendas (Aragão Seia; Ob. citada; pág. 307).
É que, se a própria renda ou o seu exacto montante estiverem em litígio na acção, esta vicissitude já não está abrangida pela disciplina estatuída naquele normativo legal (art.º 58.º do RAU) e, por isso, o despejo imediato não pode ser decretado no enquadramento desta particularidade jurídico-positiva.

II. A problemática que o presente recurso engloba terá de ser resolvida dentro destes princípios que acabamos de enunciar.
Ora, como bem salienta a decisão recorrida, ainda não estamos de posse de todos os elementos necessários para saber qual o montante das rendas em atraso, designadamente não sabemos, por enquanto, o momento a partir do qual tal pagamento é devido, ou seja, quais as rendas já vencidas e relativamente às quais o inquilino é devedor perante o senhorio.
Deste modo, negando aos recorrentes o direito a estas rendas e não podendo o Julgador desde já tomar uma decisão sobre este diferendo, o recorrido não poderá ser despejado imediatamente, porquanto se lhe não aplica a ele, por ora, o regime legal estatuído no art.º 58.º do RAU.

Concluindo:
1. O direito de o senhorio obter o despejo imediato do locado com fundamento na falta de pagamento ou depósito das rendas vencidas no decurso da acção, não é uma prerrogativa absoluta que sempre lhe assiste no caso de, numa acção de despejo, se constate que o arrendatário não demonstra ter pago a renda invocada pelo demandante;
2. Para que esta medida possa ser accionada necessário se torna ter como certas a validade do contrato e a certeza de que as rendas em análise são devidas ao senhorio
3. Se a própria renda ou o seu exacto montante estiverem em litígio na acção, esta vicissitude faz com que já não se esteja no enquadramento da disciplina estatuída no art.º 58.º do RAU.


Pelo exposto, negando-se provimento ao agravo, mantém-se a decisão recorrida.

Custas pelos agravantes.

Guimarães, 04 de Fevereiro de 2004.